segunda-feira, 19 de março de 2012

Governo brasileiro: a balela da austeridade fiscal - Fabio Giambiagi


Austeridade relativa

19 de março de 2012 | 3h 06
FABIO GIAMBIAGI - O Estado de S.Paulo
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil no começo de 2011 e fosse capaz de entender português teria tido a oportunidade de ler as mais diversas reportagens, declarações oficiais e relatórios governamentais destacando a muitas vezes mencionada "austeridade fiscal". Vindo de um país latino, acostumado ao uso mais elástico da linguagem, talvez ele pudesse entender mais claramente o que estava em jogo. Mas, se ele viesse de um país anglo-saxão, com uma formação cartesiana mais rigorosa, ainda que compreendesse bem a língua local, teria tido dificuldade de entender três coisas.
A primeira a gerar certa perplexidade seria a linguagem em si. Usei acima a expressão "austeridade" porque é assim que ela se manifestou nas páginas econômicas dos jornais, mas no discurso oficial a palavra raramente foi usada, sendo em geral substituída pela imagem da "consolidação fiscal", que a rigor não quer dizer absolutamente nada e, de certa forma, passa um pouco a ideia de que se trataria da "austeridade que não ousa dizer seu nome".
A segunda dificuldade para entender a realidade local seria a flagrante contradição entre a postura de um governo que, no País, ao se posicionar diante dos chamados "mercados", se esforçou por todos os meios em passar a impressão de que a nova gestão daria inequivocamente um "basta" na política fiscal fortemente expansionista de 2009/2010, mas, ao ultrapassar as fronteiras nacionais e sempre na companhia do governo argentino, pontificava em dar lições ao mundo acerca de como gastar.
Mais ainda, as autoridades estavam sempre dispostas a utilizar qualquer púlpito no âmbito do G-20 para expressar suas críticas àqueles que aspiravam a pôr um freio na gastança dos governos grego e italiano, que nunca se destacaram propriamente por serem um primor de austeridade fiscal. Seria difícil para o nosso estrangeiro evitar a associação entre o Brasil e a imagem de um jovem que, obrigado pelas circunstâncias a agir contra sua própria natureza e vestir terno no seu novo emprego, no fundo é feliz mesmo agindo com ar displicente quando sai em viagem ao exterior.
A terceira dificuldade, e a mais importante de todas, seria conciliar a versão impressa diariamente pelos jornais - com manchetes sobre o "corte de R$ 50 bilhões", austeridade e o uso frequente da palavra "arrocho" para definir a situação dos Ministérios - com a realidade dos fatos. Com a vantagem de não precisarmos ter bola de cristal por já sabermos o que ocorreu, podemos olhar para os números do ano passado. E o que nos dizem eles, agora que já sabemos como foi de fato a execução fiscal em 2011, se deflacionarmos os dados pela variação média do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)?
O que eles nos dizem são quatro coisas. Primeiro, que as despesas correntes de 2011, excetuando transferências a Estados e municípios, tiveram um aumento real de 4%. Segundo, que as transferências a Estados e municípios tiveram, sempre em termos reais, incremento de 15%. Terceiro, que o investimento público do governo federal caiu 5%. E, finalmente, que a resultante desses três efeitos foi um aumento real de 5% do gasto total.
Cotejando a situação com o noticiário sobre o ajuste fiscal efetivo da Espanha, o corte de despesas na Inglaterra ou a redução do valor das aposentadorias na Grécia, o nosso estrangeiro poderia ter indagado com curiosidade a um interlocutor: "O que vocês chamam de austeridade no Brasil? Que parte do português eu não entendi?". Algumas rubricas, em particular, chamariam a atenção dele, com destaque para o sempre instigante fato de no País o desemprego estar em queda e todo ano a despesa com seguro-desemprego crescer (7% de aumento real das despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador em 2011).
Analisando o padrão de gasto (aumento do gasto corrente e corte do investimento), a atitude do País se parece com a de um indivíduo que, com algum problema de caixa, mantém a programação para fazer a festa de aniversário, mas, para tentar se enquadrar na restrição orçamentária, tira o filho da melhor escola do bairro para colocá-lo numa escola ruim e mais barata.
O mais intrigante de tudo, porém, ainda estaria por vir, olhando em perspectiva para 2012. É que, em 2011, tudo o que foi dito acima ocorreu num contexto em que a variação real do salário mínimo, base da remuneração de 2 de cada 3 aposentados, foi nula - o que ajudou a evitar um crescimento maior da despesa -, enquanto em 2012 essa variável - que afeta as despesas do INSS, dos benefícios assistenciais e do seguro-desemprego - aumentou nada menos do que 7,5%. Em outras palavras, o gasto para este ano vem com um inequívoco "viés de alta". O governo merece crédito por ter atingido um superávit primário de 3,1% do PIB, mas o gasto agregado, tanto em 2011 como em 2012, continua aumentando firmemente.
É por essas e outras que o estrangeiro da história terá no final aprendido que, no Brasil, nem tudo o que é dito corresponde de fato ao que é dito; nem tudo o que é feito é dito; e nem tudo o que é dito é feito.
*ECONOMISTA, É AUTOR DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA (ED. CAMPUS)

