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segunda-feira, 6 de junho de 2022

Emenda do Senado é uma ameaça à política externa brasileira - Rubens Barbosa (OESP)

 

Emenda do Senado é uma ameaça à política externa brasileira

Por Rubens Barbosa*

Proposta de Davi Alcolumbre permite que parlamentar ocupe embaixada sem deixar mandato

Com tantos problemas políticos, econômicos e sociais para enfrentar, como Reforma Tributária, Reforma Administrativa, regulamentação do garimpo em terras indígenas e uma dezena de outros temas de grande relevância, o Senado preferiu legislar em causa própria e reviver uma emenda à Constituição (PEC 34/2021) que permitirá, se aprovada, a designação de parlamentar (Deputado ou Senador) para chefia de Missão diplomática de caráter permanente sem perda de mandato do parlamentar designado.

Na justificativa, entre outros argumentos discutíveis, Davi Alcolumbre, autor da proposta, diz que essa restrição é uma “discriminação odiosa aos parlamentares”, e critica aqueles que apontam a indicação de Deputados e Senadores para a Chefia de Embaixadas como o sequestro da política internacional pela “política miúda, fisiológica, em troca de apoio ao Chefe do Poder Executivo”.

A emenda constitucional vai contra 200 anos de Cartas Magnas anteriores e não se coaduna com a longa história e com a forma de funcionamento da diplomacia brasileira. O regime atual resguarda o equilíbrio imprescindível entre os Poderes, em que o Executivo propõe e o Legislativo avalia, com as necessárias isenção e objetividade, as designações a chefias de missão diplomática.

O modelo vigente obedece, ainda, à relação hierárquica que garante a unidade e a coerência da política externa brasileira. Por definição e por força de suas prerrogativas constitucionais, fundamentais ao exercício de suas altas funções no Congresso Nacional, os parlamentares não se submetem à hierarquia inerente ao serviço exterior brasileiro.

Caso seja aprovada, a designação de congressistas para funções do Executivo sem perda de mandato pode interferir na operação e execução da política externa. Não se pode excluir a possibilidade de interesses de Estado, nacionais, acima de partidos e ideologias, defendidos pela política externa, não coincidirem com prioridades regionais e partidárias que poderiam influir na ação externa do parlamentar, incluindo com a provocação, por parte dele, de interferência do Congresso, contra uma ação diplomática a favor dos interesses maiores do país, definidos pelo Executivo.

Além desse aspecto político negativo, deve-se atentar para o fato de que o congressista designado para a chefia de uma embaixada será substituído por seu suplente, em muitos casos parente próximo ou financiador de sua campanha eleitoral, criando uma renovada situação de compadrio pouco saudável para a democracia.

Essa iniciativa é mais uma atitude que desmerece o Congresso por beneficiar interesses políticos menores propiciando barganhas, nem sempre republicanas com o Executivo, como estamos acompanhando com a prática de verbas secretas e orçamento paralelo, aproveitando a fragilidade do Executivo neste momento. Não estamos em um regime parlamentar, nem semipresidencialista.

*É PRESIDENTE DO IRICE E EX-EMBAIXADOR DO BRASIL EM WASHINGTON E LONDRES


terça-feira, 24 de maio de 2022

As Forças Armadas e o momento político nacional - Rubens Barbosa

 COLUNISTA Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto


Não tenho dúvida de que, se houver qualquer quebra das regras democráticas com o apoio das FA, a reação vinda de fora será imediata. 

Opinião


As Forças Armadas e o momento político nacional

Rubens Barbosa

O Estado de S.Paulo. 24 de maio de 2022


Um ano após o ataque de apoiadores trumpistas ao Congresso dos EUA, contestando o resultado da eleição que, estimulados pelo então presidente, julgavam fraudada, um general norte-americano publicou artigo no Washington Post manifestando preocupação com o dia seguinte das eleições presidenciais em 2024 e a ameaça de divisão entre os militares, o que poderia pôr em risco a democracia no país.

Não afastando a possibilidade de contestação dos resultados da eleição e de um golpe de Estado, o militar apontou para o risco de confrontação no interior das Forças Armadas (FA) e a eventual quebra da hierarquia para respaldar essa diferente visão. Todos os militares juram respeitar a Constituição, mas numa eleição contestada, com lealdades divididas, alguns poderão seguir as ordens do comandante-em-chefe e outros, o comando trumpista. Como exemplo, mencionou a recusa da Guarda

Nacional em acatar pedido do presidente Biden para que todos os seus membros se vacinassem. Com o país muito dividido, as FA e o Congresso deveriam tomar medidas para prevenir qualquer tentativa de insurreição e adotar providências cautelares, observou.

O alerta do militar norte-americano sobre a ameaça à quebra dos valores democráticos nos EUA, a partir de uma ação política das FA, não poderia ser mais atual para o cenário político brasileiro. A descrição feita pelo militar muito se assemelha a uma série de atitudes que colocam as FA brasileiras no centro do debate político nacional.

