domingo, 7 de abril de 2019

Ernesto Araujo e o nazismo "de esquerda": Diogo Schelp recomenda um livro


Uma recomendação de livro para o chanceler Ernesto Araújo
Diogo Schelp - UOL 07/04/19

Ernesto Araújo e sugestão de livro (Valter Campanato/Ag. Brasil e Diogo Schelp/Arquivo Pessoal)

O disparate da semana foi a afirmação, feita pelo chanceler Ernesto Araújo e repisada pelo presidente Jair Bolsonaro, de que o nazismo era uma ideologia de esquerda. Araújo tentou dar um ar intelectual para essa afirmação em um artigo publicado em seu site pessoal, o "Metapolítica 17 contra o globalismo". Ali ele afirma que o "nazismo era anti-capitalista, anti-religioso, coletivista, contrário à liberdade individual, promovia a censura e o controle do pensamento pela propaganda e lavagem cerebral, era contrário às estruturas tradicionais da sociedade. Tudo isso o caracteriza como um movimento de esquerda. Portanto, o nazismo era anti-liberal e anti-conservador". Como o chanceler disse (corretamente, nesse caso) que é preciso estudar um pouco antes de sair dando opinião, recorri aos livros.
Mas antes, vamos reconhecer o que há de verdade na frase de Araújo. De fato, o nazismo era contrário à liberdade individual e promovia a censura e o controle do pensamento pela propaganda e lavagem cerebral. Era, também, anti-liberal. Tudo isso pode caracterizá-lo como sendo de esquerda ou de direita. O totalitarismo, como bem disse o vicepresidente Hamilton Mourão, não é exclusividade de nenhum dos dois.
O nazismo não era exatamente anti-conservador, mas, sim, era um movimento revolucionário. Pretendia romper com o passado e criar um futuro novo. E é precisamente por isso que a esquerda erra quando diz que Jair Bolsonaro é fascista. Nada disso. O presidente e as pessoas que gravitam no seu entorno são, basicamente, reacionários. Isso não é ofensa, é uma constatação. O bolsonarismo quer a volta de um passado idílico (a ditadura militar) e caracteriza-se por reagir (daí o reacionarismo) a mudanças que considera imorais e decadentes na sociedade contemporânea.
Guardem isso: reacionário ≠ revolucionário.
O nazismo também era, realmente, anti-clerical (não exatamente antireligioso, há uma diferença) e coletivista. Isso significa que era anticapitalista?
Vejamos. Puxei da estante a Enzyklopädie des Nationalsozialismus ("Enciclopédia do Nacional Socialismo"), um tolete de quase 1.000 páginas publicado pela editora alemã  Deutscher Taschenbuch Verlag em 2007. Há um capítulo polpudo só sobre a economia segundo o nazismo, assinado pelo historiador Werner Bührer.
Recomendo a leitura ao chanceler. Está em alemão, então vou fazer um resumo.
Ali diz que a economia era, para Hitler e para o seu partido, algo secundário, que deveria servir aos interesses de um Estado forte, e não o contrário. A economia nazista era estatizante. Quase metade dos 25 pontos do primeiro programa formal do partido nazista, de 1920, tratava de economia. Há, ali, além de traços estatistas, referências à distribuição de renda e à defesa de medidas fundiárias que bem poderiam estar no programa de um partido comunista. Nas palavras do professor Bührer, em tradução livre: "As cores socialistas de alguns desses tópicos se sobressaem. Mas colocar seus autores e propagandistas na tradição socialista do movimento operário é um erro." E há dois motivos para isso.
Primeiro, porque Hitler repetidas vezes rechaçou o socialismo marxista. E, segundo e mais importante, ainda citando Bührer, porque o nazismo reconhecia a propriedade privada como um direito inviolável. Além disso, os grandes empresários e industriais alemães financiaram pesadamente o partido de Hitler a partir de 1933, e se beneficiaram com reduções de impostos e com a repressão aos movimentos de trabalhadores. Portanto,
o nazismo não era anti-capitalista.
Outros trechos do livro, escritos por outros autores, são igualmente peremptórios ao colocar o nazismo e as ideologias de esquerda da época em lados opostos. O verbete sobre fascismo, que abarca o nazismo, diz: "Apesar de o fascismo nunca ter sido uma ideologia consistente, os diferentes movimentos fascistas dividiam uma série de características: anticomunismo militante e anti-liberalismo, assim como inimizade frente à democracia, nacionalismo extremo", etc. O nazismo não era de esquerda.
O artigo de Ernesto Araújo defendendo o contrário segue à risca a cartilha das fake news: misturar algumas afirmações verdadeiras para dar credibilidade a uma grande mentira.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Um comentário:

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.