Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15/01/2016
A farsa da consulta pública - Geral - Estadão
Editorial 15 Janeiro 2016 | 03h 01
O projeto foi elaborado no ano passado por especialistas cujos nomes estranhamente não foram divulgados à época pelo Ministério da Educação (MEC). E, apesar de os dirigentes do órgão terem afirmado que já receberam quase 10 milhões de sugestões, por meio de mensagens eletrônicas, até agora não divulgaram os critérios pelos quais elas são examinadas e consideradas. Ou seja, não esclareceram se essas sugestões estão sendo aceitas ou recusadas. Como não há um confronto público de opiniões e ideias, torna-se assim impossível saber se as sugestões endossam ou rejeitam as linhas mestras da minuta da BNC. Especialistas em educação classificam como “buraco negro” o recebimento e o arquivamento das opiniões de quem imaginou que a consulta aberta pelo MEC tivesse um mínimo de seriedade.
Os esclarecimentos sobre os critérios de como quase 10 milhões de sugestões têm sido processadas são fundamentais para o futuro do sistema educacional. Entre outros motivos, por causa das graves falhas na minuta da BNC divulgada pelo MEC. O texto não oferece informações óbvias sobre para que deve servir a escola, quem deve definir os conteúdos e os critérios para a elaboração de um currículo. Mas prima pelo apego a modismos pedagógicos e pelo abuso de jargões lulopetistas.
As falhas estruturais e o enviesamento ideológico da minuta da BNC não se concentram só na área de história, onde os responsáveis pelo texto desprezaram os fundamentos da civilização europeia para privilegiar a história africana e ameríndia, como modo de valorizar o tema da escravidão de negros e indígenas. Também há falhas graves em outras áreas. Em língua portuguesa, por exemplo, não há definição clara sobre a complexidade dos textos que os alunos de cada etapa deverão conseguir ler e entender. A proposta também não estipula objetivos precisos a serem atingidos nem prevê dificuldades que os alunos têm de superar, levando em conta variáveis como número de páginas de livros e tipo de construção. E, mais grave, prevê gramática no currículo só a partir do 3.º ano do ensino fundamental.
“O que se espera do texto narrativo do aluno brasileiro do 9.º ano é muito parecido ao que o currículo dos Estados Unidos exige de estudantes do 5.º ano”, diz a pesquisadora Paula Louzano, da Faculdade de Educação da USP. “O que se vê são aprendizados desconectados. Por causa da cortina de fumaça ideológica, não há conceitos objetivos, tais como no currículo francês, que determina o modelo de parágrafo que o aluno deve ler em um minuto para a verificação de fluência. Falar nisso aqui é pedir para ser chamado de fascista”, afirma Ilona Becskeházy, mestre em educação pela USP.
Na área de matemática, a minuta da BNC estabelece que o conceito de fração será ensinado apenas no 4.º ano do ensino fundamental, o que é considerado tardio pelos especialistas. Eles recomendam o contato com o tema já na pré-escola. “O estudo da ideia da parte pelo todo (a fração) é fundamental. Entrar neste conteúdo tardiamente cria uma dificuldade imensa para o aluno”, adverte Louzano. A proposta também prevê que os alunos do 1.° ano do ensino fundamental devam aprender a contar pelo menos até 30. Em muitos outros países, contudo, eles concluem esse ano escolar sabendo contar até 100 ou mais.
Diante do baixíssimo nível de qualidade do sistema brasileiro de ensino, e que tem sido registrado por diferentes mecanismos nacionais e internacionais de avaliação, a elaboração de uma BNC deveria ser uma oportunidade ímpar para se promover um debate amplo e consistente sobre as mudanças que precisam ser feitas no campo da educação. Em vez disso, o governo Dilma optou por uma consulta pública sem confronto de ideias e posições, o que fará da uniformidade ideológica a principal marca da BNC que está sendo forjada pelo MEC.
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