domingo, 17 de abril de 2011

Venezuela: a construcao de uma ditadura - Belisário dos Santos Jr

Certos estudantes, sem dúvida alguma dotados de pouca informação e menos ainda de leituras, acreditam que certo coronel do Caribe seja um homem de esquerda. Nisso são estimulados por professores mal informados (na melhor das hipóteses), ingênuos (numa hipótese neutra, ou intermediária), ou simplesmente de má fé (na pior das hipóteses, o que também indica um problema de caráter). Professores debilóides, anti-americanos primários, viúvos do socialismo, ou seja lá por que motivo for, apreciam a linguagem anti-imperialista do candidato a ditador.
Eu costumo dizer a esses estudantes que leiam um pouco de história.
Leiam, por exemplo, a trajetória do fascista Benito Mussolini, na construção de seu Stato totale, entre 1924 e 1928, na Itália, e vejam como as medidas tomadas pelo ditador da península itálica são muito parecidas com o que faz hoje o histriônico coronel do Caribe.
Ambos destroem as instituições, afastam, prendem ou mandam assassinar opositores políticos, cerceiam os meios de comunicação, ganham lealdades na base de compra de seguidores pobres, arregimentam para si brigadas ou milícias "populares" fanaticamente devotadas à figura do líder, enfim, constroem uma ditadura personalista.
Comparem e vejam se o proto-ditador do Caribe não tem o mesmo DNA de Mussolini...
Paulo Roberto de Almeida

Como Hugo Chávez transformou em criminosa a magistrada que ousou fazer corretamente o seu trabalho: aplicar a lei
Belisário dos Santos Jr.
O Estado de S.Paulo, 17 de abril de 2011

"A Justiça morreu!", disse a juíza venezuelana Maria Lourdes Afiuni, em prisão domiciliar, aos advogados da missão da International Bar Association, IBA (Associação Internacional de Advogados), que a visitavam em Caracas, em fevereiro. O "crime" da juíza Afiuni: haver reconhecido, no final de 2009, o excesso de prazo para a prisão preventiva de um acusado de fraude financeira, preso provisoriamente havia quase três anos, quando o período máximo previsto em lei é de dois anos. A especial circunstância: aquele era um "preso de Hugo Chávez".

Afiuni simplesmente aplicou a lei de seu país, e pagou caro por essa ousadia. Quinze minutos após divulgar sua decisão, a magistrada foi presa. A data da detenção não podia ser mais amargamente irônica: 10 de dezembro, dia internacional dos direitos humanos.

Horas depois da prisão de Afiuni, o presidente Hugo Chávez, em pronunciamento veiculado por cadeia nacional de televisão, pediu pena de 30 anos de prisão para a juíza, que havia determinado a libertação de um inimigo do regime.

Nunca houve, entretanto, recurso oficial da decisão da juíza. Em vez disso, ela foi acusada de vários crimes, inclusive o de "formação de quadrilha", acusação posteriormente abandonada diante da ausência de "cúmplices". A acusação de corrupção também caiu ante a falta de prova de qualquer intenção, por parte de Afiuni, de obter vantagem pessoal com sua decisão.

O episódio mostra-se ainda mais estarrecedor diante do fato de que, antes mesmo da decisão da magistrada, o grupo de trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias já havia considerado abusiva a prisão por ela revogada.

Trata-se de exemplo flagrante do processo de desinstitucionalização progressiva por que passa a Venezuela. As instituições são formalmente mantidas, mas já não servem ao seu objetivo. Hoje, naquele país, o Estado chama-se Chávez.

Desde 1999, a Constituição Bolivariana dá autorização para a livre remoção de juízes, sem direito de defesa, a título de "depuração da Justiça". Mais da metade do Poder Judiciário é hoje composta de juízes provisórios, que podem ser destituídos ao sabor da vontade do Executivo. São inúmeros os casos de juízes destituídos por tomarem decisões contrárias aos interesses do governo.

Chávez determinou também o aumento da composição do Tribunal Supremo de Justiça, tendo nomeado, em dezembro de 2004, 17 membros efetivos e 32 suplentes, grande parte dos quais ativistas políticos do partido oficialista. Desse modo, segundo análise da Human Rights Watch, o governo se apoderou do mais alto tribunal do país.

A supressão da independência da Justiça venezuelana vem sendo abertamente defendida por alguns de seus principais representantes. A chefe do Poder Judiciário afirmou publicamente, em 2009, que o princípio de separação de poderes debilita o Estado.

Há poucas semanas, falando em nome do Tribunal Supremo, um magistrado afirmou que a função principal do Poder Judiciário na Venezuela é apoiar a busca do governo nacional por um socialismo bolivariano e "democrático". E esclareceu os parâmetros "legais" dessa busca: a lei que foi justa ontem, hoje pode não ser mais, ainda que não revogada.

Em depoimento à missão da IBA, uma respeitada juíza venezuelana testemunhou que, desde 1999 até agora, as sentenças vêm sendo proclamadas sob o risco de pronta destituição do magistrado. Agora, além disso, as decisões são adotadas sob o terror da prisão imediata. É o "efeito Afiuni".

Não é exagero supor que a prisão da juíza Afiuni tenha sido praticada como uma espécie de pena de morte velada. As prisões venezuelanas estão entre as mais violentas do mundo, com mais de 450 mortes por ano. A juíza foi obrigada a conviver com presas que ela havia condenado. Foi submetida a humilhações e maus-tratos. Teve recusada atenção médica em várias oportunidades.

Por longo tempo, determinações tanto da Comissão quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos que apontavam a ilegalidade da prisão de Afiuni e instavam o Estado venezuelano a conduzir a juíza a local mais apropriado e seguro foram simplesmente ignoradas. Somente no início de fevereiro, quase 14 meses após sua prisão, o crescente clamor internacional resultou na troca da reclusão em penitenciária pela prisão domiciliar.

Numa reafirmação daquele que deve ser o compromisso de qualquer advogado diante de toda injustiça - e na presença da mãe, da filha e dos advogados da magistrada -, os membros da missão da IBA prometeram a Afiuni divulgar o vergonhoso episódio de sua destituição, perseguição e prisão, e o aparato ideológico arbitrário que o envolve.

Ao saírem da modesta residência, os membros da missão da IBA puderam ler, grafitado nos muros ao redor da casa da juíza, o desagravo de seus concidadãos: "Juíza Afiuni, integridade e valor".

BELISÁRIO DOS SANTOS JR., ADVOGADO, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA E DEFESA DA CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, É MEMBRO DA COMISSÃO INTERNACIONAL DE JURISTAS E INTEGROU A MISSÃO DA IBA À VENEZUELA.

Mercosul aos 20 anos (2): crises e turbulências - Paulo Roberto de Almeida

Publiquei, no mês passado, o primeiro artigo desta série:

Mercosul aos 20 anos (1): um pouco de sua história
Paulo Roberto de Almeida
Especial para o iG, 28/03/2011

Agora, o segundo de não sei quantos, exatamente. Aguardem...
Paulo Roberto de Almeida

Mercosul aos 20 anos (2): crises e turbulências
Paulo Roberto de Almeida
Especial para o iG, 17/04/2011 (link)

A crise do Mercosul se deve a que os governos foram tímidos ou demoraram demais em fazer reformas necessárias e não prepararam os países para as etapas da continuidade e do aprofundamento da estabilização macroeconômica, ou para os ajustes setoriais vinculados aos requerimentos do processo de integração.

