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domingo, 17 de dezembro de 2023

Alberto da Costa e Silva (1931-2023) - Celso Lafer (OESP)

Grande Alberto da Costa e Silva, homenageado por um outro grande.

 

Carmen Lícia

ESPAÇO ABERTO

Celso Lafer

Professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp, Celso Lafer escreve mensalmente na seção Espaço Aberto


Alberto da Costa e Silva (1931-2023)

O diplomata alargou os horizontes da política externa brasileira ao elaborar na sua prática e na sua reflexão o papel de uma diplomacia de cultura e de conhecimento

Por Celso Lafer

17/12/2023 | 03h00

 

A perspectiva é um dos componentes organizadores da realidade, indicativa da circunstância do lugar em que estamos e nele nos localizamos para adquirir a mobilidade transformadora da razão e da sensibilidade.

Recordo essa lição de Ortega y Gasset porque ela tem grande pertinência para pensar a política externa como um ponto de vista sobre o funcionamento do mundo e a sua incidência num país. Um país operacionaliza seu ponto de vista no trato oficial com outros países por meio de seu corpo diplomático.

Alberto da Costa e Silva, na sua condição de diplomata na operacionalização deste ponto de vista, foi um paradigma de tato, inteligência e zelo, que o tornaram um dos grandes quadros do Itamaraty.

Alberto observou que “o diplomata, como o poeta, trabalha com as palavras”. No seu caso, verificou-se uma dialética de fecunda complementaridade entre as duas palavras, pois a sua experiência diplomática alentou, sem cisões, a criatividade da sua grande obra de intelectual. Por isso, integrou com alta envergadura a Academia Brasileira de Letras.

Alberto organizou o volume O Itamaraty na Cultura Brasileira, publicado em 2001 na minha gestão no Ministério das Relações Exteriores. Como ele diz na apresentação do volume, na prática do ofício o diplomata “é o que se representa”.

A representação não se circunscreve à articulação e à negociação de interesses. Tem um componente de exprimir o potencial da vis atractiva do que um país pode significar para os demais numa dada conjuntura histórica. Por isso, um diplomata deve conhecer bem o seu país para poder bem representá-lo. Cabe, também, a um diplomata promover relações amistosas com o país no qual está acreditado e, assim, na medida do possível, transformar fronteiras-separação em fronteiras-cooperação.

O tato e a inteligência com que Alberto exerceu o ofício a que se dedicou acabaram sendo poderoso estímulo para a criatividade de sua obra de grande intelectual. Adensou, para o benefício de todos, o seu entendimento do nosso país. Alargou os horizontes da política externa brasileira ao elaborar na sua prática e na sua reflexão o papel de uma diplomacia de cultura e de conhecimento.

A dedicação à África foi um tema recorrente do seu percurso de diplomata.

Da experiência de embaixador na Nigéria e no Benin, não só guardou, como dizia, “gratidão enternecida”. Foi um estímulo para aprofundar o seu interesse pela África e a sua percepção de que era necessário conhecer os africanos para melhor entender o Brasil, nas palavras da historiadora Marina de Mello e Souza.

Do que ele chamou “o vício da África” resultou uma excepcional obra de historiador que descortinou com rigor e paixão a história da África, a África no Brasil, o Brasil na África e a dinâmica do circuito da escravidão. Alberto, com o impacto de sua obra, trouxe a África como campo próprio de estudo em nosso país.

A obra de Alberto abre a nossa sensibilidade às memórias provenientes da África, que se somam, como ele diz, a outros enredos da vida brasileira – aos europeus que sempre estiveram nos currículos de nossas escolas e aos ameríndios que nelas deveriam estar.

Alberto dominava igualmente o papel do enredo europeu na vida brasileira.

“Temos a Europa dentro de nós.” É nossa herança, mas, como ele diz, “somos livres para escolher dela o que se ajusta à nossa geografia e o que responde à nossa intuição de destino”.

Serviu em Portugal, país que “de certa forma e ao seu jeito inventou para a Europa os oceanos”. A sua diplomacia de cultura intensificou e ampliou o diálogo Portugal-Brasil. Nesta empreitada, esclareceu com larga visada as características da herança e da presença de Portugal no Brasil e do significado dos fluxos migratórios lusitanos para a construção da múltipla identidade do nosso país. Soube destacar a relevância do idioma comum e do papel da Língua Portuguesa em Portugal e no Brasil, que nos singulariza e aproxima.

Alargou este horizonte para alcançar cinco países africanos que vivem as realidades das suas especificidades para descortinar o potencial de concertação diplomático-cultural que amplia, com um toque próprio, o espaço do Brasil e de Portugal no mundo.

As limitações de espaço não me permitem aflorar a amplitude dos caminhos intelectuais de Alberto. Não posso, no entanto, finalizar sem realçar que as suas memórias são um dos pontos mais altos da memorialística brasileira que de maneira discreta revela a sua estatura humana.

Espelho do Príncipe, cujo subtítulo é ficções da memória, não é propriamente uma autobiografia. Refaz liricamente as vivas lembranças do seu passado de criança. É, como o qualificou Da. Gilda de Mello e Souza, “um solilóquio da infância” que ela toma como um ritual de passagem, uma travessia da infância à idade adulta na qual Alberto, com pequenos toques, de maneira única, vai “impondo uma visão nova das coisas, da sensibilidade da relação com as pessoas, do escoar do tempo”.

Corresponde ao que disse na abertura de seu poema Hoje: gaiola sem paisagem: “Nada quis ser, senão menino. Por dentro e por fora, menino”.

