terça-feira, 12 de outubro de 2010

Brasil: cooperacao ao desenvolvimento - Rubens Antonio Barbosa

Assistência financeira ao exterior
RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo, 11 de outubro de 2010

Um dos aspectos da política externa que pouco têm merecido a atenção dos analistas e estudiosos é o da assistência técnica e financeira prestada pelo Brasil a dezenas de países, especialmente da África e da América Latina. Trata-se de um dos desdobramentos da política Sul-Sul desenvolvida nos últimos oito anos pelo governo brasileiro.

Sem chamar muito a atenção, e gradualmente aumentando seu soft power, o Brasil está se tornando um dos maiores doadores e prestadores de assistência técnica e financeira para os países de menor desenvolvimento relativo. Por meio de diversas formas de ajuda, o Brasil, somente em 2010, ter-se-ia comprometido com mais de US$ 4,5 bilhões.

Neste espaço pretendo examinar as motivações dessa ação governamental no exterior, o volume e as fontes dos recursos transferidos aos países mais pobres.

Reforçar a solidariedade com gestos políticos do Brasil no mundo é a explicação oferecida pelo Itamaraty. Na realidade, algumas das motivações que explicam a diplomacia da generosidade na América Latina e na África são a busca de prestígio para o Brasil e para o presidente Lula, o esforço para obter apoio para nossa pretensão de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e interesses comerciais de abertura de mercado para serviços de empresas brasileiras na competição com o governo e companhias, sobretudo, da China.

Como ocorre com a China, o Brasil não impõe condições aos países que recebem a ajuda, mas também não leva em consideração valores que defendemos internamente, como democracia e direitos humanos, deixando prevalecer a ideia de que "negócios são negócios".

Segundo informações coligidas recentemente pela revista britânica The Economist, os recursos utilizados nessa ação externa sobem a US$ 1,2 bilhão, superando o Canadá e a Suécia, tradicionais doadores e prestadores de ajudas aos países em desenvolvimento. Os recursos são oriundos da Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty, com cerca de US$ 52 milhões. De outras instituições de cooperação técnica, como Embrapa e Conab, saem US$ 440 milhões; para ajuda humanitária a países afetados por desastres naturais, US$ 30 milhões; recursos para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), US$ 25 milhões; para o programa de alimentação da FAO, US$ 300 milhões; de ajuda para a Faixa de Gaza, US$ 10 milhões; e para o Haiti, US$ 350 milhões. Implantamos escritório de pesquisas agrícolas em Gana, fazenda-modelo de algodão no Mali, fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique e centros de formação profissional em cinco países africanos.

Os empréstimos do BNDES e agora do Banco do Brasil aos países em desenvolvimento, de 2008 ao primeiro trimestre de 2010, subiram a mais de US$ 3,5 bilhões, em projetos na América do Sul, no Haiti, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, na Palestina, no Camboja, no Burundi, Laos e em Serra Leoa.

O Tesouro Nacional, por sua vez, aumentou sua exposição com o incremento da contribuição do Brasil à Corporação Andina de Fomento para US$ 300 milhões e ao Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, que sobe hoje a US$ 470 milhões, acrescido de US$ 100 milhões por ano, 70% representados por contribuições do Brasil.

Por outro lado, além de créditos de difícil recuperação concedidos a alguns países africanos, a Cuba e à Venezuela, o governo brasileiro, nos últimos anos, perdoou dívidas do Congo, de Angola, Moçambique, Bolívia, Equador, Paraguai, Suriname e, agora, Tanzânia.

Até dezembro, coincidindo com o final do atual governo, segundo se noticia, o governo brasileiro vai doar US$ 300 milhões em alimentos (milho, feijão, arroz, leite em pó) a, entre outros, Sudão, Somália, Níger e nações africanas de língua portuguesa. Serão igualmente beneficiados a Faixa de Gaza, El Salvador, Haiti, Cuba. Segundo a Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do governo federal, também receberam ajuda brasileira África do Sul, Jamaica, Armênia, Mali, El Salvador, Quirguistão, Saara Ocidental, Mongólia, Iraque e Sri Lanka.