A gradual profissionalização das FA nos últimos 35 anos está sendo testada nos dias que correm. No atual governo, surgiu uma situação diferente dos governos anteriores desde 1985. Desde o período de governos militares, nos últimos 30 anos, podem ter surgido tensões esporádicas, mas atualmente elas se acentuaram a partir da participação de grande número de militares da ativa e da reserva em cargos públicos no governo federal. A crescente exposição dos militares no governo, com acusações de

corrupção, de ameaça à democracia e de contestação das urnas eletrônicas e das ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está causando um forte desgaste à imagem pública das Forças Armadas. Os acontecimentos do 7 de setembro, com o silêncio eloquente dos comandantes militares, contudo, reafirmaram o papel profissional e constitucional das FA. A politização das Polícias Militares estaduais preocupa, em especial se apoiarem pessoas armadas, não militares, passíveis de reforçar um

movimento de apoio ao presidente, porque poderão se chocar com as FA.

Nas últimas semanas, afirmações de que as Forças Armadas não assistirão passivamente ao pleito, de que as FA deverão fazer apuração paralela da votação, por questionar o sistema de urnas eletrônicas e a lisura das apurações (auditoria privada), e o pedido do ministro da Defesa para a divulgação das sugestões de aprimoramento da eleição apresentadas pelos militares, sobre a função das FA (“o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento de suas missões 

constitucionais”) parecem reforçar a ideia de que as FA poderiam desempenhar um papel de poder moderador, à luz do artigo 142 da Constituição, quando, na realidade, não há uma nova missão para as Forças Armadas além daquela definida pela Carta Magna, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar da dubiedade de afirmações sobre a preservação da democracia, sobre eleições conturbadas, sobre ato de força que ponha em risco as instituições (“só Deus me tira daquela cadeira”) e parcialidade do TSE, não há sinais de que as FA, como instituição, poderão se engajar numa aventura que ameace as eleições e a democracia. A discrição da maioria das lideranças militares, em especial do Alto Comando, parece indicar que os militares deverão se manter dentro de seu papel de instituição de Estado,

profissional, sem interferência política em apoio de partidos ou grupos políticos ou em decisões tomadas pelas instâncias civis competentes.

Assim, não me parece haver ameaça à realização das eleições nem ações violentas antes de 2 de outubro, mas o roteiro que está sendo traçado indica que, dependendo do resultado da eleição, é real o risco de, no dia 2, haver mobilização de grupos radicais, armados, para tentar atacar o STF ou o TSE, não o Congresso, como no caso dos EUA. De qualquer forma, a sociedade civil, o Congresso e as próprias Forças Armadas devem estar atentos e mobilizados para evitar qualquer tentativa de ameaça à democracia.

As eleições brasileiras estão despertando crescente atenção no exterior também pela presença dominante de dois políticos que, por razões diferentes, despertam fortes reações e apreensão sobre as perspectivas políticas e econômicas do País. A preocupação com a preservação da democracia e a condenação do autoritarismo estão muito presentes hoje num cenário de grande instabilidade global e de crescente confronto entre os dois regimes de governo representados pelos EUA e por China/Rússia.

Não tenho dúvida de que, se houver qualquer quebra das regras democráticas com o apoio das Forças Armadas, a reação vinda de fora será imediata e o Brasil poderá ser alvo de sanções econômicas e comerciais que, além de aumentar o isolamento internacional do País, afetarão ainda mais o crescimento e os setores mais dinâmicos da economia nacional.

*

É PRESIDENTE DO CENTRO DE DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL (CEDESEN)

sábado, 21 de maio de 2022

Guerra na Ucrânia: debate no Mackenzie - Rubens Barbosa, Paulo Roberto de Almeida, Juliano Ferreira

https://www.mackenzie.br/noticias/artigo/n/a/i/guerra-na-ucrania-nao-vejo-perspectivas-de-paz-avaliam-especialistas 

Guerra na Ucrânia: “não vejo perspectivas de paz”, avalia especialista

Em debate na Universidade Mackenzie, autoridades rememoram história e avaliam impactos do conflito

Mackenzie, 16.05.202219h32 


Guerra da Ucrânia e implicações para o Brasil foi o tema da palestra de encerramento, na noite de 13 de maio, promovida pelo Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), em parceria com a Empresa Junior Mackenzie de Consultoria, por meio do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE), para a XX Semana do CCSA. O debate contou com a participação do diplomata e professor, Paulo Roberto Almeida; do economista e antigo mackenzista Juliano Ferreira; do embaixador Rubens Barbosa; e moderação do professor coordenador do CMLE, Vladimir Fernandes Maciel.

Para um auditório Ruy Barbosa lotado, no campus Higienópolis (SP), Maciel destacou que, para além da importância e urgência do tema, a oportunidade de realização do debate com figuras tão importantes tinha muitos significados. “Em primeiro lugar por ser uma sessão comemorativa ao aniversário de seis anos do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, que celebramos no encerramento da XX Semana do CCSA e que ocorre no aniversário de 70 anos da UPM”, afirma.