Nuclear: Iran 2010 = Brasil 1970? - Jose Golbemberg


O Irã e as armas nucleares

JOSÉ GOLDEMBERG 
O Estado de S.Paulo19 de março de 2012

Não há nada de original na estratégia utilizada pelo Irã para justificar sua opção de desenvolver energia nuclear como um símbolo da soberania nacional que unifica o país em torno de seus dirigentes. Esses argumentos já foram usados no Brasil na década de 1970, durante o regime militar, e temos, portanto, experiência em entendê-los.
O uso de energia nuclear para fins pacíficos envolve tecnologias bem conhecidas, algumas muito benéficas, como as inúmeras aplicações médicas. A produção de eletricidade em reatores nucleares é, porém, mais controvertida, porque o custo da eletricidade produzida, em geral, é mais elevado que o de outras formas, como hidreletricidade e usinas queimando carvão ou gás natural. Além disso, acidentes com reatores nucleares podem ser extremamente graves, não só do ponto de vista dos riscos para a vida de grandes populações que habitam o entorno dos reatores, como também extraordinariamente dispendiosos. O recente desastre com os reatores nucleares no Japão teve seu custo estimado em US$ 275 bilhões.
Há países que não têm outras opções para produzir eletricidade, como a França e a Rússia, e não se mostram dispostos a abrir mão dessa fonte de energia. Já outros, como a Alemanha, a Suíça e a Bélgica, se convenceram de que podem produzir a energia de que necessitam com outras fontes menos problemáticas. O Irã, a rigor, está nesta categoria: do ponto de vista técnico, esse país não tem nenhuma justificativa plausível para usar reatores nucleares para a produção de eletricidade, uma vez que dispõe de enorme reserva de gás natural (a segunda maior do mundo).
Esse é também o caso do Brasil, que possui recursos hidrelétricos abundantes. Não era essa, contudo, a visão dos militares na década de 70. Se ela tivesse vingado, Itaipu não teria sido construída. Afinal a razão acabou prevalecendo e dos 60 reatores nucleares planejados para o ano 2000 existem hoje apenas 2 funcionando, em Angra dos Reis (RJ).
Adotar a opção de instalar reatores nucleares para a produção de eletricidade pode ser, todavia, apenas uma tática para ocultar intenções de produzir armas atômicas, e há exemplos de países onde isso ocorreu. O Irã parece seguir esse mesmo caminho e as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) reforçam tais desconfianças.
Na realidade, é mais fácil produzir armas do que eletricidade com energia nuclear. O que há em comum entre essas duas possibilidades é o acesso ao urânio enriquecido (ou plutônio). Se o nível de enriquecimento for baixo (de 3% a 5%), ele é usado em reatores nucleares. Se for maior que 80%, pode ser usado para produzir bombas atômicas. No urânio encontrado na natureza há menos de 1% do material que é útil para reatores ou armas nucleares. É preciso, por isso, um processo que aumente essa porcentagem, chamado de "enriquecimento".
A Índia "pirateou", de um reator canadense instalado no seu país, o plutônio para fazer a sua primeira explosão nuclear, em 1974. Apesar disso, não conseguiu ainda construir reatores nucleares de grande porte para a produção de eletricidade. O mesmo ocorreu na Coreia do Norte. Já o Paquistão usou centrífugas "pirateadas" por Abdul Qadeer Kahn, técnico paquistanês que trabalhou na Urenco, na Holanda. O Irã está usando centrífugas do tipo paquistanês e tentando melhorá-las.
Os grandes progressos na área nuclear que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anuncia de tempos em tempos não são realmente significativos. Fazer varetas de combustível nuclear com urânio enriquecido para usar num reator de pesquisas, que é o seu último "sucesso", foi feito na década de 80 no Instituto de Energia Atômica na Universidade de São Paulo (USP).
Infelizmente, porém, não há barreira técnica intransponível entre enriquecer urânio a 5% (para reatores nucleares) ou 90% (para bombas atômicas). A barreira é uma decisão política.
Países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, como o Brasil e o Irã, estão comprometidos a não produzir bombas, mas o único mecanismo existente para garantir que isso não aconteça de fato são as inspeções da AIEA, que o Irã frequentemente impede. O Brasil e a Argentina têm o seu próprio acordo de inspeções mútuas desde 1992 e que até hoje não deu origem a problemas.
Por causa das constantes transgressões, o Irã tem recebido sanções dos países europeus e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que internamente é usado para consolidar a solidariedade ao governo, que se apresenta como vítima de uma conspiração internacional. Essa é a estratégia tradicional de governos totalitários para se legitimarem - que a Alemanha nazista utilizou em grande escala para justificar a sua política de agressão militar e até mesmo o holocausto.
Um ataque militar de Israel ou dos Estados Unidos para destruir as instalações nucleares iranianas não está excluído - operações desse tipo já foram feitas no passado por Israel contra o Iraque e a Síria. O sucesso de tal operação no Irã é, contudo, problemático.
A alternativa é um acordo político com o Irã para que abandone seus planos nucleares com fins militares, como fez recentemente a Coreia do Norte. O problema é que o atual regime identifica sua sobrevivência com o prosseguimento desses planos. No Irã a energia nuclear é apresentada como uma tecnologia modernizante e um passaporte para o Primeiro Mundo, como, aliás, se tentou fazer na década de 70 no Brasil.
Sucede que há muitas tecnologias modernizantes e o que a História mostra é que modernizar não é produzir armas, mas resolver os problemas fundamentais de infraestrutura, saúde e educação do país.
*PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Le manifeste censuré de Camus (1939) - Le Monde

