quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Gramsci de opereta (ou o fascismo redivivo)

Não tenho tempo para tudo, nem vivo de jornalismo. Tenho mais o que fazer e não posso ficar escrevendo sobre tudo o que me interessa. E eu me interesso por muita coisa: pelo futuro do Brasil, por exemplo, pela democracia, pelos direitos humanos, por certos valores que talvez estejam em baixa, mas que para mim ainda são fundamentais: como a honestidade intelectual, por exemplo, ou o simples fato de chamar um pau um pau, ou um cara de pau um cara de pau (por vezes também se trata de um mau caráter; aí já me contenho, pois certas pessoas talvez queiram me processar por difamação, sei lá).
Posso não ter tempo para escrever sobre tudo o que gostaria, mas arrumo tempo para ler (quase) tudo o que me interessa, mesmo que para isso precise sacrificar horas de sono, e até algum lazer bobo (como ficar vendo esses filmes americanos de boa qualidade, por exemplo).
Bem, tudo isso para dizer que, embora não concorde com tudo isso (ou talvez com o estilo do jornalista em questão), acho que ele toca nas questões reais, aliás as únicas que interessam nesse nosso Brasil de fraudadores políticos e de meliantes eleitorais.
Apenas por isso, ou talvez mais do que isso, transcrevo o que segue...
Paulo Roberto de Almeida

Esmagados pelo esquerdismo oficial. Ou: ecos do totalitarismo
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

Vamos a um daqueles textos longos? Então vamos!

A decisão do TSE, que, parece, pretende interditar o binômio “PT-Farc” no debate político , deve ser entendida, penso eu, num âmbito maior do que excesso ou falta de rigor jurídico. Especialmente porque, em seu direito de resposta no site do PSDB, os próprios petistas não se ocuparam de repudiar os narcoterroristas colombianos. Limitaram-se a anunciar os seus bons propósitos. E, como sabemos, bons propósitos todos temos. Com alguma ironia, devo lembrar que o Capeta seria apenas um diabo sincero e malsucedido se revelasse o que realmente pretende. Ele só é o Capeta das tentações porque mente, cheio de ardil, não porque é mau… Sigamos.

Não sei se notam: parece que uma espécie de superestrutura, digamos, “moral” está a policiar o confronto de idéias. E é sobre isso que quero falar. É nesse contexto que enxergo a decisão do TSE. Não quero ficar fazendo proselitismo contra esta ou aquela decisão do tribunal. Ocupo-me de entender a questão política e cultural que ela revela. Vamos ter de voltar um pouco no tempo.

Ninguém, como o teórico comunista italiano Antonio Gramsci, conseguiu sintetizar tão bem o horror totalitário. Com uma particularidade: à diferença de um George Orwell, por exemplo, Gramsci era um partidário do totalitarismo. Quando ele imagina o “Partido” como o “Moderno Príncipe”, estabelece o que, para ele, é um horizonte a ser alcançado. Vale lembrar, mais uma vez, o que escreveu. Leiam com atenção:
“O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que o seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.

É o sonho do totalitarismo perfeito. Notem que o “partido” se transforma na única referência dos indivíduos, cujos atos serão avaliados segundo o que é o que é não é útil àquele ente, que toma o lugar da divindade. No mundo sonhado por Gramsci, não há pensamento possível fora do “Moderno Príncipe” — mesmo que seja para… opor-se a ele! O fascismo, segundo a fórmula de Giovanni Gentile, pregava: “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. A fórmula de Gramsci substituía o Estado pelo Partido. E tudo, fascismo ou socialismo, era uma porcaria anti-humanista.

Do fascismo, felizmente, há não mais do que resquícios quase folclóricos aqui e ali. Nem mesmo se pode dizer que foi assumindo nova conformação, guardando a sua essência. Acabou! No Brasil, por exemplo, a coisa mais parecida com um partido fascista é mesmo o PT, mas isso se deve à semelhança — de fato, é a mesma matriz — do fascismo com o socialismo. Este, sim, ainda está muito presente na cultura política moderna, o que não deixa de ser espantoso, prova do quão hábeis têm sido os esquerdistas em manipular a história. Ninguém quer “socializar” mais nada, claro! Reportagem da VEJA desta semana — falo depois a respeito — demonstra que o “socialismo” pode movimentar bilhões entre continentes. O que restou das velhas teorias do bolchevismo, aí sim, foi o desapreço pela democracia e a tentação, ainda presente, de substituir a sociedade pelo partido.

Não há mais a menor chance — e Gramsci vislumbrou isso precocemente — de se fazer uma revolução de caráter soviético ou, se quiserem modernizar a conversa, cubano. Já era! A “guerra socialista”, que é hoje apenas guerra contra a democracia, se dá na esfera dos valores. Como é que Gramsci imaginava que o partido deveria “subverter as relações intelectuais e morais”? Pondo seus quadros para ocupar funções de Estado — naquele Estado dito burguês com o qual o partido queria acabar. Em suma, tratava-se de fazer uma GUERRA DE VALORES. E as modernas esquerdas continuam a fazê-la.

Águas hostis ao confronto democrático podem ter batido na praia do TSE? Por que não? O tribunal não é uma bolha imune à metafísica influente. Caso se aceite como fato, e parece ter sido o caso, que o PT mantém, sim, vínculos, intelectuais que sejam (estou sendo generoso), com as Farc, mas se repudie por imprópria a inferência de que isso significa, por desdobramento lógico, aquiescência com o narcotráfico, creio que duas operações mentais, já no território do que os marxistas chamariam superestrutura, estão operando:
1 - tenta-se reconhecer o grupo narcoterrorista como algo mais do que, afinal, narcoterrorismo;
2 - tenta-se preservar o PT de si mesmo, lavando as manchas de sua história.

Relembro: em seu direito de resposta, os petistas não repudiaram aquele movimento. Talvez tribunal e partido considerem que sobrevive nos narcoterroristas aquela estranha legitimidade que as esquerdas costumam reivindicar, que lhes daria licença para matar em nome da construção de um novo homem. Certamente não ocorreria ao TSE punir partido ou veículo de comunicação que afirmassem que a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, empregou no governo federal a mulher de Olivério Medina, com requerimento assinado e tudo. Talvez os ministros aceitem que se informe, conforme provam os e-mail do laptop de Raúl Reyes, que Medina segue sendo um líder terrorista e que as Farc se ocupam do narcotráfico. Mas não se pode afirmar que o requerimento sugere uma ligação entre o PT e um movimento de narcotraficantes. Aí não pode. A política, submetida à escolástica esquerdista, é um território onde A é igual a B, B é igual a C, mas A não é igual a C porque isso já seria ilação demais… Para alguns, a boa política repudia até a matemática.