*

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992; 2001-2002)

 

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Putin e o direito internacional - Celso Lafer (O Estado de São Paulo)

Putin e o Direito Internacional Penal

Entre os desdobramentos jurídicos do conflito, cabe discutir o potencial de responsabilidade penal dele pela guerra da Ucrânia

Por Celso Lafer

O Estado de São Paulo, 20/08/2023 

A Carta da ONU deixa explícita em seu Preâmbulo a sua “ideia a realizar”: preservar a humanidade dos flagelos da guerra e dos seus indizíveis sofrimentos. Ela estabelece como grande propósito da ordem mundial do pós-Segunda Guerra: manter a paz e a segurança internacionais, reprimir atos de agressão, solucionar por meios pacíficos controvérsias e situações. Neste contexto, realça o cumprimento do princípio de igualdade e de autodeterminação dos povos.

A Carta não coonesta a guerra como a continuação da política internacional por outros meios e consagra como princípios básicos o respeito à integridade territorial e a independência política de qualquer Estado. Estes princípios representam um ingrediente-chave do potencial de convivência equilibrada entre nações, grandes e pequenas.

A guerra na Ucrânia foi desencadeada em 2022 pela unilateral agressão da Rússia à Ucrânia. É uma guerra de escolha. Putin recorreu, e continua recorrendo, ao uso da força militar para alcançar suas finalidades políticas: fulminar a independência política e a integridade territorial da Ucrânia, para inseri-la num espaço vital de segurança da Rússia. A ação de Putin desrespeitou manifestamente a Carta da ONU. Inseriu a insegurança dos riscos e tensões provenientes de uma guerra de generalizada e continuada repercussão na vida mundial.

Entre os desdobramentos jurídicos do conflito, cabe discutir o potencial de responsabilidade penal de Putin pela guerra na Ucrânia.

O potencial de responsabilidade penal de Putin provém da lógica emanada da atuação do Tribunal de Nuremberg, que julgou e condenou figuras de proa do nazismo, a partir da perspectiva de que crimes contra o Direito Internacional são cometidos por indivíduos, e não por entidades abstratas.

Foi o que levou à elaboração do Direito Internacional Penal, lastreado no reconhecimento jurídico de valores fundamentais compartilhados pela comunidade internacional, que se sobrepõem à plenitude discricionária das soberanias estatais e de seus governantes.

O Direito Internacional Penal estipula que qualquer pessoa que cometa atos que constituem crimes tipificados nas suas normas é responsável e punível por sua conduta, independentemente do previsto no direito interno. Afasta, assim, as tradicionais imunidades de jurisdição de governantes e de suas justificativas no plano nacional.

O Estatuto de Roma, de 1998, que criou o Tribunal Penal Internacional, consolidou a tipificação dos crimes internacionais que constituem o núcleo duro do Direito Internacional Penal: crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão.

O recém-publicado livro de Badinter, Cotte e Pellet – três consagrados juristas franceses – é exemplar na precisão jurídica com a qual postulam o indiciamento penal de Putin pelo crime de agressão e seus desdobramentos em matéria de crimes de guerra e de suas implicações no que tange a crimes contra a humanidade.

[PRA: Celso Laffer refere-se ao livro recém publicado por Robert Badinter, Bruno Cotte e Alain Pellet, Putin, l'accusation (Paris: Fayard, 2023, 239 p.); ver abaixo]

Subsume-se no tipo penal de crime de agressão a conduta de quem, detendo o poder do exercício efetivo da ação política e militar de um Estado, planeja, prepara, inicia e dá seguimento a atos de agressão que consistem numa reconhecida violação da Carta da ONU. Os três eminentes juristas comprovam que Putin, como chefe de Estado e comandante militar da Federação Russa, preparou, entre 2014 e 2022, e deu início em 24/2/2022 à agressão militar à Ucrânia, e a conduz até hoje.

Assim procedendo, violou a Carta da ONU, sem poder invocar o direito de legítima defesa e outras causas exoneratórias de responsabilidade. Do crime de agressão resultam os sofrimentos do flagelo da guerra. Daí as imputações provenientes dos crimes de guerra e contra a humanidade.

As imputações têm a sua base em violações do Direito Humanitário, aplicáveis a conflitos armados internacionais. Estas estipulam que a Rússia, na condição de beligerante, não tem uma escolha ilimitada dos meios de combate à Ucrânia.

Entre os crimes de guerra elencados, destaco: os ataques dirigidos intencionalmente contra a população civil e contra civis não participantes diretamente das hostilidades, que vêm causando perdas de vidas humanas, ferimentos e danos a bens de caráter civil excessivos e sem possíveis vantagens militares concretas; ataques a edificações dedicadas às artes, ao ensino, hospitais e maternidades, assim como a cidades e habitações que não eram objetivos militares; atos de tortura e de tratamentos humilhantes e de pilhagem de localidades tomadas de assalto.

Entre os crimes contra a humanidade, menciono mortes, deportações e transferências forçadas de populações, prisões e privações à liberdade física, estupros e outras formas de violência sexual.

A possibilidade de Putin ser julgado por um tribunal internacional é remota nas atuais condições do sistema internacional e de suas jurisdições. No entanto, perante o tribunal da opinião pública do mundo jurídico, a límpida peça acusatória que sintetizei enseja sua qualificação como um criminoso.

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Vladimir Poutine, l'accusation

Sinopse

Cet ouvrage présente les fondements de l'accusation contre Vladimir Poutine, président de la Fédération de Russis, auteur du crime d'agression contre l'Ukraine et des crimes de guerre et contre l'humanité commis par les forces russes dont il est le chef suprême.

Robert Badinter est ancien ministre de la Justice et président du Conseil constitutionnel.
Bruno Cotte, membre de l'Institut, est président honoraire de la chambre criminelle de la Cour de cassation et ancien président de chambre de première instance à la Cour pénale internationale.
Alain Pellet est ancien président de la Commission du droit international des Nations unies et président de l'Institut de droit international.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Rui Barbosa, internacionalista - Celso Lafer (OESP)

 

RUI BARBOSA, INTERNACIONALISTA!