Nota do Le Monde
L'article que nous publions devait paraître le 25 novembre 1939 dans "Le Soir républicain", un quotidien limité à une feuille recto verso que Camus codirige à Alger. L'écrivain y définit "les quatre commandements du journaliste libre": lucidité, refus, ironie et obstination. 
Notre collaboratrice Macha Séry a retrouvé ce texte aux Archives nationales d'outre-mer, à Aix-en-Provence. Camus dénonce ici la désinformation qui gangrène déjà la France en 1939. Son manifeste va plus loin. Il est une réflexion sur le journalisme en temps de guerre. Et, plus largement, sur le choix de chacun, plus que celui de la collectivité, de se construire en homme libre.

Le manifeste censuré de Camus

LE MONDE CULTURE ET IDEES, 
Il est difficile aujourd'hui d'évoquer la liberté de la presse sans être taxé d'extravagance, accusé d'être Mata-Hari, de se voir convaincre d'être le neveu de Staline.
Pourtant cette liberté parmi d'autres n'est qu'un des visages de la liberté tout court et l'on comprendra notre obstination à la défendre si l'on veut bien admettre qu'il n'y a point d'autre façon de gagner réellement la guerre.
Certes, toute liberté a ses limites. Encore faut-il qu'elles soient librement reconnues. Sur les obstacles qui sont apportés aujourd'hui à la liberté de pensée, nous avons d'ailleurs dit tout ce que nous avons pu dire et nous dirons encore, et à satiété, tout ce qu'il nous sera possible de dire. En particulier, nous ne nous étonnerons jamais assez, le principe de la censure une fois imposé, que la reproduction des textes publiés en France et visés par les censeurs métropolitains soit interdite au Soir républicain (le journal, publié à Alger, dont Albert Camus était rédacteur en chef à l'époque), par exemple. Le fait qu'à cet égard un journal dépend de l'humeur ou de la compétence d'un homme démontre mieux qu'autre chose le degré d'inconscience où nous sommes parvenus.
Un des bons préceptes d'une philosophie digne de ce nom est de ne jamais se répandre en lamentations inutiles en face d'un état de fait qui ne peut plus être évité. La question en France n'est plus aujourd'hui de savoir comment préserver les libertés de la presse. Elle est de chercher comment, en face de la suppression de ces libertés, un journaliste peut rester libre. Le problème n'intéresse plus la collectivité. Il concerne l'individu.
Et justement ce qu'il nous plairait de définir ici, ce sont les conditions et les moyens par lesquels, au sein même de la guerre et de ses servitudes, la liberté peut être, non seulement préservée, mais encore manifestée. Ces moyens sont au nombre de quatre : la lucidité, le refus, l'ironie et l'obstination. La lucidité suppose la résistance aux entraînements de la haine et au culte de la fatalité. Dans le monde de notre expérience, il est certain que tout peut être évité. La guerre elle-même, qui est un phénomène humain, peut être à tous les moments évitée ou arrêtée par des moyens humains. Il suffit de connaître l'histoire des dernières années de la politique européenne pour être certains que la guerre, quelle qu'elle soit, a des causes évidentes. Cette vue claire des choses exclut la haine aveugle et le désespoir qui laisse faire. Un journaliste libre, en 1939, ne désespère pas et lutte pour ce qu'il croit vrai comme si son action pouvait influersur le cours des événements. Il ne publie rien qui puisse exciter à la haine ouprovoquer le désespoir. Tout cela est en son pouvoir.
