Não que eu concorde com tudo o que está dito nesta postagem desse jornalista conhecido, como já esclareci várias vezes. Na verdade, o que me interessa não é tanto a pessoa, o jornalista em si, ou suas posições, no argumento exato que ele defende, e sim as questões que ele coloca, os problemas reais que eu vejo no Brasil atualmente, e que resumo de modo muito simples: contemplo, atualmente, uma erosão da qualidade do debate público, se debate existe (dai as aspas do título), e constato uma crescente mediocrização dos meios de comunicação, da academia, dos meios políticos, da sociedade em geral, o que certamente é fruto da perda de qualidade da educação brasileira nos últimos anos, e também o resultado da conquista de posições de poder pela mesma turma de "gramscianos" de botequim (ou seja, que nunca leram Gramsci, mas que apenas refletem uma vulgata mal passada de alguns ensinamentos simplificados a partir de suas posições).
Volto a dizer: o que me interessa são as ideias, e o que se pode fazer com elas. Infelizmente, o Brasil tornou-se vítima de um conjunto de militantes de uma mesma causa -- chamemo-los, apenas como sugestão, de distributivistas vingativos -- o que empobrece o debate público de ideias, e atrasa nosso país, já que as "soluções" propostas provavelmente vão deixá-lo mais pobre intelectualmente, e vão também atrasá-lo no plano econômico e material.
O que mais me assusta, também, é constatar a mediocridade crescente da academia, gente que não estuda, que não lê, mas que não acha nada de errado em assistir, na TV, um programa, por exemplo, como Big Brother, uma das maiores mediocridades vulgares que já pude contemplar em minha existência de algumas décadas. Definitivamente, estou engajado no debate de ideias, mas encontro poucos motivos para me satisfazer com o que leio na imprensa. Raras vezes se pode assistir, ou ler, um verdadeiro debate de ideias.
Apenas por isto vou transcrever duas grandes matérias aqui.
Aqui vai a primeira.
Paulo Roberto de Almeida
Caça às bruxas salta o muro dos blogs sujos e paraestatais e chega ao “Valor”; editor de livros mete um triângulo no uniforme de alguns jornalistas e deixa claro: “Conservador bom é conservador morto”. Lá do além, dou um pé no traseiro do fascistinha. Ou: Na era da “Infraestrutura & Negócios”Reinaldo Azevedo, 8/02/2013
O “Valor Econômico” é, de longe, o veículo mais petista do Brasil. Não dá para saber se o é por convicção ou por oportunidade. Os blogs sujos não têm como competir porque a turma do jornal é, ao menos, alfabetizada. Se, um dia, o PT deixar o governo federal (com a oposição que está aí, é difícil), saberemos se é crença ou oportunismo. Talvez seja uma mistura das duas coisas. Empreendimento dos grupos Folha e Globo, começou a circular no ano 2000, com o objetivo, cumprido, de ocupar o lugar da Gazeta Mercantil, então em fase terminal por méritos próprios. Seria um jornal especializado em economia, sem se descuidar da política. Os outros grandes, como sabemos, invertem os termos dessa equação. Demora um tempo até que se ache um caminho. O jornal claudicou no começo. Empresário gosta da verdade, claro!, mas ela não pode se confundir com pessimismo. Acidez em excesso faz mal no café da manhã. O Valor achou o tom, que deve considerar o ideal, sendo uma espécie de porta-voz inteligente da verdade oficial. Sim, há opiniões dissonantes aqui e ali, mas o que interessa é o produto como um todo. No melhor de sua forma, confere ares de economia política aos improvisos do Planalto.
Esse negócio de governismo estratégico — ou tático — é coisa complicada. Vicia. Sempre pede mais. Embates intelectuais são parte da natureza dessa atividade. Quando se adota uma causa, no entanto, o horizonte não é mais o confronto de ideias, mas a eliminação do outro, como numa guerra. Nesta sexta, dia 8 de fevereiro de 2013, um rapaz chamado Flávio Moura, editor de livros da Companhia das Letras, escreve um texto em que decreta a obsolescência — tudo bem lido, a morte mesmo! — de um grupo de jornalistas e colunistas. Além de mim, são vítimas da chacina promovida por Flavinho VE Diogo Mainardi, Mario Sabino, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé — os dois últimos, colunistas da Folha. A íntegra do texto está aqui. Talvez o artigo marque uma nova fase do Valor. Teria chegado a hora de caçar as bruxas. Não, Flavinho VE não é agressivo na aparência, como esses pistoleiros dos blogs sujos financiados por estatais. O trabalho que ele faz — e, em certa medida, como veremos, também o Valor, é mais limpinho. Já chego à questão maior. Antes, falo mais um pouco da menor: o texto de Flávio.