Sanções

O professor e diplomata Almeida, que participou de forma on-line do evento, de Brasília (DF), tratou a respeito das sanções econômicas que acometem a área do conflito entre Rússia e Ucrânia e a posição do Brasil neste quadro. “Podemos dizer que um dos maiores cerceamentos à liberdade econômica é justamente a guerra. Desde a Liga das Nações, tenta-se interromper o uso da força militar entre os países, utilizando as sanções econômicas, que são outra maneira de cercear a liberdade, uma arma às vezes tida como mais forte que a guerra”, diz.

Para Almeida, a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foi uma das maiores mudanças geopolíticas do século XX, mas foi positiva, “pois era um dos impérios mais opressores da humanidade”, coloca ele.

O diplomata lembra que, apesar da guerra ser uma situação em que todas as nações perdem em vários sentidos, a inflação de combustíveis e de outras commodities, por conta dela beneficiam, em partes, a própria Rússia, pela dominação na área de exportação de combustíveis, em especial petróleo e gás.

“A China ainda tem muitos interesses não declarados e isso pode mudar todo o quadro, este é um país que não fez sanções à Rússia. Num futuro próximo, vejo a Ucrânia talvez como membro da União Europeia (UE), mas não necessariamente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)”, reflete ele.

Almeida realça, acima de tudo, que o Brasil de hoje parece “ter se esquecido de tudo que defende dentro do direito internacional. Esquecemos que, além da expansão da OTAN, umas das justificativas da guerra pela Rússia, há a decisão das nações. E o Brasil sempre viu a igualdade soberana dos Estados, ou seja, há liberdade de decisão e responsabilidade por isso”.

Atualmente, de acordo com ele, mais de 35 países declararam sanções à Rússia, mas elas não estão funcionando com a pressão que deveriam porque muitos países ainda dependem do que aquele país produz (leia o artigo na íntegra produzido pelo especialista).

leia o artigo na íntegra produzido pelo especialista


As implicações econômicas

Já o economista Juliano Ferreira, macro estrategista da filial brasileira da corretora inglesa BGC Partners, conta que os impactos, nos modelos econômicos simulados, de guerras de cerca de cinco anos têm consequências fortes mesmo em nações não envolvidas diretamente no conflito. “Para dizer o mínimo, há queda do Produto Interno Bruto (PIB) das nações, queda de consumo e de salário”.

Globalmente falando, Ferreira avalia que por Rússia e Ucrânia corresponderem, juntas, a cerca de 2% do PIB mundial, o impacto direto é baixo, mas os indiretos são mais fortes. “A zona do euro começa a se recuperar mais devagar, em especial depois da covid-19. Há menos exportação para os países da região em conflito e um choque negativo de termos de troca para a Europa, pelo encarecimento dos produtos provenientes da Rússia”, diz.

Dessa forma, avalia o economista, as sanções não afetam tanto a Rússia por conta da exportação de petróleo e gás natural, pois ela segue recebendo em dólares.

“O problema imediato se dá mais na Europa, que precisa gastar mais para comprar energia russa. Só para se ter uma ideia, entre petróleo e gás, a Alemanha, por exemplo, importa algo em torno de 17% de sua matriz energética da Rússia”, avalia ele.

No Brasil, por sermos grande produtores de commodities, não deveremos ter insegurança alimentar, de acordo com Ferreira, mas haverá subida de juros e queda do crédito, inclusive o internacional. “Todo mundo crescerá mais devagar”.

Para o nosso país, os choques são positivos, de início, por conta da subida de preço das exportações. “Apesar disso, a inflação de alimentação e combustível, por mais que traga algum ganho de receita fiscal, traz também a provável necessidade de subsídios, que são riscos para crescimento”, enfatiza o economista.

Ferreira ainda pontua duas consequências de longo prazo de todo esse movimento da guerra: a possibilidade de haver um movimento de desglobalização e regionalização de cadeias de suprimentos; e a possibilidade das commodoties poderem voltar a ser a moeda de troca do mundo no lugar do dólar, o que mexeria bastante no cenário internacional.


Conflito com mais de 30 anos

O embaixador Rubens Barbosa trouxe uma recapitulação histórica para que os presentes entendessem o desencadear do conflito entre Rússia e Ucrânia, demonstrando que são mais de três décadas de movimento que culminam nessa guerra. “A ação da Rússia é uma verdadeira marcha da insensatez que pode desencadear até um confronto nuclear com efeitos extraterritoriais. É algo que não interessa a ninguém e todos seguem persistindo no esforço militar”, assinala.

As narrativas, segundo Barbosa, são as mais diversas, a da Rússia é de defesa de seu interesse, "questão de segurança nacional", pois o país já foi atacado antes por este corredor geográfico, por Hitler e até Napoleão. “Com vistas a deter a expansão da OTAN, a Rússia quer desmilitarizar a Ucrânia”, afirma.

A do lado ocidental, coloca ele, é contrária, dizendo ser uma ação expansionista da Rússia rumo aos países bálticos. “Baseada no autoritarismo do presidente Putin, com vistas à criação do império soviético”, adiciona.