Vamos ver. Quantas foram as vezes, ao longo desses sete anos e meio — e mesmo agora, durante a campanha — em que Lula contou a história como bem quis, acusando o governo FHC, entre outras falácias, de ter “quebrado o Brasil três vezes”, o que é uma mentira boçal? Quantas foram as vezes em que Lula chamou para si os benefícios da estabilidade — e o PT o fará de novo na campanha eleitoral —, quando é fato que se opôs ao Plano Real? Apontar os reiterados contados do PT com as Farc rende punição, mas mentir a respeito de fatos históricos comprovados está protegido pelo direito à liberdade de expressão? Chegamos ao duplipensar orwelliano pela via petista-gramsciana? Ignorância, agora, é força?

Mas quê… Um “valor” já se insinuou nas trincas legais da democracia e tenta fazer a sua morada num tribunal superior — na imprensa, ele já é dominante: apontar a vinculação do PT, ainda que nem ele o negue, com as Farc constitui dano moral e política do medo. Imaginem a assinatura de Serra num requerimento contratando a mulher de um terrorista de extrema direita… Sua candidatura já teria sido liquidada. Não haveria a menor chance de isso acontecer, claro. Levo o argumento ao limite para que fique bem clara a natureza da questão. Vocês já perceberam que nenhum repórter — NENHUM!!! — teve a “coragem” de perguntar para Dilma por que ela requisitou os serviços da mulher de Medina? Vocês já repararam que nenhum repórter teve a coragem de perguntar para Dilma por que ela solicitou os préstimo da mulher de um terrorista? Por que não? Vai ver que isso soaria “reacionário” demais, o que, desde logo, torna as Farc, então, “progressistas”…

É claro que são tempos difíceis estes. O critério da conveniência antecede o da mentira e o da verdade, de sorte que uma falácia conveniente, mas assente em valores hegemônicos do “Partido”, é só exercício da política; já uma verdade inconveniente, que contesta a verdade oficial, é tratada como crime a merecer reparação. Nessa marcha, segundo a predição de Gramsci, teremos de nos filiar ao PT se quisermos fazer críticas ao… PT. A ser assim, o partido não precisa nem mesmo cuidar de proteger a sua reputação. Um tribunal se encarregará de fazê-lo.

Diplomacia dos acordinhos comerciais...

Parece que o Estadão é um jornalão sem humor, sobretudo sem sutilezas. Ele não percebe a enorme importância desses acordos que vem sendo negociados pelo Mercosul, seu enorme impacto sobre a economia brasileira. Ele não percebe que a nova geografia do comércio internacional tem razões que a própria razão desconhece. Ignora essas coisas que são feitas com o coração, e não simplesmente com o bolso. Materialistas vulgares...
Paulo Roberto de Almeida

O Mercosul e seus parceiros
Editorial - O Estado de S.Paulo
04 de agosto de 2010

Sem um acordo sequer com os grandes mercados do mundo rico, o Mercosul acaba de fechar seu segundo tratado de livre comércio fora da América do Sul. Desta vez o acerto foi com o Egito. O anterior foi com Israel. Há um acordo de preferências comerciais com a Índia, definido formalmente como primeiro passo na direção de um pacto de livre comércio. O entendimento com o Egito foi oficializado na cidade argentina de San Juan, na segunda-feira, no primeiro dia da reunião de ministros e presidentes do bloco. Foi um dos principais eventos de uma conferência sem grandes emoções.

A ministra de Indústria e Comércio da Argentina, Débora Giorgi, descreveu o acordo como um passo importante para o bloco, porque o Egito, com 76 milhões de habitantes, tem crescido com rapidez e alcançou no ano passado um PIB de US$ 187 bilhões. O chanceler Celso Amorim mostrou igual entusiasmo. Segundo nota do Itamaraty, o acerto com o Egito "reafirma o interesse dos países do bloco em negociar acordos comerciais ambiciosos".

O acordo pode ser interessante, mas a adjetivação usada pelos diplomatas brasileiros é um tanto exagerada. No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,4 bilhão para o mercado egípcio e importou US$ 87,7 milhões. Os principais produtos exportados foram minério de ferro, açúcar, carne bovina congelada e aviões. As principais importações foram de fertilizantes e algodão. O autor da nota aproveitou para lembrar negociações com outros parceiros da região - Jordânia, Marrocos e países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã).

A parte final da nota é especialmente instrutiva para quem quer entender as atuais prioridades comerciais do Itamaraty e do Palácio do Planalto. Segundo a notícia, o Egito tem acordos de livre comércio com a União Europeia, a Turquia, o Mercado Comum da África Oriental e Austral e a Área de Livre Comércio Pan-árabe. Graças ao novo acordo, os países do Mercosul poderão exportar para o Egito com as mesmas facilidades já concedidas àqueles blocos e países.

Em outras palavras: o Brasil poderá competir com os países da União Europeia e com a Turquia pelo mercado egípcio. Mas o governo brasileiro e seus parceiros do Mercosul fizeram muito menos que o necessário, nos últimos dez anos, para competir com o Egito e a Turquia pela conquista de mercados na Europa.

Egípcios, turcos e vários países do Mediterrâneo têm acesso privilegiado à União Europeia, concorrendo vantajosamente com os brasileiros. Os negociadores do Mercosul deveriam ter trabalhado há muito tempo para eliminar essa diferença, mas objetivos como esse não se encaixam bem na sua concepção de comércio. O acordo com a União Europeia, em negociação há mais de dez anos, permaneceu emperrado por muito tempo, principalmente por causa de divergências entre Brasil e Argentina. As discussões foram retomadas e o acordo agora está próximo, segundo autoridades do Mercosul. Mas isso já foi dito em outras ocasiões.

Os governos do Brasil e da Argentina tiveram o cuidado, pelo menos, de não enterrar as negociações com os europeus, como fizeram no caso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A liquidação da Alca dependeu muito mais de Brasília e Buenos Aires do que de Washington. Depois, o governo americano avançou em conversações com outros sul-americanos. Reação do Itamaraty: são acordos sem grande consequência, porque esses mercados são menos importantes que o brasileiro para os EUA. Como agora, os estrategistas de Brasília enxergaram o quadro de cabeça para baixo.