A crise no Mercosul foi frequentemente apontada como tendo sido causada pela “desvalorização” brasileira de 1999 e seus efeitos desastrosos sobre a balança bilateral com a Argentina, o que é absolutamente insuficiente como explicação. A Argentina já vinha acumulando desequilíbrios – fiscais, monetários, cambiais – desde muito tempo, tendo sido justamente “ajudada” pela primeira fase de estabilização brasileira, quando o real conheceu uma tendência à valorização relativa (deteriorando a própria balança comercial brasileira, e produzindo, justamente, superávits a favor da Argentina). A “desvalorização” não foi decidida “contra” a Argentina, uma vez que ela foi simplesmente imposta pela realidade dos desequilíbrios acumulados. Estes se manifestaram de forma aguda, no Brasil, mais do que de maneira sistêmica, como no caso argentino, que exibia um modelo de conversibilidade baseado na chamada paridade absoluta com o dólar, uma verdadeira camisa de força cambial.

A carência de análises, na esfera governamental, sobre as raízes profundas dos desequilíbrios monetários, cambiais e de balanço de pagamentos existentes tanto na Argentina quanto no Brasil, em 1999 e no seu seguimento imediato, assim como certo voluntarismo por parte de dirigentes políticos explicam a atmosfera de “crise política do Mercosul” então criada – mais na Argentina do que no Brasil – em torno da questão cambial e de seus reflexos no ambiente negociador ao seio do bloco, atmosfera que nunca chegou a ser recomposta no período subsequente, tanto pelo aprofundamento desses desequilíbrios quanto por divergências objetivas nas orientações de política econômica adotadas dali para a frente, para não mencionar questões prosaicas, como o relacionamento entre chefes de Estado. Mesmo a adoção de expedientes ad hoc para atuar como barreiras à propagação desse tipo de “crise” – como, por exemplo, a criação de um grupo de trabalho sobre a coordenação de políticas macroeconômicas em 2000, mais virtual do que efetivo – não permitiu retomar o processo de aprofundamento, ou de consolidação, do Mercosul comercial, enveredando-se logo depois para subterfúgios políticos e o desenvolvimento do que foi chamado de “Mercosul social”.

Não cabem dúvidas, porém, de que a passagem a um regime de flutuação cambial no Brasil – à falta de alternativas credíveis para sanar os desequilíbrios de transações correntes acumulados nos quatro anos anteriores – constitui apenas um episódio numa sucessão de descompassos efetivamente contrários aos objetivos estipulados no artigo 1º do TA, de “coordenação de políticas macroeconômicas”, cujo marco mais importante sempre foi a adoção pela Argentina de um regime de paridade absoluta – ou seja, de rigidez – em sua política cambial, sistema adotado no momento mesmo em que se tratava de construir o Mercosul. Ora, a coordenação cambial com a Argentina, nessas condições, implicava a adoção pelos demais países membros do mesmo regime de conversibilidade ao par, o que significava, de fato, o abandono de qualquer política cambial pelos Estados Partes do bloco, ou seja, uma não-solução a um problema real. Infelizmente, os dois grandes não conseguiram tampouco caminhar para esse tipo de coordenação quando, em 2001, a Argentina abandonou formalmente o regime de conversibilidade para também adotar um modelo de flutuação (embora administrada num viés de desvalorização desde então), ao passo que o Brasil, depois de comportamentos erráticos no momento das eleições de 2002, o câmbio seguia uma via de valorização gradual como tinha sido o caso no período anterior à flutuação (aliás, para maior conforto comercial da Argentina, que continua temendo uma desvalorização brasileira capaz de lhe retirar seu acesso privilegiado aos mercados do grande vizinho).

Em qualquer hipótese, não se pode atribuir a esses descompassos conjunturais nos ritmos ou processos de estabilização respectivos do Brasil e da Argentina a causa principal da crise no processo de integração, uma vez que eles já se manifestavam desde o início do processo e não impediram, de modo absoluto, o crescimento do comércio e o aprofundamento da integração nos primeiros oito anos do processo. Se eles se manifestaram negativamente depois foi porque, justamente, os governos foram tímidos nas reformas, demoraram demais em fazer reformas e não prepararam seus países para as etapas seguintes, seja a da continuidade e aprofundamento da estabilização, seja a dos ajustes setoriais para acomodar a agenda e os requerimentos do processo de integração, que representa uma espécie de mini-globalização controlada (já que em grande medida administrada pelas burocracias nacionais).

Em resumo, rejeitando as supostas insuficiências institucionais, as fantasmagóricas assimetrias estruturais e os reais, mas exagerados choques adversos advindos de crises conjunturais, tem-se que os fatores efetivos da crise no Mercosul e os impedimentos objetivos para o seu progresso continuado são constituídos: em primeiro lugar, pela incapacidade ou indisposição dos governos em empreenderem as tarefas mínimas associadas ao próprio processo de integração; em segundo lugar, pela falta de vontade, ou de coragem política, dos mesmos dirigentes, de implementar os acordos, normas e decisões adotadas nas reuniões de cúpula do bloco, depois de solenemente, ou de forma ingênua, em alguns casos, terem decidido avançar no processo por meio de medidas aceitas consensualmente, o que foi feito, supostamente, depois de um cuidadoso exame técnico sobre seu custo-benefício, ou seja, sobre os impactos e efeitos imediatos e delongados que as mesmas trariam para suas economias.

Avultam, dentre as inadimplências constatadas, os processos delongados de internalização das decisões adotadas solenemente pelo bloco – pois que quase nada é aplicado de maneira automática no Mercosul, sendo necessária cada uma das aprovações nacionais e sua confirmação pela chancelaria paraguaia – e os descumprimentos práticos, em grande medida ilegais, dos dispositivos regulando o acesso a mercados. Um dos anexos do TA, por exemplo, relativo à cláusula de salvaguarda, indica que os Estados Partes se comprometem a usar esse dispositivo só excepcionalmente, e apenas até o final do período de transição (31/12/1994).

Não é desconhecido por ninguém que, de forma abusiva e arbitrária, a Argentina contrariou seus compromissos sob o TA – e também desrespeitou o código pertinente, no âmbito do Gatt-OMC – ao passar a introduzir salvaguardas discriminatórias contra produtos brasileiros, de forma crescente a partir de 2003; a leniência demonstrada pelo governo brasileiro em relação a essas medidas ilegais, alegadamente para acomodar os projetos argentinos de recuperação econômica e de reindustrialização, em lugar de reforçar o Mercosul, na verdade fragilizam seu arcabouço institucional e enfraquecem a eficácia de suas normas mais relevantes. No regime europeu de violações aos instrumentos fundacionais, o país que rompe compromissos e regras comuns, sobre acesso a mercados, por exemplo, pode ser sancionado, inclusive pecuniariamente, pela corte de Justiça, recurso inexistente no caso do Mercosul (ainda que se admita levar o caso à arbitragem, hélas, não usada pelo Brasil).