O objetivo declarado é impedir a entrada da Ucrânia na OTAN e a expansão da Organização de forma geral. Segundo Barbosa, Trump (EUA) deixou a OTAN mais fraca, mas o presidente Biden a fortaleceu. “A ação de Putin, na verdade, tem fortalecido a OTAN em vez de diminuir sua expansão, os investimentos nela têm aumentado”, destaca o embaixador, trazendo um ponto de atenção: o forte rearmamento da Alemanha, inclusive fornecendo armas a outros países.

Barbosa lembra que a ação da Rússia é totalmente contrária às declarações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) e que, mesmo com os interesses do país, essa agressão não se justifica com a violência que foi feita.

Recapitulando os fatos, Barbosa lembra que, com a dissolução da URSS, houve conversas em 1991 entre James Baker, secretário de Estado dos EUA na época; representante da Alemanha; e o presidente russo Gorbatchov, garantindo que não haveria expansão da OTAN em direção à Rússia.

Em 1994, na crise dos balcãs, os EUA atacaram a Iugoslávia, que saía da situação de satélite da URSS. Em 1997, há uma virada, quando a Polônia e a Tchecoslováquia pediram para entrar na OTAN. “Na época, os especialistas já diziam que a Rússia não iria permitir essa expansão e que seria um erro de política internacional se os EUA apoiassem esse movimento”, rememora Barbosa.

Em 2002, os EUA publicam a estratégia de segurança nacional onde consta a expansão da OTAN. Em 2007, na conferência de Munique, Putin reage, condenando o unilateralismo dos EUA nas grades decisões globais. A seguir, com anúncio da Geórgia querendo entrar na OTAN, a Rússia invadiu dois territórios de lá e permanece até hoje na região.

Além disso, em fevereiro de 2014, com apoio dos EUA, o presidente ucraniano de origem russa, Viktor Yanukovitch, é deposto, aumentando as tensões. A Rússia anexa, a seguir, a Crimeia, que era da Ucrânia, e decide proteger a população russa que vive naquele país. Em 2021, houve treinamento militar dos EUA à Ucrânia, com pedido formal desta última para entrar na União Europeia e na OTAN.

“Esses fatos mostram essa marcha da insensatez da Rússia e do ocidente, onde ambos caminharam para algo que não é desejado por ninguém, ao custo da morte e da violência. Algo que começa com a expansão da OTAN e segue com as invasões da Rússia de forma ilegal. A guerra, enfim, se torna uma disputa de forças entre Rússia e EUA”, pontua o embaixador.

“A curto prazo, não enxergo perspectiva ou tentativas de acordo de paz entre os países para encerrar o conflito”, finaliza Barbosa.


Para conferir o evento completo, assista aqui

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Guerra na Ucrânia e suas implicações no Brasil: Rubens Barbosa, Paulo Roberto de Almeida e Juliano Ferreira - Mackenzie, 13/05/2022, 20:30hs

Guerra na Ucrânia e suas implicações no Brasil

Palestras de encerramento da semana de Ciências Sociais do Mackenzie

13/05/2002, 20:30hs 



Esta noite, o encerramento da Semana de Ciências Sociais das Faculdades Mackenzie, com transmissão ao vivo pelo seguinte canal: 

https://www.mackenzie.br/noticias/artigo/n/a/i/palestra-de-encerramento-da-xx-semana-do-ccsa-discute-as-consequencias-da-guerra-da-ucrania-no-brasil 

Permito-me referir aos três textos sobre a questão da guerra de agressão da Rússia de Putin contra a Ucrânia e o povo ucraniano, dois dos quais já estão referidos no texto que preparei para esta ocasião, mas que não será lido. Ele também estará sendo disponibilizado na página do Centro de Liberdade Econômica do Mackenzie.

Paulo Roberto de Almeida: “Renúncia infame: o abandono do Direito Internacional pelo Brasil”, no blog científico International Law Agendas, ramo brasileiro da International Law Association  (7/03/2022; link: http://ila-brasil.org.br/blog/uma-renuncia-infame/).

________ : “A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais”, Academia.edu (link: https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_) e blog Diplomatizzando (20/04/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/04/a-guerra-da-ucrania-e-as-sancoes.html); vídeo da conferência disponível no canal do Instituto no Instagram (21/04/2022; link: https://www.instagram.com/p/CcoEemiljnq/).

________ : “O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia”; Texto de apoio a palestra no encerramento da Semana de Ciências Sociais do Mackenzie, sobre o tema da “Guerra na Ucrânia e suas implicações para o Brasil” (13/05/2022). Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/78954459/O_Brasil_e_a_guerra_de_agressão_da_Rússia_contra_a_Ucrânia_2022_) e divulgado no blog Diplomatizzando (link: Guerra na Ucrânia e suas implicações no Brasil: Rubens Barbosa, Paulo Roberto de Almeida e Juliano Ferreira - Mackenzie, 13/05/2022, 20:30hs).

Paulo Roberto de Almeida


terça-feira, 26 de abril de 2022

A DESTRUIÇÃO do Mercosul pelos novos bárbaros: artigo-denúncia do embaixador Rubens Barbosa (OESP)

 O governo do Bozo-Guedes tem sabotado o Mercosul na maior inconsciência do que ele representa para o Brasil, como denunciado pelo embaixador Rubens Barbosa (abaixo, em um IMPORTANTE ARTIGO, que recomendo ler).