Com aqueles acordos, outros países sul-americanos teriam acesso preferencial ao maior mercado não só do hemisfério, mas do mundo, e ganhariam investimentos de empresas interessadas nessa vantagem. Empresas brasileiras também seriam atraídas. Além disso, esses países se abriram não só às indústrias americanas, mas também às de outros países, como a China. O Brasil perdeu de todos os lados. Só os estrategistas de Brasília parecem não perceber.

Elogio da exploracao (well, sort of...)

Não, não é exatamente isso de que trata este meu artigo, já anunciado anteriormente mas ainda não transcrito aqui, o que faço agora.
Mas prometo tratar, num próximo artigo, de modo elogioso, da exploração, um dos fenômenos mais relevantes do progresso civilizatório. Não pretendo chocar ninguém, apenas abalar a ingenuidade de alguns...
Paulo Roberto de Almeida

Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?
por Paulo Roberto de Almeida
Ordem Livre, 02 de Agosto de 2010

Este é, provavelmente, um dos mais equivocados, mas persistentes, “axiomas” da teoria social dita de esquerda sobre as origens das desigualdades entre as pessoas e os países. Embora não especificamente marxista em sua origem, foi com o marxismo que essa “tese” se difundiu e adquiriu ares de “evidência histórica” como nunca tinha sido o caso no pensamento utópico das correntes socialistas anteriores. De fato, desde Babeuf (e sua “conjuração dos iguais”), passando por Proudhon – “A propriedade é um roubo” – e pelos anarquistas de todas as tendências (menos os anarco-capitalistas, claro, que são mais exatamente libertários), “progressistas” de todas as cores vêm repetindo (em todas as variantes possíveis, e com sucesso) esse credo aparentemente plausível, mas redondamente falso e, no limite, intelectualmente desonesto.

A partir do Manifesto Comunista (1848), que sacraliza a ‘interpretação materialista’ da história como sendo o desenvolvimento da luta de classes desde o começo dos tempos – entre amos e escravos, senhores feudais e servos, burgueses e proletários –, e dos diversos volumes do Capital, que colocam no centro da “teoria da exploração” a extração de mais-valia, o “axioma” ganhou ares de verdade científica, posto que se conformando aparentemente às evidências prima facie. Sim, é um fato que as sociedades são desiguais, internamente e entre si, que algumas categorias sociais são imensamente ricas, enquanto os pobres formam a maioria da população, assim como os países pobres constituem a maioria da comunidade internacional. Daí é fácil chegar à conclusão de que os ricos se apropriaram de riqueza criada pelos pobres e que os países avançados se tornaram ricos porque exploraram – pela via do colonialismo e do imperialismo – países da periferia dominada e oprimida. A relação de exploração e de intercâmbio desigual perduraria até hoje, como “atestam” dezenas de discursos na ONU, e em várias de suas agências, e os representantes desses países.

Universitários ainda são instruídos (como se o livro constituísse verdade histórica incontestável) com a mais inacreditável salada terceiro-mundista de que se tem notícia desde o aparecimento do conceito, consagrado no obsessivamente editado As Veias Abertas da América Latina, cujo autor – devidamente identificado como o “mais perfeito idiota latino-americano” – se serve de todos esses equívocos simplistas para provar que a região poderia ter sido rica e desenvolvida não fosse pela “exploração colonialista” das potências ibéricas e pela “dominação imperialista” dos Estados Unidos. Estupidamente, a “exploração” começa desde o descobrimento, como se a América Latina pudesse ser o que ela é hoje sem o seu passado colonial.

Sem recusar a realidade da dominação e da exploração, e até mesmo do “intercâmbio desigual” – relações que se encontram em todas as situações possíveis, desde o ambiente familiar até um contrato juridicamente perfeito –, cabe descartar como insustentável a tese da acumulação de riqueza numa ponta, como o resultado da extração dessa mesma riqueza na ponta miserável. Mesmo as situações de dominação direta e de exploração pela força bruta, são derivadas de um diferencial anterior de produtividade e de capacitação tecnológica. Afinal de contas, ninguém é imperialista apenas como expressão de uma vontade dominadora, ou por puro ato de barbárie: não se é imperialista porque se quer, mas apenas porque “se pode”.

Para dominar um outro povo, é preciso, antes de tudo, dispor de um aparato produtivo moderno – que se reflete, obviamente, no poder de fogo dos canhões; é necessário, também, uma organização econômica superior, para poder “extrair recursos”; estes são os requisitos prévios e indispensáveis ao ato de dominação. Ou seja, é preciso ter feito a sua “acumulação primitiva” de fatores de dominação e de exploração, e não exatamente no sentido marxista da expropriação direta, mas no da aquisição preliminar de “meios de exploração” produtiva: em geral, ninguém se torna mais capaz explorando camponeses analfabetos e trabalhadores ignorantes.

Na origem das desigualdades entre os povos, e dos diferenciais de renda entre as pessoas, situa-se um fator econômico relativamente simples no seu conceito, mas provavelmente complicado nas suas diversas manifestações concretas: ele se chama produtividade do trabalho e condensa aquilo que numa terminologia marxista se poderia designar por ‘modo inventivo de produção’. Ele significa que um sistema econômico mais eficiente é necessariamente constituído por pessoas altamente produtivas – e, portanto, com uma educação de qualidade – capazes de reter os frutos do seu trabalho (o que se chama direitos de propriedade, normalmente garantidos pelo estado). Sistemas desse tipo eram, na prática, inexistentes até uma fase relativamente recente da história da humanidade; seu aparecimento não decorre da revolução industrial; ao contrário, é esta que decorre daqueles fatores, segundo Douglass North.

As diferenças entre os países – que eram, até então, relativamente homogêneos em sua baixa produtividade agrícola – começam a se aprofundar a partir desse crescimento acelerado da produtividade, num processo que os historiadores econômicos chamam de “grande divergência”. Com exceção de uma reduzida elite, sempre abastada em todas as épocas e sociedades, os níveis de vida de “ricos” e “pobres” não conheciam diferenças radicais; mesmo um conhecido milionário, como o banqueiro Nathan Rothschild poderia – como de fato ocorreu – morrer de uma simples infecção provocada por um arranhão.

O mesmo Rothschild, aliás, não ficou rico explorando os pobres, ainda que ele tenha emprestado bastante dinheiro para países “emergentes”, como o Brasil imperial e o da Velha República; seus lucros fabulosos decorreram de empréstimos para os próprios países ricos, ou melhor, para os reis, príncipes e os governos desses países. O fabuloso poderio militar, as proezas tecnológicas e a riqueza da sociedade americana não derivam da exploração de países pobres, ao contrário: as empresas americanas são capazes de “explorar” esses países justamente por dispor de uma tecnologia superior e de uma organização dos negócios mais eficiente do que as dos “explorados”.