Pensando mais em considerações de política externa e menos nos interesses de alguns setores industriais afetados pela competição chinesa, pelo custo Brasil e pelo câmbio apreciado, o Itamaraty, na área comercial, procura ajudar os países mais pobres pela iniciativa de abrir o mercado brasileiro para produtos desses países com tarifa zero e sem cota. O setor têxtil, por exemplo, seria seriamente atingido pelas importações de Bangladesh, que exporta para o mundo mais de US$ 70 bilhões. Na mesma linha de abertura de mercados para os países em desenvolvimento, o Itamaraty está negociando a ampliação e o aprofundamento do Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), que, menos radical que o programa unilateral anterior, oferece rebaixas tarifárias com cotas para os países mais pobres.

No tocante à assistência técnica e à abertura de créditos para obras públicas em países africanos e sul-americanos, a exemplo do que ocorre com os países desenvolvidos, as empresas brasileiras poderão vir a se beneficiar, ganhando concorrências para a prestação de serviços e exportando produtos brasileiros.

A generosidade externa é, pelo menos, controvertida. Enquanto a taxa de investimento interno é baixa, ao redor de 17%, o perdão dessas dívidas não está de acordo com a legislação brasileira. Sendo duvidosa a viabilidade de recuperação dos empréstimos do BNDES, não seriam esses recursos mais bem aplicados em programas de infraestrutura, de habitação, de energia, de alimentos e de tantos outros setores carentes de recursos?

A discussão sobre a prioridade do governo brasileiro nessa área fica para um próximo artigo neste espaço.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

Pausa para a piada... do brasileiro... em Portugal

Graças às sumidades do STF, TSE e outros juízes esclarecidos, esta é a mais recente piada que circula na terrinha (eles também adoram nos colocar como objeto de piadas maldosas, desta vez com razão...).

Enquanto isso, em Portugal...

Em Lisboa, um português pergunta ao conterrâneo :

- Sabes a última do brasileiro?
- Não.
- Para votar vale qualquer documento, exceto o Título de Eleitor.

Complementando: para tirar qualquer outro documento: passaporte, entre outros, é obrigatório o titulo de eleitor. Menos para votar...

É, acho que os portugueses têm razão de darem risadas da gente...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Educacao: um comeco de diagnostico, possiveis solucoes - Claudio Moura Castro

Um dos melhores, senão o melhor especialista em educação no Brasil, faz um diagnóstico muito claro dos problemas e oferece as possiveis soluções para a tragedia que é a educação brasileira. Como depende de mudar a cabeça de milhares, centenas de, professores, talvez dure certo tempo, algumas dezenas de anos, provavelmente. Enfim, não é para ficar desesperado, mas também não dá para achar que estamos no caminho certo. Não, não estamos, sequer existe consenso na sociedade sobre o que fazer. E o governo, então, está fazendo tudo errado.
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista
Educação é ensinar a pensar
Cláudio de Moura Castro economista e especialista em educação, 72
Jornal O TEMPO, 10/10/2010

Conselheiro de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, além de membro de órgãos consultivos de instituições como Inhotim, CNI e Fiesp, esse carioca criado em Minas Gerais é crítico mordaz do sistema educacional brasileiro, além de frasista da melhor qualidade. Para Cláudio, o grande gargalo da educação brasileira é a chatice - matérias que nada têm a ver com o aluno - e, por isso, uma reforma é urgente.

Temos hoje no Brasil alguns cientistas reconhecidos internacionalmente. São casos isolados ou bons frutos do sistema educacional brasileiro? Veja bem, o caso brasileiro é parecido com a Índia, onde a taxa de analfabetismo é da ordem de um terço da população, e os que estão frequentando escolas estão em instituições tão ruins ou piores do que as brasileiras. Não obstante, a Índia tem sete institutos federais de tecnologia que são padrão de grandes universidades e recrutam dentro do bilhão de habitantes. Cria-se um filtro dentro do filtro e acaba com gente extremamente competente e dedicada. A comparação é válida porque mostra que se pode ter um sistema educacional muito ruim e bons doutores. Essa solução não é boa, nem no Brasil, nem na Índia. Bom seria que partisse de uma base muito maior. Veja a Suíça, que tem uma grande produção de prêmios Nobel com uma população de 7 milhões.

Por que o sistema brasileiro é ruim? Porque começamos com vários séculos de atraso. Em 1450, apenas 15% da população da Europa era alfabetizada. Em 1.500, com Guttemberg, passou para 30%. Em 1900, 15% da população de Portugal era alfabetizada - estava no nível da Europa pré-imprensa -, e nós herdamos esse sistema educacional. No Brasil de 1900, 10% da população era alfabetizada. Há 50 anos, as estatísticas educacionais brasileiras eram bem pior do que as do Paraguai, Bolívia, Equador, para não falar da Colômbia. Começamos atrás desses países, já os passamos e estamos nos aproximando de Argentina, Uruguai e Chile, que são os melhores na América Latina.