Numa avaliação global, pode-se dizer que a distância entre a retórica da integração, excessivamente usada pelos chefes de Estado, e a marcha efetiva do processo, em seus encaminhamentos práticos, tem sido, no Mercosul e em outros esquemas regionais, uma realidade constante desde que líderes políticos se convenceram, ou foram convencidos por outros, de que o modelo integracionista – e não simplesmente livre-cambista, geralmente privilegiados pelos anglossaxões pragmáticos – de cunho europeu (ou seja, menu completo) era o mais adequado para impulsionar o desenvolvimento de seus países e a integração de suas economias no mainstream mundial. Na raiz dessa incompreensão – ou ilusão – está o fato de que o processo europeu foi de fato bem sucedido naquilo que ele pretendia atingir: o desarme “psicológico” e definitivo entre as duas maiores economias continentais e a realização formal, institucional, daquilo que já vinha ocorrendo naturalmente desde séculos: a integração física, econômica e social do mosaico europeu.

Poucos historiadores da Europa, ou de seu processo de integração, se dedicaram ao estudo dos custos – implícitos e explícitos – da integração europeia, preferindo enfatizar seus benefícios reais ou supostos (e eles, de fato foram muitos, mas cabe aos analistas equilibrados sempre fazer um balanço completo do experimento). Da mesma forma, poucos analistas do Mercosul colocam ênfase nas enormes diferenças entre os processos do Cone Sul e do continente europeu, tanto pelo lado positivo – disparidade de grandes conflitos geopolíticos entre os dois grandes – quanto pelo lado “negativo”, ou seja, inexistência de densidade suficiente nas interdependências recíprocas para fundar um processo real de criação de um espaço econômico conjunto.

No caso do Mercosul, em especial, o mimetismo não foi levado ao ponto alto de suas possibilidades teóricas – ou seja, um modelo reconhecidamente comunitário ou supranacional –, mas mesmo se julgarmos pelo outro modelo europeu de integração em nível de união aduaneira, o Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, desde 1948), os resultados alcançados são decepcionantes, ou mesmo irrisórios, pelos padrões de responsabilização – ou de accountability – pelos quais devemos medir projetos verdadeiramente “estratégicos”, e definidos como tal, por administrações sucessivas. O fato é que, sem ter alcançado seus objetivos primários – uma zona de livre-comércio completa e uma união aduaneira acabada – os países membros se deixam envolver em novos projetos mirabolantes – como um Fundo de Correção de Assimetrias, um Parlamento completo, institutos para diferentes causas sociais, e até um risível projeto de moeda comum – que representam, na verdade, uma “fuga para a frente” e um escapismo de natureza política à sua incapacidade de realizar o prometido e de cumprir os requisitos mínimos dos objetivos fixados nos instrumentos constitutivos.

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, diplomata, professor de Economia Política nos programas de Mestrado e Doutorado do Uniceub. Site: www.pralmeida.org; Nenhum dos argumentos ou posições apresentados neste ensaio especulativo – em caráter exclusivamente pessoal – representa posições oficiais do governo brasileiro ou podem ser identificados a propostas do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Socialismo cubano com caracteristicas chinesas? Nao vai dar certo...

Os comunistas cubanos, responsáveis diretos por uma economia miserável e por uma das mais bárbaras ditaduras do hemisfério -- aliás a única que restou, embora um coronel esteja tentando criar outra ali por perto --, necessitam reformar urgentemente seu sistema anacrônico, esclerosado, corrupto, ineficiente, indecente.
Para isso querem preservar a ditadura do partido único -- e os privilégios da burocracia dominante -- e introduzir reformas cosméticas para permitir o renascimento do capitalismo na ilha. Esperam viver das rendas do capitalismo, e preservar sua autocracia senil.
Já vou avisando: não vai dar certo.
Aposto com quem quiser, como essa passagem vai ser caótica, desordenada e vai terminar em desordem, antes de voltarmos a um regime capitalista normal, ou seja, corrupto, deficiente, desigual, enfim, igualzinho ao que temos no resto da América Latina. Com a diferença que existem agora muitos cubanos ricos na Flórida. Eles vão apimentar o capitalismo cubano, com um pouco de tudo: capital, inovação, modernidade, mas também drogas, prostituição, corrupção, enfim, nada de muito diferente do que já existe, com a grande diferença que o povo não vai mais passar fome...
Paulo Roberto de Almeida

Começa o Congresso do Partido Comunista Cubano. Modelo econômico do país vai mudar
Raul Castro anunciou, em 2010, a necessidade de reduzir o paternalismo estatal
(17/04/2011)

Cuba está às vésperas de aprovar importantes medidas para a atualização do modelo econômico. Deste sábado até terça (16 a 19) ocorre o 6º Congresso do Partido Comunista Cubano, o primeiro em 14 anos. As mudanças econômicas vêm sendo tratadas em todo o país desde meados de 2010, quando o presidente Raul Castro anunciou a necessidade de reduzir o paternalismo estatal e garantir maior equilíbrio econômico. “A revolução é mudança permanente”, lembrou o dirigente que promoveu um amplo debate sobre a proposta em todo o país. “Temos o dever essencial de corrigir os erros que cometemos durante essas cinco décadas de construção do socialismo em Cuba”, explicou o presidente, que sucedeu o irmão Fidel Castro.

Associações, sindicatos, cooperativas, os Comitês de Defesa da Revolução e meios de comunicação da ilha realizaram intensas discussões sobre o projeto para abranger os 11,2 milhões de cubanos. Serão medidas duras, mas necessárias. Devem ser demitidos cerca de 500 mil cubanos inicialmente e mais de 1,2 milhão nos próximos anos.

Estima-se que 20% de um total aproximado de 5 milhões de servidores públicos estejam em funções obsoletas. A proposta é que sejam realocados para outras atividades estatais ou estimulados a atuar em 178 serviços privados, atuando por conta própria. Cerca de 300 mil “cuentapropistas” já estão registrados, sendo que a metade se inscreveu depois da abertura de novas condições de trabalho em outubro.

Também está na pauta a criação de uma rede de cooperativas urbanas e rurais para estimular a ida para este modelo associativo; maior autonomia das empresas estatais, descentralização do setor agroalimentar, redução dos subsídios e estabelecimento de um sistema fiscal. Talvez a mudança mais substancial seja a eliminação da cartela de abastecimento — “libreta” — uma cesta de alimentação subsidiada.

“Não podemos seguir adiante sem estas transformações. Precisamos produzir mais comida e mais bens”, reforça o líder da Central de Trabalhadores de Cuba, Raymundo Fernandez. E esclarece: ”É uma atualização do socialismo”

sábado, 16 de abril de 2011

O governo reindexa a economia, e alimenta a inflacao

Parece que o governo é sócio na inflação. Aliás, governos irresponsáveis, sempre foram os responsáveis pela inflação, que lhes trazem receitas crescentes, ao mesmo tempo em que pagam contas e salários em moeda desvalorizada.
Esse jogo foi interrompido durante certo tempo, após o Plano Real.
Mas parece que o governo atual voltou ao jogo outra vez...
Paulo Roberto de Almeida

Governo prevê salário mínimo de R$ 616 no ano que vem
- RENATA VERÍSSIMO E CÉLIA FROUFE
AGENCIA ESTADO, 15/04/2011
Valor é previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2012; valor chegaria a R$ 676,35 em 2013.

Preparem-se para o pior. Apertem os cintos para entrar na zona de turbulência.

