sábado, 16 de novembro de 2013

A prisao dos quadrilheiros e as trapalhadas do Congresso - editorial Estadao

Editorial O Estado de S.Paulo, 15/11/2013

O julgamento da Ação Penal 470 teve seu ponto culminante há 11 meses, em dezembro de 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), após 49 sessões que se estenderam por quatro meses e meio, condenou 25 dos 40 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por vários crimes relacionados com o plano urdido por então dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) para garantir apoio parlamentar ao governo Lula mediante o pagamento de propina a parlamentares e dirigentes da chamada base aliada.

A decisão tomada por unanimidade na última quarta-feira pela Suprema Corte, de determinar a execução imediata das penas ─ inclusive para condenados, como o ex-ministro José Dirceu, que ainda podem ter revistas partes de suas sentenças ─, é apenas o desdobramento natural de um processo longo, quase interminável, complexo e extremamente polêmico, que apesar de todos os pesares permitiu à consciência cívica do país vislumbrar o início do fim da histórica tradição de impunidade dos poderosos.
O desdobramento natural do processo do mensalão, de qualquer modo, representa mais um episódio relevante na história jurídica e política do país, não apenas porque só era esperado pela maioria dos observadores para o próximo ano, mas, principalmente, porque dá uma resposta clara aos cidadãos que já começavam a se sentir afrontados pela desfaçatez e empáfia com que alguns condenados ─ não por acaso os mais notórios ─ vinham tentando desqualificar a decisão da Suprema Corte e desmoralizar os ministros por ela responsáveis.
Não é fácil para o cidadão comum compreender a razão pela qual o julgamento do mensalão se arrasta já por oito anos e ainda tem pela frente um tempo indefinido que será consumido na apreciação de recursos que o processo penal brasileiro garante aos réus ─ especialmente àqueles que dispõem de meios para pagar as melhores bancas advocatícias. Essa é uma distorção que, desde logo, compromete a prática da boa justiça. Mas é de esperar que, ao colocar em evidência essa faceta perversa da Justiça, o processo do mensalão enseje a abertura de uma ampla discussão nacional sobre a necessidade de expurgar do ordenamento jurídico o viés retrógrado que aqui e ali ainda perdura.
Por outro lado, o avanço no processo do mensalão com a decretação da prisão dos condenados vai colocar mais uma vez em xeque o Congresso Nacional. Depois de, em nome de uma visão equivocada de autonomia que reflete apenas um corporativismo primário, terem cometido o absurdo de garantir o mandato de um deputado condenado e preso, os parlamentares terão que decidir o que fazer com os quatro colegas que a Ação Penal 407 está colocando atrás das grades.
Senadores e deputados estão aparentemente empenhados na aprovação de projeto de emenda constitucional que acaba com o voto secreto nas decisões sobre a cassação de mandatos de seus pares. Seria uma maneira de inibir a repetição do vexame que transformou em deputado-presidiário Natan Donadon, que cumpre pena no presídio da Papuda, no Distrito Federal, e que por essa singela razão está impedido de comparecer à Câmara dos Deputados para cumprir as obrigações que o mandato impõe. Esse absurdo seria apenas cômico, se não fosse revelador do ponto a que chegou a degradação dos valores éticos entre os representantes eleitos pelo povo.

Mas, como senadores e deputados não se entendem, patrocinando projetos conflitantes, o impasse será certamente debitado, por parlamentares docemente constrangidos, aos regimentos internos das duas Casas. E tudo permanecerá como lhes é de gosto, até que o instinto de sobrevivência diante de eventual recrudescimento das manifestações populares e da proximidade das eleições acabe colocando algum juízo nas nobres cabeças dos representantes do povo. Afinal, o processo do mensalão, agora revigorado pela decisão unânime dos ministros do Supremo, continua estimulando a consciência cívica do povo brasileiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.