Qual a razão dessa - comparativamente - rápida alfabetização por aqui? A economia brasileira cresceu mais em termos de PIB bruto do que qualquer país no mundo entre 1870 e 1980. A melhoria da educação do Brasil é fruto dessa demanda do setor produtivo que precisa de gente mais competente. Muito mais do que um voluntarismo de um setor público iluminado como houve por exemplo na França.

O que é necessário para melhorar a educação no país? Pesquisa recente mostrou que 70% dos pais estão satisfeitos com a escola no Brasil. Ou seja, não estão dispostos a brigar por uma escola melhor, e os políticos não vão brigar por isso porque não têm o apoio da sociedade. Esse é o maior entrave: a falta de percepção de que não basta ir para a escola e passar um monte de anos como hoje, pois o aluno não aprende.

O currículo escolar brasileiro é ruim em relação ao de outros países? De uma maneira geral, a estrutura é muito parecida. Em todos os lugares tem direito, medicina, engenharia etc. Há um primeiro e segundo graus que têm a mesma cara. O grande problema é que tentamos ensinar mais do que aluno dá conta de aprender. Os currículos são frondosos, exagerados. Em Cingapura, um livro de matemática da quarta série tem oito tópicos. O livro brasileiro tem 56. Cingapura está lá em cima no índice Pisa da OECD (Programa para Avaliação Internacional de Alunos, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, nas siglas em inglês). Isso mostra que o brasileiro vai ouvir falar dos 56 tópicos e não vai aprender nenhum.

Mas, nas últimas reformas curriculares, aumentou-se esse currículo, com aulas de cultura negra, filosofia, sociologia, línguas. Estamos no caminho errado? Cada vez mais se torna mais remota a possibilidade de se aprender realmente. Quando se ensina assunto demais, o aluno aprende de menos (sic). Educação não é entupir o aluno com datas, lugares e eventos. Educação é ensinar a pensar, e isso se consegue com foco, tempo para praticar estilos de pensamento e se exercitar isso, o que não é possível com a avalanche curricular que temos, sobretudo no ensino médio, que é um desastre monumental.

Qual seria a alternativa? Reduzir o número de matérias, e a maneira de fazer isso é criar um currículo mínimo. Todos têm de fazer ciência, história, matemática português e deixar que as escolas completem o currículo com coisas que são de interesse e estão ao alcance dos alunos. Deveríamos eliminar a ideia de um currículo único para todos.

O grande gargalo na educação brasileira ainda é a seleção para o curso superior? Não. O grande gargalo chama-se chatice, no ensino médio, que é supremamente aborrecido, saturado de matérias desinteressantes. São matérias distantes do mundo do aluno e impossíveis de serem apreendidas. Os alunos estão saindo no meio e a deserção do ensino médio é alarmante, um terço apenas termina. A taxa de aproveitamento do médio para o superior no Brasil é das maiores do mundo - cerca de 80% daqueles que se formam no colégio vão para a faculdade. As escolas particulares têm mais vagas do que alunos. Hoje, o que não tem é aluno para o ensino superior.

O Enem melhorou o ensino brasileiro? Não tivemos tempo para saber se o novo Enem cumpre o que prometeu. Tivemos uma aplicação extremamente conturbada e não temos uma avaliação da prova. E o Enem foi mudado há um ano, pois antes era uma prova só de raciocínio e precisou de um pouco mais de currículo escolar para servir como vestibular. A ideia é perfeita, mas, se a dose curricular foi exagerada, eu não posso dizer e não há consenso hoje.

Sobre educação infantil, como lidar com a chamada geração Y, que chega à escola sabendo computação e por vezes tem mais informação do que o professor sobre determinado assunto? Se informação fosse educação, é esse o aluno que deveria dar aula para o professor. Mas educação é saber usar o conhecimento. É fazer sentido desse colosso de informação que está aí. Isso o aluno não sabe. O que o professor tem de fazer é botar o aluno para pensar disciplinadamente, usando problemas do nosso cotidiano.

Como o professor pode colocar limite nessas crianças? Ele deve oferecer um ensino relevante e não ser envergonhado em relação à disciplina. Hoje o professor tem vergonha de mandar no aluno. A escola tem vergonha de disciplinar. Essa confusão entre autoridade e autoritarismo faz com que as coisas se precipitem, até que o professor tem de usar sua autoridade para que a casa não venha abaixo, mas aí já está em um conflito.

