Juízes punidos com aposentadoria por venda de sentença
e desvios receberam R$ 10 mi em 6 meses
Conselho Nacional de Justiça puniu
juízes, desembargadores e até um ministro do STJ, desde 2008, com pena máxima
prevista na Lei Orgânica da Magistratura: magistrados foram afastados do cargo
com rendimentos brutos integrais e ajustados ao tempo de serviço
Julia
Affonso
O
Estado de S. Paulo, 09 de junho de 2019 | 09h40
Aposentados
compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 47 magistrados tiveram
um rendimento bruto de cerca de R$ 10 milhões em 6
meses. Os juízes e desembargadores e até um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) perderam os cargos
entre 2008 e 2018 por venda de sentença, desvio de recurso, tráfico de
influência, conduta negligente e outras faltas disciplinares.
As
informações foram obtidas pela reportagem por meio da Lei de Acesso à
Informação e também pelos portais da Transparência do CNJ, dos
Tribunais de Justiça e do Estado da Paraíba.
Documento
O
CNJ foi criado por Emenda Constitucional em 2004 e instalado no ano seguinte.
Até abril deste ano, o Conselho havia julgado 57 casos envolvendo juízes –
alguns foram punidos mais de uma vez.
A
Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, prevê a aposentadoria
compulsória como a mais grave das penas disciplinares a
um juiz vitalício – advertência, censura, remoção compulsória e
disponibilidade. Após a punição, os magistrados mantêm os salários ajustados ao
tempo de serviço.
Aposentadorias brutas
Entre
novembro do ano passado e abril deste ano, magistrados aposentados
compulsoriamente chegaram a ter rendimentos brutos que ultrapassam os R$ 100
mil.
Suspeito
de participar de esquema que teria desviado R$ 70 milhões dos cofres públicos
de Rondônia, o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado Sebastião
Teixeira Chaves recebeu o valor mais alto da lista e levou uma aposentadoria
bruta de R$ 415.972,81 em seis meses. Os valores variaram entre R$ 33.518,22 e
R$ 88.232,41.
Dois
ex-desembargadores, um do Tribunal Regional do Trabalho da 14.ª Região (TRT-14)
e outro do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região (TRT-3), receberam R$
120.927,78 e R$ 109.481,56 respectivamente.
O
magistrado ligado ao TRT-14 foi punido em 2017. De acordo com o CNJ, o
desembargador, então corregedor do Tribunal, deslocou uma ação trabalhista do
Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Rondônia (Sintero) contra a União da
2.ª para a 7.ª Vara para manter o controle da ação de mais de R$ 5 bilhões e
‘satisfazer interesse pessoal’.
A
aposentadoria bruta do desembargador alcançou R$ 293.455,31 entre novembro de
2018 e abril deste ano. Os valores variaram de R$ 30.605,18 a R$ 120.927,78.
Em
2011, o CNJ puniu o desembargador do TRT-3. O magistrado foi acusado pela
Procuradoria Regional do Trabalho da 3.ª Região de atuar em benefício de um
escritório de advocacia que atuava perante o tribunal e, em troca, morar em um
apartamento de luxo pagando R$ 200 de aluguel.
O
desembargador recebeu uma aposentadoria bruta de R$ 293.331,28 em seis meses. O
rendimento mensal mínimo alcançou R$ 35.787,92.
De
acordo com o Conselho Nacional de Justiça, um juiz se torna vitalício após dois
anos no cargo e apenas perde o posto por sentença judicial transitada em
julgado. A aposentadoria compulsória pode ser aplicada pelo Tribunal de atuação
do magistrado ou pelo próprio órgão.
O
CNJ informa que o juiz pode ser aposentado compulsoriamente por ‘desídia com
deveres do cargo, conduta imprópria ao decoro da função (na vida pública ou
privada) e trabalho insuficiente’. Atraso excessivo em decisões e despachos,
parcialidade e tráfico de influência também podem ocasionar faltas funcionais.
“A
aposentadoria libera-o para qualquer função. O aposentado, porém, deve esperar
três anos antes de advogar no juízo ou tribunal onde atuava. Ser excluído do
quadro por sanção impede o juiz de ocupar função de confiança ou cargo de
comissão no Judiciário”, afirma o Conselho em seu site.