Desigualdade nos Estados Unidos - The Economist, Joseph Stiglitz (Vanity Fair)

Três artigos sobre a desigualdade na sociedade americana:

INEQUALITY
Of the 1%, by the 1%, for the 1%

By Joseph E. Stiglitz
Vanity Fair, May 2011
http://www.vanityfair.com/society/features/2011/05/top-one-percent-201105?currentPage=all

American politics
Democracy in America
Inequality: The 1% solution

The Economist, Apr 15th 2011, 15:03 by M.S.
http://www.economist.com/blogs/democracyinamerica/2011/04/inequality&fsrc=nwl

Inequality and politics
Stiglitz and the progressive Ouroboros

The Economist, Apr 11th 2011, 21:30 by W.W.
http://www.economist.com/blogs/democracyinamerica/2011/04/inequality_and_politics


Leiam todos os três, na sequência inversa, neste post do meu blog Textos PRA:

Desigualdade nos Estados Unidos - The Economist, Joseph Stiglitz (Vanity Fair)
Artigos sobre a desigualdade na sociedade americana
Sábado, Abril 16, 2011
http://textospra.blogspot.com/2011/04/desigualdade-nos-estados-unidos.html

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Governo so usa 0,25% da verba do PAC: que alivio....

Apenas a manchete:

Em 100 dias, governo Dilma usa só 0,25% da verba do PAC
Marta Salomon, de O Estado de S. Paulo - 15/04/2011

Promessas previstas na 2ª etapa do programa não saem do papel; só R$ 102 milhões foram liberados

Comento:
Ufa! Ainda bem.
Imaginem se o governo fosse só um pouquinho mais competente: a inflação já teria passado de 10%.
Ainda bem que temos um governo incompetente, incapaz de planejar, de fazer projetos decentes, totalmente incompetente para administrar obras, e mais ainda para fazer uso racional dos recursos "públicos" (que na verdade são nossos).
Se o governo fosse tudo o que ele não é, a situação seria muito pior.
Quremos mais governo incompetente, atrasado, relapso, preguiçoso...
(Claro, este, como o anterior, gasta muito dinheiro com bobagens, mas poderia ser muito pior...).
Paulo Roberto de Almeida

Agora o resto da matéria:

BRASÍLIA - Lançado em março de 2010 com discurso da então pré-candidata à presidência Dilma Rousseff, a segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC2, desapareceu na burocracia do governo da petista.

Propalada durante a campanha eleitoral, a implantação de centenas de unidades de pronto atendimento (UPAs) não saiu do papel. Na mesma situação, encontram-se também a construção de unidades básicas de saúde e a implantação de postos de polícia comunitária e de espaços integrados de esporte, cultura, lazer e serviços públicos, as chamadas "praças" do PAC.

Entre os gastos autorizados pela lei orçamentária para 2011, há quase R$ 1,3 bilhão destinados a esses projetos, voltados às populações das regiões metropolitanas. Mas, passados os primeiros cem dias de governo Dilma Rousseff, nenhum deles passou pela primeira etapa do processo de gasto público, o chamado empenho.

Levantamento feito pela ONG Contas Abertas a pedido do Estado mostra que, dos R$ 40,1 bilhões de gastos autorizados do PAC para 2011 - o Tesouro não faz distinção entre PAC1 e PAC2 -, valor que inclui as obras da primeira e da segunda versão do programa, apenas 0,25% (R$ 102 milhões) foram pagos até a última terça-feira, de acordo com registros do Siafi (sistema de acompanhamento de gastos da União).
A radiografia dos números mostra que as duas versões do PAC hoje avançam pela inércia, à custa de contratos realizados no ano passado, ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Assim, percebe-se que no mesmo período os pagamentos feitos foram dominados por obras e serviços contratados até o final do ano passado.

Esses pagamentos têm de ser feitos com o dinheiro arrecadado com tributos cobrados neste ano. Dos R$ 6,7 bilhões já pagos, R$ 6,6 bilhões referem-se a contas pendentes deixadas pelo governo Lula, inclusive da época em que Dilma Rousseff, na condição de chefe da Casa Civil, coordenava o PAC.

Paralisia. O projeto do PAC que recebeu o maior volume de dinheiro neste ano é mais um bom exemplo da situação de quase paralisia. Trata-se do Fundo de Arrendamento Residencial, dinheiro repassado às empreiteiras responsáveis pela construção de imóveis a famílias de baixa renda, selecionadas por prefeituras e governos estaduais.
O programa recebeu R$ 1,7 bilhão até 12 de abril. Esse dinheiro, no entanto, faz parte do saldo de contas pendentes deixadas por Lula, do qual faltam pagar mais R$ 5 bilhões. Os R$ 9,5 bilhões destinados ao programa pela lei orçamentária de 2011 nem começaram a sair do papel.

Grife. Com o programa patinando, o Ministério do Planejamento confirma que pode a mudança da nomenclatura PAC está em estudo no governo, que oficialmente insiste na tese de que não haverá cortes no programa.

Segundo o Planejamento, agora responsável pela coordenação do Programa de Aceleração do Crescimento, o próximo relatório de avaliação dos projetos será divulgado em julho. Até o final do governo Lula, os relatórios eram divulgados a cada quatro meses. Com Dilma na presidência, serão semestrais.

Sem registro do desempenho das novas ações, o portal do PAC ainda mantém a terminologia PAC 2, com explicações sobre o seu significado. "O PAC 2 chega com a missão de manter a roda da economia girando, investindo em obras e ações que diminuem as desigualdades e geram ainda mais qualidade de vida para os brasileiros".
O site não registra a mudança na periodicidade das avaliações. "A prestação de contas do PAC é feita para a sociedade através de balanços quadrimestrais."

Megainvestimento. O PAC 2 prevê investimentos de R$ 1,59 trilhão. São obras nas áreas de transportes e energia e também as que se destinam aos grandes centros urbanos, bairros populares e bolsões de pobreza. Entre os projetos do PAC 2 estão a ampliação do Minha Casa, Minha Vida e o Água para Todos, além do Cidade Melhor, segundo anúncio feito em março de 2010.

O novo foco em moradores das grandes cidades seria uma das novidades do PAC 2, se disse no lançamento do programa. Os investimentos seriam dirigidos a projetos de saneamento e mobilidade urbana. O Comunidade Cidadã ampliaria a presença do Estado em bairros populares. Haveria investimentos bilionários na construção de 500 unidades de pronto atendimento, 8,7 mil unidades básicas de saúde, mais de 10 mil quadras poliesportivas, 2,8 mil postos de polícia comunitária e 800 praças do PAC.

As faturas de obras já contratadas deixadas pelo governo Lula não param de pressionar os novos gastos do PAC. Até terça-feira, restavam por quitar contas de R$ 26,4 bilhões, quatro vezes o valor já pago nos primeiros cem dias de governo Dilma.

As mentiras contadas pelo poder - Demetrio Magnoli

Um artigo do sociólogo -- meu colega de "tribo", portanto, mas eu não me considero muito membro dessa confraria, por não exercício de função, a não ser analítica -- Demétrio Magnoli sobre as mentiras políticas que circulam atualmente no Brasil.
Como sempre, a versão (deformada) da história passa por verdade política. Mas ela precisa ser denunciada.
Destaco este trecho, que tem a ver com política externa:
Num “país de todos”, a política externa subordina-se a valores consagrados na Constituição, como a promoção dos direitos humanos. Sob o lulismo, a palavra constitucional vergou-se diante de ideologias propensas à celebração de ditaduras enroladas nos trapos de um visceral antiamericanismo. Em Cuba, Lula comparou os prisioneiros políticos do castrismo aos presos comuns brasileiros. Na ONU, os representantes do País opuseram-se a investigações e denúncias sobre violações de direitos humanos. Na América Latina, o Brasil deu cobertura ao enrijecimento do autoritarismo chavista, flertou com a reivindicação de concessão às FARC do estatuto de “força combatente” e engajou-se na aventura burlesca promovida por Hugo Chávez em Honduras. Alhures, numa iniciativa desastrosa, o Brasil tricotou o fracassado acordo tripartite com o Irã, escarnecendo da política internacional de não proliferação nuclear.