Seria a volta da palmatória? Irrelevante, não estou pregando isso. Estou pregando que o professor tem de aceitar exercer a autoridade sobre o aluno desde o primeiro dia de aula e não achar que autoridade é autoritarismo. Uma pesquisa com os dez melhores alunos do Enem mostrou que todos vieram de escolas com disciplina muito forte e rígida. Essas são as pessoas que estão indo para as melhores universidades e tendo melhor desempenho.

Se o professor ganhar melhores salários, a educação no país melhora? Impacto zero. Se pegar os 27 Estados brasileiros e botar salários de um lado e desempenho do outro, seja Ideb ou Prova Brasil, a correlação é zero. Não há nenhuma associação entre o nível de salário dos professores e o desempenho do Estado.

O professor brasileiro é bem formado? Esse é o desastre. Se tivesse de mexer em alguma coisa seria na formação do professor, porque as faculdades de educação, públicas e privadas, têm uma reputação muito ruim e recrutam os alunos mais fracos, na média. Depois, essas faculdades viraram redutos ideológicos, e as pessoas ficam estudando luta de classe ou então teorias pedagógicas muito rarefeitas e complicadas. O que eles fazem é aprender as palavras, mas não aprendem nem o conteúdo nem a dar aula

Saude: um sistema perfeito de atendimento - segundo o presidente

Um pequeno retrato do Brasil...

Empresa sem o dono
FERREIRA GULLAR
Folha de S.Paulo, 10.10.2010

Há um desinteresse da parte das autoridades de saúde e dos médicos por cumprir suas obrigações

EDMILSON É um cidadão carioca que vive com dificuldade, ganhando pouco, tendo que sustentar um filho inválido de 12 anos que não fica em pé e nem mesmo consegue sentar-se. Haja força para levá-lo ao banheiro, banhá-lo e vesti-lo.
Edmilson, de poucos músculos e fumante inveterado (deixou de fumar faz pouco), não goza de boa saúde, de modo que, frequentemente, procura médico em algum hospital público e nada consegue, claro.
Faz alguns meses, sentindo dificuldade de respirar, uma dor no peito, decidiu ir a um hospital público relativamente próximo de sua casa, que fica em Anchieta, zona oeste do Rio. Entrou na fila às oito da manhã, recebeu um número e esperou pacientemente até ser chamado.
Isso ocorreu às três da tarde, ou seja sete horas depois. Informaram-lhe de que não podia ser atendido porque o médico cardiologista estava de férias. Voltou para casa assustado, certo de que sofreria um infarto a qualquer momento.
Ao tomar conhecimento disso, perguntei-me se o serviço público de saúde está entregue a sádicos que têm prazer de torturar o paciente. Do contrário, por que deixá-lo na fila de espera durante horas e horas, sabendo que não há médico para atendê-lo? Isso, de um lado; de outro, como pode o cardiologista de um hospital público entrar de férias sem que se providencie outro médico para substituí-lo?
Pois bem, isso foi há muitos meses, mas, agora, há pouco mais de uma semana, Edmilson, sentindo dor num dos ouvidos, foi aconselhado a buscar um serviço médico de emergência porque poderia ter contraído uma infecção ou até mesmo estar com um tumor no ouvido.
A opção pelo serviço de emergência veio porque, se fosse a um hospital público normal, dificilmente seria atendido, como já se viu. E o caso era urgente.
Saiu de casa bem cedo para não ter que esperar o dia todo e, de fato, não esperou muito; aliás, não esperou nada, pois logo soube que ali, naquela emergência, não havia médico otorrino. "E a senhora pode me dizer em que emergência há médico otorrino?", perguntou à funcionária, que lhe disse desconhecer alguma emergência com esse tipo de médico. E Edmilson voltou mais uma vez para casa sem ser atendido pelo serviço médico do Estado que sustentamos com nossos impostos. E o que vai ser dele, tendo um enfisema no pulmão e um tumor no ouvido?
Edmilson é apenas um entre milhões de brasileiros que não têm atendimento médico, embora, agora mesmo, durante a campanha eleitoral, os políticos tenham dito que o Brasil tenha um dos melhores serviços de saúde pública do mundo. É muita cara de pau!
Claro que eles mesmos não acreditam nisso e não desejam tomar conhecimento do que efetivamente ocorre nessa área. Há, sem dúvida, carência de meios para atender à demanda de cem milhões de pessoas ou mais.
Não é fácil dar atendimento satisfatório a tanta gente, mas o que se observa é que, afora a carência de meios, há também um desinteresse da parte das autoridades de saúde e dos médicos mesmo por cumprir suas obrigações, o que se traduz em ausência de espírito público.
O chefe, em vez de exigir dos servidores o cumprimento de suas tarefas, dá mole, faz vista grossa para suas faltas e sua displicência.
Isso ocorre no serviço público de modo geral e também, claro, na área da saúde, em que assume maior gravidade. Fazer cumprir as normas, ao que tudo indica, é visto hoje como uma atitude autoritária e o que impera é o espírito de camaradagem, que termina por anular a autoridade dos que têm por função gerir a coisa pública.
Soube recentemente do caso de um médico que, nas noites de plantão, tranca-se num dos quartos do hospital e dorme a sono solto, morra quem morrer.
Não admite ser acordado, já que a noite foi feita para dormir. E fica por isso mesmo, já que pega mal denunciar um colega...
Isso ocorre por muitas razões e talvez a principal delas seja mesmo o fato de que o serviço público é uma empresa, cujo dono, o povo, está ausente e os que estão ali para representá-lo, os diretores e chefes de serviço, ou não têm consciência disso ou, como os demais, aproveitam a ausência do dono para usá-lo em função de seu próprio interesse. É a casa da mãe joana.