En face de la marée montante de la bêtise, il est nécessaire également d'opposer quelques refus. Toutes les contraintes du monde ne feront pas qu'un esprit un peu propre accepte d'être malhonnête. Or, et pour peu qu'on connaisse le mécanisme des informations, il est facile de s'assurer de l'authenticité d'une nouvelle. C'est à cela qu'un journaliste libre doit donner toute son attention. Car, s'il ne peut dire tout ce qu'il pense, il lui est possible de ne pas dire ce qu'il ne pense pas ou qu'il croit faux. Et c'est ainsi qu'un journal libre se mesure autant à ce qu'il dit qu'à ce qu'il ne dit pas. Cette liberté toute négative est, de loin, la plus importante de toutes, si l'on sait la maintenir. Car elle prépare l'avènement de la vraie liberté. En conséquence, un journal indépendant donne l'origine de ses informations, aide le public à les évaluer, répudie le bourrage de crâne, supprime les invectives, pallie par des commentaires l'uniformisation des informations et, en bref, sert la vérité dans la mesure humaine de ses forces. Cette mesure, si relative qu'elle soit, lui permet du moins de refuser ce qu'aucune force au monde ne pourrait lui faire accepterservir le mensonge.
Nous en venons ainsi à l'ironie. On peut poser en principe qu'un esprit qui a le goût et les moyens d'imposer la contrainte est imperméable à l'ironie. On ne voit pas Hitler, pour ne prendre qu'un exemple parmi d'autres, utiliser l'ironie socratique. Il reste donc que l'ironie demeure une arme sans précédent contre les trop puissants. Elle complète le refus en ce sens qu'elle permet, non plus derejeter ce qui est faux, mais de dire souvent ce qui est vrai. Un journaliste libre, en 1939, ne se fait pas trop d'illusions sur l'intelligence de ceux qui l'oppriment. Il est pessimiste en ce qui regarde l'homme. Une vérité énoncée sur un ton dogmatique est censurée neuf fois sur dix. La même vérité dite plaisamment ne l'est que cinq fois sur dix. Cette disposition figure assez exactement les possibilités de l'intelligence humaine. Elle explique également que des journaux français comme Le Merle ou Le Canard enchaîné puissent publier régulièrement les courageux articles que l'on sait. Un journaliste libre, en 1939, est donc nécessairement ironique, encore que ce soit souvent à son corps défendant. Mais la vérité et la liberté sont des maîtresses exigeantes puisqu'elles ont peu d'amants.
Cette attitude d'esprit brièvement définie, il est évident qu'elle ne saurait sesoutenir efficacement sans un minimum d'obstination. Bien des obstacles sont mis à la liberté d'expression. Ce ne sont pas les plus sévères qui peuvent décourager un esprit. Car les menaces, les suspensions, les poursuites obtiennent généralement en France l'effet contraire à celui qu'on se propose. Mais il fautconvenir qu'il est des obstacles décourageants : la constance dans la sottise, la veulerie organisée, l'inintelligence agressive, et nous en passons. Là est le grand obstacle dont il faut triompher. L'obstination est ici vertu cardinale. Par un paradoxe curieux mais évident, elle se met alors au service de l'objectivité et de la tolérance.
Voici donc un ensemble de règles pour préserver la liberté jusqu'au sein de la servitude. Et après ?, dira-t-on. Après ? Ne soyons pas trop pressés. Si seulement chaque Français voulait bien maintenir dans sa sphère tout ce qu'il croit vrai et juste, s'il voulait aider pour sa faible part au maintien de la liberté, résister à l'abandon et faire connaître sa volonté, alors et alors seulement cette guerre serait gagnée, au sens profond du mot.
Oui, c'est souvent à son corps défendant qu'un esprit libre de ce siècle fait sentirson ironie. Que trouver de plaisant dans ce monde enflammé ? Mais la vertu de l'homme est de se maintenir en face de tout ce qui le nie. Personne ne veut recommencer dans vingt-cinq ans la double expérience de 1914 et de 1939. Il faut donc essayer une méthode encore toute nouvelle qui serait la justice et la générosité. Mais celles-ci ne s'expriment que dans des coeurs déjà libres et dans les esprits encore clairvoyants. Former ces coeurs et ces esprits, les réveiller plutôt, c'est la tâche à la fois modeste et ambitieuse qui revient à l'homme indépendant. Il faut s'y tenir sans voir plus avant. L'histoire tiendra ou ne tiendra pas compte de ces efforts. Mais ils auront été faits.
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Nota PRA: Agradeço ao jornalista Reinaldo Azevedo ter me chamado a atenção para este texto.

