Para não virar avacalhação, atitude se converte em participação conivente...
O presidente que exige uma mulher no Planalto nega socorro à mulher condenada à morte por apedrejamento
Augusto Nunes, Direto ao Ponto
30/07/2010 - às 19:20
Até na morte por apedrejamento o Irã dos aiatolás consegue ser mais brutal com as mulheres. Os homens, enterrados até a cintura, ficam com os braços livres para proteger o rosto. Nem isso será permitido a Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva de 43 anos, já punida com 99 chibatadas e agora à espera do ritual instituído em 1983. O Código Penal determina que as mulheres sejam enterradas até a altura do busto, com as mãos amarradas por cordas e o corpo envolvido por um tecido. Não podem sequer defender-se das pedras atiradas a curta distância sob o olhar da multidão reunida na praça.
O grupo de executores, liderado pelo juiz que assinou a sentença, inclui os jurados que ordenaram a condenação, parentes da vítima, figurões da comunidade e voluntários anônimos. Todos são homens: no Irã, mulheres não apedrejam; só podem ser apedrejadas. Para que a plateia não se sinta frustrada pela morte rápida, as pedras que circundam o alvo são pequenas. O juiz atira a primeira. A agonia que se encerra com o traumatismo craniano não dura menos que uma hora.
Tanto pelo espetáculo da perversidade primitiva quanto pela ausência de motivos para a condenação, o caso de Sakineh provocou uma intensa mobilização na internet. Como em quase todos os países, multidões de brasileiros decidiram lutar pelo cancelamento do espetáculo da barbárie. E alguém teve a ideia de lançar a campanha “Liga, Lula”, inspirada na convicção de que Mahmoud Ahmadinejad não se negaria a atender a um pedido de clemência formulado pelo amigo brasileiro.
Lula também acha que ouviria um sim. Mas não vai ligar. Caso ligasse, não iria além de observações sobre o método escolhido para o assassinato. “Eu, sinceramente, não acho que nenhuma mulher deveria ser apedrejada por conta de… ter, sabe, traição”, gaguejou nesta quarta-feira. Adultério – ou “traição”, prefere Lula – não chega a ser um crime hediondo, certo? Se é assim, estariam am de bom tamanho a cadeira elétrica, uma injeção letal, a câmara de gás, até mesmo a forca. Matar a pedradas pode parecer um exagero aos olhos dos ocidentais, talvez ponderasse na conversa telefônica.
Mas a conversa não haverá, sublinhou a continuação da discurseira. “Um presidente da República não pode ficar na internet atendendo tudo que alguém pede de outro país”, justificou-se. “Veja, eu pedi pela francesa e pelos americanos que estão lá, pedi para a Indonésia por um brasileiro, pedi para a Síria por quatro. É preciso cuidado, porque as pessoas têm leis, as pessoas têm regras, as pessoas, sabe… Se começam a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, vira uma avacalhação”.
Avacalhar quer dizer desmoralizar, ridicularizar, tratar desleixadamente, não levar a sério. Não combina com a história de Sakineh. Mas a expressão usada pelo campeão da vulgaridade se ajusta admiravelmente ao próprio governo: a Era Lula é uma avacalhação. Há sete anos e meio, em seus vários significados, o verbo é conjugado o tempo todo pelo governo em geral e pelos condutores da política externa em particular.
Lula se desmoraliza ao tratar como problema político uma causa humanitária. Para defender o parceiro, virou ajudante de carrasco. Não pode ser levado a sério alguém incapaz de compreender que os direitos humanos prevalecem sobre todas as leis ou regras. Lula encara dramas com desleixo e participa de chanchadas com muita aplicação. É ridícula, enfim, a argumentação invocada para mascarar a verdade escancarada. Para recusar ou endossar pedidos, para estuprar ou tratar respeitosamente normas legais, Lula não se orienta por princípios. Segue a partitura do hino à avacalhação.