Metade de seu artigo, talvez um pouco mais, é dedicada a falar de Daniel Piza, que morreu no dia 30 de dezembro de 2011. O texto marca, assim, a passagem de um ano, um mês e nove dias de sua morte. É o gancho. Ele conta que não gostava muito daquele jornalista, não. Confessional, revela que, quando mais jovem, tinha invejinha do outro. Malvado, diz não entender por que Piza informara, em um artigo escrito no ano 2000, tomar água Perrier em taça de cristal. Em 2002, conta, ele o entrevistou para um trabalho escolar. Não expôs ao entrevistado a sua curiosidade. Agora que Piza está morto, Flávio relembra o episódio da água Perrier. Trata-se de um detalhe que ajudaria, creio, a desenhar o perfil do outro. Talvez esnobe, um tanto autocentrado, tendente a se distanciar da raia-miúda.
Há suspeitas de patologia no artigo. Nota-se que ele tenta, aqui e ali, emular o texto do morto. Ao desdém, somam-se também elogios. Piza, discípulo de Paulo Francis, conta Flávio, também era culto, polêmico, mais para conservador do que para progressista etc. e tal. Mas morreu. E, com ele, este é o espírito do texto, teria morrido um “tempo do jornalismo cultural”. Ele permite que se entrevejam algumas suspeitas de lamento, mas nada excessivo que o deixe mal com os muitos detratores que Piza também tinha. E onde é que entram Diogo Mainardi, Mario Sabino, Reinaldo Azevedo, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé nessa história?
A exemplo de Piza, mas, tudo indica, abaixo dele, seríamos todos tentativas frustradas de ser Paulo Francis — até parece que essa crítica é novidade… Teríamos ganhado relevo com a chegada do PT ao poder. Ninguém, ele deixa claro, tão profundo como Piza (aquele que ele retratou com uma taça de Perrier na mão só para demonstrar o seu apreço pelo morto). Escreve Flávio:
“Diogo Mainardi virou a estrela dos colunistas da “Veja”. Reinaldo Azevedo transferiu-se para as hostes da mesma revista. Na “Folha de S. Paulo”, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé ganharam colunas e começaram a exercitar um tipo de provocação cultural e política que passou a repercutir. Revistas de ensaios de corte liberal e católico ganharam voz e apoio de arautos em posição de destaque.
Claro que não formavam um bloco homogêneo. Mainardi era o mais estridente e ferino, com a vantagem de que caprichava na autoironia. Azevedo assumiu a linha de frente da indignação moral com a corrupção. Coutinho trouxe leituras de liberais ingleses e afetava uma superioridade dândi capaz de irritar os leitores mais serenos. Pondé veio com sua teologia à moda antiga temperada por Dostoiévski e citações de filósofos de prestígio.”Notaram? Eu “me transferi” para a VEJA, como se isso fizesse parte de uma estratégia maligna de enfrentamento do lulismo, assumindo “a linha de frente da indignação moral com a corrupção”. Pelo visto, Flávio não aprecia quem se indigna moralmente com a corrupção, o que revela, é evidente, uma escolha moral! Eu adoraria ver esse rapaz opor a sua “teologia à moda moderna” à “teologia à moda antiga” de Pondé. Na verdade, eu ignorava a existência de modas e modos teológicos. Mas posso aprender com Flávio.
O saltoAí Flávio dá um salto, e é nesse ponto que começo a juntar, mas ainda vai demorar um pouco até a conclusão, o conteúdo de seu texto ao fato de ele ter sido publicado no Valor Econômico. Ele passa, então, a fazer o elenco das vitórias dos governos petistas, de suas inequívocas conquistas. Isso tudo teria nos liquidado. Escreve o rapaz:
“A saída de Lula do centro do poder dissolveu o grupo. A competição para lançar petardos ao mandatário e ao que ele representava perdeu sentido. A resistência do Brasil à crise de 2008 e a queda nos índices de desigualdade social se tornaram trunfos fortes. E a entrada em cena na “nova classe C” trouxe um elemento aos quais os dirigentes da imprensa não podiam ficar indiferentes.
Com o fim do governo Lula, Mainardi deixou sua coluna na “Veja”. O jornalista Mario Sabino, que ao lado dele e de Azevedo, imprimia o tom ácido da revista, também abandonou a publicação. Coutinho e Pondé continuam em seus postos, mas suas colunas não repercutem como naquele período.”Pela ordemComeço corrigindo a informação factual — existe “Erramos” no Valor? Sabino não saiu da VEJA. É correspondente da revista em Paris. Diogo deixou a coluna porque estava empenhado em escrever “A Queda”, com os desdobramentos conhecidos, não só no Brasil. O que diz sobre a repercussão das colunas de Pondé e Coutinho é mera opinião, sei lá com base em que dados objetivos. Quem precisa disso? No que me diz respeito, como atestam os números, o blog nunca foi tão lido. É grande a chance de que eu tenha mais leitores do que o Valor Econômico — a relação custo/repercussão certamente me é favorável.
