O título do post é meu, mas o artigo é de um conhecido economista de mercado, que já foi economista chefe da FEBRABAN, ou seja do sindicato de larápios que tungam nosso dinheiro com seus juros estratosféricos (sim, eu sei, eles colocam a culpa é do governo, mas este só tem 70% da culpa), e que foi defenestrado por ter sido uma vez muito sincero numa entrevista à imprensa (ou num artigo de jornal). Anyway, acho que ele tem razão no que diz...
Conspiração na Argentina
Roberto Luis Troster
Valor Econômico, 14/01/2010
Demissão do presidente do Banco Central mostrou um avassalamento institucional
Um governo com baixo apoio tem que gastar muito para manter-se; um caso clássico de populismo retrógrado
O casal Kirchner denunciou uma conspiração da oposição, do Judiciário e da imprensa para desestabilizar não só o governo, mas o país. Começou no final do ano passado, após o encerramento dos trabalhos do Legislativo. Na ocasião, a presidente criou o "Fundo Bicentenário", para que com "reservas excedentes" pagasse US$ 6,5 bilhões de dívida pública. O nome é pomposo e evoca a celebração dos dois séculos de existência da Argentina como país; já o conceito de "reservas excedentes" induz a pensar que sobram, portanto, nada melhor que seu uso para liquidar a dívida. Todavia, o conceito não existe na literatura econômica.
Muito pelo contrário, o que estava sendo arquitetado era uma manobra para obter esse montante para financiar gastos discricionários do executivo, já que os recursos para pagar a dívida estão no orçamento de 2010. Dessa forma, a presidente teria acesso a um valor igual aos recursos transferidos para o Tesouro. É uma manobra parecida com a estatização da previdência privada argentina, um ano antes. Com uma justificativa capenga, os fundos foram apropriados pelo governo em detrimento de seus mutuários e do incipiente mercado de capitais. Na ocasião não houve conspiração, apenas submissão.
O presidente do Banco Central da Argentina postergou a transferência dos fundos ao Tesouro à espera de um parecer jurídico que validasse a requisição da presidente. Em quase todo o planeta existem restrições legais para que a autoridade monetária financie gastos correntes do governo. Bem como, no caso argentino, existem situações em que os fundos públicos podem ser confiscados por juízes de outros países em razão de pendências do default da dívida externa em 2001.
A tardança do presidente do Banco Central foi interpretada como insubordinação e ele foi pressionado a renunciar. Como não aceitou as coações, foi demitido com uma medida assinada por todos os ministros da República, um avassalamento institucional. Um recurso judicial o restituiu no cargo, uma vez que a remoção é prerrogativa do Legislativo, e uma crise (mais uma) se instalou no país. O casal Kirchner denunciou mais uma conspiração "contra o país".
A prudência do presidente da autoridade monetária mostrou-se acertada, tanto que uma corte americana sequestrou fundos do banco central argentino no Federal Reserve (Fed, banco central americano), na segunda-feira, usando como justificativa a dependência da instituição ao Tesouro. A presidente Cristina Kirchner viu na sentença do juiz americano mais uma medida desestabilizadora de seu governo. Não é a primeira crise desse governo.
Em 2008, após o plantio, seu governo decidiu colocar uma tributação variável em produtos agropecuários. Conforme aumentava o ganho em razão das altas dos preços das exportações, subia a alíquota da retenção pelo fisco. O setor agrícola, um dos pilares da economia argentina, se opôs, dado seu caráter confiscatório e teve o apoio de boa parte da população e do Legislativo. Em vez de perceber o exagero da medida, a presidente viu outra conspiração contra ela dos "latifundiários" e da "oligarquia".
Este ano, os indicadores conjunturais argentinos são frágeis e, apesar do potencial do país, vão crescer menos da metade que seus vizinhos. Há uma inflação reprimida, seu acesso aos mercados de capitais internacionais está bloqueado e o déficit fiscal está aumentando. É o resultado das gestões da presidente e de seu marido. Vale destacar que apesar do desempenho pífio da economia, o casal da Casa Rosada conseguiu aumentar seu patrimônio pessoal em 158% em 2008. Houve até quem propôs o prêmio Nobel de economia aos dois por conseguir enriquecer tanto em condições tão adversas (!).
A dificuldade de financiamento externo se explica mais pela atitude do casal do que por razões financeiras. Após o calote de 2001 e a renegociação de 2003, era razoável esperar uma aproximação com os detentores dos papéis que ficaram fora da renegociação. A atitude do governo, além de chamá-los de "abutres", foi um descaso total. Eram tempos em que os superávits comerciais, conseguidos em boa parte pelo setor agrícola, financiavam com folga as necessidades do tesouro argentino. Não é mais o caso.
Apesar da revolução produtiva do agronegócio nas duas últimas décadas e dos preços elevados das commodities, este ano o país vai ter que importar carne e trigo. Algo que era impensável alguns anos atrás. O destrato, ou o mau trato, dado ao setor desestimulou a produção e o investimento, e não são poucos os argentinos que emigraram para plantar em países vizinhos. A política Kirchner para o setor não se mostrou acertada.
O governo também tem dificuldades em conseguir financiamento interno. O corpo técnico do Indec (IBGE argentino) foi substituído por uma equipe menos gabaritada e os índices de inflação oficiais se apresentaram mais baixos que os estimados por outros institutos de pesquisa. Alguns analistas denunciaram a manipulação e a falta de transparência. O resultado é que há uma aversão a aplicar em títulos públicos corrigidos pela inflação oficial, agravando ainda mais a escassez de financiamento dos gastos públicos.
A racionalidade das despesas governamentais é discutível. Um exemplo que ilustra bem é que, apesar do aperto de caixa e de falhas na infraestrutura, a presidente decidiu no final do ano passado patrocinar a transmissão de todos os jogos de televisão na rede aberta a um custo três vezes maior que o pago pela TV a cabo. Um governo com baixo apoio tem que gastar cada vez mais para manter-se; um caso clássico de populismo retrógrado.
O casal presidencial está certo, há uma conspiração contra eles, sim. Não é do judiciário, nem da imprensa, nem da oligarquia etc. Quem está no comando da revolução é a realidade. Os fatos conspiram contra, parcelas crescentes da população estão se cansando e clamam por mais racionalidade na gestão do país.
É paradoxal. Este ano se comemora o bicentenário país platino, que nasceu como resultado de uma revolução pacífica de cidadãos cansados da irracionalidade da condução do então vice-reinado do Rio da Prata em 1810. O sonho de uma Argentina Grande se materializou com a combinação de instituições fortes, boas políticas públicas e a condução com probidade; em 1910, era a décima economia do mundo e um polo de atração de imigrantes e investimentos. Cem anos depois, há motivos para comemorar, apesar dos retrocessos. A Argentina vai fazer acontecer.
Roberto Luis Troster é sócio da Delta Consultoria
E-mail: robertotroster@uol.com.br
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