Já num primeiro e único encontro que tive com Paulo Guedes, no primeiro semestre de 2018, constatei que ele não tinha a menor ideia do que era o Mercosul, e tampouco sabia qualquer coisa sobre política comercial. Tive de interrompê-lo imediatamente para esclarecer o que era o Mercosul, assim como contestar sua postura de apoio às medidas de Trump no terreno do sistema multilateral de comércio. Conclui que seria um desastre nessa área e tentei demonstrar a importância do Mercosul no plano microeconômico, senão no macroeconômico também. Não adiantou: os novos bárbaros estão destruindo tudo o que existia de governos anteriores. Paulo Roberto de Almeida MERCOSUL: PROJETO ESTRATÉGICO Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo, 26/04/2022 Nos últimos quatro anos, o Mercosul foi relegado a um perigoso segundo plano. Desde a campanha eleitoral, Paulo Guedes mostrou desinteresse pelo bloco regional integrado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Já como ministro da economia, declarou que o subgrupo não seria prioridade para o novo governo com a justificativa de que era restritivo e deixava o Brasil prisioneiro de alianças ideológicas. Mais recentemente, disse que o Mercosul não estava correspondendo às expectativas e que o Brasil iria levar adiante planos para a modernização do grupo e que quem não estivesse de acordo que se retirasse. Nessa linha, o Brasil propôs a redução de 20% da Tarifa Externa Comum (TEC) com forte oposição da Argentina e acabou reduzindo unilateralmente 10% da TEC para uma lista de 87% de produtos, mantendo fora o setor automotriz e o sucroalcoleiro. O Uruguai, no mesmo diapasão, propôs a flexibilização das negociações para permitir que os países membros pudessem avançar individualmente entendimentos para a conclusão de acordos comerciais, com o apoio inicial de Paulo Guedes. Agora, surge a informação de que à revelia do Mercosul, o Brasil quer fazer novo corte na TEC. A ideia gerada no Ministério da Economia é reduzir em mais 10% as alíquotas do imposto de importação de grande parte dos produtos transacionados com países de fora do bloco, sem o acordo dos parceiros do bloco, com a justificativa, sem sentido para a maioria dos produtos, de “proteção da vida e da saúde das pessoas”, no dizer oficial. Na realidade, o fim é político e tem a ver com as eleições de outubro: busca-se reduzir o preço dos produtos para tentar conter a subida da inflação, agravada pelas consequências da guerra na Ucrânia. A medida será inócua, mas trará mais desgaste para o Brasil. Para quem não sabe, o Tratado de Assunção prevê que as medidas de política comercial propostas só podem ser implementadas com o consenso de todos os países membros e que a coordenação das negociações cabe aos ministérios das relações exteriores. É verdade que o Itamaraty, nos últimos anos, vem perdendo competência em áreas que tradicionalmente coordenava, como as negociações comerciais e meio ambiente, por exemplo, mas não consta que o Tratado que criou o Mercosul tenha sido alterado. A ação isolada do Ministério da Economia deve estar causando sério incomodo ao Itamaraty não só pela descoordenação interna e inclusive com o setor privado, pelo descumprimento do Tratado de Assunção, mas sobretudo pelo fato das autoridades econômicas desconsiderarem os aspectos estratégicos do Mercosul para o Brasil. O Mercosul não é apenas um acordo econômico e comercial, mas tem uma visão de médio e longo prazo importante para os interesses do setor privado, em especial do industrial. O Mercosul passa, nos dias que correm, por um período de grandes turbulências e dificuldades. Embora abalado e sem perspectiva, a vontade política que impulsionou a criação do Mercosul em 1991 ainda está viva. O Mercosul, assim, não vai desaparecer pois nenhum dos países membros assumirá o ônus político de pedir sua dissolução. A questão é saber como o Mercosul poderá, nos próximos anos, servir aos interesses de cada um de seus membros, se permanecerá irrelevante ou se transformará em uma alavanca para o progresso da região. No caso do Brasil, o descaso com o Mercosul não ocorre por acaso. Ele se insere no quase total abandono das relações do Brasil na América do Sul. Considerações ideológicas e falta de uma visão pragmática a respeito dos acontecimentos nos últimos anos no tocante ao lugar do Brasil no mundo, na prática, isolaram o país do seu entorno geográfico, uma de suas prioridades estratégicas, segundo a Política Nacional de Defesa. Algumas decisões podem ser vistas mesmo como contrárias ao interesse brasileiro, como o fim da UNASUL. A guerra da Rússia na Ucrânia inaugura uma nova era na geopolítica e na geoeconomia global. A tendência é o mundo ficar dividido entre o Ocidente e a Eurásia (China e Rússia). O governo dos EUA já está definindo políticas comerciais restritivas para a China e para “países pouco amigos”, que mantiverem comércio e relações com o outro lado. O fortalecimento do regionalismo deverá ser uma das consequências da guerra. Com a redução do ritmo da globalização e o novo ímpeto de medidas restritivas e protecionistas, em decorrência de medidas nacionalistas e de segurança, o Brasil deveria formular uma política comercial ativa, inclusive com o estabelecimento de cadeias produtivas regionais e respeito ao meio ambiente. A América do Sul já forma uma área de livre comércio com pouco aproveitamento de parte das empresas nacionais. A crescente presença da China na Américas do Sul em concorrência com produtos brasileiros e o pouco interesse de empresas norte-americanas em desenvolver negócios e investir na região são outros fatores que uma política externa do novo governo deverá levar em conta. Espera-se que o governo que vai se iniciar em 1 de janeiro de 2023 leve em consideração essa realidade e coloque o Mercosul novamente como um projeto de grande valor estratégico e, por isso, uma prioridade para os interesses brasileiros, sob a coordenação do Itamaraty. Rubens Barbosa, primeiro coordenador nacional do Mercosul e presidente do IRICE