Celso Lafer, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores
 O Estado de S. Paulo, 16/04/2023

 Rui é um paradigma de advogado que soube valer-se do Direito como instrumento estratégico da sua ação política. Foi o que o singularizou no cenário nacional, mas é também a relevante marca de sua atuação internacional. Dela advém o seu legado para a construção do capital diplomático do Brasil e a contribuição para pioneiramente afirmar o lugar do nosso país no mundo.

A Conferência de Paz de Haia de 1907 foi o primeiro grande ensaio da diplomacia multilateral do século 20, pela abrangência dos 44 Estados soberanos da época que dela participaram. Foi também a primeira expressão da “diplomacia aberta”, sensível às aspirações pacifistas da opinião pública internacional da época.

Rui foi o chefe da delegação brasileira e atuou em estreita coordenação com o chanceler Rio Branco. Tinha todas as qualidades para o novo da diplomacia parlamentar do multilateralismo: o pleno domínio dos assuntos da pauta, a vocação de infatigável trabalhador, a capacidade de exprimir-se – inclusive de improviso e com perfeição – em francês, a língua oficial da conferência. A isso se conjugou a combatividade, que sempre o caracterizou, como advogado, político e parlamentar.

Rui em Haia contestou a igualdade baseada na força e sustentou a igualdade dos Estados lastreada no Direito. Essa contestação colocou em questão o exclusivismo até então preponderante das grandes potências na ordem mundial. Sua posição representou a primeira formulação do Brasil em prol da democratização do sistema internacional. Abriu espaço para respaldar inovadora perspectiva da nossa política externa: a pauta diplomática do País não se circunscreve a questões específicas; transita pelos seus “interesses gerais” na dinâmica do funcionamento da ordem mundial.

Em Haia, Rui valeu-se do Direito como instrumento de sua ação. Tinha muita consciência da interação política/Direito. “Não há nada mais eminentemente político do que a soberania.” A diplomacia, dizia, “outra coisa não é que a política (...) sob a mais elegante de suas formas (...)”.

Traçou neste contexto para o Brasil uma política do Direito Internacional. Esta retém plena atualidade na sintonia com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do Brasil. Em Haia, encontrou o tom certo de um estilo diplomático para afirmar com firmeza e sobriedade a posição independente do País, cuja especificidade era distinta dos que imperavam na “majestade de sua grandeza” e dos que se encolhiam “no receio de sua pequenez”.

Rui fez uma observação que antecipou o tema da credibilidade internacional e do soft power: “Hoje, com efeito, mais do que nunca, a vida assim moral como econômica das nações é cada vez mais internacional. Mais do que nunca em nossos dias os povos subsistem de sua reputação no exterior”.

Outra ação diplomática de Rui foi em Buenos Aires, onde representou o Brasil no centenário da independência da Argentina. Ali, destacou a relevância do potencial de cooperação entre Argentina e Brasil na “ideia a realizar” de uma vasta construção política, econômica e jurídica. É, assim, um patrono da parceria que antecipou a atualidade de um dos temas fortes da agenda diplomática de nosso país.

Em conferência na Faculdade de Direito de Buenos Aires, analisou o impacto no Direito da escalada da violência que estava caracterizando a 1.ª Guerra. Observou que, dada a “interdependência em que as nações mais remotas vivem uma das outras, a guerra não pode isolar-se nos Estados entre os quais se abre o conflito”. Seus estragos e misérias repercutem sobre a fortuna dos povos mais distantes. Antecipou, assim, o tema da indivisibilidade da paz, cuja atualidade a guerra da Ucrânia realça.

Rui extraiu de sua avaliação da guerra um novo papel para a neutralidade: “A imparcialidade na justiça, a solidariedade no Direito, a comunhão na manutenência das leis escritas pela comunhão: eis a nova neutralidade”.

E mais: “Entre os que quebram a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade, e não há imparcialidade entre o Direito e a injustiça. Quando entre ele e ela existem normas escritas, que os definem e diferenciam, pugnar pela observância dessas normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la”. Foi nesta moldura jurídica que o Brasil se incorporou aos aliados em 1917. Da lição de Rui tenho me valido para indicar qual deve ser a posição do Brasil na guerra da Ucrânia.

Rui internacionalista voltou-se para a afirmação e a legitimação do lugar do Brasil no mundo. Resultaram de seu empenho em arguir a partir da perspectiva do Brasil, que não era e não é uma grande potência, os méritos da reputação e da credibilidade nacional e, ao mesmo tempo, a validade mais abrangente da domesticação pelo Direito da Força e do Poder, assim como o do benefício da juridicidade nas relações internacionais. Valeu-se neste empenho do Direito com ideias próprias, fruto da transformação reflexiva da abrangência dos seus conhecimentos jurídicos na condução diplomática.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Valores e princípios de Norberto Bobbio, segundo Celso Lafer (OESP)

 A AGENDA DE BOBBIO E O MOMENTO BRASILEIRO!


Celso Lafer professor emérito da faculdade de direito da USP e ex-ministro de relações exteriores
O Estado de S. Paulo, 16/10/2022 

Relevante a ressonância da obra de Bobbio entre nós. Amplamente acessível em português, ocupa espaço próprio na lúcida clarificação da Política e do Direito. Conjuga-se com o papel de Bobbio, que transcende a Itália, de intelectual público voltado para a afirmação da democracia, dos direitos humanos e da paz.