Diogo e Mario são meus amigos, sim, felizmente. Com Coutinho, estive uma única vez, num jantar que reuniu um grupo grande. Jamais conversei com Pondé. Certamente estou perdendo bastante. O que nunca foi um grupo jamais poderia se dissolver. Não sei se Piza reivindicava a herança de Francis. Sei que os outros, o que me inclui, definitivamente não! Francis riria do meu catolicismo e das considerações teológicas e doutas de Pondé, por exemplo. Consideraria, sem sombra de dúvidas, excesso de otimismo o liberalismo de Coutinho. Recomendaria a Diogo e a Mario que cuidassem de suas respectivas carreiras literárias e deixassem de lado a política. Diogo fez isso parcialmente. Mas não porque o PT venceu. Em certa medida, é o contrário: é porque o PT perdeu. Quando começou no colunismo, já era um escritor consagrado. Hoje, mais do que antes — e aí está a derrota petista.
Quer refletir, Flavinho VE? Ao“Valor” de quarta-feira!
Flavinho VE tem ambições de pensador da cultura. Ele sugere que nós, os críticos do petismo (“Credo, que nojo!”) tentávamos negar as conquistas do governo, mas acabamos “dissolvidos” pelos “dirigentes da imprensa”, que não podiam ficar indiferentes. A exemplo do parajornalismo financiado por estatais, o articulista que escreve para o Valor também acha que a “mídia” (da qual ele, claro!, não faz parte) está de um lado, e o povo, de outro. Pois é… Flávio, ele sim, é sintoma de um tempo, e não dos mais felizes.
O artigo de Moura me obrigou a voltar à edição de quarta-feira do Valor. Tinha me destinado a escrever a respeito, mas depois desisti, tocado por outras urgências. Mas, agora, o caso virou primeiro da fila. A exemplo de Flavinho VE, que chacina jornalistas de direita (afinal, seja no caso de Piza, seja no nosso, direitista bom é direitista morto…), eu também gosto de refletir sobre os tempos. Adiante.
Na terça, o governo Dilma anunciou mudança das regras de concessão para as obras de infraestrutura. Essa já é a terceira versão, como demonstrei no blog. Na minha página, os insucessos de Guido Mantega são chamados de insucessos; nas do Valor, com a exceção da pena de alguns colunistas, seus fracassos são um sucesso. Cada um na sua. Quem quer controlar a imprensa e decretar a morte dos adversários são Flávio e seus amigos do governo, não eu. Convivo bem com a diferença — sem abrir mão de dizer o que penso.
Muito bem! Na terça, o governo divulgou o seu novo “pacote”. No próprio dia, os veículos eletrônicos divulgaram as medidas gerais, reproduzidas nos jornais impressos no dia seguinte, com o detalhamento possível — que não era tanto assim. Não havia tempo hábil para um trabalho mais detido. Não foi o caso do Valor. Com riqueza de detalhes, estava tudo explicitado num suplemento especial intitulado “Infraestrutura & Negócios”. A foto de quase meia página é de Mantega. Quem conhece como se faz jornalismo impresso sabe que aquilo é coisa demorada. O jornal teve acesso às medidas antes dos demais veículos, certo como dois e dois são quatro.
“Até aí, vantagem dos espertos, né? Vai ver os jornalistas do Valor têm mais fontes…” É, vai ver… O suplemento de dez páginas traz um anúncio de página dupla, central, do governo Dilma exaltando justamente a infraestrutura. Título: “O Brasil constrói caminhos para crescer ainda mais”. Na página 9, a Caixa Econômica Federal anuncia o seu apreço pelas empresas etc. e tal. Em Dois Córregos, a gente chama isso de “juntar a fome com a vontade de comer”. O clima do caderno, bastante informativo, sem dúvida, é de “agora vai”, festivo mesmo! A pegada um pouco crítica, lembrando que o pacote de agora é evidência do insucesso das duas jornadas anteriores, ficou para a “Folha” e o “Globo”. No “Valor”, só o amor constrói, como cantariam Dom e Ravel, no tempo de uma ditadura que Flavinho VE não pôde combater. Ele se empenha agora em exaltar uma outra, de um novo consenso.