Fiquem com uma leitura crítica e reflexiva
Paulo Roberto de Almeuda

Partido Único
DEMÉTRIO MAGNOLI
Revista Interesse Nacional (n. 13, abril-junho 2011)

Há quase um ano, Dilma Rousseff deflagrava as atividades públicas de sua campanha presidencial com um périplo em Minas Gerais. O estado parecia, para petistas e tucanos, o terreno onde se travaria uma batalha eleitoral decisiva. Contudo, entre tantos lugares, a candidata de Lula embrenhou- -se pelas veredas de São João del Rei, até o túmulo de Tancredo Neves, no qual depositou flores. O gesto era mais que oportunismo eleitoreiro paroxístico. Havia, nele, uma declaração sobre a história. Meses depois, na primeira semana de horário eleitoral gratuito, José Serra colou um retrato de Lula à sua imagem, sugerindo uma associação política. O gesto, ilustração de manual de um truque oportunista autodestrutivo, continha uma declaração sobre a história. Tanto quanto a declaração de Dilma, era uma narrativa falsa, essencialmente mentirosa.

Em princípio, num plano superficial, as duas mentiras evidenciam a pobreza política de uma campanha presidencial na qual os protagonistas desdenharam a capacidade de discernimento dos eleitores. É um equívoco analítico, porém, tratá-las como falsificações simétricas. O triunfo de Dilma e a derrota de Serra revelam a desigualdade entre as duas mentiras. A produção de uma narrativa falsa sobre a história recente do Brasil serve ao projeto hegemônico do lulismo. Quando o governo Dilma completou cem dias, a oposição praticamente desapareceu da paisagem nacional, não como resultado de algum tipo de restrição das liberdades pelo governo, mas como fruto da falência política do PSDB e do DEM.

No túmulo de Tancredo
Lula e o PT acercaram-se de Delfim Netto, celebraram com Jader Barbalho, aliaram-se a José Sarney, trocaram figurinhas com Paulo Maluf, assopraram as cicatrizes de Fernando Collor, uniram-se a Renan Calheiros. O que é um Tancredo, perto disso? Uma diferença, entre tantas, está na circunstância de que a figura homenageada por Dilma na sua peregrinação a São João del Rei deixou o mundo dos vivos para ingressar no firmamento dos símbolos.

Tancredo é uma representação: o ícone da transição pactuada que deu origem à Nova República. O PT vilipendiou aquela transição e decidiu não fazer parte da ordem que nascia. Primeiro, expulsou seus três deputados que votaram por Tancredo no Colégio Eleitoral. Depois, recusou-se a homologar a Constituição de 1988. O que fazia a candidata de Lula no berço simbólico de tudo o que o PT queimou na maior encruzilhada de nossa história recente?

A coerência absoluta é privilégio das seitas políticas, responsáveis apenas perante seus próprios dogmas. Todos os partidos de verdade, aqui e alhures, experimentam ambivalências ao olhar para trás, na direção de seu passado. Mas o lulopetismo encontra-se numa categoria separada. A narrativa histórica implícita na peregrinação ao túmulo de Tancredo situa-se em algum ponto entre a esquizofrenia e o distúrbio bipolar. E, no entanto, há método na loucura.

O PT surgiu como leito de confluência de muitas águas e diferentes histórias. Na média, identificava-se como um partido de ruptura, socialista mas avesso ao “socialismo real”. Os trabalhadores, numa vertente, e o “povo de Deus”, em outra, formavam a base social imaginada do petismo original. Depois, à medida que se aproximava do poder, o PT converteu-se num partido da ordem. A conversão, contudo, jamais assumiu as formas de uma releitura honesta de seu passado e de uma crítica política das ideias originais.

A antiga corrente interna liderada pelo deputado José Genoíno bem que tentou, mas o PT não seguiu a dura trilha de aggiornamento pela qual, ao longo de meio século, os partidos marxistas da Segunda Internacional se transfiguraram na atual social-democracia europeia. Na hora do triunfo de Lula, a distância incomensurável entre palavras e atos teve de ser vencida pelo recurso a um salto fraudulento: a Carta aos Brasileiros, articulada por Antonio Palocci, escrita por ex-trotskistas e assinada pelo candidato como negação do programa partidário. Não é trivial encarar o passado quando se joga esconde-esconde com o presente.

A esquizofrenia salta aos olhos. Nos seus dois mandatos, Lula pilotou a política econômica com o software elaborado por FHC e foi buscar no ninho tucano o operador dos manetes do Banco Central. Em campanha, Dilma jurou que rezará as três orações do livro da ortodoxia: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Paralelamente, as resoluções do Congresso do PT de 2007 lamentavam a queda do Muro de Berlim e reiteravam tanto as “convicções anticapitalistas” quanto o compromisso com a “luta pelo socialismo”.

No partido, desde as crises da cueca e do caseiro, ninguém mais ousa sugerir um aggiornamento – uma carência que se traduz pelo agravamento dos sintomas de esquizofrenia. A dicotomia desenvolve-se como uma bifurcação de negações complementares: a prática de governo lulopetista não pode encontrar expressão na plataforma partidária e as palavras escritas pelo partido não podem encontrar correspondência nos programas de governo.

O lulopetismo fabricou não uma, mas duas versões da história do Brasil. A original, apoiada na chave da ruptura, diz que a nação alcançou a independência quando Lula subiu a rampa do Planalto, após a longa noite de “500 anos” na qual “a elite governou este país”. Uma segunda, apoiada na chave da continuidade, diz que Lula restaurou uma estrada de emancipação projetada por Getúlio Vargas (“o presidente que tirou toda a nação de um estágio de semiescravidão”), implantada por Juscelino Kubitschek (“quem conscientizou o país de que o desenvolvimento nacional é uma prerrogativa intransferível de um povo”) e pavimentada por Ernesto Geisel (“o presidente que comandou o último grande período desenvolvimentista do país”). As duas versões, contraditórias entre si, convivem numa harmonia perfeita regulada pelas necessidades e circunstâncias políticas.

As versões contraditórias contêm, ambas, um elemento invariante, que é o conto de uma queda. De acordo com ele, a presidência de FHC representou uma catástrofe nacional: a venda do templo e a conspurcação dos lugares santos. Nessa linha, diante do túmulo de Tancredo, Dilma crismou o ex-presidente tucano como chefe dos “exterminadores do futuro”. A peregrinação da candidata lulista a São João del Rei cumpria uma função de produção de sentido. Ela estava lá para escrever algumas novas linhas na versão continuísta da narrativa histórica do lulopetismo. O Brasil, informa-nos a versão revisada, moveu-se continuamente na direção do futuro, numa jornada inaugurada por Getúlio Vargas, que prosseguiu com Juscelino Kubitschek, Ernesto Geisel e a Nova República, até desviar-se tragicamente de seu rumo, na hora da ascensão de FHC. À luz dessa versão, Lula surgiu para, providencialmente, resgatar a nação do abismo, mostrando-lhe a senda de volta à estrada principal.