Acaba de ser publicada a edição brasileira de Norberto Bobbio – uma biografia cultural, de Mario Losano, eminente professor emérito italiano de Filosofia e Direito. São características de Losano o admirável escrúpulo da pesquisa e a medida no julgar e apreciar a complexidade das coisas. Foi o que norteou a elaboração desta biografia cultural na qual traçou com precisão cartográfica o mapa de sua abrangente obra e os significativos caminhos de sua vida.

Instigado pelo livro de Losano e pela minha conhecida dedicação a Bobbio, vou elencar alguns dos temas recorrentes de sua agenda que são um pano de fundo relevante para o Brasil nesta antevéspera de segundo turno das eleições presidenciais. Começo pelo fascismo.

Os anos de formação e do início do magistério de Bobbio transcorreram na Itália do fascismo de Mussolini, que ele identificou como um dos paradigmas da era dos extremos do século 20. Foram características dos valores e práticas do regime fascista na análise de Bobbio: a glorificação da violência; a contestação da democracia, do Estado de Direito e da divisão dos Poderes; a afirmação belicosa de um Estado potência no plano internacional; a hiperpersonalização do poder como desdobramento do apreço incontido pelo chefe; o apelo aos ressentidos e desenraizados; a substituição do pensamento pelo primado da ação e do movimento.

A obra de Bobbio é uma contestação às práticas e valores do fascismo e do que representou e representa. Foi nesta linha que afirmou a primazia do governo das leis em contraposição ao governo dos homens.

A forma institucional moderna do governo das leis é o constitucionalismo. Num regime constitucional, governantes e governados atuam sob o império da lei, e o poder dos governantes é regulado por normas jurídicas e deve ser exercido em conformidade com elas. Num Estado de Direito constitucional, a ação política submete-se não apenas aos juízos de eficiência, mas também ao da conformidade com as normas fundamentais da Constituição. A dimensão institucional do constitucionalismo pressupõe a separação dos Poderes e a tutela dos direitos humanos que consagra a vigência da perspectiva dos governados e dos seus direitos políticos e sociais.

Bobbio aprofunda o alcance do governo das leis mediante a formulação das regras do jogo democrático como regras de procedimento para a formação da decisão coletiva. Isso inclui o sufrágio universal em eleições periódicas, a regra de maioria que dela resulta, o respeito aos adversários que podem se tornar maioria, o livre debate das alternativas e a preservação das instituições sob a égide do Estado de Direito.

Bobbio define o governo de democracia, que conta cabeças e não corta cabeças, como aquele que postula visibilidade e transparência do poder, ou seja, o exercício em público do poder comum, pois aquilo que é de interesse de todos deve ser do conhecimento de todos. Daí a contestação ao segredo: ao poder que oculta as coisas nas arcas do Estado e ao poder que se esconde, escondendo por meio da mentira.

Bobbio analisa os riscos da guerra no mundo contemporâneo que se magnificaram com o inédito poder aniquilador das armas nucleares, ampliadas pelo impacto destruidor que a inovação científicotecnológica confere às armas tidas como convencionais. Explicita que é instável e precária a paz lastreada na balança de uma geopolítica de poder.

Por isso, para Bobbio, a paz não se circunscreve à momentânea ausência de guerra. A paz é um valor e precisa ser construída por um pacifismo ativo. O que anima o pacifismo de Bobbio é um pacifismo de meios e de fins que leva em conta que a violência não é parteira da história, e “está se tornando cada vez mais o seu coveiro”.

Bobbio discute a laicidade e o espírito laico como uma regra de comportamento num Estado Democrático não confessional. O espírito laico contrapõe-se a todas as formas de intolerância, exclusivismos e fanatismos, impeditivos da convivência inerente ao pluralismo da sociedade. A laicidade assegura a plena liberdade religiosa no espaço do privado e da sensibilidade dos fiéis, mas postula que no âmbito do espaço público as alternativas e as opções se dão no mundo dos homens e não provêm da palavra de Deus.

Bobbio fez o elogio da mitezza, palavra que foi traduzida em português por serenidade e em espanhol por temperança. É uma virtude do espírito laico que se corporifica numa postura de respeitar as ideias alheias, de empenhar-se em compreender antes de discutir, de discutir antes de condenar e de ter medida no julgar perante a complexidade das coisas. A temperança se contrapõe à violência. É a virtude que se exige para conter a onipresença atual do ânimo dos extremos.

sábado, 6 de agosto de 2022

"A hora da diplomacia brasileira voltar a priorizar seu retorno regional": Policy Paper do Núcleo América do Sul do CEBRI


O Núcleo América do Sul do CEBRI convida para o evento de lançamento do Policy Paper "A hora da diplomacia brasileira voltar a priorizar seu retorno regional".

Data e hora: 9 de agosto, terça-feira, às 17h

Evento presencial em São Paulo, vagas limitadas.
Inscrição presencial: rsvp@cebri.org.br
Assista ao evento ao vivo AQUI 

Endereço: USP - Cidade Universitária -  Prédio do Instituto de Relações Internacionais
Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, Tv. 4 e 5/2º andar, Butantã, São Paulo

Em caso de dúvidas, por favor, entrar em contato pelo e-mail rsvp@cebri.org.br




segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Racismo, antissemitismo, liberdade de expressão - Celso Lafer (OESP)

Opinião

Racismo, antissemitismo, liberdade de expressão

O negacionismo do Holocausto judaico, do genocídio armênio, do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira não é opinião, é uma iniquidade.

Celso Lafer, O Estado de S.Paulo 

20 de fevereiro de 2022 | 03h00 


“Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” é um dos objetivos do nosso país, contemplado na Constituição cidadã (artigo 3, IV).

É uma ideia a realizar que indica o caminho para dar plena efetividade ao Brasil como sociedade pluralista, diversificada e democrática, retificando múltiplas inadequações de nossa arquitetura imperfeita. 