“A
condenação pode levar, ainda, à declaração de inidoneidade pela Ordem dos
Advogados do Brasil, o que veda inscrição como advogado. O condenado fica
também inelegível por oito anos. Mesmo a condenação à pena máxima não obsta a
investigação de condutas não apuradas no procedimento. Caso se tratem de fatos
distintos, o magistrado pode, inclusive, voltar a receber a mesma sanção.”
Na
lista de aposentados compulsoriamente pelo CNJ até abril, dois magistrados
haviam sido punidos três vezes. Um juiz do Maranhão foi considerado culpado em
um procedimento que apurava por negligência em um pedido de indenização e
outros dois por omissão e parcialidade no julgamento de processos contra
empresas de grande porte.
Em
seis meses, o magistrado recebeu um rendimento bruto de R$ 198,6 mil. O maior
valor foi depositado em janeiro, R$ 34,5 mil.
Entre
2012 e 2015, um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)
também foi punido três vezes. O magistrado foi alvo de apuração por receber
cópias de documentos sigilosos de inquérito do STJ e repassar a advogados, em
vez de encaminhar o caso aos órgãos competentes para apurar o vazamento do
material, por determinar urgência no pagamento de um precatório devido à
empresa Parque dos Alpes em troca de vantagens financeiras e por participação
em esquema de venda de decisões judiciais.
A
aposentadoria bruta do desembargador alcançou R$ 258.498,15 em seis meses. Em
novembro do ano passado, o magistrado recebeu R$ 67,5 mil.
Segundo
o CNJ, o juiz condenado a qualquer pena pode tentar anular a punição. O
Conselho afirmou, via Lei de Acesso à Informação, que, atualmente, há 8
aposentadorias compulsórias sob revisão.
As
primeiras aposentadorias compulsórias começaram a ser aplicadas pelo CNJ em
2008. Dois anos depois, o então ministro do STJ Paulo Geraldo de Oliveira
Medina foi punido sob acusação de beneficiar, por meio de sentenças, empresas
que solicitavam liberação de máquinas caça-níqueis à Justiça.
Entre
janeiro e abril deste ano, o ministro aposentado recebeu R$ 183 mil brutos. Em
janeiro foram R$ 59 mil. Nos três meses seguintes, R$ 41 mil.
COM
A PALAVRA, SEBASTIÃO TEIXEIRA CHAVES, EX-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
RONDÔNIA
“Eu
tenho o direito de aposentar, está previsto na Lei. Eu fui aposentado em um
processo do CNJ, depois eu fui absolvido criminalmente de todas as acusações.
Quando eu fui aposentado, eu tinha 40 anos de serviço. Era meu direito de
aposentar. Eu estava esperando passar pela presidência do Tribunal e, em
seguida, me aposentaria. Em 1993, não se exigia os 60 anos e, sim, 40, 50. Em
1993, eu já tinha tempo para aposentar. Diante desses fatos, eu não quis ir ao
Supremo. Eu fui a primeira vítima do CNJ, o CNJ não quis nem saber o que
aconteceu diante da maluquice da ministra Eliana Calmon, que decretou a minha
prisão. Aquela vendedora de livro extorquia advogados vendendo livros lá no
STJ. Ela decretou minha prisão, eu passei 11 dias preso até ser interrogado. Em
seguida, fui liberado. O CNJ, aproveitando isso, pediu as peças do processo e
me aposentou compulsoriamente. Eu poderia ter recorrido ao Supremo, mas isso ia
demorar 20 anos. Eu tinha 5 anos para aposentar porque já tinha quase 65 anos
de idade. Eu achei que não deveria recorrer ao Supremo, a minha aposentadoria
compulsória eu não tive prejuízo nenhum, porque eu tinha 40 anos de serviço
público. Estou vivendo, levando a minha vida. Eu não cheguei a pedir (revisão
no CNJ). Eu sou a primeira vítima desse CNJ, porque foi o CNJ que me afastou
liminarmente do cargo e depois me aposentou em 2008.”
COM
A PALAVRA, PAULO GERALDO DE OLIVEIRA MEDINA, EX-MINISTRO DO STJ
A
reportagem tentou contato com Paulo Geraldo de Oliveira Medina por telefone e
foi informada que o ex-ministro está com a saúde debilitada e não poderia
falar.
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