Em outros termos, renda, riqueza e poder são o resultado da eficiência do sistema econômico e da produtividade do trabalho daqueles que são responsáveis pela organização do sistema, não o produto da exploração de outros povos e trabalhadores, ainda que essa realidade também exista (mas ela não é o centro, nem a chave explicativa das diferenças e das desigualdades distributivas entre povos e pessoas). Bill Gates, por exemplo, o Rothschild de nossa época, nunca extraiu um quilo sequer de matéria prima de qualquer país que fosse: sua riqueza é fruto da pura inteligência.

Explicações simplistas, como a “teoria” marxista da “exploração”, podem ser admitidas em pessoas de baixa instrução e de pequena capacidade de raciocínio; que também sejam partilhadas por universitários e até por pessoas tidas por ‘intelectuais’ já revela uma insuficiência de compreensão de como o mundo funciona realmente. Isso só pode ser fruto de miopia ideológica ou de desonestidade intelectual, quando não é demonstração de ignorância histórica, pura e simples. Enfim, nada que a leitura de bons livros de história e de manuais honestos de economia não consiga remediar.

Creio que os acadêmicos marxistas precisam melhorar a produtividade de suas leituras: eles não têm nada a perder, a não ser os grilhões ideológicos que os prendem a explicações ultrapassadas. Eles têm um mundo inteiro a ganhar...

Diplomacia de bar (vai uma pro santo?)

Não, o título não é meu; é do jornalista do Estadão, que, aliás, sempre se ocupou de política doméstica. Não me lembro dele ter tocado, uma vez sequer, em temas de política externa. Se o faz agora, é porque deve se sentir algo incomodado com a situação reinante em certas esferas federais.
Não, obviamente, o mesmo incômodo que a infeliz iraniana possa estar causando num regime pelo qual nosso guia tem especial carinho, mas um outro tipo de incômodo, talvez aquele que faz a gente enjoar e, para os mais sensíveis, ter até sensação de vomitar. De fato, certas coisas causam náuseas, talvez até mais do que isso, mas não pretendo entrar aqui em conceitos duros, em linguagem forte, que algumas almas sensíveis podem achar estranho num blog mantido, como direi, por alguém que deveria exibir certa subserviência aos poderes constituídos. Pois é, tem gente que decepciona, como esse jornalista, por exemplo: em lugar de se ocupar de seu menu habitual, que é do que entende, vai se meter em política externa. Vai saber por que...
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia da mesa do bar de Tia Rosa
José Nêumanne
O Estado de S.Paulo, 4 de agosto de 2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus lugar-tenentes - o ministro oficial Celso Amorim e o chanceler oficioso Marco Aurélio Garcia - têm surpreendido o mundo com um tipo de política externa pouco respeitado, pelo menos entre Estados democráticos de Direito no Ocidente: a diplomacia da conveniência. Trata-se de uma leitura heterodoxa da ética da conveniência de Max Weber. E esse aparente pragmatismo a toda custa se traduz no slogan que o ministro de Relações Exteriores brasileiro cunhou para explicar a súbita adesão do chefe de governo brasileiro ao pleito de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, tirano da Guiné Equatorial, país de colonização espanhola e francesa, de entrar na comunidade lusófona: "Negócio é negócio."

Essa retórica de fazer corar o mais pétreo dos especuladores do mercado de capitais passou por cima de graves acusações de violação de direitos humanos. E, pior ainda, do fato de o ditador ter sido considerado o oitavo governante mais rico do planeta pela revista Forbes, apesar de (ou seria et pour cause?) o país por ele governado ser um dos mais pobres do paupérrimo continente africano. Mas esta não foi a primeira nem a única vez que Sua Excelência, do alto de sua respeitável biografia de herói da democracia construída sobre os escombros do regime autoritário tecnocrático-militar no Brasil, fez pouco-caso da vida humana em benefício das próprias conveniências, que ele e seus áulicos confundem com as da Pátria. Mais chocante que o relógio de ouro e diamantes exibido pelo mandachuva há 31 anos em seu país, o mais antigo presidente da África inteira, foi a gargalhada flagrada pelos fotógrafos quando Lula conversava com Raúl Castro, o irmão mais novo de Fidel, no instante em que o cubano era informado da morte do prisioneiro dissidente em greve de fome Orlando Zapata. O escárnio do líder de um partido que se diz de trabalhadores pobres, ao manifestar tal descaso pelo sacrifício do preso negro, pedreiro e mártir de uma ditadura ainda mais longeva que a de Nguema, assustou, mais do que surpreendeu, as boas almas do mundo que devotam genuína admiração ao self made man que ascendeu da mais baixa à mais alta escala social, tornando-se o mais poderoso e popular governante do Brasil desde o desembarque do português Tomé de Souza em praias da Bahia. E o susto foi tão legítimo como a admiração.

Engana-se, contudo, redondamente quem imaginar que essa gargalhada tenha sido o ápice das desastradas intervenções brasileiras no episódio dos dissidentes cubanos. Lula comparou-os com bandidos comuns em prisões brasileiras. E Marco Aurélio Garcia tentou ficar com o crédito pela libertação esporádica de um grupo deles, dizendo que os espanhóis, que participaram efetivamente do acordo que os soltou, só fizeram o gol numa jogada armada pelo Itamaraty.

A diplomacia lulista não precisou sair do Caribe para armar mais uma confusão causada por essa mistura de arrogância e ignorância que o professor Roberto Campos chamava de "arrognância". Num lance de grosseria explícita, Sua Excelência resolveu ignorar a presença de Álvaro Uribe na presidência da Colômbia, menosprezando a soberania do vizinho amigo e democrático para beneficiar o compadre venezuelano Hugo Chávez. O desrespeito se assemelha a negar pedido de extradição do criminoso Cesare Battisti pela Itália, soberana e democrática, que lhe teria negado pleno direito de defesa.

A presidência da Colômbia, entre um vizinho arruaceiro e outro grosseiro, emitiu nota oficial na qual resumiu em poucas linhas a mentalidade que comanda a política externa brasileira nos últimos sete anos e sete meses: Lula tem dificuldade de distinguir o pessoal do institucional. Hábil negociador sindical, confunde a negociação em fóruns internacionais com as noitadas no bar de Tia Rosa, em São Bernardo, onde decidia os passos dos metalúrgicos nas greves no fim dos anos 1970. Para retaliar Uribe ele se dirigiu diretamente a Juan Manuel Santos, o eleito que tomará posse na presidência colombiana sábado, adotando atitude idêntica à assumida no mesmo dia pelas Farc.