Mas ainda não esgotei os elementos para a reflexão desse valente. Na página A9 do mesmo jornal, lê-se a manchete: “Lula cogita Mantega para disputar SP” — o Mantega, no caso, era aquele mesmo herói do suplemento de infraestrutura, com anúncio de página dupla do governo federal e de página inteira da CEF. O texto é de Raymundo Costa, e não estou sugerindo que ele participe de algum conluio. Aliás, eu não estou acusando conluio nenhum. Não lido com essas categorias. Estou apenas refletindo, como faz Flávio — só que com fatos, não com opiniões —, sobre os novos tempos do jornalismo e seu espírito: o Zeitgeist! Nota à margem: eu, que torço para que o PT seja derrotado em São Paulo, torço, então, para que o candidato seja mesmo Mantega, o Fortão do Bairro Peixoto da Infraestrutura. Torço, mas sei que não será ele. É uma pena!
Caminhando para a conclusãoO que estou demonstrando é que o texto de um rapaz que decreta a morte de um grupo de jornalistas (porque, diz, o petismo ganhou a batalha, e a gente nota que ele não está infeliz; está do lado dos supostos vitoriosos) não é fruto só de um arroubo individual. Estamos diante do produto de uma cultura interna e, sem dúvida, de um modo de fazer jornalismo.
O texto desse rapaz tem mais importância do que ele mesmo se dá conta. Ele tentou nos matar, mas eu o promovo, se me permitem o chiste, no degrau da degradação intelectual de setores importantes da imprensa. Com esse artigo, a linguagem da caça às bruxas salta o muro do parajoralismo, também financiado por estatais, e chega ao que já foi chamado de “grande imprensa”.
Certa feita, um dos blogueiros de Lula sugeriu uma pauta ao jornalismo brasileiro: identificar onde estavam e quem eram aqueles 3% ou 4% que achavam seu governo “ruim ou péssimo”: ele queria os nomes, saber onde moravam, o que pensavam. Fazia de conta que sua pegada persecutória era mera curiosidade intelectual. Com uns dois uísques a mais, sugeriria que fossem devidamente chipados e marcados com um triângulo — a cor seria definida por uma enquete na Internet para evidenciar o caráter democrático da coisa.
Eis aí. Um editor de livros, da Companhia das Letras, acaba de explicar no “Valor Econômico” por que aquele grupo de jornalistas merece um triângulo. Dois deles — a rigor, três, porque Diogo está no Manhattan Connection, da Globo Nes, que é do grupo Globo — produzem conteúdo (como se diz hoje em dia) para os controladores do Valor: Folha e Globo. “Que bom! Evidência de democracia interna…” Nada disso! Ele não disse o que há de errado com o pensamento dessas pessoas, contestando-o. Ele tentou excluí-las do mundo, como um bom fascistinha que é, disfarçado de pensador delicado. Pelo visto, chegou a hora da guerra interna também.
E depois aquela canalha fica cobrando “controle da mídia”. Controlar o quê e para quê? Já temos Flavinho VE e o caderno “Infraestrutura & Negócios”. Mais negócios do que infraestrutura.
PS – Eu estou morto, e Flavinho VE é muito vivo. Agora ele vai ver o que é, de fato, repercussão. Acabo de criar mais um herói do nariz marrom para a rede petralha. Bom proveito entre os de sua estirpe, rapaz!
*
Leia o texto “
Ah, entendi: o Moura é editor da Companhia das Letras, não do Valor; o que muda e o que não muda”
Leitores
dizem que Flávio Moura (o cara que decretou a minha morte e a de outros
no Valor) não é editor de livros do jornal, mas editor de livros da
Companhia das Letras. Vou ao Google. É verdade. Então é preciso corrigir
o pé biográfico dele. Está assim: “Flávio Moura é jornalista, editor de
livros e doutor em sociologia pela USP”. Tem de dizer de onde. André
Gide também era “editor de livros” e não era Flávio Moura.
Vou fazer
as devidas correções nos outros textos. Não muda uma vírgula do que eu
disse sobre o Valor, mas requalifica a crítica que fiz a Moura e a que
ele me fez — e a outros jornalistas e colunistas. Editor da Companhia
das Letras, é? Entendo. Já bati boca com o patrão dele, Luiz Schwarcz,
que decidiu me atacar em artigo de jornal. Como se vê, eles sempre tomam
a iniciativa, intolerantes que são. Eu reajo. É claro que respondi. Agora vem o empregadinho. Pelo menos não erra ao usar o modo subjuntivo…
O ódio,
está explicado, ainda é desdobramento do caso Jabuti, lembram-se? É
aquele prêmio literário que, na forma anterior, poderia ser dado a
qualquer um, desde que o Chico Buarque não estivesse concorrendo. Sim,
fui eu quem primeiro botou a boca no trombone. Estou morto, como diz o
empregadinho, mas o fato é que as regras do Jabuti foram alteradas.