terça-feira, 12 de abril de 2022

Diplomacia ambiental (IRICE) - Rubens Barbosa (OESP)

 Diplomacia ambiental


Trabalho do Irice e de professores da USP oferece informação para que, a partir de 2023, o meio ambiente seja colocado no centro da política externa.
    
Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo
12 de abril de 2022 | 03h00

Professores da Universidade de São Paulo (USP), depois de um intenso trabalho coordenado pelo Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), concluíram um levantamento dos compromissos assumidos pelo Brasil em 18 acordos ambientais e de mudança de clima e o grau de cumprimento pelos sucessivos governos brasileiros desde 1992 até o momento.

Os acordos foram reunidos em quatro grupos: mudanças climáticas (Acordo de Paris, Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e Protocolo de Montreal); natureza (Comércio e Pesca, Comércio e Biodiversidade e Comércio e Manejo Sustentável e Florestas); químicos (Convenção de Minamata sobre Mercúrio, Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado, PIC, Aplicado a Certos Agrotóxicos e Substâncias Químicas Perigosas Objeto de Comércio Internacional); e resíduos sólidos (Convenção da Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação).

Este trabalho original é especialmente oportuno, porque o tema do meio ambiente entrou definitivamente na agenda global. Diante das atitudes do atual governo, são crescentes as ameaças de prejuízo ao setor do agronegócio pela possibilidade de boicote de consumidores e pela influência da política ambiental sobre as negociações comerciais. As declarações e algumas políticas oficiais estão acarretando uma rápida deterioração da percepção externa sobre o Brasil. Para esclarecer objetivamente o que está ocorrendo, torna-se importante uma série de ações para permitir que saiamos da atual posição defensiva.

As percepções críticas no exterior têm como foco a Amazônia. Os ilícitos sem efetiva repressão, como as queimadas, o desmatamento e o garimpo, são alvo de condenação no mundo inteiro. Informações recentes sobre autorizações do governo para a exploração de ouro em territórios proibidos, em unidades de conservação e terras indígenas, e sobre a ação de facções criminosas na região mostram o agravamento do problema. As diferenças quanto à gestão do Fundo Amazônico determinaram a suspensão da cooperação internacional com a Alemanha e a Noruega para ajudar no combate desses ilícitos.

Em vista da posição de alguns poucos setores do agronegócio, ainda há acusações de destruição da floresta pela expansão da agricultura e da pecuária na Amazônia. Isso apesar dos esforços da maior parte das empresas do agronegócio pela conservação do meio ambiente, como, por exemplo, no passado, nos compromissos com a soja e a carne, e, mais recentemente, no monitoramento, rastreabilidade e certificação dos produtos agropecuários para indicar o compromisso com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente.

Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, houve uma proliferação de acordos de gestão de recursos naturais entre países: hoje o meio ambiente já é a segunda área com maior número de acordos internacionais no mundo (atrás apenas de comércio internacional). O acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia inovou, ao incluir capítulo sobre Desenvolvimento Sustentável, com novos compromissos que o Brasil deverá cumprir e que serão verificáveis por nossos parceiros europeus. O descumprimento dos dispositivos do acordo poderá acarretar boicotes e mesmo a restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.

A falta de uma completa e independente informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas agrava a percepção externa crescentemente negativa sobre as atuais políticas ambientais e cria uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o agronegócio.

Neste contexto, o objetivo do trabalho que consumiu dois anos de pesquisa feita pelos professores da USP é oferecer uma análise isenta do cumprimento dos referidos acordos por meio de um rigoroso processo de exame da legislação (leis, decretos, regulamentos) e de políticas com impacto no meio ambiente e na mudança de clima.

O resultado da pesquisa é único no sentido de que nem o governo nem as organizações não governamentais dispõem de um levantamento tão completo e atualizado de tudo o que o Brasil fez ou deixou de fazer nesta área que hoje se transformou numa questão central para muitos governos, como na União Europeia, nos EUA e, cada vez mais, na China.