A intolerância de práticas discriminatórias é um obstáculo a esta ideia a realizar. Ela veio à tona com estridência em eventos recentes, como o brutal assassinato de Moïse Kabagambe, o refugiado do Congo que encontrou abrigo em nosso país para morrer a pauladas ao lado do quiosque onde trabalhava na orla carioca; a prepotência da prisão sem provas de Yago Corrêa de Souza no Jacarezinho, depois de comprar pão perto de sua casa; e o empenho discriminatório da apologia do racismo nazista veiculado pelo podcaster Monark (Bruno Aiub). 

Os três eventos interligam-se. São constitutivos da abrangência de condutas impelidas pelas múltiplas práticas de racismo existentes na sociedade brasileira. 

Afrontam e contestam a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental que inspira a Constituição. 

A preservação da dignidade humana permeia a tutela dos direitos humanos, cuja positivação é a expressão do aprimoramento da convivência coletiva num regime democrático. O ponto de partida dos direitos humanos é o princípio da igualdade, e o seu corolário lógico, a não discriminação, que se aprofundaram com a especificação da tutela dos seres humanos em situação de vulnerabilidade (crianças, idosos, mulheres, etc.). 

Nesta linha, a Constituição qualifica como crime a prática do racismo e a legislação infraconstitucional correspondente tipifica as modalidades com as quais se expressam. Estas modalidades são abrangentes e não circunscritas, como a interligação dos três eventos acima mencionados evidencia. 

A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Recorrentes de Intolerância de 2013, recém-promulgada no Brasil, esclarece que, explícita ou implicitamente, “a discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica”. 

Foi por conta da abrangência que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2003, no caso Ellwanger, subsumiu o antissemitismo e a sua apologia discriminatória como uma das modalidades de crime da prática do racismo. 

A ilicitude da prática do racismo abarca a contenção da difusão e a propaganda de teorias e ideias que justificam ou incitam a discriminação, com destaque para as provenientes de explícitos discursos de ódio. Daí provêm parâmetros que esclarecem por que em nosso país e em muitos outros, com respaldo nas normas do Direito Internacional, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se tem como absoluta. Não abriga na sua abrangência manifestações de ilicitude penal. É o caso da calúnia, da injúria e da difamação, e também do crime da prática do racismo e a sua incitação. 

Explica Stuart Mill, ao tratar do exercício da liberdade, que ela contempla a distinção entre condutas “self-regarding” e “other-regarding”. Em relação às primeiras, não cabem limitações, pois “o indivíduo não responde perante a sociedade pelas ações que não digam respeito aos interesses de ninguém a não ser ele”. Em relação às segundas, o indivíduo é responsável por qualquer ação prejudicial aos interesses alheios. Daí a possibilidade de limites, se a sociedade julgar que a sua defesa a requer. 

A punição legal do crime da prática do racismo e a sua apologia é o que prevê o direito brasileiro. O seu fundamento, como observa Mill, provém do fato de que “viver em sociedade torna indispensável que cada um seja obrigado a observar certa linha de conduta para com o resto”. 

Machado de Assis observou: “Haverá coisa pior que mesclar o ódio às opiniões?”. Inspirado por Machado, concluo pontuando os vínculos entre negacionismo, discurso de ódio e a prática de condutas racistas. O negacionismo nega fatos apurados motivados pelo ímpeto discriminatório e pelo ódio “que não respeita coisa nenhuma”, como dizia Monteiro Lobato pela voz do Visconde de Sabugosa. Contrapõe-se, assim, ao bem público consagrado no artigo 3, IV. Por isso, a denegação do Holocausto é prática de conduta racista. A Convenção Interamericana reitera que não cabe tolerar a defesa e a justificação do genocídio. Trata-se, assim, da contenção do dano moral para a sociedade que provém do desrespeito à tutela de consagrados direitos humanos. 

O negacionismo do Holocausto judaico, do genocídio armênio, do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira e que provém do passivo da escravidão tem um objetivo: impedir o reconhecimento do respeito que merecem ao direito à verdade e à memória das vítimas da prática do racismo que padecem uma pena sem culpa porque integram uma cor, uma religião, uma ascendência, uma origem nacional ou étnica. Por isso o negacionismo não é uma opinião. É uma iniquidade. 


PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DE RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

 

 

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O diplomata e o soldado: Celso Lafer sobre a obra de Raymond Aron (Revista 451, 2019)

Um ensaio que eu não conhecia, e que escapou da coletânea de textos que organizei para o patrono das Relações Internacionais do Brasil (mas ela só foi até 2017), publicada em 2018: Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols.).

Paulo Roberto de Almeida

Relações Internacionais

O diplomata e o soldado

Ex-chanceler brasileiro analisa a importância de Raymond Aron no campo das relações internacionais

Celso Lafer

Quatro Cinco Um, 01/04/2019


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O filósofo francês Raymond Aron em 1986 Erling Mandelmann/Gamma-Rapho
Aron, Raymond
Paz e guerra entre as nações 
Tradução de Sérgio Bath
WMF Martins Fontes • 980 pp • R$ 119,90

Raymond Aron (1905-83) foi um pensador de grande envergadura em muitos campos do conhecimento das ciências humanas. O seu ponto de partida foram as obras de cunho universitário que elaborou na década de 1930 dedicadas à filosofia da história, à analise em profundidade dos limites da objetividade histórica, e às condições da existência histórica. 