Schwarcz, que edita Chico Buarque, não gostou e me acusou de criticá-las
porque sou um autor da Editora Record. Huuummm… O tal Moura, na folha
de pagamentos dele, me ataca agora porque é um homem independente, com
ideias próprias, certo?
Sim, houve
um tempo em que era uma espécie de suicídio intelectual, cultura e
moral confrontar os “Schwarczen” e os “Chicos” da vida, dada a
influência, poder mesmo!, que essa gente tinha e ainda tem nos tais
“segundos cadernos”. Tentaram liquidar “O País dos Petralhas II” sem nem
o trabalho de lê-lo. Inútil. O livro vai chegar fácil aos 50 mil
exemplares vendidos. Eu não dependo desses bacanas para absolutamente
nada! Escrevo o que quero, penso o que quero e não tenho de me ajoelhar
para as suas igrejinhas influentes.
À época,
eu até lancei um desafio, incitando a turma a escrever ensaios
demonstrando por que o Chico é um grande romancista, o mais laureado do
Brasil. Ninguém topou. Ele é o melhor porque dizem que ele é o melhor.
Pra mim, é pouco. Certo! O Moura não é do Valor. O jornal o contratou
para essa chacina em particular…
Por Reinaldo Azevedo
O
fascismo de esquerda não muda. A tática é sempre é mesma. Flávio Moura,
o tal “editor de livros” da Companhia das Letras que chacina
jornalistas e colunistas com a conivência do “Valor” — aquele do caderno
“Infraestrutura & Negócios” —, repete um mantra velho, de incrível
vigarice intelectual. Quem leu seu artigo (ver posts abaixo)
percebeu que ele resolveu salvar a alma de Daniel Piza do que imagina
ser o inferno. Agora Piza, que era alvo da maledicência, sim, de muitos
quando vivo — o próprio Moura confessa a sua inveja —, foi para o mesmo
lugar no Paraíso em que está, por exemplo, José Guilherme Merquior.
Em vida,
Merquior tomava mais chutes do que cão sarnento que tenta invadir
restaurante. “Reacionário, direitista, fascista, defensor da ditadura…”
Essas eram apenas algumas das palavras com que o mimoseavam. E olhem que
ele não estava tão distante assim de certa esquerda francesa mais
ilustrada… Mas não era um comunista, isso é certo. Caiu definitivamente
em desgraça quando, ao ler o livro “Cultura & Democracia”, de
Marilena Chaui (ela também usava o “&”, como o Valor…), encontrou
algumas dezenas de páginas iguaizinhas às que o francês Claude Lefort,
amigão da sedizente filósofa, havia escrito bem antes. Podiam mesmo ser
consideradas traduções.
Marilena despontava, então, como o furacão esquerdista da USP, dona de um pensamento supostamente original e coisa e tal.
Sabem quem
começou a apanhar nos jornais? Ainda não havia internet e redes
sociais. Não foi a plagiadora, não! Merquior só não foi chamado de
santo. “Intelectuais” e cantores de MPB decidiram fazer um
abaixo-assinado contra ele. O próprio Lefort veio a público para afirmar
que o plágio de sua amigona plágio não era. Tentaram esfregar a
negativa na cara de Merquior: “Viu, o autor diz que não é…” — ainda que
as palavras provassem o contrário.
Merquior
morreu cedo, aos 50 anos, em 1991. Morto, resolveram reabilitá-lo, mas
não por bons propósitos. Ele sempre é citado como expressão de um tempo
em que “a direita tinha qualidade”, sabia pensar. “Ah, Merquior, sim!
Não esses de agora”. Até a publicação do texto de Moura, os jornalistas
cujo fim ele decreta éramos, então, comparados a Merquior, com a
conclusão inevitável: “Ele era profundo; a ‘direita’ de agora não é de
nada”. Nota: foram também eles que decretaram que somos expressão do
pensamento de direita. No que me diz respeito, não recuso porque não
vejo crime nenhum nisso.
Estava
claro: Merquior havia se transformado num “bom”, entre outros motivos,
porque morto. Enquanto Piza estava vivo, inveja e ressentimento se
misturavam contra ele. Não que o seu trabalho, a exemplo do meu ou do de
qualquer outro, estivesse acima de qualquer crítica. Isso não existe.
Piza agora virou santo. Porque o amam? Não! Para que possam continuar a
secretar seu ódio contra os vivos.
