sexta-feira, 2 de abril de 2010

1016) Carreira diplomatica: um questionario academico

Dois estudantes de um curso de Relações Internacionais São Paulo, me contataram para um trabalho acadêmico. Abaixo minhas respostas a seu questionário.

Carreira Diplomática: um questionário acadêmico
Paulo Roberto de Almeida

1. O que o levou a seguir a carreira diplomática?
PRA: Primeiro, a natural afinidade com uma carreira de Estado que se aproximava de minha experiência precedente de vida, qual seja, o fato de ter saído do Brasil e residido por cerca de sete anos no exterior, como estudante, e o contato daí decorrente com temas internacionais. Em segundo lugar, o fato de ser uma carreira de Estado com a maior interface possível para atividades de natureza intelectual, o que se amoldava a meu espírito de pesquisador e estudioso de temas de desenvolvimento econômico em perspectiva comparada, tanto geográfica quanto historicamente. Em terceiro lugar, um questionamento pessoal quanto a minha situação política depois de alguns anos de exílio forçado – ainda que voluntário – e incerteza quanto ao estatuto pessoal do ponto de vista dos órgãos de segurança (na época se passava pelo escrutínio do SNI para ingresso numa carreira de Estado).

2. Já pensou em seguir alguma outra?
PRA: Sim, diversas vezes, e teria sido, naturalmente, a carreira acadêmica. Em retrospecto, vejo que não teria sido a melhor escolha, em vista da crescente mediocrização das universidades públicas, sua partidarização, a carência de meios e, também, a impotência quanto aos processos decisórios mais importantes.

3. Onde e em que área o senhor realizou seus estudos?
PRA: Iniciei estudos de Ciências Sociais na USP, em 1969, abandonado no segundo ano por razões de militância política e auto-exílio. Retomei os mesmos estudos, na Universidade de Bruxelas, em 1971; conclui a graduação (1975), fiz um mestrado em Planejamento Econômico na Universidade de Antuérpia em 1975-76, e me inscrevi para um doutoramento na Universidade de Bruxelas, em 1976, deixado pendente durante alguns anos. Tendo ingressado na carreira diplomática em 1977, retomei o doutoramento, já como diplomata, em 1981, tendo concluído em 1984, na mesma universidade belga.

4. Quais são os principais prós e contras da carreira no Itamaraty?
PRA: Ser uma carreira aberta aos talentos, à reflexão e aos estudos, o mais próximo possível que se possa ter como atividade acadêmica, mas diversificada e aberta a diversas experiências, inclusive no plano decisório. Em contra ser uma carreira excessivamente hierarquizada e disciplinada, com mecanismos de controle que se coadunam mal com a liberdade acadêmica e o exercício do livre arbítrio; também se presta a politização indevida e pode ser excessivamente submissa a influências externas nefastas, no caso de uma presidência comprometida com princípios manifestamente em desacordo com os interesses nacionais (com base num julgamento pessoal, obviamente, do que seja o interesse nacional).

5. Na sua opinião, qual o perfil de um bom diplomata?
PRA: Disciplinado sem ser submisso; pesquisador e investigativo, mas sabendo inserir seus estudos no processo decisório próprio à diplomacia; detentor de todas as qualidades técnicas (inclusive lingüísticas) para bem representar e bem negociar externamente em nome do Brasil; dotado de conhecimento e imaginação suficiente para saber representar os interesses nacionais mesmo na ausência de instruções específicas quanto ao objeto em discussão num determinado foro; saber se comportar socialmente, ter um bom espírito (e estomago e disposição) para recepções sociais e eventos dessa natureza mundana, que são inevitáveis na diplomacia.

6. Sabemos que o domínio de línguas é fundamental, quais o senhor fala?
PRA: O domínio da própria é um requisito indispensável; o inglês é altamente necessário (e o meu é apenas razoável); Francês (perto da perfeição, por ter estudado todo o ciclo superior nessa língua); Espanhol (muito bem, por ter viajado, convivido, morado em países de língua espanhola); Italiano (razoável, por interesse próprio, acadêmico e de viagens); Alemão (muito precariamente).

7. Em quais países o senhor já morou?
PRA: Como estudante na Bélgica e na ex-Tchecoslováquia (Praga). Como diplomata na Suíça (duas vezes), na ex-Iugoslávia (Sérvia-Belgrado), no Uruguai, na França e nos Estados Unidos. Estou indo morar por sete meses na China (Shanghai).

8. Já exerceu atividades em alguma outra área em relações internacionais?
PRA: Apenas academicamente, como professor e consultor.

9. Durante sua carreira, qual a pessoa mais importante que o senhor já conheceu?
PRA: Não posso dizer que tenha “conhecido”, mas já estive, por trabalho ou em ocasiões sociais, com diversos presidentes ou chefes de Estado ou de governo e com personalidades tão dispares quanto Kissinger e Chávez.

10. Em seu ponto de vista, qual a importância das relações internacionais na vida.
PRA: Podem ser tudo, ou quase nada, dependendo de como o país organiza sua interface externa e como seu governo se relaciona com o mundo. Diria que num mundo globalizado, as oportunidades são imensas para o desenvolvimento, desde que o país se abra ao comércio e investimentos estrangeiros, o que não é exatamente o caso do Brasil, ainda protecionista e medroso quanto aos capitais estrangeiros.
Depende do governo e das lideranças políticas: algumas são bem medíocres ou mal informadas sobre as realidades do mundo, outras sabem das possibilidades e dos limites que se oferecem ao Estado e à nação num mundo interdependente. Em geral, sou contrário ao nacionalismo patrioteiro, estilo avestruz, e sou totalmente aberto às interações externas.

Florença (Itália), 28.03.2010)

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