Há uma semana, o jeito peculiar do lulismo de tratar da soberania dos povos produziu outra pérola da insensibilidade diplomática, quando o presidente brasileiro se recusou publicamente, como havia feito com os dissidentes cubanos, a pedir a comutação da pena de apedrejamento de uma mulher iraniana a seu "amigo" Mahmoud Ahmadinejad. "As pessoas têm leis. Se começarem a desobedecer às leis deles para atender ao pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação", justificou seu desinteresse pela vida de Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva acusada de adultério.

Mas Lula, o insensível, virou Lula, o magnânimo, em seu palco preferido, o palanque de sua candidata à própria sucessão, Dilma Rousseff, em Curitiba, sábado passado. Ali, na certa convencido de que lhes seria mais conveniente apelar pela vítima do que apoiar o carrasco, candidatou-se, com uma frase infeliz, a herói mundial pela comutação da pena capital da mãe de dois filhos condenada por adultério, que, em países democráticos, caso do Brasil, nem é mais passível de pena como crime ou sequer contravenção. "Se vale minha amizade e o carinho que tenho pelo presidente do Irã e pelo povo iraniano, se esta mulher está causando incômodo, nós a recebemos no Brasil", disse ele.

O recuo de Lula, mesmo não sendo atendido pelo destinatário, deve ser relevado em nome da boa causa. Elogiável será o efeito da metamorfose ambulante do presidente brasileiro pelo resultado que pode produzir. Mas não é exagerado lembrar que vidas humanas estão acima de interesses negociais e que a amizade pessoal nunca deve prevalecer sobre a liberdade individual. É bom que a diplomacia de conveniência do governo lulista tenha abraçado uma causa justa, mas tal mudança só produzirá efeitos positivos se vier com a consciência de que em diplomacia a conveniência não pode abrir mão do respeito.

JORNALISTA E ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO "JORNAL DA TARDE"

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O troco de Teerã a Lula
Editorial - O Estado de S.Paulo
04 de agosto de 2010

O governo iraniano rejeitou ontem, em termos ríspidos, a oferta do presidente Lula de dar asilo à viúva Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento por um suposto crime de adultério - caso que mobilizou as organizações de defesa dos direitos humanos em muitos países e deu origem, no Brasil, ao movimento "Fala Lula", difundido pela internet. "O presidente da Silva tem uma personalidade muito emotiva e humana", disse o porta-voz do Ministério do Exterior do Irã, Ramin Mehmanparast, "mas provavelmente não tem informação suficiente sobre o assunto."

Portanto, aos olhos do regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad, de quem ele se considera amigo e por quem diz sentir carinho, Lula é um exaltado que não sabe do que está falando. Na véspera, uma agência de notícias arquiconservadora ligada à Guarda Revolucionária, que age como uma espécie de polícia de costumes da teocracia, acusou o brasileiro de interferir em questões internas do Irã, "sob influência da mídia estrangeira". O que não se esperava era a canelada do próprio governo que tem em Lula o seu único aliado respeitável no Ocidente.

O regime teocrático iraniano é o que é e Ahmadinejad representa a linha-dura dos aiatolás no poder civil, mas Lula, efetivamente, tem demonstrado fartamente que "não tem informação suficiente sobre o assunto", como diria o porta-voz da chancelaria iraniana. Não tendo, quem sabe imaginasse que, depois de tudo que fez por Ahmadinejad no contencioso sobre o programa nuclear de seu país, teria direito a uma recompensa que o projetaria como salvador de uma vida a ser extinta por um dos meios mais bárbaros já inventados. Isso atenuaria o que ele disse no ano passado da brutal repressão aos dissidentes iranianos - "apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos". E talvez apagasse a lembrança da sua manifestação inicial sobre a tragédia de Sakineh, a mãe de 2 filhos presa desde 2006, já punida com 99 chibatadas por alegado "relacionamento ilícito", e que, se não for afinal apedrejada, poderá morrer na forca aos 43 anos. Há uma semana, coerente com a sua folha corrida em matéria de direitos humanos - que o digam os prisioneiros políticos cubanos que comparou a "bandidos presos em São Paulo" -, Lula recusou-se a interceder pela iraniana com este desastrado argumento: "Se (as pessoas) começarem a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação", declarou, no mais castiço lulês.

No círculo íntimo presidencial, alguém há de ter levado as mãos à cabeça e chamado a atenção do chefe para o provável custo eleitoral da enormidade que proferira, logo ele que escolheu uma mulher para lhe suceder. É a explicação mais plausível para a reviravolta que se seguiu, a menos que se acredite na versão de um assessor, segundo o qual "Lula ouviu a voz da consciência". O fato é que, na primeira ocasião apropriada - um comício em Curitiba, no sábado, ao lado da candidata Dilma Rousseff -, ele fez a sua oferta, com a promessa de ligar para Ahmadinejad.

Se ligou, não se sabe. Mas, à parte o áspero troco iraniano, o episódio é um exemplo dos improvisos e desencontros do governo na execução de sua desastrada política externa. A crer no chanceler Celso Amorim, ele havia pedido ao seu colega iraniano Manouchehr Mottaki que Teerã perdoasse Sakineh. Amorim disse ter feito o apelo, que o seu interlocutor ouviu em silêncio, há duas semanas - antes, portanto, de seu guia falar em "avacalhação". Além disso, o ministro deixou implícito que Lula deu o dito pelo não dito sem combinar com o Itamaraty. Dois dias depois da guinada, o chanceler comentou que ainda precisaria conversar com o presidente sobre a melhor maneira de formalizar a sua proposta de asilo.

Tudo isso não empana o mérito de Lula. Apesar da confusão e do atraso - e quaisquer que tenham sido os seus motivos -, ele fez a coisa certa ao sair em defesa da iraniana. As provações de Sakineh Mohammadi Ashtiani e a monstruosa ameaça que paira sobre ela ofendem o mais elementar senso de decência humana.

Vamos esperar que, mais bem informado, agora, sobre a essência totalitária do regime iraniano, Lula modere o apoio que lhe dá.