Como aconteceu com tantos pensadores europeus que foram seus contemporâneos, o turbilhão da Segunda Guerra Mundial alterou a sua vida.  No plano intelectual, levou-o a uma abrangente e interdisciplinar reflexão de “observador engajado” sobre as rupturas que caracterizaram o século 20. Empenhou-se em  esclarecer e explicar a dinâmica dos múltiplos setores da sociedade moderna — como por exemplo, as relações sociais, as relações de classe, os regimes políticos, as discussões ideológicas — valendo-se do seu aprofundado domínio da filosofia, da sociologia e da ciência política. Um dos campos a que se dedicou com maestria foi o da especificidade das relações interestatais. 

Paz e guerra entre as nações insere-se neste âmbito da sua dedicação às relações internacionais. Teve como estímulo o ineditismo da existência das armas nucleares. Foi o complemento reflexivo da sua atividade jornalística, na qual, a partir da segunda metade de 1940 até a sua morte, notabilizou-se como comentarista e editorialista regular de política internacional na grande imprensa francesa — tarefa que exerceu concomitantemente e sem prejuízo da sua atividade de grande professor universitário.

Paz e guerra foi redigido em 1960-1961 e publicado na França em 1962. A primeira edição brasileira data de 2002. Foi publicada na coleção clássicos do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), sob os auspícios da Editora da Universidade de Brasília e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

A edição beneficia-se de uma qualificada apresentação de Antonio Paim e contém um prefácio do próprio Aron à tradução brasileira. Aron, cabe lembrar, teve presença em nosso país como assíduo colaborador de O Estado de S. Paulo

Esteve entre nós em duas ocasiões. A primeira em 1962, quando deu conferências em universidades brasileiras — dentre elas, uma na Faculdade de Direito da USP, à qual assisti. Nela, começou apontando a unidade do campo diplomático: “Pela primeira vez os homens vivem uma só e mesma história. A humanidade está unificada pelos seus conflitos, pela técnica e também por seus problemas”. A segunda foi em 1980, tendo Aron participado de um simpósio na Universidade de Brasília dedicado à sua obra (“Raymond Aron na UnB”), do qual participei, e proferindo conferências em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Economia e futebol

A presente edição agrega à anterior um substancioso texto seu de 1983, que serviu como apresentação à 8ª edição francesa, assim como seu prefácio de 1966 à 4ª edição francesa. Paz e guerra entre as nações é um livro notável. 

Em contraste com tantos livros de teoria das relações internacionais, escritos e pensados sob a perspectiva da Guerra Fria e da rivalidade Estados Unidos/União Soviética e que se tornaram obsoletos já na década de 1990, com o término das polaridades definidas — Leste/Oeste e, nas suas brechas, a Norte/Sul —, a grande obra de Aron retém plena a atualidade.

As relações internacionais se desdobram sob a sombra da guerra, um camaleão científico-tecnológico 

Permanece como um mapa de conhecimento para o estudo e a avaliação das relações internacionais, graças aos instrumentos analíticos que oferece e elabora com rigor e qualidade. 

Aron argumenta que a singularidade do campo, que o diferencia de outras áreas das ciências sociais, é que ele está permeado pela situação limite paz/guerra; e que, no âmbito das relações interestatais, como ele diz recorrendo a Max Weber, existe a ausência  de uma instância que detenha o monopólio da violência legítima, em contraste com o que ocorre no plano interno dos Estados. Daí a importância que atribui a dois personagens qualificados como simbólicos: o diplomata e o soldado como os representantes por excelência  das coletividades estatais. 

Aron evidentemente não ignora  que a sociedade internacional é mais ampla do que a sociedade interestata, como aponta no livro e nos seus prefácios que integram a edição brasileira. Engloba o sistema econômico mundial e os fenômenos transnacionais que a influencia e impacta.

Isto não afasta, contudo, no entender de Aron, a singularidade sistêmica das relações interestatais, que não se amoldam à predominância causal da economia. É o que observa com a sua autoridade de marxólogo, que está aliás, em consonância com a análise de Bobbio sobre as insuficiências do marxismo para um abrangente trato das relações internacionais e da guerra. 

Na discussão dos níveis conceituais da compreensão do campo, Aron aponta que não cabe a analogia nem com a economia nem com o futebol. O tema unificador da primeira é o desafio da escassez, e o seu problema é a da escolha dos meios de superá-la e de distribuir os resultados alcançados. O futebol tem regras, juiz, e o preciso objetivo dos times é ganhar a partida travada no interior de um campo delimitado com um número fixo de participantes. Não são estas características do campo das relações internacionais.

Este se desdobra sob a sombra da guerra. Ao tema, Aron dedicou um pioneiro livro em 1951, Les guerres en chaîne [As guerras em cadeia], um acurado exame da Primeira Guerra Mundial — dos equívocos diplomáticos que a desencadearam e da surpresa técnica dos novos armamentos que a prolongou. Na sequência de Paz e guerra escreveu, inspirado pelo pensamento de Clausewitz, os dois volumes de Penser la guerre [Pensar a guerra], em 1976.

Moldura

A guerra, observa Aron, é um camaleão. Assume sempre novas formas, inclusive e muito especialmente na sua dimensão científico-tecnológica. A indeterminação a priori das suas formas é um dado que paira sobre o campo das relações internacionais. Daí as distintas modalidades de paz e as tipologias sugeridas por Aron em Paz e guerra: paz de equilíbrio, de hegemonia, de império, de impotência, de satisfação — e o papel que no seus âmbitos desempenham a persuasão e a subversão. 

Estas, por sua vez, assumem características próprias, à luz das constelações diplomáticas que levam em conta as polaridades prevalecentes no sistema interestatal e da homogeneidade ou heterogeneidade dos Estados que o compõem — vale dizer, o maior ou menor grau de mútuo reconhecimento e a ação dos atores que nele operam, com maior ou menor empenho na estabilidade. 