Conheci
Piza. Ele foi colaborador das revistas República e BRAVO!, das quais fui
redator-chefe, no fim dos anos 90. Tínhamos uma relação cordial, mas
não de amizade. Nas vezes em que conversamos, convergências e
divergências se equilibravam em quantidades idênticas. E o mesmo vale
para este outro grupo de jornalistas. Uma das características disso a
que chamam “jornalismo da direita” — uma redução estúpida — é não
formamos uma quadrilha de pensamento. Quem compareceu a um debate com a
comunidade judaica, em São Paulo, no passado, viu Diogo e eu
divergirmos vivamente sobre a Primavera Árabe, por exemplo. Já discordei
de Coutinho por escrito. Nenhum de nós entende a voz dissonante como
ameaça.
Com os
fascistas de esquerda, as coisas não são assim. Essa gente até poderia
nos dar uma colher de chá algum dia. Mas, antes, exige que façamos
companhia a Merquior e Piza. O que pensamos — e pensamos coisas tão
diferentes! — incomoda menos do que o fato de estarmos vivos.
Por Reinaldo Azevedo
Escrevi ontem alguns posts (às 16h10, 18h58, 20h, 20h55 e 21h55)
sobre um texto escrito por um tal Flávio Moura, editor da Companhia das
Letras, no jornal Valor Econômico. Ele decidiu decretar a morte de um
grupo de jornalistas e articulistas, que teriam sido, ele afirma com
visível satisfação, vencidos pelas supostas conquistas sociais do
petismo. Sugere quer formávamos uma espécie de frente antipatriótica
para resistir ao PT, mas que a qualidade do governo dos companheiros nos
nocauteou. Ao se referir ao destino de cada um dos que ele decidiu
fuzilar (além de mim, Diogo Mainardi, Mario Sabino, João Pereira
Coutinho e Luiz Felipe Pondé), mistura opinião banal com informação
errada, vai metendo os pés pelas mãos, sugerindo, contra os fatos, que
essa turma quebrou a cara. Sei menos de Pondé e Coutinho, que me parecem
muito bem. Meu blog e meus livros nunca tiveram tantos leitores; Diogo
escreveu um livro sem rivais em muitas décadas e em vários idiomas, e
Mario está sendo martirizado em Paris… “Mas o grupo se dissolveu”,
esganiça Flavinho. Que grupo? Nunca houve um grupo! Não emulamos as
comunidades petralhas. Neste texto, quero abordar um outro aspecto desse
tema. Como é que se chega a esse ponto? Como é que um “editor de
livros” e “doutor em sociologia”, segundo seu pé biográfico, chega a se
sentir à vontade para decretar a morte das pessoas de quem discorda? Já
demonstrei no post das 18h58 como esse espírito persecutório se casa com
a era da “infraestrutura & negócios”. Mas também isso é
consequência de algo maior, de natureza institucional.
Cumpre
apelar aqui um pouco à memória. Tenho sido, ao longo do tempo, menos
esperto do que alguns contemporâneos. Fui um crítico bastante severo do
governo FHC, embora seu principal adversário, o PT, não me agradasse.
Mas, como editor de site e revista, preferia, mesmo quando atuei no
extinto jornalismo cultural, voltar a minha pontaria contra o governo.
Gosto da ideia — na verdade, este talvez seja um dos pilares do meu
pensamento — de que governos são necessários, mas que nossa tarefa é
vigiá-los, criticá-los. Quando o PT chegou ao poder, continuei na
oposição. Os mais espertos do que eu ganhavam dinheiro sendo governistas
no tucanato e continuaram a ganhar dinheiro sendo governistas no
petismo. Mesmo na era da Internet, que facilita a pesquisa, a coerência
não tem sido a característica mais visível da profissão. É evidente que
as pessoas podem mudar de ideia ao longo dos anos se chegam à conclusão
de que estavam erradas. Mas desconfio de quem conclui que esteve errado
sempre em consonância com o governo de turno. Será que um dia vou
concluir que o PT era bom? Quem sabe quando — e se — o partido voltar a
ser oposição…
Na
verdade, antes como agora, não me pergunto se o que penso é contra o
governo ou a favor dele. Penso o que penso. Às vezes, coincide com a
política oficial; frequentemente, não. De toda sorte, textos como o de
Flávio Moura seriam impensáveis na imprensa brasileira de há 10, 15, 20
ou mesmo 30 anos. O começo da década de 1980, diga-se, estava fortemente
pautado pela chamada abertura, a ditadura estava moribunda, e muitos
militantes estudantis tinham ido parar nas redações de jornal. Vivia-se
até uma certa algazarra libertária. Isso acabou.
O que
antes era alternativa agora é poder. O que antes se calava pela força
bruta agora se busca silenciar por intermédio do falso consenso.