Diplomacia da tolerancia com infratores de direitos humanos

Faz sentido. Combina inteiramente com quem ocupa o poder atualmente. Afinal de contas, é preciso olhar com um certo carinho todos esses assassinos e celerados. Eles também são humanos e tem direito aos direitos humanos, em primeiro lugar o de serem ouvidos e acatados. Por que seus governos não teriam o benefício da dúvida e da tolerância?
Paulo Roberto de Almeida

Brasil quer que ONU evite censura a países que violam direitos humanos
Jamil Chade - correspondente em Genebra
O Estado de S.Paulo, 04 de agosto de 2010

Em carta enviada a todos os Estados-membros da organização, representantes brasileiros defendem o diálogo com 'infratores' e propõem reforma para que a condenação pública seja apenas o último recurso do Conselho de Direitos Humanos

O governo brasileiro quer mudar a maneira como as Nações Unidas tratam as violações de direitos humanos no mundo. Em uma carta enviada a todos os Estados-membros da ONU, o Itamaraty propôs que a organização evite censurar publicamente regimes autoritários. A denúncia pública é considerada a principal forma de pressiona um país acusado de atentar contra os direitos humanos a mudar sua conduta.

O Brasil defenderá o diálogo com regimes violadores na revisão do funcionamento do Conselho de Direitos Humanos, que começa no fim do mês e termina em 2011. O argumento é que as reuniões de emergência da ONU detonariam crises internas.

As mudanças sugeridas na carta brasileira, datada de 19 de julho, à qual o Estado teve acesso com exclusividade, deve provocar controvérsia. Nos últimos anos, o Itamaraty evitou condenar países violadores nos órgãos da ONU. A estratégia é abster-se em votações sobre alguns casos e manter o diálogo, mesmo com governos que reconhecidamente cometeram atrocidades.

Em diversas ocasiões, o Brasil manteve-se distante dos países que criticaram abertamente Coreia do Norte, Irã, Sri Lanka, Sudão, entre outros governos, por desrespeitar direitos fundamentais. Para o Itamaraty, durante anos, a ONU virou palco de condenações e ataques que nunca resolveram as violações de direitos humanos. Nessas ocasiões, entidades como Anistia Internacional e Human Rights Watch criticaram a opção brasileira pelo silêncio. Brasília rejeita a avaliação e insiste que o atual sistema também não funciona.

Ineficácia. "Hoje, o Conselho de Direitos Humanos da ONU vai diretamente para um contencioso", diz a carta brasileira. Quando há uma crise ou violação generalizada de direitos humanos, os países podem propor uma reunião de emergência e a aprovação de uma resolução pedindo o fim da violência e condenando um governo pelas violações. O Brasil acredita que essa prática não é eficaz. "Elas servem aos interesses daqueles que estão fechados ao diálogo, já que lhes dá uma espécie de argumento de que há seletividade e politização", afirma o Brasil.

"Não se trata de aliviar as resoluções", diz uma fonte do governo brasileiro, mas de aperfeiçoar o caminho até que se chegue a elas, tornando-as mais efetivas. Para o Itamaraty, as críticas feitas até agora são pontuais e isoladas, o que não impede que a proposta brasileira seja colocada efetivamente em prática.

Uma alternativa apresentada pela diplomacia brasileira é a realização de reuniões técnicas, sem a aprovação ou a proposição de resoluções. O encontro ocorreria na ONU, entre as agências internacionais e o governo em questão. Outra proposta é promover viagens de delegações de governos ao local da crise, algo que já ocorre em outros órgãos da ONU. No entanto, governos europeus querem saber se essas viagens substituiriam a presença de relatores independentes. O temor é que uma delegação formada apenas por governos acabe, mais uma vez, poupando o país envolvido na crise de críticas mais duras. A delegação, segundo a proposta brasileira, teria de ser formada por representantes de várias regiões.

A ex-relatora da ONU para investigar abusos em Cuba, Christine Channet, diz que, como a ONU faz hoje, não há como avançar. "Não vejo muita esperança diante da estrutura que temos hoje", disse ela ao Estado. Christine, contudo, preferiu não responder se o modelo proposto pelo Brasil faria alguma diferença. / COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA

Para entender
O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem 47 países-membros, com mandato de três anos. Para que uma resolução seja aprovada, é necessária a maioria simples dos membros. A cada quatro anos, os governos são obrigados a passar por uma sabatina sobre suas políticas de direitos humanos. Os governos também apresentam propostas de resoluções a cada três meses, mas reuniões de emergência podem ser convocadas para a votação de uma resolução, caso haja apoio substancial.

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Comentário de um jornalista que visivelmente não concorda:

Achando que ainda não chegaram ao fundo do poço, Lula e Amorim propõem a ONU que pegue mais leve com os tiranos de todo o mundo
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

O lixo moral que a política externa brasileira vai acumulando é uma coisa espantosa — e sem limites. Quando a gente supõe que o megalonanico e o megalobarbudo já atravessaram os umbrais do opróbrio, eles aprontam mais uma.
(...)
O que o Brasil propõe, em suma, é aliviar a pressão sobre ditadores e facínoras. Não por acaso, países africanos e árabes receberam muito bem a proposta — afinal, concentram boa parte das tiranias do mundo. Lula quer que a ONU, em suma, mantenha com os gorilas as relações que ele próprio mantém. Como sabemos, ele consegue ser de uma eficácia fabulosa, não é mesmo?

É uma humilhação para a política externa brasileira, que chega ao fundo do poço entre os países que têm alguma relevância no mundo. O pretexto, como sempre, é o da “maior eficiência”. Lula se abraçou com todos os déspotas do mundo. Eles se tornaram melhores por isso? Não! Mas o Brasil viu minguar a sua reputação.

Insisto na tese levantada aqui há alguns meses: a política externa brasileira é, dado o que sabemos, incompreensível e injustificável. Talvez só possa ser explicada e justificada com o concurso do que a gente ainda não sabe.

Pergunto-me sempre: que laços terão atado, de modo tão firme, o governo do PT ao governo do Irã? Sim, meus caros, nessa equação, uma vez mais, o objeto dos carinhos de Lula é o regime iraniano.

Um problema nacional, e de politica externa: as drogas da Bolivia

Não adianta "tampar" (como já disse alguém) o sol com a peneira. Este é um problema real, que exige soluções reais, efetivas, mais do que simples conversa mole.
Meu único papel aqui é o de informar...