Contra a desonestidade intelectual, simples verdades - a origem do Bolsa Familia

Um gaiato, desses que escrevem uma simples frase para contestar um post deste blog, considerou 'suspeito' o post pelo qual eu transcrevi o artigo do ex-ministro Malan a respeito do atual "debate" eleitoral. Ele não merece inserção como comentário, mas sim uma simples resposta. Antes uma introdução.

Não existe coisa pela qual eu tenha maior desprezo do que a desonestidade intelectual, apesar de que o uso do adjetivo "intelectual" seja altamente desaconselhado no caso de certas pessoas.
Não tenho opções, nem paixões políticas. Tenho, sim, opiniões e posições políticas, não em torno de pessoas ou partidos, mas em função das melhores políticas públicas a favor do desenvolvimento do Brasil e da prosperidade de seu povo.
Por isso mesmo considero especialmente desonesto (ponto) essa apropriação indébita de políticas passadas como se fossem suas; considero totalmente condenável a mentira a serviço próprio.
Não vou debater com ninguém, vou apenas postar aqui o que deve ser postado:

LEI No 10.836, DE 9 DE JANEIRO DE 2004.

Art. 1º. Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.

Parágrafo único. O Programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - Bolsa Escola, instituído pela Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n o 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação, instituído pela Medida Provisória n o 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal.


Nada é tão desmistificador quanto a verdade...
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela: exchange The Guardian vs Venezuela Ambassador to UK

Não existe país na América Latina, quiçá no hemisfério, talvez no mundo, que tenha estado mais nos "noticieros de la prensa", nos últimos dez anos, do que a Venezuela.
Essa capacidade de ocupar espaços no jornalismo informativo e analítico talvez se deva às boas qualidades das políticas mudancistas do socialismo do século 21, como gostariam de acreditar os chavistas e outros aderentes (inclusive no Brasil) à revolução do coronel de Caracas.
Muitos outros acreditam que é mais em função do desmantelamento das instituições do Estado e da lenta agonia da economia venezuelana.
De fato, olhando-se objetivamente a situação da Venezuela não se pode recusar a evidência prima facie de que a tensão política aumentou enormemente naquele país, com uma linguagem divisionista e vitriólica que não ajuda à paz social.
Por outro lado, olhando-se objetivamente a economia não se pode recusar o fato de que a inflação atingiu níveis inéditos no plano internacional, o diferencial entre câmbio oficial e paralelo se encontra em níveis estratosféricos (mais de três vezes a cotação oficial) e o desabastecimento e a fuga de capitais são evidentes.
Esse é o contexto da resposta a recente editorial do The Guardian -- um jornal normalmente simpático às causas ditas "progressistas" -- e o Embaixador da Venezuela junto ao Reino Unido.
Seguem as duas peças abaixo.
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela: the price of victory
Editorial - The Guardian
Tuesday 28 September 2010

Demonising critics as traitors will not turn around an economy which is in deep trouble. Hugo Chávez needs to listen to his critics as well

In the end, Hugo Chávez did not find himself addressing a jubilant crowd from the balcony of the presidential palace, Miraflores, but tweeted his victory instead. It was still a performance that any leader who had been 12 years in power would have been happy to achieve, for his United Socialist party won at least 90 of the national assembly's 165 seats. But his supporters were subdued.