Diagnostico simplista, equivocado, receitas erradas, ineficientes -- Editorial Estadao

Quando se tem uma compreensão limitada da realidade, derivada da insuficiência de informação -- o que acho sinceramente que não é o caso, sendo bem mais o resultado de equívocos de formação, ou seja, um entendimento capenga de como funciona a economia do Brasil -- é fácil fazer diagnósticos errados e prescrever em consequência remédios totalmente inadequados para a solução dos problemas.
O editorial do Estadão restabelece algumas premissas, não todas, e corrige alguns dos equívocos, não todos, de quem deveria se expressar de forma mais clara, e sobretudo mais corretamente.
Em primeiro lugar, não haveria nenhum tsunami financeiro "contra" o Brasil, se nossos juros fossem normais, ou até estivessem abaixo dos patamares de mercado, como aliás estão os dos países que despejam dinheiro no sistema (aliás, uma recomendação que ela mesma fez, por duas vezes, quando esteve na Europa, para "estimular a economia", e não "fazer economia pelo ajuste recessivo).
Em segundo lugar, não adianta o governo comprar mais dólares, pois eles continuarão vindo, aliás por isso mesmo...
Em terceiro lugar, quem impede o crescimento da economia é o governo extorquidor dos recursos da sociedade. Mas isso fica difícil admitir.
Então, tome equívocos de diagnósticos e receitas mais erradas ainda...
Paulo Roberto de Almeida 