Segundo refletido no trabalho, o Brasil não está mal na foto e o levantamento poderá ser um instrumento valioso para o governo e para o setor privado na defesa do interesse nacional e na recuperação da credibilidade perdida. Fica muito claro, contudo, que ainda há muito a ser feito para recolocar o Brasil como um protagonista de fato nas discussões bilaterais e nos fóruns internacionais. O trabalho também oferece informação para que, a partir de 2023, o meio ambiente seja colocado no centro da política externa, para demonstrar o comprometimento do Brasil com a questão ambiental. Os resultados deste levantamento estão publicados no site disponível no portal Interesse Nacional (interessenacional.com.br), que acaba de ser lançado, com artigos, entrevistas e análises sobre o lugar do Brasil no mundo.

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PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,dinheiro-nao-e-capim-acorda-brasil,70004035810

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Fato novo no cenário internacional: o acordo Rússia-China - Rubens Barbosa (OESP)

Devo dizer que discordo com vários dos argumentos expostos neste artigo, sobretudo em relação ao BRICS, mas não vou desenvolver minha posição aqui, pois me tomaria algum espaço. Já expus minha visão das relações exteriores do Brasil, de sua política externa e de sua diplomacia em diversas obras minhas, a mais recente sendo Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021), à qual remeto para desenvolvimentos nessa área

Paulo Roberto de Almeida

 

FATO NOVO NO CENÁRIO INTERNACIONAL 

 

Rubens  Barbosa

O Estado de S. Paulo, 22/02/2022


No meio da crise entre a Rússia e a Ucrânia, no início de fevereiro, depois de encontro Putin-Xi Jinping, os governos da Rússia e da China divulgaram longo comunicado que constitui um fato novo na ordem internacional e no desenvolvimento sustentável global. Nesse contexto, ressaltam a emergência de uma nova era, que deveria ser consolidada, evitando-se o estímulo à divisão da comunidade internacional. 

Na visão da segunda maior potência global (China) e do segundo pais com maior capacidade nuclear (Rússia), a ordem internacional passa por profundas transformações, tornou-se multipolar, com a redistribuição de poder no mundo, o que justificaria uma interação e uma interdependência entre os países, e não o incitamento às contradições e ações unilaterais. Por isso, pedem o reconhecimento dessa nova fase, cuja principal referência seriam as Nações Unidas e o Conselho de Segurança da ONU. 

O documento afirma que os dois países decidiram formar uma inédita aliança política, militar, energética, tecnológica sem limites, sem nenhuma área proibida de cooperação. Rússia e China demandam uma nova forma de relação entre as potências mundiais, baseada em respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação benéfica para todos. O lado chinês apoiou as propostas apresentadas pela Rússia para criar um sistema de garantias de segurança de longo prazo na Europa, legalmente obrigatório. Integridade territorial e soberania emergem como conceitos basilares, junto com a necessidade de segurança em áreas adjacentes, o que significa a não expansão militar da OTAN para os países que fazem fronteira com a Rússia e a não entrada da Ucrânia na OTAN, mas também o respeito ao princípio de Uma Única China, em relação a Taiwan e a crítica ao acordo militar na região Indo-Pacífico. 

Essa nova visão de mundo não implica na destruição e refundação da ordem global, como estabelecida depois de 1945, mas com Rússia e China mais ativas dentro do sistema vigente. 

Nesse sentido: 

 - Coincidem com a defesa da paz, da cooperação, do desenvolvimento sustentável, inclusive no Ártico, do meio ambiente, dos avanços tecnológicos e respostas aos desafios da segurança internacional.  

- Defendem a democracia e os direitos humanos como aplicados por eles e rejeitam o uso desses princípios, segundo critérios ocidentais para exercer pressão em outros países. 

- Notam, no tocante ao desarmamento, que a denúncia pelos EUA de importantes acordos de controle de armamentos teve um forte impacto negativo no tocante à segurança e à estabilidade internacional e regional. A saída dos EUA do Tratado sobre a Eliminação de Mísseis de Médio e de Pequeno Alcance, enquanto Washington desenvolve pesquisa para aperfeiçoamento desses mesmos mísseis e tem intenção de enviá-los para regiões da Ásia-Pacífico e Europa são preocupantes. Demonstram preocupação com o avanço de planos para desenvolver sistemas globais de defesa de mísseis e instalá-los em várias regiões do mundo, junto com armas nucleares de alta precisão para evitar ataques e outros objetivos estratégicos.  

- Reforçam a importância do uso pacífico do espaço exterior e demandam um papel central para o Comitê da ONU sobre Usos Pacíficos do Espaço Exterior para promover a cooperação, manutenção o desenvolvimento de legislação internacional sobre o espaço e a regulamentação do campo das atividades espaciais para evitar que o espaço exterior se torne um campo de confrontação armada e reiteram sua intenção de evitar o armamentismo e uma corrida armamentista no espaço. 

- Apoiam e consideram pilares da paz e segurança a preservação da Convenção de Armas Químicas e a Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção e estocagem de armas bacteriológicas e tóxicas e demandam sua destruição. 