CCJ faz audiência sobre tráfico de drogas da Bolívia para o Brasil
Reinaldo Azevedo, 3.08.2010

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado fará amanhã (4.08.2010) uma audiência pública para debater o tráfico de cocaína da Bolívia para o Brasil, que cresceu enormemente depois da chegada de Evo Morales à Presidência daquele país. O requerimento foi apresentado pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO). “Somos o segundo país das Américas em número de usuários de drogas, perdendo apenas para os Estados Unidos. Não podia imaginar que nosso país fizesse parte de um ranking negativo como esse”, afirmou a senadora.

Mais de 70% da cocaína consumida no Brasil — inclusive a parcela destinada ao crack — vem da Bolívia. “O mais grave é que existem fortes indícios de que essa droga chegue ao Brasil com a cumplicidade do governo. Com essa discussão, a população conhecerá as ações de combate ao tráfico de drogas e os procedimentos adotados na fronteira quando o assunto é essa relação entre Brasil e Bolívia”, afirmou Kátia.

A senadora está sendo polida. Há mais do que “indícios”. Há mesmo a certeza. A produção de pasta de coca cresceu muito na Bolívia sob o governo Evo. Ele próprio se encarregou de criar campos novos de cultivo da folha em áreas fronteiriças com o Brasil. Não há consumo ritual que justifique esse incentivo, uma vez que, para esse propósito, o país já produz muito mais do que pode mascar. Segundo a ONU, 64% da produção se transforma em cocaína e crack. E o Brasil é o grande “comprador”. Evo também recusou um programa de ajuda dos Estados Unidos que dava incentivo à cultura de alimentos em vez do cultivo da coca.

O sacerdote aimará que deu posse simbólica a Evo Morales e principal representante do consumo ritualístico da folha foi preso com 250 quilos de… cocaína líquida! Em Chapare, berço político de Evo, a quase totalidade da produção das folhas 93% (!!!) vira cocaína e crack. A demanda cresceu tanto que o país já está importando matéria-prima do Peru!!!

A audiência da CCJ reunirá o Coordenador Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes, Oslain Campos Santana; o Promotor de Justiça do Mato Grosso do Sul Tiago Di Giulio Freire; o Secretário Nacional de Segurança Pública Substituto, Alexandre Augusto Aragon; o Coronel da Aeronáutica Cassiano Cordeiro Batista, e o Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa.

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Addendum (datado de 4.08.2010):

Chefe da Polícia Federal confirma, na prática, o que disse Serra: governo da Bolívia é conivente com o narcotráfico
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

Noticiei ontem aqui, vocês devem se lembrar, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, por iniciativa da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), realizaria hoje uma audiência sobre o tráfico de drogas da Bolívia para o Brasil. Pois bem. Leiam o que informa a Folha Online. Volto em seguida:

PF diz que Bolívia aumentou plantação de coca no governo de Evo Morales
Por Gabriela Guerreiro
Folha Online, 4.08.2010

O diretor-geral da PF (Polícia federal), Luiz Fernando Corrêa, disse nesta terça-feira que a Bolívia aumentou sua plantação de coca no governo do presidente Evo Morales. Ao participar de audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado para discutir o narcotráfico na Bolívia, o diretor da PF disse que mais da metade das drogas consumidas no Brasil são produzidas no país vizinho, maior fornecedor de cocaína ao Brasil.

“O que é público e notório que a ONU [Organização das Nações Unidas] atestou em seu relatório é que a área plantada [de coca no governo Morales] aumentou. No mínimo, em torno de dois terços ou pouco mais da metade da droga que se apreende no Brasil comprovadamente é boliviana. Então, nós temos que enfrentar a questão da matéria prima, da oferta lá na origem, além dos cuidados de contenção de fronteira”, afirmou.

Corrêa disse que a PF firmou parceria com o governo boliviano para combater o narcotráfico na região, embora o país ainda esteja no processo inicial de articulação contra a ação dos traficantes. “Lá esbarramos em questões culturais, a folha de coca é sagrada. Mas isso se destina ao narcotráfico e o Brasil é um desses destinos dessa produção ilícita.”

Segundo o diretor da PF, o governo brasileiro não pode “invadir a soberania” boliviana para erradicar as plantações de coca, mas deve criar mecanismos para separar o consumo para “fins culturais” do tráfico internacional. “Já temos oficiais de ligação em território boliviano trabalhando no campo da inteligência que tem nos permitido identificar e prender pessoas e carregamentos e também auxiliá-los.”

Corrêa disse que o trabalho da Polícia Federal é “muito maior” do que simplesmente evitar o ingresso de drogas ilícitas no país. “Tudo isso é enxugar gelo se não tratarmos a questão da oferta”, afirmou.

Na audiência, Corrêa defendeu a criação de uma rubrica específica no Orçamento Geral da União para a ação de combate ao narcotráfico nas fronteiras do Brasil com a Bolívia e o Paraguai –maior exportador de maconha ao país.

“Queríamos que esse esforço compartilhado tivesse uma rubrica própria. Se não, essa ação permanente de controle de fronteira quando tiver restrição orçamentária, pára. E no momento que parar, o tráfico vai se segurar porque não estamos presentes”, afirmou.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) disse que o percentual destinado no Orçamento da União à PF não é empenhado integralmente, o que prejudica as ações do órgão. Segundo a senadora, nos primeiros seis meses deste ano a Polícia Federal recebeu R$ 141 milhões dos R$ 2,7 bilhões destinados na dotação orçamentária para a instituição.

POLÊMICA
Em maio, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, provocou polêmica a afirmar que o governo da Bolívia é “cúmplice” do tráfico de cocaína para o Brasil.

Na época, o governo boliviano rechaçou as acusações do tucano ao afirmar que os dois países realizam “ações conjuntas na luta contra o flagelo do narcotráfico” e que Morales ratificou seu compromisso contra as drogas. O governo boliviano atribuiu as palavras de Serra à disputa eleitoral.

Candidata do PT, Dilma Rousseff disse que o tucano “incriminou” o governo boliviano sem provas.

Comento [Reinaldo Azevedo]
1 - Se eu disser que, segundo a PF, o tucano José Serra estava certo, e a petista Dilma Rousseff, errada, corro o risco de ser punido pelo TSE?;
2 - Se eu disser, mais uma vez, que o governo Lula mantém “vínculos especiais” com um outro governo leniente com o narcotráfico, o PT pode pedir, e conseguir, direito de resposta, ainda que eu apresente ao TSE a informação prestada pelo diretor geral da Polícia Federal?

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Et encore [certos jornalistas exageram; ficam pegando no pé...]