The share-out of seats to the ruling party will doubtless be put down to changes in electoral law earlier this year that favoured sparsely populated rural seats where the opposition are weaker. But this would leave the overall share of vote unaffected. If it turns out that the opposition won, as they claimed 52%, or a majority of the vote, or even if they came close to getting half of the vote, then Chávez's election slogan that the people hold power becomes a harder stretch of the imagination. We the people and we in the party become two different things. For a populist leader to lose a crushing majority is more of a blow than the fact that the opposition have secured one third of the seats (although this allows it to block critical legislation and the appointment of supreme court justices). If the criticism of Chávez is that he has hollowed out the institutions of state by packing them with friends and family, then he will be less in a position to do this now.

Chávez's revolution undoubtedly reflects the will of some of his people. He remains a powerful champion of the poor and the dispossessed, and the idea to import 30,000 Cuban health specialists into the country to bring free healthcare to millions and to train Venezuelan health workers who would replace them was a worthy one. The execution of the plan now in its eighth year has fallen somewhat short of the ideal. Community centres have closed; some of the Cubans have left; not enough Venezuelan health workers have been trained to replace them, and the hospitals are in dire straits. Chávez's reforms are undermined not so much by ideological opponents, although they exist, but by the inefficiency and waste with which they are carried out. Public services have got worse and crime is at an all-time high. An economy buoyed by high oil prices is in its second year of recession and inflation is running around 30%.

Chávez faces a polarised electorate. Even though he has been democratically confirmed time and again, he faces a bigger task as he heads towards a presidential election in 2012. This result shows that a large number of his supporters stayed away. Demonising critics as traitors to the national political movement will not turn around an economy which is in deep trouble. He needs to listen to his critics as well.

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Artículo de embajador venezolano Samuel Moncada dirigido a diario británico The Guardian

Luego de varias solicitudes de derecho a replica, el diario finalmente se negó a publicar articulo del Embajador

Cuando se analiza la democracia venezolana, ¿se deben usar criterios aplicables a países desarrollados? ¿O se debe pensar que es un caso típico de tercermundismo?

Esta pregunta es central para entender su editorial de fecha 28-09-10** sobre las elecciones en Venezuela del pasado domingo 26 de septiembre. En primer lugar, señalemos sus errores factuales: 1) el partido de gobierno no ganó 90 de 165 curules, como usted señala, sino 98 de 165 curules, y 2) la oposición no obtuvo, como usted se hace eco, el 52% del voto popular, sino el 47.4%.

De lo anterior se desprende que la mayoría parlamentaria se corresponde con la mayoría del voto popular, y este hecho no es más que una expresión democrática.

De modo que usted está equivocado cuando dice que “el lema electoral de Chávez de que el pueblo tiene el poder viene a ser un fuerte estiramiento de la imaginación”. Aun más, también se derrumba su afirmación de que la revolución de Chávez refleja la voluntad de “algunos de su pueblo” y no de la mayoría. Todo por creer la propaganda de la oposición política en Venezuela.

Del mismo modo, usted afirma que “el gobierno de Chávez ha vaciado las instituciones del Estado para llenarlas de amigos y familiares”. Si esto es cierto, ¿cómo es posible que una autoridad electoral llena de amigos del presidente, como usted afirma, realizó una elección perfectamente transparente? Todas las críticas contra los resultados electorales anteriores en Venezuela desaparecen cuando se cree que en esta oportunidad la oposición ganó las elecciones.

Usted dice que el gobierno, manejado por los amigos de Chávez, cambió la ley electoral para sobre representar en la Asamblea Nacional al gobierno, lo cual implica algún tipo de trampa tercermundista. En las elecciones del domingo en Venezuela, el gobierno obtuvo el 48,4% del voto popular y obtuvo 59,39% de los curules de la Asamblea Nacional. Sin embargo, en las elecciones parlamentarias del Reino Unido de 1997, el partido que ganó sacó 43% del voto popular y obtuvo 63% de los curules del Parlamento. ¿Hay trampa tercermundista en el Reino Unido?