O simplismo da presidente

Editorial O Estado de S.Paulo, 19 de março de 2012

A presidente Dilma Rousseff prometeu editar uma medida provisória por semana, se for preciso, para conter a depreciação do dólar, uma das dores de cabeça do empresariado brasileiro. Diante de um grupo de dirigentes sindicais em visita a seu gabinete, no Palácio do Planalto, ela voltou a esbravejar contra os bancos centrais do mundo rico. Ao emitir enorme volume de euros, dólares e libras, esses bancos centrais causam no mercado cambial o desastre por ela descrito como tsunami monetário, forçando a valorização do real e de outras moedas de países em desenvolvimento. A presidente e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, podem ter boas razões para se queixar dessa política. Mas ela simplifica perigosamente os fatos quando formula seu diagnóstico da situação brasileira: "Nosso problema é (sic) juros, câmbio e inflação".
Nem sequer no governo esse diagnóstico simplista é seguido de forma coerente. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconhece outras dificuldades enfrentadas pela indústria brasileira. Por isso se dispõe a estender a mais quatro segmentos a desoneração da folha de salários. Além disso, admite, com mais de meio ano de atraso, um erro cometido nas primeiras desonerações, quando fixou em 1,5% o tributo sobre o faturamento das empresas incluídas naquela rodada. Foi logo advertido do erro: para algumas indústrias, aquele imposto pesaria mais que os encargos retirados da folha. Mas sobra um dado positivo: o reconhecimento de um problema independente da valorização cambial.
Também a presidente Dilma Rousseff acaba indo além do próprio diagnóstico, ao cobrar uma redução do preço da eletricidade na próxima renovação de concessões. O custo da energia elétrica é uma importante desvantagem das indústrias brasileiras. Esse problema é bem conhecido, mas o governo jamais se esforçou seriamente para resolvê-lo. Para a solução, a presidente e seus ministros terão de fazer alguma coisa em relação ao peso dos tributos e de outras taxas na formação das tarifas do setor elétrico. Esses encargos correspondem a cerca de 34% da fatura.
O item mais oneroso desse conjunto é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos governos estaduais. Estará o governo da União disposto a enfrentar uma negociação com os governadores? Desde 2003, as autoridades federais evitam todo esforço desse tipo. Isso explica o fracasso de suas tentativas de reforma tributária. Mas também há taxas da União embutidas naquele custo. Dessas, pelo menos, o governo central poderá cuidar, se quiser mesmo fazer sua parte.
De alguma forma, o governo federal reconhece a existência de questões muito mais complexas que aquelas apontadas pela presidente aos dirigentes sindicais. Mas falta equacionar de modo mais completo e consequente esses problemas, para desobstruir o caminho do crescimento.
Alguns desses problemas limitam a redução dos juros, embora os dirigentes do Banco Central (BC) se esforcem para atender a presidente. Sem um controle sério do gasto público, o Comitê de Política Monetária do BC não poderá ir muito mais longe no corte da taxa básica de juros. Isso não é segredo, mas, até agora, os dirigentes do BC proclamam sua fé nos bons propósitos fiscais do Executivo. Em algum momento, terão de reconhecer a realidade. Sem uma política de gastos mais contida e mais eficiente, será também difícil mexer mais amplamente nos impostos.
A presidente deve saber disso, mas fala, quase sempre, como se ignorasse ou menosprezasse essas questões. Ela também prometeu cobrar mais investimentos dos empresários. Mas eles investem mais regularmente que o governo, e investiriam mais, se as condições, a começar pela tributação, fossem mais propícias.
Em 2011, a economia brasileira cresceu bem menos que a de muitos outros países emergentes - menos, até, que a alemã, que sofre as consequências da crise do euro. Seu potencial de crescimento sem graves desequilíbrios - cerca de 4,2% no segundo mandato do presidente Lula - hoje deve estar na faixa de 3,5% a 4% ao ano, segundo a Fundação Getúlio Vargas. A redução é explicável por fatores bem mais complexos que os indicados pela presidente. Falta o governo extrair as consequências desse fato.

Matando judeus na Franca, se preparando, talvez, para fazer o mesmo, na Venezuela

No momento em que crianças são assassinadas na França, talvez unicamente pelo fato de serem judias -- do contrário, qual o perigo que representam crianças, de qualquer religião, ou "raça", para qualquer crença política, qualquer movimento, qualquer causa estratégica? -- lembrei-me de uma recente manchete de um jornal venezuelano, já preparando o terreno dos futuros enfrentamentos contra os "perigosos judeus".
Eis aqui o que temos ao nosso lado, aliás sócio estratégico no Mercosul, aliado dos companheiros...
Paulo Roberto de Almeida