É nesta moldura ampla que Aron vai destacar uma característica singularizadora das relações internacionais: a pluralidade dinâmica dos objetivos concretos configuradores das políticas externas dos Estados que compõem o sistema estatal. Entre estes objetivos figuram a segurança, o desenvolvimento, o bem estar, o prestígio, a afirmação de valores e, consequentemente, o papel das afinidades e das discrepâncias quanto às formas de conceber a vida em sociedade. O maior ou menor peso destes objetivos varia de acordo com as circunstâncias. 

É isso que faz do conceito de interesse nacional, norteador da política externa, algo plurívoco e, por vezes, esquivo. Por esse motivo, a racionalidade dos objetivos das condutas das políticas externas é circunscrita pela escolha de certas premissas que norteiam o seu processo decisório. Daí um componente de indeterminação da ação estratégica-diplomática que pode variar no tempo. Um exemplo atual é a diferença entre a conduta da política externa dos Estados Unidos no governo Trump, oposta à diplomacia de seu antecessor, Barack Obama.

Os objetivos da implementação de uma política externa estão vinculados aos meios de que dispõe um Estado no âmbito de um sistema interestatal que obedece à lógica de uma distribuição de poder individual, mas desigual, entre os seus integrantes.

Aron trata dos meios na moldura do que denomina determinantes e regularidades sociológicas. Entre elas: o espaço, referente à inserção geográfica e territorial de um país num mundo finito mas planetariamente unificado, para o bem e para o mal, pela técnica, por seus conflitos e por seus múltiplos problemas; o número, que é o componente demográfico das pessoas que se distribuem e que se acomodam, ou não, no espaço dos territórios dos múltiplos Estados que integram o sistema interestatal; os recursos, que, numa acepção abrangente, cobrem o conjunto dos meios materiais e de conhecimento de que dispõe uma coletividade estatal; e a natureza das nações e dos regimes, que ajuda a entender o modo de ser e de agir dos atores estatais, os sujeitos da história diplomática.  

Maquiavel e Kant

Destaquei nesta minha leitura de Paz e guerra entre as nações alguns dos aspectos que considero relevantes para a compreensão do campo das relações internacionais, mas evidentemente não fiz justiça e não dei conta da abrangência analítica e conceitual de um livro de quase mil páginas. 

Aron desenvolveu uma ética de prudência e de equilíbrio entre excessos que me inspirou quando tive a oportunidade de conduzir o Itamaraty

Quero concluir com uma rápida consideração sobre o que Aron discute na última parte de seu livro — “Praxeologia” —, na qual examina as antinomias com as quais se confrontam os responsáveis pela condução da política exterior: em síntese, o enfrentamento tanto do problema maquiavélico quanto do problema kantiano. 

O problema maquiavélico diz respeito ao realismo dos meios legítimos da condução de política externa, que, no limite, comportam o uso da força. É o tema de preservação do Estado como uma unidade independente no âmbito do sistema interestatal. Para ele aponta o inciso I do artigo 4º da Constituição brasileira, que positiva os princípios que regem as relações internacionais do país: independência nacional.

O problema kantiano é o da busca da “paz perpétua” e de um princípio de razão abrangente regulador da humanidade, que substitua a “moral de combate”. Algo que está igualmente positivado na Constituição de 1988, também no artigo 4º: defesa da paz (inciso VI), solução pacífica de conflitos (VII) e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (IX).

Na interação entre os dois problemas, Aron desenvolveu uma ética de prudência e de equilíbrio entre excessos. Foi uma lição que me inspirou nas duas ocasiões em que tive oportunidade de conduzir o Itamaraty.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre - Paulo Roberto de Almeida in: Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira (2018)


 Uma das mais relevantes obras que pude editar, enquanto fui diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), da Fundação Alexandre de Gusmão, entre 2016 e 2018, foi a coleção quase completa de artigos, ensaios, entrevistas e discursos de Celso Lafer, que pode ser considerado, junto com Hélio Jaguaribe, o "pai" das relações internacionais no Brasil.

Aliás, depois de receber uma tonelada de textos em diferentes formatos, corri para colocá-los numa formatação adequada, enquadrando a cronologia, complementando informações faltantes, e até fazendo um ensaio de avaliação do conjunto de sua obra, que acabou sendo colocado, como posfácio, e por iniciativa do próprio Celso Lafer, ao segundo volume (uma vez que a introdução, no 1o. volume, tinha sido feita pelo embaixador Gelson Fonseca). Digo que corri, pois pressenti, logo nas eleições de 2018, que  a situação no Itamaraty mudaria significativamente a partir de 2019; assim, trabalhei intensamente para que os dois volume ficassem prontos ainda em 2018, e eles foram lançados em 18 de dezembro com a presença em Brasília do próprio Celso Lafer.

Apresento neste volume, os índices dos dois volumes e o meu próprio posfácio, como registrado na ficha abaixo:


 3302. “A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre”, Brasília, 19 julho 2018, 9 p. Discussão geral da obra em publicação pela Funag de Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação, com base num paralelo intelectual com a obra de Henry James, The Education of Henry Adams: an autobiography(New York: The Modern Library, 1999), e alguma referência às Confissões de Santo Agostinho. Revisão em 18/09/2018. Inserido como posfácio ao segundo volume da obra de Celso Lafer. Apresentado numa postagem do blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/celso-lafer-dois-volumes-com-seus.html). Publicado in: Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347. Relação de Publicados n. 1297. 

Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/55778823/Celso_Lafer_Relacoes_internacionais_politica_externa_e_diplomacia_brasileira_pensamento_e_acao_Posfacio_PRAlmeida_2017_).

