Estrutura, rotina, foco: o que mudou no Itamaraty de Ernesto Araújo
Ao anunciar a escolha do diplomata Ernesto Araújo para o posto de ministro das Relações Exteriores, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em sua conta de Twitter: “A política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje”. O primeiro semestre do governo foi marcado, de fato, por uma série de mudanças na política internacional do país. Mas algumas alterações sofreram recuos.
“Bolsonaro entregou mudança profunda em áreas que agradam sua base mais conservadora — sobretudo direitos humanos, meio ambiente, comportamento na ONU. Onde a mudança prometida assustou os interesses de sua base parlamentar, ele recuou. É o caso de Mercosul, da China e da mudança da embaixada para Jerusalém”, afirma Matias Spektor, professor associado e vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da FGV. “Bolsonaro também recuou quando o tema tinha chance de alienar sua base militar: a Venezuela.”
Mas, no dia a dia do Itamaraty, essas transformações estão acontecendo em ritmo bastante acelerado. A estrutura e a rotina dos diplomatas brasileiros mudaram muito, na comparação com o cenário das últimas décadas.
Itamaraty ganha estrutura diferente
A decisão de retirar poder dos diplomatas e aumentar consideravelmente a participação de políticos ligados ao Poder Executivo nas negociações internacionais foi formalizada logo nos primeiros dias do novo governo, quando, no dia 9 de janeiro, um decreto autorizou a concessão de cargos de chefia para não diplomatas. A mudança rompe um paradigma antigo na diplomacia brasileira, o de que o ministro era um posto político, indicado pelo presidente, mas os demais cargos eram organizados considerando a hierarquia interna.
Essa valorização da antiguidade e do currículo foi alterada pelo decreto, que não só permite que os integrantes do gabinete do ministro não sejam diplomatas de carreira, como também possibilita que diplomatas de nível hierárquico mais baixo possam ocupar postos antes ocupados por profissionais mais antigos.
O mesmo decreto extinguiu a Divisão de Mudança do Clima e a Subsecretaria Geral de Meio Ambiente Energia e Ciência e Tecnologia. No lugar, criou um Departamento do Meio Ambiente, subordinado à nova Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania.
Com isso, mudou o posicionamento de duas áreas que, até a gestão passada, eram cruciais para fornecer dados e subsídios para as negociações brasileiras a respeito de questões ambientais e de clima. A mudança foi acompanhada da decisão do presidente Bolsonaro de que o Brasil desistiria de sediar a próxima Conferência do Clima, em 2020.
Além disso, o currículo do Instituto Rio Branco, o centro de formação de diplomatas no Brasil, vem sendo alterado. A disciplina História da América Latina foi extinta e surgiram cadeiras voltadas para o estudo de obras clássicas. Além disso, a ementa do curso de Política Internacional mudou, com o objetivo de, nas palavras do ministério, afastar os futuros diplomatas de “amarras ideológicas eventualmente adquiridas em sua formação anterior”.
Outra mudança expressiva foi a demissão do diplomata Paulo Roberto de Almeida, crítico do filósofo Olavo de Carvalho, da direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais.
Itamaraty 'encolhe' na gestão de Ernesto
O Itamaraty também está menor: em maio, o governo reduziu 138 postos, sendo 84 de diplomatas e 54 para oficiais e assistentes de chancelaria. Com isso, o total de vagas para trabalho no exterior vai cair de 1.842 para 1.704.
O presidente também mandou fechar seis embaixadas que ficam na América Central: São Cristóvão e Nevis, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas, Granada, e Dominica. Internamente, o governo avalia que outras três representações poderão ser fechadas, todas na África: Serra Leoa, Libéria e Líbia.
“Os cortes orçamentários para a manutenção de embaixadas, consulados e outros postos dizem respeito, acima de tudo, à situação fiscal de penúria em que se encontra o Estado brasileiro”, afirma o professor Matias Spektor. “O Itamaraty, como o resto da máquina do governo, vem sofrendo sucessivas ondas de ajuste desde o governo Dilma e nada indica que esse quadro dramático vá mudar no curto prazo.”
Já Marco Aurélio Nogueira, coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), considera que os cortes serão acompanhados de um rearranjo interno. “O objetivo alegado é de caráter fiscal: reduzir gastos. Mas, por trás dele, há também uma inflexão política, destinada a afastar diplomatas mais refratários à orientação prevalecente, que inclui um retrocesso no modo como o Itamaraty tratava de questões de direitos e reconhecimento no âmbito internacional”, critica.