Usted califica a Chávez de “líder populista” y nunca lo llama democrático, pero ésta es la elección número 15 en los últimos 11 años. ¿Cuándo será democrático en lugar de populista?

Usted dice que para Chávez “es un golpe que la oposición haya asegurado un tercio de los asientos más que haber perdido una mayoría aplastante”. Sin embargo, hasta el año 2005, el Presidente gobernó con una oposición que tenía 80 curules en la Asamblea Nacional. ¿Por qué hoy tiene que ser un “golpe” gobernar con una oposición que tiene apenas 65 curules en la Asamblea Nacional?

Usted afirma que Chávez ha perdido votos porque los trabajadores cubanos de la salud abandonaron sus puestos y los venezolanos no han sido capaces de reemplazarlos. Le informo que no son trabajadores de salud, sino doctores en medicina, con formación universitaria de seis años quienes atienden a los sectores más necesitados de la sociedad. Por esa razón, no se pueden sustituir a 30 mil doctores en un período de seis años, pero también le informo que existe un programa especial de formación médica comunitaria de donde han egresado 468 doctores, actualmente cursan estudios 24.962 ciudadanos y el próximo año se graduarán 8.581. Por tanto, el programa de medicina popular en Venezuela goza de buena salud.

En Venezuela hay problemas, pero los votantes no son masoquistas. Ellos votaron por un gobierno que redujo la pobreza de 49% en 1998 a 24,2% en 2009. Pero sobre todo, tuvieron la oportunidad de decidir en libertad entre el cambio social progresista y el neoliberalismo que quita los beneficios sociales a las mayorías.

Yo creo que los venezolanos eligieron correctamente. ¿Y usted qué criterios usará para juzgarnos?

Samuel Moncada, Embajador de la República Bolivariana de Venezuela ante el Reino Unido de Gran Bretaña e Irlanda del Norte / 11 de octubre de 2010

Contra a desonestidade intelectual, simples verdades - Pedro Malan

Estamos vivendo uma conjuntura de mentiras, como é normal em épocas eleitorais: todos os políticos prometem o que provavelmente não poderão cumprir, por falta de recursos ou dificuldades normais do processo democrático.
Mas existe um outro tipo de mentira que é especialmente viciosa e ultrajante: é aquela mentira deliberada, feita para enganar o eleitorado, distorcer os fatos reais e construir um sistema político baseado na divisão entre "nós" e "eles", entre os pobres e os ricos, entre os negros e os outros, enfim, entre os que se acham os únicos detentores naturais da verdade, da justiça e da igualdade e os demais, que acham que se pode construir um país sem esses maniqueísmos deletérios e esse sectarismo imbecil.
Abaixo um artigo que restabelece a verdade dos fatos.
Só posso dizer que lamento que um artigo desses tenha de ser escrito, pois afinal de contas, em lugar de um debate sobre políticas públicas, estamos tendo simplesmente acusações irresponsáveis e necessidade de respostas retificadoras do outro.
Pena que o ex-ministro Pedro Malan tenha de defender seu capital de realizações contra um celerado da política.
Mas esse é o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Diálogo de surdos?
Pedro S. Malan
O Estado de S.Paulo, 10 de outubro de 2010

O presidente Lula, com uma arrogância por vezes excessiva, tentou transformar em plebiscito o primeiro turno desta eleição. Como se o que estivesse em jogo fosse seu próprio terceiro mandato (ainda que por interposta pessoa), um referendo sobre seu nome, uma apoteose que consagraria seu personalismo, seu governo e sua capacidade de transferir votos. Mas cerca de 52% dos eleitores votaram em José Serra e Marina Silva, negando a Lula a tão esperada vitória plebiscitária no domingo passado.

Não é de hoje o desejo presidencial: "Lula quer uma campanha de comparação entre governos, um duelo com o tucano da vez. Se o PSDB quiser o mesmo... ganharão os eleitores e a cultura política do País." Assim escreveu Tereza Cruvinel, sempre muito bem informada sobre assuntos da seara petista, em sua coluna de janeiro de 2006. Não acredito que a "cultura política" do País e seus eleitores tenham muito a ganhar - ao contrário - com essa obsessão por concentrar o debate eleitoral de 2010 numa batalha de marqueteiros e militantes.