Da Carta aos Brasileiros à homenagem prestada por Dilma ao fundador da Nova República, o lulopetismo percorreu um longo caminho e eliminou bagagens pesadas, que representavam fardos políticos. O socialismo, embalsamado nas resoluções partidárias, foi expurgado da cena pública. Os radicais do “povo de Deus” deixaram o partido, rumo ao PSOL, ou foram acomodados na periferia buliçosa, mas inefetiva, do MST. O novo partido da ordem ocupou o centro do palco político, tecendo a coalizão com o PMDB e forjando um bloco de poder extraparlamentar que, sob o influxo das empresas estatais e dos fundos de pensão, abrange uma fatia significativa do grande empresariado, as centrais sindicais e os chamados movimentos sociais. Em São João del Rei, Dilma depredava a história – mas a mentira fazia sentido.

O retrato de Lula
Depois da peregrinação de Dilma, Serra tinha a oportunidade de fazer uma declaração esclarecedora sobre a história, na abertura de sua campanha na televisão. O principal candidato oposicionista poderia colar no muro, ao lado do seu, os retratos de Tancredo Neves, Itamar Franco e FHC. Legitimamente, poderia ir adiante, enfileirando no lado oposto os retratos de José Sarney, Fernando Collor, Lula e Dilma Rousseff. Entretanto, escolheu colar no seu muro o retrato de Lula. A decisão – adotada pelo próprio candidato ou por seu marqueteiro genial, tanto faz – condensa a falência política da oposição.

O gesto farsesco teve um impacto avassalador, palpável o suficiente para ser registrado tanto nas pesquisas quanto nas conversas de rua: nos dias seguintes, milhões de eleitores de Serra desertaram indignados, declarando-se fartos do baile de máscaras promovido pelo candidato. Os eleitores tinham razão: aquele não era um equívoco episódico, mas o prolongamento e a conclusão lógica de uma estratégia de campanha alicerçada sobre a abdicação do direito de fazer oposição.

Bem antes do gesto catastrófico, a campanha já se equilibrava precariamente sobre uma corda frouxa, trançada com os fios complementares da arrogância e da covardia. A arrogância transparecia na crença quase mística nos efeitos da comparação entre as biografias de Serra e da candidata oficial. A covardia, na decisão inabalável de não confrontar o lulismo com uma visão alternativa sobre o governo, o Estado e a nação. Sob o manto de uma estratégia supostamente eficaz, derivada dos altos níveis de aprovação do governo e da figura de Lula, Serra apresentava-se como o gerente mais confiável do continuísmo. No fim, a derrota não representou um fracasso eleitoral, mas o sintoma epidérmico de uma doença grave que corrói o organismo dos partidos de oposição. O mal de que padecem o PSDB e o DEM é a incapacidade de oferecer à nação uma plataforma alternativa à do lulopetismo.

Algo de curioso aconteceu quando, na contagem de votos do segundo turno, desenhou-se inequivocamente o resultado final. Então, rompendo um protocolo da democracia, Serra retardou o discurso de reconhecimento da derrota, escolhendo pronunciar-se depois de Dilma. No seu pronunciamento, o candidato oposicionista não se referiu à presidente eleita como presidente de todos os brasileiros, preferindo conclamar seus seguidores a ocuparem a “trincheira” da “luta pela democracia”. Desse modo, encerrou num diapasão sectário, inadequado à vigência indiscutível das liberdades políticas, uma campanha marcada pela hesitação em fazer oposição.

Naquele discurso final, Serra jactou-se dos 44% de votos válidos obtidos no segundo turno e os dirigentes do PSDB enfatizaram o valor dos triunfos em São Paulo e no Sul. Há algo aí, sem dúvida, mas o quadro inteiro é bastante diferente daquilo que sugeria o partido derrotado. Dilma venceu esmagadoramente no Nordeste, mas triunfou também no Sudeste, graças aos resultados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, e obteve um empate técnico no Rio Grande do Sul. As bancadas oposicionistas no Senado e na Câmara sofreram severa redução, produzindo esmagadoras maiorias governistas.

Os números frios não contam a história eleitoral inteira. A passagem de Serra ao segundo turno, graças ao crescimento de última hora da candidatura de Marina Silva, decorreu de fatores largamente estranhos às campanhas dos candidatos. Segundo todos os indícios disponíveis, Dilma resolveria a eleição no primeiro turno não fossem os efeitos de uma tripla conjunção: o escândalo do tráfico de influência de Erenice Guerra na Casa Civil, os ataques verbais destemperados de Lula contra a imprensa e uma polêmica sobre o tema do aborto que emergiu nas igrejas e na internet.

Derrotas eleitorais são eventos normais nas democracias. A derrota eleitoral de Serra é maior do que sugerem as estatísticas e os mapas publicados no final das apurações. Contudo, ainda mais expressivo é o fracasso político da oposição. Da campanha de 2010 não emanou um discurso coerente de ação política oposicionista. A conclamação patética à “trincheira” da “democracia” evidenciou o vazio. Hoje, diante dos olhos de todos, ele é preenchido pelas guerrilhas personalistas intestinas que, destituídas de algum conteúdo de interesse público, desmoralizam os partidos de oposição.

A candidata de Lula tinha o favoritismo desde o início da disputa eleitoral. Contava com o apoio do presidente, que a classificou como seu “pseudônimo”, e também da maior parte das elites política e empresarial. Além disso, crucialmente, beneficiava-se das altas taxas de crescimento econômico dos últimos anos, nos quais o Brasil surfou a “etapa chinesa” da globalização. Para ter uma chance de mudar o cenário previsível, Serra precisaria agir como estadista – isto é, como a figura que se ergue acima das circunstâncias, desafia o senso comum, afronta setores de sua própria base partidária e oferece aos eleitores uma narrativa política transparente, equilibrada e franca. Em campanha, o candidato tucano não se furtou a dirigir críticas fragmentárias ao governo e à sua candidata. Porém, como estilhaços de uma granada perdida, elas nunca formaram um conjunto coerente, capaz de sintetizar uma aspiração de mudança.

Serra não tem, contudo, a responsabilidade integral pelo fracasso político de sua campanha. A abdicação de agir como oposicionista tem um precedente tão próximo quanto ainda vívido. Nas eleições presidenciais de 2006, a campanha de Geraldo Alckmin entrou em colapso logo após o primeiro turno, quando o candidato cobriu-se com os logotipos das empresas estatais para sublimar o debate sobre as privatizações de FHC. Alckmin e Serra, cada um na sua hora, destruíram suas campanhas por meio de gestos paralelos de rendição política. Há, nisso, bem mais que uma coincidência.

De olho no retrovisor
No primeiro debate televisivo da campanha, Serra afirmou que não disputa eleições “de olho no retrovisor”. A frase de efeito não apenas denota desconforto com o passado como também veicula uma canhestra tentativa de passar uma borracha sobre a história. De mais a mais, evidencia uma surpreendente incompreensão da democracia: eleição é o momento no qual a nação revisita suas opções pretéritas e reflete sobre as diferentes estradas que conduzem ao futuro.