Do blog de Marcos Guterman, Estadão, 16/03/2012


Kikiriki, apesar do nome engraçado, é um dos mais antigos jornais de esquerda da Venezuela – ou seja, não é um mero acidente marrom. Esse semanário chavista publicou a manchete acima, que, numa tradução elegante, pode ser lida como “Capriles Radonski é o candidato deles. Se os judeus chegarem ao poder, estamos ferrados”. Era uma referência ao candidato de oposição à Presidência venezuelana, Henrique Capriles – que se diz católico e cujos avós por parte de mãe eram judeus, mortos no campo de concentração nazista de Treblinka.
Não é a primeira vez que as hostes chavistas apelam ao antissemitismo explícito para atacar o adversário de Hugo Chávez. Em outra oportunidade, um desses intelectuais acusou os “sionistas” de dominarem a mídia, os bancos e os governos ao redor do mundo. No caso do Kikiriki, o jornal nem se deu ao trabalho de disfarçar o ódio aos judeus a título de crítica aos “sionistas”. O máximo de “sutileza” foi ter colocado uma foto com a legenda “Menino palestino após um bombardeio israelense”. Ou seja: era uma advertência aos venezuelanos sobre do que os judeus são capazes.
Mas isso é só a Primeira Página do periódico. As páginas internas reservam material ainda mais didático sobre a imaginação dos antissemitas venezuelanos que militam no chavismo. Um dos textosdiz que Capriles é vinculado à TFP, que por sua vez é “associada” do “lobby judaico” – ao qual oKikiriki atribui a propriedade dos principais bancos, meios de comunicação e indústrias tecnológicas e bélicas do mundo, com poder para nomear os principais ministros dos governos mais poderosos do mundo.
O melhor, no entanto, é o editorial. O texto questiona “por que a palavra Israel aparece milhares de vezes (na Bíblia), de ponta a ponta, e por que Deus prometeu umas terras e os nomeou (aos judeus) os membros eleitos sobre este planeta”. A resposta, afirma o editorial, é que “quem escreve a história se coloca como protagonista e como vencedor”, e a Bíblia é obra de judeus. E então o Kikirikiarremata:
“É preciso falar disso porque os judeus sionistas se apoderaram do dinheiro do mundo e de suas grandes corporações, bancos e empresas, assim como dos meios de rádio, TV e jornais e agora puseram os olhos na Venezuela. Capriles Radonski, bilionário, é filho de pai judeu e de mãe judia, razão pela qual é preciso estudar suas conexões internacionais e aprofundar sua história. Estaremos fodidos se os judeus chegarem ao poder – e quem tiver dúvida disso, que pergunte aos palestinos e aos árabes”.
Caso encerrado.

O Sexto Membro Permanente: o Brasil e a criação da ONU - livro de Eugenio Vargas Garcia

Lançamento do livro 
O sexto membro permanente: o Brasil e a Criação da ONU
de Eugênio Vargas Garcia
A Editora Contraponto anuncia o lançamento do livro ”O sexto membro permanente: O Brasil e a criação da ONU”, de autoria do diplomata Eugênio Vargas Garcia.
O Brasil é apontado hoje como a sexta economia do mundo, segundo projeções internacionais. Algumas décadas atrás, enquanto rugiam as sangrentas batalhas da Segunda Guerra Mundial, as grandes potências aliadas começavam a discutir as bases da ordem do pós-guerra. Uma nova organização internacional deveria ser criada para manter a paz, pela força se necessário. No centro da estrutura das Nações Unidas, o Conselho de Segurança seria dominado pelos cinco membros permanentes com poder de veto: Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, China e França. Nas negociações preparatórias, o Brasil foi o único país cogitado a ocupar um sexto assento permanente no Conselho. Este livro mostra como o Brasil de Getúlio Vargas acompanhou essas conversações diplomáticas e o que fez na Conferência de São Francisco, em 1945, quando a Carta da ONU foi assinada. Os cenários estratégicos, o fim da guerra e a queda do Estado Novo formam o pano de fundo desta estória contada aqui pela primeira vez, resultado de vasta pesquisa de documentos em diversos arquivos no Brasil e no exterior.