Enquanto estiveram na oposição — até dezembro de 2002 —, as esquerdas
seguiram o que é, de fato, seu padrão histórico: usaram a causa da
liberdade de imprensa e de crítica a seu favor. Ocorre, e isto também é
de sua natureza (e foi uma das causas de eu ter passado a repudiá-las),
que não se veem como um pensamento possível entre outros. Ao contrário:
os “companheiros” de hoje não abandonaram a tara dos “camaradas” de
ontem e se entendem como uma etapa posterior e superior da civilização.
Não é por acaso que Flávio Moura define o pensamento de Luiz Felipe
Pondé como “teologia à moda antiga”. Devemos concluir que há uma
“teologia à moda moderna”. As esquerdas, mesmo na sua expressão mais
grotesca, caricatural e primitiva, como é o tal Moura, continuam
partidárias do fim da história — que é uma tese hegeliana, não do
Fukuyama, como sugeriu outro dia no Jornal da Globo o Arnaldo Jabor.
Vencidos, então, os adversários, aí se trataria de cuidar das pendengas
lá deles, das contradições existente num lado só. Não passa pela cabeça
dessa gente, acreditem, perder eleições porque isso significaria um
retrocesso, uma volta ao período em que ainda havia história…
Textos
como o de Moura não seriam publicados há 10, 20 ou mesmo 30 anos porque
as forças capazes de fazer esse juízo ainda não estavam no poder e não
eram donas do novo consenso. Ao contrário. Era necessário fingir-se de
plural para chegar ao que diziam ser o “horizonte socialista”. Os que
defendíamos a diversidade de pensamento éramos obviamente úteis àqueles
que tinham na diversidade apenas uma etapa da conquista do estado. Em
outros tempos, as revoluções devoravam seus filhos de maneira cruenta,
como o Saturno no quadro de Goya. Nos novos tempos, busca-se
desqualificar a divergência e provar a sua obsolescência. Em qualquer
dos casos, antes e agora, os altos interesses do povo e as conquistas
sociais servem de maquiagem para a eliminação do adversário. Um texto
como o de Moura sai num jornal como o Valor porque também o Valor está
interessado, como Deng Xiaoping, em gatos que cacem ratos, pouco
importando a sua cor.
Se, nessas
décadas passadas, alguém se atrevesse a pedir o banimento de um
pensamento considerado divergente, haveria, por certo, protestos. O
texto nem seria publicado. A direita liberal jamais o faria porque, de
fato, não é de sua natureza — muito pelo contrário; e as esquerdas,
mesmo as autoritárias, não eram tolas de entregar o serviço. Já
demonstrei aqui que a “anistia ampla, geral e irrestrita”, por exemplo,
era uma reivindicação delas (à época, posso dizer “nossa”). É também é
delas a reivindicação de hoje para rever a Lei da Anistia. Antes, a
causa servia à proteção de seus assassinos. Agora que estão a salvo,
querem dar um jeito de pegar os assassinos “do outro lado”. Por quê?
Porque um esquerdista sempre acha que mata por bons propósitos. Leiam,
continua atualíssimo, recomendo de novo, “O Zero e O Infinito”, de
Arthur Koestler, que foi, vamos dizer assim, bem mais esquerdista do que
eu na juventude.
A questão política
E há, claro, a questão
política propriamente. Mesmo quando minoritárias no Parlamento, as
esquerdas sempre foram, do processo de redemocratização a esta data,
muito mobilizadas, contando, antes como agora, com forte apoio da
imprensa. Em muitos aspectos, já tratei do assunto aqui, foi o
jornalismo que inventou Lula — antes até que ele inventasse a si mesmo.
Ao menor sinal de “retrocesso”, lá estavam os valentes a botar a boca no
trombone.
Nestes
tempos, esses jornalistas que Flávio Moura decidiu fuzilar — e há outros
tantos que ele não citou, talvez por ignorância — acabaram se
sobressaindo, o que é um absurdo, como “a oposição” do Brasil pela
simples, óbvia e até macabra razão de que não há oposição no Brasil —
não como voz institucional e alternativa viável de poder federal. É
claro que há valorosos parlamentares que se opõem ao governo. Reitero:
refiro-me a uma força organizada e viável como alternativa de poder.