Atrás da frase, estava a esperança de circundar a discussão sobre o governo FHC – a mesma esperança que conduziu Alckmin a fantasiar-se como campeão das empresas estatais. O governo FHC representou o ápice da aventura política do PSDB. Nas duas eleições sucessivas, o repúdio tácito à própria herança, com seus acertos e erros, impediu que os tucanos analisassem criticamente o governo Lula e o PT, inscrevendo-os numa narrativa inteligível da trajetória recente do Brasil. A candidatura de Dilma Rousseff, tal como arquitetada por Lula, convertia a eleição num plebiscito sobre o lulismo. Não era viável, a não ser pela renúncia a fazer oposição, driblar a natureza plebiscitária do pleito. A alternativa era aceitá-la – mas mudando seus termos, por meio de um debate político esclarecedor.

O governo FHC inscreve-se, como o governo Lula, na trajetória brasileira pós-redemocratização. Nessa trajetória, firmaram-se consensos nacionais: o império da lei, das liberdades públicas e da democracia; a estabilidade econômica, a inserção do País na corrente da globalização; o resgate da “dívida social” gerada pelo modelo de crescimento implantado na ditadura militar. Tais consensos se consolidaram na “era FHC”. A política econômica seguida por Lula foi, no essencial, uma continuidade do programa delineado com o Plano Real. As políticas sociais de Lula foram, basicamente, desdobramentos das de FHC, com ampliações relevantes derivadas da conjuntura internacional favorável.

A oposição tinha a oportunidade de narrar essa história, apontando passo a passo a resistência do PT aos avanços obtidos no passado recente. O PT expulsou seus deputados que foram ao Colégio Eleitoral votar em Tancredo. O PT rejeitou o Plano Real. O PT denunciou, pela voz de Lula, o Bolsa-Escola como “bolsa esmola”. As conversões tardias do lulopetismo, queimando o que adorava e adorando o que queimava, deveriam ser expostas aos eleitores, a fim de traduzir em outros termos o debate sobre o passado proposto pelo próprio PT. A oposição não fez nada disso, em duas eleições, porque perdeu o rumo desde o segundo mandato de FHC.

Na moldura propiciada pela política de equilíbrio macroeconômico, o governo FHC redefiniu o lugar do Estado na economia, por meio do programa de privatização e da implantação das agências reguladoras. Além disso, avançou na profissionalização da burocracia e da gestão públicas, iniciando a desmontagem do Estado patrimonial herdado da “era Vargas”. No plano político, cautelosa e lentamente, começou a libertar a máquina administrativa da vasta rede de interesses clientelistas tecida por elites regionais e grupos partidários.

Contudo, o impulso das reformas arrefeceu na hora da aprovação da emenda da reeleição, que demandou compromissos em arco, abrangendo justamente as elites ameaçadas pelo programa de modernização do Estado. No segundo mandato, o sistema político enrijeceu-se e as forças inerciais fizeram sentir seu peso. As reformas política, eleitoral, sindical e trabalhista, tão necessárias, foram sacrificadas em nome da governabilidade. Sob o impacto das crises financeiras internacionais e de graves erros de gestão da política energética, o governo sofreu desgastes sucessivos, que prepararam o triunfo de Lula em 2002.

Uma derrota eleitoral não significa, necessariamente, uma derrota política. Mas, já na campanha eleitoral de 2002, o PSDB e o DEM relutavam em fazer uma defesa clara, contundente defesa da obra do governo FHC. O PT, pelo contrário, engajava-se na construção de uma narrativa oportunista, presa à dupla âncora do nacionalismo e do corporativismo, que atribuía às privatizações os problemas sociais do País. Ali, os principais partidos da atual oposição decidiam ignorar “o retrovisor”, cedendo o terreno doutrinário e ideológico ao petismo.

A renúncia à defesa do legado ajudou o lulopetismo a pintar em cores farsescas toda a política brasileira dos últimos oito anos. Lula governou com software macroeconômico de seu antecessor, mas seu partido jamais reconheceu essa dívida, que propiciou o crescimento com estabilidade. Lula não reverteu as privatizações de FHC, mas seu partido continuou a exibi-las como uma abominação. Lula ampliou vastamente as transferências sociais de renda que condenara, mas passou a acusar a oposição de classificá-las como “bolsa esmola”. A destruição sistemática da inteligibilidade da linguagem política serviu à construção da atual hegemonia do lulopetismo – mas apenas porque o PSDB e o DEM fugiram do campo de batalha das ideias.

A crítica à campanha de Serra em 2010 não é apenas inevitável, mas também necessária. Contudo, ela se transfigurará em novo subterfúgio escapista dos partidos de oposição se não se olhar para “o retrovisor”. No fim das contas, o candidato do PSDB foi fiel a seu partido, reproduzindo os hábitos e costumes inaugurados antes ainda da passagem da faixa presidencial de FHC para Lula.

A oposição que não temos
O lulismo, que prossegue com Dilma Rousseff,¬ não é a política macroeconômica do governo, tomada de empréstimo de FHC, mas uma concepção sobre o Estado e a nação. A sua vinheta de propaganda diz que o Brasil é “um país de todos”. Eis a mentira a ser exposta. O Estado remodelado ao longo dos dois mandatos de Lula é um conglomerado de interesses privados. Nele se acomodam a elite patrimonialista tradicional, a nova elite política petista, grandes empresas associadas aos fundos de pensão, centrais sindicais chapa-branca e movimentos sociais financiados pelo governo.

Num “país de todos”, a administração pública é conduzida por uma burocracia profissional. Sob Lula, a tradição de colonização privada da máquina pública amplificou-se e assumiu formas singulares, que resultam da emergência das novas elites oriundas do PT, dos sindicatos e dos movimentos sociais. Mais do que nunca, o Brasil precisa de uma reforma do Estado. O lulismo, que conferiu a José Sarney o estatuto de “homem incomum”, não a fará. A oposição, entretanto, não levanta essa bandeira, que se choca com o patrimonialismo entranhado em todos os partidos políticos.

Num “país de todos”, o movimento sindical expressa a vontade dos trabalhadores organizados. O lulismo repaginou o imposto sindical de origem varguista para estender o financiamento compulsório às centrais sindicais. A nova burocracia sindical, como a antiga, está subordinada ao Estado – com a diferença muito importante de que a sua corrente central também se conecta ao aparelho político do PT. Os partidos de oposição não reagiram à montagem da versão lulista da CLT, preferindo buscar pontos de apoio nas correntes periféricas do neopeleguismo. Nada indica que ousarão propor a adoção da Convenção 87 da OIT, retomando a palavra de ordem da liberdade sindical que um dia pertenceu ao PT e à CUT.

Num “país de todos”, a cidadania é um contrato apoiado no princípio da igualdade perante a lei. No Brasil do lulismo, os indivíduos ganharam rótulos raciais oficiais, que já começam a regular o exercício de direitos e ameaçam produzir fronteiras sociais intransponíveis. A única pesquisa científica de opinião pública sobre o tema das cotas raciais, realizada poucos anos atrás no Rio de Janeiro por uma ONG racialista, revelou que uma maioria de dois terços, formada por pessoas de todas as cores de pele, rejeita a introdução da raça na lei. Mesmo assim, a aprovação parlamentar das primeiras leis raciais da história do País não foi confrontada pelo PSDB ou pelo DEM, só encontrando resistência em algumas figuras da oposição, como notadamente o senador Demóstenes Torres (DEM – GO).