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Apresentação:
Na aurora da modernidade, a formação dos Estados nacionais foi a solução que a Europa encontrou para pôr fim a guerras religiosas que já duravam mais de cem anos. O maior teórico dessa transição foi Hobbes: para terminar com a guerra de todos contra todos era necessário instituir um poder de novo tipo, o Leviatã. Em vez de tentar impor algum princípio religioso ou moral, ele deveria situar-se acima das partes em litígio e legitimar-se apenas pela capacidade de garantir a paz, estabelecendo regras mínimas de convivência.
    O advento da modernidade foi marcado pela separação de dois eixos – bem/mal e paz/guerra – que até então se misturavam. Isso correspondeu à separação entre moral, remetida à esfera privada, e política, doravante submetida à razão de Estado. Invocações de mitologias históricas, teologias, regras de comportamento ou argumentos afins já não podiam legitimar ações de natureza política, dado o risco de elas reiniciarem, em qualquer tempo, a guerra de todos contra todos. Nasceu o Estado moderno, um ente soberano, detentor do monopólio do uso legítimo da força. O problema da paz nos territórios sob jurisdição estatal foi, pelo menos em tese, resolvido, mas não o problema da paz entre diferentes Estados. A história da modernidade é, também, uma história de guerras sangrentas.
    No século XX, duas guerras mundiais, entremeadas pelo fracasso da Liga das Nações, deram origem à Organização das Nações Unidas, encarregada de constituir legalmente uma comunidade de Estados em escala planetária e criar um novo sistema de segurança coletiva, atuando como uma espécie de Leviatã interestatal. O centro desse sistema é ocupado pelo Conselho de Segurança, onde apenas cinco países – Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França e China – têm assento permanente e poder de veto. Ele não presta contas a ninguém, nem mesmo à Assembleia Geral, e suas decisões têm de ser acatadas por todos.
    A composição do Conselho, definida em 1945, reflete uma conjuntura internacional que, em larga medida, deixou de existir: os grandes impérios coloniais acabaram, inúmeros países foram criados, parte da periferia se industrializou, Alemanha e Japão voltaram a ser gigantes econômicos, o mundo muçulmano e a África negra ganharam nova personalidade, outras potências nucleares surgiram, a União Soviética desapareceu. A agenda mundial também foi alterada: além da tradicional questão da guerra entre Estados, prevista na Carta da ONU, questões como a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente adquiriram relevância.
    A reforma da ONU é decisiva para a construção de uma nova ordem mundial. É um desafio tão necessário quanto difícil, pois a instituição de outras regras exigiria 2/3 dos votos da Assembleia Geral, incluídos aí os votos de todos os atuais membros permanentes do Conselho de Segurança. Nos últimos anos, a diplomacia brasileira engajou-se explicitamente na defesa dessa bandeira.
    Vem daí a extrema atualidade deste livro. Eugênio Vargas Garcia mostra que a questão tem história: a estrutura autocrática da ONU foi aprovada sob protestos e com a condição de que fosse posteriormente revista. O Brasil, sob a liderança de Getúlio Vargas, foi o único país cogitado para ocupar o sexto assento permanente no Conselho, opção que naquele momento não prevaleceu. O livro reconstitui minuciosamente, pela primeira vez, a participação brasileira na criação do mais importante organismo internacional da atualidade, tornando-se assim fonte indispensável para conhecer a nossa trajetória e avaliar os rumos da nossa diplomacia hoje.

      César Benjamin

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Trecho do Prefácio:
Eugênio Vargas Garcia é um historiador que domina a arte da narração, sabe encadear os fatos, mostrar a sua lógica, apoiado, em cada passo, em segura e clara documentação. Não faltam nem o pitoresco nem a petite histoire. Não faltam a compreensão das personalidades nem a evolução dos processos decisórios brasileiros, que Getúlio Vargas domina, sem deixar muito espaço para o chanceler Oswaldo Aranha, uma figura maior da história brasileira. Assim, além de narrar com elegância, Eugênio sempre oferece, para os fatos, uma interpretação inteligente, pertinente. Narra e interpreta e constrói um livro completo, bem-acabado. Está, portanto, o leitor diante de um livro notável, escrito por um historiador arguto e competente.

      Gelson Fonseca Júnior
      Embaixador do Brasil

100 anos de historia em 11 minutos - video

Mais pelo lado das guerras, das catástrofes, do espetaculoso, do que pelo lado dos processos econômicos ou dos eventos mais pacíficos.
Em todo caso, serve para rememorar os principais episódios do século XX, de 1911 a 2011:
http://www.youtube.com/watch?v=Xxh-sS8Qoco&feature=youtube_gdata_player

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