O que importa é a conveniência eleitoreira, o parentesco ideológico, a cumplicidade mafiosa. Fidel Castro, por exemplo, emplacou três pedidos em três anos. Foi para atender ao ditador-de-adidas que o presidente autorizou a deportação dos pugilistas Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, fez que não leu a carta da blogueira Yoani Sanchez e acusou o preso político Orlando Zapata de se se deixar morrer no 85° dia da greve de fome. Hugo Chávez emplaca todos, até os que declamados ao som da lira do delírio. Foi para agradar ao bolívar-de-hospício que Lula violentou as leis de Honduras e transformou em pensão a embaixada brasileira. É para ajudar o comparsa venezuelano que hostiliza o governo colombiano e afaga as FARC.
Para eleger Dilma Rousseff, tornou-se um colecionador de delinquências eleitorais. Para fechar negócio com José Sarney, promoveu-o a homem incomum. Para chegar à presidência, exigiu que os corruptos fossem justiçados. Para consolidar-se no poder, tratou de nomeá-los amigos de infância. No momento em que se recusou a estender a mão a Sakineh em respeito às leis do Irã, estava ajudando Hugo Chávez a desrespeitar as leis da Colômbia. Enquanto o chefe adulava os narcoterroristas das FARC, o ministro Celso Amorim tentava estuprar a legislação israelense que proíbe a entrada na Faixa de Gaza de autoridades estrangeiras que podem ser utilizadas pelo Hamas como peças de propaganda.
Lula acha que uma brasileira merece a Presidência sobretudo por ser mulher. Mas acha que não merece misericórdia uma iraniana que só foi condenada à morte por apedrejamento porque é mulher. Anda chorando quando lembra que a longa temporada no poder está acabando. Não se comove com a prisioneira angustiada com a aproximação do fim macabro. Pune brasileiros que dão palmadas nos filhos. Absolve iranianos que matam a pedradas.
O candidato sem chances ao Nobel da Paz nem imagina o que é um humanista. Desde sempre fez a opção preferencial pelos pastores da violência. Dilma Rousseff acha que todas as mulheres devem apoiá-la porque é mulher. Não deu um pio sobre a saga da iraniana que vai morrer por ser mulher. Lula só pensa em Lula. Dilma não consegue pensar.
Como Sakineh, o Brasil merece e precisa ser salvo. Ela depende da solidariedade internacional para livrar-se do horror. O país só depende da sensatez dos brasileiros.
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O que é avacalhação
Coluna Carlos Brickmann
Coluna de domingo, 1º de agosto de 2010
Avacalhação, conforme nos ensina aquele a quem o chanceler Celso Amorim chama de "Nosso Guia", o presidente Lula, é apelar para que seu aliado, o presidente do Irã, suspenda a pena de morte por apedrejamento contra uma mulher iraniana, Sakineh Ashtiani. Qual foi o horrível crime cometido por ela? Depois de levar 99 chibatadas, ela confessou ter cometido adultério (depois de 99 chibatadas, quem não confessaria?). "As pessoas têm leis, as pessoas têm regras, as pessoas, sabe, se começarem a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação", ensina nosso presidente.
Já considerar que um amplo movimento popular contra a fraude eleitoral no Irã é chororô de torcedor que perdeu o jogo, isso não é avacalhação.
Também não era avacalhação apelar pelo líder sindical Lula e por tantos de seus companheiros (hoje no Governo), que foram presos de acordo com as leis vigentes na época da ditadura militar brasileira.
Também não é avacalhação, de acordo com o presidente Lula (e assessores como Top Top Garcia), considerar que as denúncias da Colômbia sobre a presença de narcoguerrilheiros colombianos na Venezuela, sob a proteção e com apoio do presidente Hugo Chávez, são apenas um problema pessoal entre dois presidentes. As denúncias colombianas podem ser falsas, podem ser verdadeiras, é preciso analisá-las, verificá-las. Mas não podem ser tratadas com leviandade.
A avacalhação, como a define Lula, pode também chamar-se seriedade.
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