Alguns cortes começaram antes mesmo da posse. Apesar disso, em paralelo aos cortes, o governo anunciou em junho a realização de um novo concurso para novos diplomatas, com 26 vagas de diplomatas.
Foco da diplomacia mudou
Outra mudança se manifesta na orientação geral para o foco da diplomacia nacional. Tradicionalmente, o Brasil se mantém neutro em relação a situações de conflitos, como as disputas entre Israel e Palestina. E busca alinhamento com países em desenvolvimento, como as nações africanas e os integrantes dos Brics, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Com a nova orientação, a diplomacia brasileira busca alinhamento com Israel, Estados Unidos e Europa Ocidental – como indica a tentativa de entrar para o chamado clube dos ricos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“O Brasil sempre procurou atuar no sistema internacional como um agente negociador e plural. Na gestão atual, essa linha foi substituída por um alinhamento incondicional aos Estados Unidos de Trump e pela adoção de um unilateralismo inadequado para os tempos atuais”, afirma Marco Aurélio Nogueira.
Para Maurício Santoro, professor-ajunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é a aproximação com os americanos a maior marca do governo atual. “O ponto mais importante do primeiro semestre do governo Bolsonaro são os esforços do governo em se aproximar dos Estados Unidos, com a obtenção do status de aliado extra-OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar do Ocidente) e do apoio de Trump para o ingresso do Brasil na OCDE”.
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Matéria sobre minha demissão referida acima:
Paulo Roberto de Almeida foi demitido do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
Brasília, DF e São Paulo, SPFolhapress[04/03/2019] [18:32]"
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/diplomata-e-demitido-apos-republicar-textos-que-debatem-crise-na-venezuela-6xe3y9t95gd3y4ytbf9gd9r1h/
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"O embaixador Paulo Roberto de Almeida foi demitido nesta segunda-feira (4) do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores. Ele assumiu a direção do instituto em meados de 2016, durante a gestão de Michel Temer (MDB).
A demissão ocorreu após Almeida republicar, em seu blog pessoal, também nesta segunda-feira (4), três textos recentes sobre a crise na Venezuela, um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero e o terceiro pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Araújo, em seu texto, critica as posições de FHC e Ricupero sobre a situação venezuelana, afirmando que os dois "escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice".
No texto em seu blog, Almeida diz querer estimular o debate sobre a política externa brasileira com a republicação dos artigos.
No dia 24 de fevereiro, o embaixador agora demitido havia publicado um texto crítico ao escritor Olavo de Carvalho, que indicou ao presidente Bolsonaro nomes para compor o ministério do atual governo, entre eles, o de Araújo.
Almeida foi comunicado da dispensa por telefone pelo chefe de gabinete de Araújo, Pedro Wollny. Procurado, não quis comentar os motivos da demissão.
"Meu blog é um espaço de liberdade, de debate aberto e de interesse público", disse. "Aparentemente vou ter de voltar à biblioteca do Itamaraty para poder trabalhar", afirmou, em referência aos quase 14 anos de governos petistas em que afirma ter sido excluído de qualquer atividade no ministério.
"Durante todo esse tempo de exílio involuntário, fiz da biblioteca do Itamaraty o meu escritório de trabalho, uma vez que não dispunha de nenhum outro local na Secretaria de Estado das Relações Exteriores", disse Almeida.
Rubens Ricupero vê na dispensa de Almeida um "ato confessadamente de repressão político-ideológica, de patrulhamento ideológico que lembra os momentos mais sombrios da ditadura militar, da qual o atual presidente é confessadamente admirador".
Segundo Ricupero, "aparentemente, não é debate que deseja a direção do Itamaraty, pois a simples republicação de artigos lhe inspira medidas repressivas". "À luz desse fato concreto, qual é a autoridade moral que tem esse governo para denunciar a repressão do regime de Maduro?"
Leia mais: Discreto e rigoroso, substituto de Moro assume Lava Jato após carnaval
O Itamaraty afirmou que a mudança da diretoria do IPRI, "no contexto da troca da grande maioria das chefias do ministério das Relações Exteriores, já estava decidida e foi comunicada ao atual titular".
Paulo Roberto Almeida é diplomata desde 1977 e já serviu nas embaixadas de Paris e de Washington, entre outros postos de destaque. Em 1984, obteve o doutorado em Ciência Política pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica.
Fundado em 1987, o IPRI é um instituto voltado ao desenvolvimento e à divulgação de estudos e pesquisas sobre temas relativos às relações internacionais, à realização de cursos, seminários e conferências na área de relações internacionais, entre outras atividades."
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