Moura
segue a trilha aberta pelos blogs sujos e decide demonizar pessoas, mas o
que está em pauta, de fato, é a imprensa independente, aquela que faz o
seu trabalho e chama desmando de “desmando”, roubalheira de
“roubalheira”. Como inexiste, então, a força organizada para obrigar o
governo a se explicar, o que é próprio das democracias, o jornalismo que
cumpre a tarefa de informar e o colunismo que não está alinhado com o
poder acabam sendo tomados, lembrando o presidente do PT, Rui Falcão,
como a “verdadeira oposição”, só que não organizada em partido. Eu
duvido que o tal Moura seja um interlocutor de Falcão. Eu duvido que o
rapaz obedeça diretamente às ordens do partido. Os dois falam a mesma
coisa porque o que os une não é uma relação de hierarquia, mas o
espírito de um tempo. O que Moura tentou fazer é demonstrar que estamos
sozinhos na crítica, que aquela abordagem, com aqueles valores, perdeu
sentido porque vencida pela história. Como, com efeito, expressamos
pontos de vista que não se ouvem nem no governismo nem na oposição,
então fica fácil apontar o dedo e gritar, como a Rainha de Copas:
“Cortem-lhes a cabeça!”
Não estou
pedindo nem apoio nem penico para as oposições. Em primeiro lugar,
porque, de fato, isso não é necessário. Em segundo lugar, porque seria
inútil. A imprensa independente e os cabras marcados por Moura para
morrer jamais poderão fazer pelas oposições o que os blogs sujos fazem
pelo petismo. Nesse caso, uns entendem de comprar, e o outros entendem
de vender. Deste outro lado, não sei se haveria gente disposta a
comprar; o que sei é que NÃO há gente disposta a vender. Até por uma
questão de lógica elementar. Se for para “entregar a mercadoria” no
balcão do “jornalismo & negócios”, mister é fazer a transação com o
poder, que certamente pode pagar mais, não é mesmo? Entre ser mercenário
em favor do vitorioso e sê-lo em favor dos derrotados, as duas opções
são igualmente imorais, mas ua é mais estúpida do que a outra.
Convenham: ninguém é crítico de governos por pragmatismo.
Finalmente
Eu não tenho a ambição de que Moura me
leia. As considerações ligeiras e idiotas que faz a meu respeito,
diga-se, provam que não me lê. Segundo escreve, “Azevedo assumiu a linha de frente da indignação moral com a corrupção.”
Não que a corrupção, com efeito, não me indigne — sim, e muito! —, mas
os milhares de leitores desta página sabem que esse nem é o tema mais
frequente dos meus textos. Os posts que tratam de ilegalidades cometidas
por políticos, no mais das vezes, fazem parte do clipping do
noticiário.
As 800 e
poucas páginas de “O País dos Petralhas I e II” debatem outros temas. Se
Moura tivesse dito que assumi a linha de frente do debate — ou do
embate — ideológico, aí estaria falando a verdade. O segundo volume do
livro, por exemplo, passa longe da roubalheira, petista ou não. Ele tem
todo o direito de não ler o meu o meu blog e os meus livros, mas tem o
compromisso de falar a verdade para aqueles que eventualmente o leem.
Ocorre que esse espírito persecutório parece ser também preguiçoso.
Ouviu dizer isso a meu respeito por aí e repete sem ao menos verificar
se essa opinião coincide com os fatos. Eu não me importaria nem um pouco
em ser uma espécie de archote da “indignação moral com a corrupção”, só
que o meu trabalho e o meu texto têm outro objeto.
Eu não
acho que um dia o Brasil ficará livre dos Mouras como ele crê que possa
ficar livre dos Reinaldos. Aliás, espero que não ocorra nem uma coisa
nem outra. O paraíso dos iguais pelo qual ele parece ansiar seria, pra
mim, a experiência viva do inferno. A única razão de ser de um embate
intelectual é a existência do adversário. A minha ética, se posso chamar
assim, é a de uma guerra sem vencidos. “Ah, mas, então, o mundo não sai
do lugar”. Sai, sim. É que o jogo não tem fim. Eles é querem sair
babando a sua vitória, saqueando e incendiando casas, violando as
virgens, sacrificando as crianças. Para quê? Para que possam gritar:
“Venceeemos!” E depois? Tudo saindo conforme o esperado — não sairá —,
começariam a se matar em seguida. Os Mouras seriam os primeiros da fila.
No mundo pelo qual ele luta, não há lugar para editores de livros.
Enquanto existirem os Reinaldos, os Diogos, os Sabinos, os Pondés e os
Coutinhos, gente como Moura pode nos odiar que estaremos a proteger o
seu nobre pescocinho.
É isto: a
“direita liberal”, no fim das contas, protege esses babacas de suas
próprias utopias. Ou terminariam todos com uma picareta enfiada no
crânio ou no paredão, para onde seriam enviados pelos próprios
ex-companheiros. Entendeu, Moura, ou agora quer que o Tio Rei desenhe?
Por Reinaldo Azevedo