Num “país de todos”, a política externa subordina-se a valores consagrados na Constituição, como a promoção dos direitos humanos. Sob o lulismo, a palavra constitucional vergou-se diante de ideologias propensas à celebração de ditaduras enroladas nos trapos de um visceral antiamericanismo. Em Cuba, Lula comparou os prisioneiros políticos do castrismo aos presos comuns brasileiros. Na ONU, os representantes do País opuseram-se a investigações e denúncias sobre violações de direitos humanos. Na América Latina, o Brasil deu cobertura ao enrijecimento do autoritarismo chavista, flertou com a reivindicação de concessão às FARC do estatuto de “força combatente” e engajou-se na aventura burlesca promovida por Hugo Chávez em Honduras. Alhures, numa iniciativa desastrosa, o Brasil tricotou o fracassado acordo tripartite com o Irã, escarnecendo da política internacional de não proliferação nuclear.

Vozes da oposição exercitaram a crítica, mas apenas no episódio da aprovação parlamentar do ingresso da Venezuela no Mercosul os partidos oposicionistas marcaram claramente seu inconformismo com a política oficial. Na campanha eleitoral, sob o curioso argumento de que não se trata de assunto capaz de ganhar as atenções da maioria, Serra emudeceu quase por completo sobre os problemas estratégicos e de princípio da política externa lulista. Os partidos de oposição parecem desconhecer o impacto dos temas dos direitos humanos, das liberdades públicas e da democracia na sociedade brasileira. A persistente relutância em expor as relações entre a natureza autoritária do PT e as orientações de política internacional do lulismo constitui uma aula completa sobre o estado falimentar do PSDB e do DEM.

O governo Lula conservou os fundamentos da política macroeconômica herdada mas, aos poucos, começou a plantar as sementes de um modelo econômico baseado no protagonismo estatal. As agências reguladoras sofreram vertiginoso esvaziamento. À tríade constituída por Eletrobras, Telebras e Petrobras atribuíram-se novas funções, de reorganização anticompetitiva dos mercados nos quais operam. A alteração da Lei Geral de Telecomunicações para favorecer a Oi, os ensaios do Projeto Nacional de Banda Larga, a engenharia financeira da hidrelétrica de Belo Monte e o marco regulatório do pré-sal representam indícios clamorosos da reconstituição de um modelo de capitalismo de Estado abandonado nos anos 1990.

O BNDES, banco público de fomento, e os fundos de pensão, patrimônios privados controlados efetivamente pelo governo, desempenham papéis cruciais na estratégia econômica geral do lulopetismo. O poder financeiro discricionário desses atores propicia vultosas transferências de recursos para o grande empresariado que orbita ao redor do Estado. As sucessivas capitalizações do BNDES, com recursos do Tesouro, funcionam de fato como um vasto subsídio público a empresários privados, escolhidos a dedo pelo poder político de turno.

O novo modelo econômico, ainda esboçado, adquirirá amplitude com uma anunciada coleção de obras faraônicas, que se estende de Belo Monte ao Trem-Bala e alcança os projetos de infraestrutura e esportivos ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Entretanto, ao que parece, os partidos oposicionistas nada têm a dizer sobre o modelo em gestação, que subordina o interesse público aos interesses privados. Assim, depois de renunciarem à defesa programática das agências reguladoras e das privatizações, o PSDB e o DEM curvam-se a uma estratégia de desenvolvimento baseada na emissão de dívida pública e no desperdício em larga escala dos recursos nacionais.

O Plano Real e a política de estabilidade econômica configuraram um programa de governo com profundo apelo popular. FHC foi eleito e reeleito em primeiro turno, derrotando Lula por duas vezes, pois esse programa abriu a estrada para o crescimento com distribuição de renda. O chão estabelecido na “era FHC” solicitava um novo programa de apelo popular, voltado para a universalização efetiva dos direitos sociais. Contudo, o PSDB e o DEM jamais formularam tal programa – e, como resultado, perderam a audiência da maior parte da população de baixa renda. Nas eleições de 2010, mais que um corte regional, verificou-se um recorte social no eleitorado: Serra foi batido na população de baixa renda até mesmo em São Paulo.

O lulopetismo alicerça-se sobre uma doutrina conservadora, que veste fantasias de esquerda. Lula também não formulou um programa de universalização dos direitos sociais, preferindo concentrar-se numa audaciosa expansão dos programas de transferência direta de renda, que geram imediatos dividendos eleitorais. Na “era Lula”, pouco se fez nas esferas da educação, da saúde e da segurança pública. No “país de todos”, os pobres continuam sem escolas públicas e hospitais de qualidade e seguem à mercê do crime organizado. Serra desperdiçou a oportunidade de apresentar ao País um ambicioso plano de metas destinado a universalizar os direitos sociais num horizonte temporal previsível, ordenado por um cronograma verificável. Mas, afinal, por que ele daria esse passo, se os partidos oposicionistas desistiram há tempo de falar ao povo?

Um eleitorado sem representação
Lula abordou a sua sucessão como uma campanha de reeleição. No Brasil, como na América Latina em geral, o instituto da reeleição tende a converter o Estado numa máquina partidária. A presidência, os ministérios, as empresas estatais e as centrais sindicais neopelegas foram mobilizadas para assegurar o triunfo da candidata oficial. A economia, no ano eleitoral de 2010, avançou em desabalada carreira, num ritmo alucinante propiciado pelo crédito farto e pelos fluxos especulativos de investimentos estrangeiros. Eduardo Campos em Pernambuco, Jaques Wagner na Bahia, Sérgio Cabral no Rio de Janeiro, Antonio Anastasia em Minas Gerais, Geraldo Alckmin em São Paulo, todos candidatos da continuidade, obtiveram a vitória nos pleitos estaduais sem a necessidade de segundo turno. Por que, então, a “mulher de Lula”, o pseudônimo do mito vivo, disputando em condições excepcionalmente favoráveis, não triunfou no primeiro turno?

Os institutos de pesquisa registravam, na época da campanha eleitoral, uma taxa de aprovação do governo Lula em torno de 80%. Cerca de dois terços da aprovação recordista originavam-se de indivíduos que conferem ao presidente a avaliação “bom”, não “ótimo”. Nesse grupo, uma maioria não votou na “mulher de Lula” no primeiro turno. Dilma precisou de segundo turno, disputando contra um Serra carente de discurso político, assim como o próprio Lula precisou do turno final quando concorreu com um Alckmin que se negava a defender a herança de FHC.

Os resultados eleitorais de 2010, tanto quanto os de 2006, permanecem abertos a análises e polêmicas. Há, porém, uma evidência indiscutível: uma parte expressiva do eleitorado brasileiro, superior a 40%, rejeita nitidamente o lulopetismo. A sociedade brasileira – moderna, urbana, complexa – não se ajusta à sedimentação de seu sistema político sob o peso de um hegemon. A rejeição ao petismo expressa- -se na sociedade sob as mais diversas formas. Essa oposição, entretanto, não se traduz adequadamente nos atuais partidos oposicionistas – e, portanto, também não encontra expressão parlamentar. É um sinal preocupante sobre o estado de saúde de nossa democracia.

DEMÉTRIO MAGNOLI, sociólogo e doutor em Geografia Humana, integra o GACINT-USP e assina colunas de opinião nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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