Afinal, na vida de qualquer país há processos que se desdobram no tempo, complexas interações de continuidade, mudança e consolidação de avanços alcançados. O Brasil não é exceção a essa regra. Como escreveu Marcos Lisboa, um dos mais brilhantes economistas de sua geração: "Não se deve medir um governo ou uma gestão pelos resultados obtidos durante sua ocorrência e, sim, por seus impactos no longo prazo, pelos resultados que são verificados nos anos que se seguem ao seu término. Instituições importam e os impactos decorrentes da forma como são geridas ou alteradas se manifestam progressivamente..."

Ao que parece, Lula e o núcleo duro à sua volta discordam e estão resolvidos a insistir numa plebiscitária e maniqueísta "comparação com o governo anterior". Feita por vezes, a meu ver, com desfaçatez e hipocrisia. Um discurso primário que, no fundo, procura transmitir uma ideia básica (e equivocada) ao eleitor menos informado: o que de bom está acontecendo no País - e há muita coisa - se deve a Lula e ao seu governo; o que há de mau ou por fazer - e há muita, muita coisa por fazer - representa uma herança do período pré-2003, que ainda não pôde ser resolvida porque, afinal de contas, apenas em oito anos de lulo-petismo não seria mesmo possível consertar todos os erros acumulados por "outros" governantes ao longo do período pré-2003.

Mas talvez seja possível, por meio do debate público informado, ter alguns limites para a desfaçatez e a mentira. Exemplo desta última: a sórdida, leviana e irresponsável acusação de que "o governo anterior" pretendia privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, entre outros. Algo que nunca, jamais, esteve em séria consideração. Mas a mentira, milhares de vezes repetida, teve efeito eleitoral na disputa pelo segundo turno em 2006 - por falta de resposta política à altura: antes, durante e depois.

Exemplos de desfaçatez: o governo Lula não "recebeu o País com a inflação e o câmbio fugindo do controle", como já li, responsabilizando-se o governo anterior. A inflação estava sob controle desde que o Real foi lançado no governo Itamar Franco, com Fernando Henrique Cardoso na Fazenda, e se aumentou para 12,5% em 2002 foi porque o câmbio disparou, expressando receios quanto ao futuro. Receios não sem fundamento, à luz da herança que o PT havia construído para si próprio, até o começo de sua gradual desconstrução, apenas a partir de meados de 2002. O PT tinha e tem suas heranças.

O governo Lula não teve de resolver problemas graves de liquidez e solvência de parte do setor bancário brasileiro, público e privado. Resolvidos na segunda metade dos anos 90 pelo governo FHC. Ao contrário, o PT opôs-se, e veementemente, ao Proer e ao Proes e perseguiu seus responsáveis por anos no Congresso e na Justiça. Mas o governo Lula herdou um sistema financeiro sólido que não teve problemas na crise recente, como ajudou o País a rapidamente superá-la. Suprema ironia ver, na televisão, Lula oferecer a "nossa tecnologia do Proer" ao companheiro Bush em 2008.

O governo Lula não teve de reestruturar as dívidas de 25 de nossos 27 Estados e de cerca de 180 municípios que estavam, muitos, pré-insolventes, incapazes de arcar com seus compromissos com a União. Todos estão solventes há mais de 13 anos, uma herança que, juntamente com a Lei de Responsabilidade Fiscal, de maio de 2000 - antes, sim, do lulo-petismo, que a ela se opôs -, nada tem de maldita, muito pelo contrário, como sabem as pessoas de boa-fé.

As pessoas que têm memória e honestidade intelectual também sabem que as transferências diretas de renda à população mais pobre não começaram com Lula - que se manifestou contra elas em discurso feito já como presidente em abril de 2003. O governo Lula abandonou sua ideia original de distribuir cupons de alimentação e adotou, consolidou e ampliou - mérito seu - os projetos já existentes. O que Lula reconheceu no parágrafo de abertura (caput) da medida provisória que editou em setembro de 2003, consolidando os programas herdados do governo anterior.

Outros exemplos. Sobre salário mínimo: não é verdade que tenha começado a ter aumento real no governo Lula, como quer a propaganda. Sobre privatização: o discurso ideológico simplesmente ignora os resultados para o conjunto da população - e, indiretamente, para o atual governo.

O monólogo do "nunca antes" não ajuda o diálogo do País consigo mesmo. O ilustre ex-ministro Delfim Netto bem que tentou: "A eleição de 2010 não pode se fazer em torno das pobres alternativas de ou voltar ao passado ou dar continuidade a Lula. A discussão precisa incorporar os horizontes do século 21 e a superação dos problemas que certamente restarão de seu governo."

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC

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