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Celso Lafer na ABL faz discurso crítico ao presidente da República - Lauro Jardim (O Globo)

Recebido de um amigo: 

"Celso Lafer hoje na venerável Academia Brasileira de Letras (ABL) colocou o dedo na ferida: chega de tanta ignorância. Ninguém nem com um mínimo de neurônios é capaz de aguentar tanto obscurantismo e narrativa imbecil por tanto tempo. O País precisa sair dessa era das trevas e do negacionismo tacanho que deitou raizes por aqui com os arrivistas desse bolsonarismo sem eira nem beira."

Eis o artigo de Lauro Jardim, no Globo desta quarta-feira, 21/07/2021


Orador da solenidade (virtual) que comemorou os 124 anos da Academia Brasileira de Letras, terminada há pouco, Celso Lafer fez um discurso de tom político inédito da história da entidade.
O chanceler dos governos Collor e FHC fez críticas acerbas a Jair Bolsonaro, "sua postura negacionista" e suas "omissões". Ressaltou a falta de decoro do presidente e afirmou que as palavras de Bolsonaro dividem o país.
Eis alguns trechos da fala de Lafer:
* (...)Daí a inconformidade com este estado lamentável das coisas em nosso país provenientes da postura negacionista do Presidente e de seu governo quanto ao papel da ciência e do conhecimento no enfrentamento da crise do coronavírus, que aprofunda um “mundo às avessas”.
*"O negacionismo se expressa por ações e omissões. São agravados pelas palavras do Presidente. Estas ignoram o proceder com a dignidade e o decoro do cargo, que é o “standard” de conduta presidencial lícita, prevista na lei 1.079 de 10 de abril de 1950. (...). Decoro, que como dignidade, provém do latim decet, o que convém, o que é apropriado, manifesta-se pela compostura no exercício da função pública.
Nem uma nem outra encontram-se nas palavras de ruptura e de improvisações mal concebidas do Presidente, que alimentam a insegurança, correm a confiança e dividem o país.
*"Não atendem ao papel que se espera de liderança que é o de definir construtivamente rumos para a sociedade. É incompatível com o zelo que deve presidir as políticas públicas de saúde numa situação-limite como a da pandemia".
*"Ensina o Pe. Antonio Vieira: “O verdadeiro zelo teme o perigo e trata dos remédios”, advertindo que “O maior perigo não é quando se teme o perigo, é quando se teme o remédio”. Os remédios são aqueles que o estágio atual do conhecimento e da ciência, validados pelos pesquisadores nacionais e internacionais indicam em matéria de contenção e mitigação dos riscos da pandemia. Entre eles, vacinas e o seu papel imunizador, máscaras, isolamento social, administração da sobrecarga dos cuidados hospitalares a serem implantados sem atropelos e desvios de qualquer natureza e sem o ímpeto desagregador das competências concorrentes da União, dos Estados e dos Municípios".

quarta-feira, 14 de abril de 2021

O Itamaraty na Cultura Brasileira - Alberto da Costa e Silva (org.); 1a. ed. revista, preparatória a uma 3a. edição

O Itamaraty na Cultura Brasileira

Alberto da Costa e Silva 

Organizador


Editor Executivo

Paulo Roberto de Almeida

[revisão da edição original, sem os textos adicionais preparados para a 3ª. edição]



Capa: Foto do Palácio Itamaraty, Brasília, DF.

1a. edição: Instituto Rio Branco (2001); 

2a. edição: Instituto Rio Branco e Livraria Francisco Alves Editora (2002)

_____________________________________

 

Costa e Silva, Alberto da (org.); Almeida, Paulo Roberto de (ed.)

O Itamaraty na cultura brasileira. – 3a edição; Brasília: Funag, xxxx

xxx p.

 

     ISBN: 978-85-xxxx-xxx-xx

 

1. Brasil – 2. Diplomacia – 3 História – 4. Literatura – 5. Música – 6. Cultura – I: Costa e Silva, Alberto – II: Título

 

CDD –xxx-x

____________________________________________

CIP – Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

 

[Esta versão: Paulo Roberto de Almeida (14/04/2021); sem os textos adicionais


Sumário

 

Prefácio à terceira edição (expurgada desta versão)........... 9

O Itamaraty na cultura brasileira............ 15

Diplomacia e cultura................... 25

Varnhagen, história diplomacia............ 40

Ritmos de uma vida: Brazílio Itiberê da Cunha. Músico e diplomata..... 60

Joaquim Nabuco.................... 96

Pai e filho: Luiz Guimarães Júnior e Luiz Guimarães Filho.... 116

Aluízio Azevedo: A literatura como destino........... 151

Domício da Gama............ 176

Oliveira Lima e nossa formação......... 198

Gilberto Amado: além do brilho............ 217

A vida breve de Ronald de Carvalho......... 234

Ribeiro Couto, o poeta do exílio.............. 25

Viagem a Beira de Bopp............ 272

Guimarães Rosa, viajante........... 293

Antônio Houaiss, a cultura brasileira e a língua portuguesa.......... 312

Vinícius de Moraes: o poeta da proximidade......... 327

Vinícius, poeta e diplomata, na música popular......... 343

João Cabral, um mestre sem herdeiros........... 364

O fenômeno Merquior............. 387


(Textos preparados para a 3ª. edição, expurgados desta versão:

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível..... 412

Lauro Escorel: um crítico engajado.......... 439

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia............... 459

Wladimir Murtinho, Brasília e a diplomacia da cultura brasileira........ 492

Sérgio Corrêa da Costa: diplomata, historiador e ensaísta.................. 503

Meira Penna, um liberal, crítico do Estado patrimonial brasileiro........ 541

Diplomacia no tempo: notas sobre a evolução da carreira diplomática. 572


Nota à Segunda Edição............ 577

Sobre os autores............ 579



Texto integral, revisto, da 1a. edição, neste link: 


https://www.academia.edu/46849306/O_Itamaraty_na_Cultura_Brasileira_2001_