Relatório da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, de autoria de Cláudio Tanno, aponta que os recursos diretamente arrecadados pelas universidades responderam por apenas 1,5% do orçamento delas em 2017, mas têm "elevado potencial de incremento". Além da queda na arrecadação, os dados mostram ainda que as instituições de ensino não conseguem utilizar parte da verba angariada por conta própria. Em 2017, por exemplo, elas gastaram 83% do total arrecadado. Para utilizar os recursos, as universidades precisam que o orçamento seja liberado pela área econômica do governo, o que nem sempre acontece. Estudo recém-lançado pelo Cedes (Centro de Estudos e Debates Estratégicos) da Câmara dos Deputados aponta o teto de gastos do governo federal, que limita o aumento de despesas da União à inflação, como um desestímulo para as universidades captarem receitas próprias.
Isso acontece porque, mesmo que as instituições consigam aumentar a arrecadação além do previsto, elas só podem utilizar parte dessa verba. O restante é bloqueado e destinado a reduzir o déficit fiscal do Tesouro ou, em alguns casos, até é liberado, mas como contrapartida do corte de verbas que viriam de qualquer forma do MEC. "O teto de gastos constitui empecilho para ampliação de fontes de recursos das universidades com uso de recursos diretamente arrecadados, situação que vem a desestimular as instituições federais de ensino na busca por receitas dessa natureza", conclui o estudo, que recomenda a aprovação de legislação para tirar as receitas próprias do cálculo do teto de gastos. No ano passado, o Ministério da Educação da gestão Michel Temer (MDB) tentou fazer isso por meio de emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, mas acabou derrotado pela área econômica do governo. Pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Fernando Mezzadri chama de confisco o bloqueio das verbas arrecadadas pela própria universidade. "Desestimula por completo. Não adianta fomentar a arrecadação se o recurso não é liberado", afirma.
Para Gustavo Fernandes, professor do departamento de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), seria complicado abrir uma exceção para as universidades nesse caso, uma vez que isso daria margem para outros órgãos públicos pleitearem o mesmo. Anunciado pelo Ministério da Educação com o objetivo de aumentar a captação de recursos extras para as universidades federais, o programa Future-se tenta contornar o limite transferindo parte da gestão a organizações sociais. "As instituições [universidades] já contam com receitas próprias [...]. Mas os recursos não apresentam retorno direto para as atividades por conta de limitação legal. O dinheiro arrecadado vai para a Conta Única do Tesouro", diz texto sobre o Future-se divulgado pela pasta. Parte das universidades já tem passado recursos privados para organizações sociais, como a UnB (Universidade de Brasília). Em 2014, a instituição transferiu atividades do antigo Cespe, responsável pela realização de concursos públicos, para a organização social Cebraspe, fazendo com que o dinheiro de taxas não mais ingressasse diretamente na UnB.
Com esse mesmo objetivo, a Universidade Federal do Paraná também transferiu para uma fundação de apoio em 2017 a realização do seu vestibular, uma das principais fontes de verba própria. A Federal de Juiz de Fora também passou a direcionar para fundações de apoio recursos privados, nos casos em que isso é possível. A consequência dessa estratégia, diz o professor da FGV, é que, em tese, as universidades tendem a perder um pouco da autonomia sobre essa verba, tolhendo a possibilidade, por exemplo, de direcionar parte dela a áreas do conhecimento com menos potencial de interação com o mercado. Para ele, é preciso cuidado para evitar esse desequilíbrio a partir da implantação do Future-se, que está sob consulta pública. Entre as medidas elencadas pelo plano para aumentar o aporte de recurso privado às instituições de ensino está a constituição de fundos patrimoniais, que concentrariam doações, e a destinação a elas do rendimento de fundos negociados em Bolsa. Esse ponto gerou críticas por parte de pessoas da área, como Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff (PT), que afirmou não ser adequado financiar a educação com um recurso vulnerável a flutuações.
O professor da FGV pondera, por outro lado, que é possível utilizar mecanismos para evitar especulação. Afirma ainda que a diversificação de fontes de recurso pode ser benéfica por deixar as universidades menos vulneráveis a oscilações em uma fonte apenas. De toda forma, dificilmente as instituições de ensino e pesquisa conseguem se blindar em cenários econômicos desfavoráveis. Em 2008, a Universidade Harvard, por exemplo, viu o seu fundo patrimonial, responsável por mais de um terço do financiamento de suas atividades, perder 22% do valor em apenas quatro meses. Outras universidades americanas sofreram baques semelhantes. Por questões como essa, o plano do MEC tem sido questionado pelo risco de o Future-se se traduzir em uma redução dos repasses de recurso público às universidades, que já enfrentam um bloqueio de verbas de 30% de suas despesas discricionárias (não obrigatórias). A pasta nega. "Não podemos depender de financiamento privado para verbas do dia a dia", diz o pró-reitor da UFPR. "O recurso privado é muito bem-vindo, mas tem que servir para complementar as ações", completa.
O temor de Ferraz é que o plano seja um pretexto para o governo tirar ainda mais recursos públicos da educação. Uma das medidas propostas pelo MEC é a regulamentação do pagamento de royalties a pesquisadores e universidades que desenvolverem produtos licenciados no mercado, algo que já ocorre em algumas instituições, como a USP.
Nesse ponto, o caso de Ferraz, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, é exemplar. Os pagamentos decorrentes de sua participação no desenvolvimento do remédio Vonau Flash renderam à USP 58% da receita da universidade obtida com royalties em 2017 (dados mais recentes), ou R$ 1,44 milhão. A inovação de Ferraz consistiu em desenvolver um comprimido que se dissolve na boca, o que, além de comodidade, permite uma ação mais rápida do princípio ativo. A pesquisa foi feita após uma demanda da farmacêutica Biolab, que financiou o projeto. O professor conta que levou um ano e meio para chegar ao resultado, trabalho que dividiu com aulas, congressos e outras pesquisas. A praticidade levou o Vonau Flash à liderança nas vendas de medicamentos para enjoo, e o dinheiro começou a vir. Segundo a resolução vigente hoje na USP, 30% do valor dos royalties vão para os criadores do produto; 45% aos departamentos dos criadores; 10% às faculdades deles; 5% à Reitoria e 10% à Agência USP de Inovação. O professor contesta essa divisão, que antes era mais favorável aos pesquisadores. De qualquer forma, ele comemora que a verba obtida com essa pesquisa já tenha financiado diversos outros equipamentos em seu laboratório, além de bolsas e outros itens. Para Ferraz, casos como o dele não são mais numerosos na USP por mais de um motivo.
Um deles é a falta de abertura dos pesquisadores e de disposição de parte das empresas para parcerias. "Quando fiz o orçamento para a Biolab, eles não questionaram. Mas às vezes tem empresa que vem, diz que não tem dinheiro e, quando você vê, o executivo está saindo de BMW e você está com um carrinho." Outro obstáculo, diz, é a burocracia da administração pública. "É um inferno gastar a verba da patente", desabafa. Comprar um equipamento, segundo ele, tem levado de seis meses a dois anos. Além disso, afirma, o fato de a universidade dar peso muito maior a publicações nas avaliações dos docentes, em detrimento de outros indicadores como o desenvolvimento de produtos, o tira do foco. Ainda assim, segundo ele, a liberdade proporcionada pela universidade é o que o motiva a trabalhar —mas ela "hoje está um pouco ameaçada no país", afirma. "Talvez o ministro não saiba, mas tem muita gente pensando em desistir", diz.
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