PT tem de pedir direito de resposta ao diretor-geral da PF, né?
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

Acho que o PT e a candidata Dilma Rousseff têm de entrar na Justiça pedindo direito de resposta ao diretor-geral da Polícia federal, Luiz Fernando Corrêa. Ele confirmou que a produção de coca na Bolívia cresceu muito sob o governo Evo Morales, com o que Lula e Dilma não concordam. Acham que isso é puro preconceito do tucano José Serra contra o índio de araque.

Ou, então, é preciso arrumar uma outra autoridade na PF para falar o contrário. Se não for assim, a campanha fica muito desequilibrada. Não dá para todo mundo ficar falando a verdade. O PT tem de exigir o “outro lado”.

Diplomacia da vinganca: uma nova modalidade, até aqui desconhecida...

Lula diz que vai “se vingar” ao participar de jantar de despedida de Uribe
Nathalia Passarinho
Portal G1, 3.08.2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta terça-feira (3), ao assumir a presidência rotativa do Mercado Comum do Sul (Mercosul), que “vai se vingar” das críticas do colega colombiano, Álvaro Uribe, participando do jantar de despedida dele, em Bogotá. Lula participou de reunião de cúpula do bloco regional em San Juan, na Argentina.

“Eu falei uma coisa com a imprensa esses dias que o Uribe ficou nervoso, fez uma nota. Sabe como vou me vingar de Uribe? Vou no jantar de despedida dele, para ele saber que eu não tenho nenhum problema com ele, eu quero ajudar. Ele é meu amigo. Quero ver ainda se ele me coloca para jantar ao lado dele”, afirmou.

Na última quinta-feira (29), o presidente colombiano disse “deplorar” o fato de Lula se referir à crise diplomática com a Venezuela como se fosse um “caso de assuntos pessoais”, ignorando a ameaça que seria para a Colômbia a presença da guerrilha das Farc em território venezuelano.

Na última quarta (28), Lula afirmou que é preciso “ter paciência” e esperar a posse do novo presidente colombiano, Juan Manuel dos Santos, para que o conflito entre os dois países seja resolvido.

A posse está marcada para o dia 7 de agosto. No dia 22 de julho, a Venezuela anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia depois que o governo do país pediu à Organização dos Estados Americanos (OEA) que investigue a presença de guerrilheiros em território venezuelano.

Irã
Ainda durante a cúpula do Mercosul, Lula criticou os países membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas por rejeitarem o acordo com o Irã que prevê a troca de combustível nuclear. Segundo ele, as nações desenvolvidas deveriam “aprender” com o bloco sul-americano ao invés de demonstrarem “ciúmes”.

“Acho que a América do Sul e o Mercosul são exemplos de como o mundo poderia viver em paz, sem armas nucleares, sem guerra, como o mundo poderia viver de forma muito mais harmônica”, disse. “Eles poderiam aprender conosco, não poderiam ter os ciúmes que tiveram nesses últimos dias”, criticou.

Lula defendeu o acordo fechado em maio com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. A chamada Declaração de Teerã, firmada com a participação de Brasil e Turquia, prevê a entrega pelo Irã de urânio levemente enriquecido. Em troca, a república islâmica receberia combustível nuclear. A troca seria realizada em território turco. Segundo Lula, a comunidade internacional recusou o acordo apesar de ele cumprir as exigências impostas numa carta enviada ao governo brasileiro pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

“Os países do grupo de Viena , ao invés de dizerem, ‘estão criadas as condições para as negociações’, começaram a discutir aumento de sanções. O documento que firmamos com o Ahmadinejad era a carta explícita que o Obama mandou para mim. Exatamente o que o Obama disse que era possível fazer nós fizemos. E aquilo que era pra ser acordo virou sanção”, criticou.

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E um comentário a esse propósito:

Da grande promessa ao grande canastrão
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

A fala de Lula sobre o presidente colombiano, Álvaro Uribe, explica por que Lula chegou a ser visto como uma nova liderança e vai deixar o mandato, aos olhos do mundo, como um canastrão que pode ser perigoso. Para a Colômbia, as Farc não são uma mera questão retórica. Ao contrário: o estado chegou à beira da dissolução, pressionado, de um lado, pelo narcotráfico sem marca ideológica, e, por outro, pela narcoguerrilha que se quer marxista. Hoje, os dois grupos estão unidos contra a democracia.

E a Venezuela não só dá guarida aos narcoterroristas como lhes fornece armas, o que também já foi comprovado. Nos quase oito anos à frente do governo, Lula, invariavelmente, alinhou-se com o ditador Hugo Chávez e teve uma posição genericamente hostil ao governo colombiano. Não custa lembrar que Celso Amorim não disse um “a” quando o Exército colombiano aprendeu bazucas do Exército venezuelano em poder das Farc. Não! Errei! Disse, sim: afirmou que não havia provas de que aquilo fosse mesmo verdade.

Amorim, no caso, ficou aquém do próprio Chávez, que reconheceu que as armas eram mesmo da Venezuela — inventou que elas tinham sido roubadas. Troca de correspondência do terrorista Raul Reyes com seus comandados evidenciou que se tratou de uma negociação feita com agentes do governo Chávez. Nesse mesmo lote de e-mails, diga-se, estão aqueles que listam os amigos das Farc no governo brasileiro.

Mas Lula e Amorim foram extremamente duros com a Colômbia, exigindo “garantias” (!!!) para que se ampliasse a presença de soldados americanos em suas bases militares — que ficam, claro, em território colombiano. Lula é contra interferir na política interna das ditaduras; nas democracias, ele pretende pintar e bordar.

O Brasil não reconhece o caráter narcoterrorista das Farc. Marco Aurélio Top Top Garcia declarou “neutralidade” a respeito. Não só isso. Lula ofereceu o Brasil como “território neutro” para uma “negociação” entre o governo constitucional da Colômbia e a bandidagem — como se as Farc tivessem a legitimidade de um governo eleito. E como pode ser o Brasil “neutro” entre a democracia e o narcoterrorismo?

Para Lula, tudo termina em pantomima e piada. Termina? Não! Na prática, o presidente brasileiro está sempre alinhado com o que há de pior do mundo, como revela, uma vez mais, a sua fala sobre o Irã. Vejam como ele, de novo, estende seus olhares lânguidos para o terrorista anti-semita, apedrejador de mulheres.

A tirania iraniana acha que Lula é só um emotivo desinformado. Está errada, claro! Lula se oferece como esbirro de todas as ditaduras do mundo porque acredita que, assim, ele próprio assume um papel de líder mundial. Pretende ter um método. Chegou a enganar por algum tempo. Hoje, é só motivo de riso e escárnio mundo afora.

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