- A Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, prejudicada pela pandemia, deveria ser reativada para que a nova fase do desenvolvimento global seja definida pelo equilíbrio, harmonia e inclusão.  

O documento faz expressiva referência ao BRICS. Rússia e China afirmam que apoiam o aprofundamento da parceria estratégica com o BRICS, com a promoção e a expansão de cooperação em três áreas: política, segurança, economia e finanças e apoio humanitário. Nesse particular, pretendem encorajar a interação entre os membros do grupo nos campos da saúde pública, economia digital, ciência, inovação e tecnologia, incluindo inteligência artificial, além da crescente coordenação entre os países membros do BRICS nas plataformas internacionais. O grupo vai fortalecer o formato de convites para outros países participarem como convidados como um mecanismo efetivo de diálogo com associações e organizações de integração regional de países em desenvolvimento e países com mercados emergentes

É muito cedo para arriscar prognósticos sobre seu impacto, mas a aliança estratégica, sem limites entre a China e a Rússia, pelo peso político e econômico desses países, poderá ser um marco na geopolítica global, por deixar explícita a visão do fim da hegemonia dos EUA e a afirmação de um mundo multipolar alternativo. O Brasil não vai poder deixar de se posicionar face a essa nova realidade, sobretudo em função da referência ao papel do BRICS.  

 

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras. 


terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O Brasil e a OCDE: um longo caminho - Rubens Barbosa (O Estado de S.Paulo)

 O Brasil e a OCDE: um longo caminho


O início das conversações é o ponto de partida de um projeto de país e da definição do lugar do Brasil no mundo
   
Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo
08 de fevereiro de 2022 | 03h00

O Brasil, junto com mais cinco países, recebeu resposta positiva do diretor-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao pedido formulado em 2017 de ingresso na Organização, com a informação de que cada um deles deverá concordar com os termos, condições e processos para a adesão. No mesmo dia, o Itamaraty preparou resposta assinada pelo presidente Bolsonaro notando que, “sem qualquer hesitação, poderia garantir que o Brasil está pronto para iniciar o processo de adesão à OCDE”. Na carta, o presidente afirma que “o Brasil está alinhado às prioridades dos países membros no tocante ao comércio e investimento, à governança política e nos esforços efetivos para a proteção ao meio ambiente e ação positiva na mudança de clima”.

É importante entender como se desenrolará todo o processo. Depois de quatro anos, superada a resistência dos EUA em permitir o aumento dos atuais 38 membros, começará o longo processo de negociação. Será preparado um roteiro pela OCDE refletindo os avanços nos últimos quatro anos e serão criados 20 comitês para analisar a consistência das visões, das políticas e das ações em relação à regulamentação e aos princípios e às prioridades da Organização. Não se trata de uma negociação, no sentido de que cada lado cede um pouco para se conseguir um consenso. Nas tratativas, os países membros examinarão como os países que demandam o ingresso se adaptaram ou se adaptarão às regras existentes na Organização. Em outras palavras, a OCDE não se ajustará aos países, mas os países terão de se adaptar à OCDE, com prazos para ajustes e exceções definidos de comum acordo. Tudo isso sem prazo para terminar. A palavra final será dos países membros, que decidirão pela adesão por unanimidade.

O Brasil, nos últimos governos, tem demonstrado seu compromisso em trabalhar em estreita colaboração com a OCDE. Além de participar de mais de 30 comitês (o primeiro – do aço – a partir de 1994, quando, como subsecretário econômico do Itamaraty, tive de convencer muita gente), o País já é parte de 103 dos atuais 251 instrumentos da OCDE.

O processo não será fácil, porque vai além das afirmações positivas mencionadas na carta de Bolsonaro. Para mostrar as contradições e as dificuldades que terão de ser enfrentadas nos entendimentos, comento dois itens dessa carta. Notei a ausência de qualquer referência a ações anticorrupção, apesar da existência na OCDE de grupo para acompanhar as ações anticorrupção no Brasil. Por curiosa coincidência, no mesmo dia da resposta do diretor-geral da OCDE, a Transparência Internacional divulgou seu Index sobre a percepção da corrupção no setor público, no qual se vê o Brasil caindo algumas posições. O segundo é a questão do meio ambiente, na qual o presidente ressalta “o compromisso do governo com as metas do Acordo de Paris, e o apoio, na recente COP-26, à meta de zerar as emissões globais de gases do efeito estufa até 2050, por meio de reduções de emissões possibilitadas por investimentos públicos e privados. Nesse contexto, Bolsonaro afirma “estar comprometido em adotar e implementar completamente políticas públicas em linha com suas metas climáticas, tomando ações efetivas, incluindo trabalhar coletivamente para parar e reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030, enquanto entrega desenvolvimento sustentável e promove uma transformação rural inclusiva”, como previsto na Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, do qual o Brasil é signatário. Como é de conhecimento publico, não é o que está ocorrendo na prática, pois continuam sem repressão os ilícitos na Amazônia, com queimadas, desmatamento e uma intensa atividade de garimpo, inclusive em terras indígenas. Por isso, o Brasil pode ser impedido de entrar, como disse Macron e deixou implícito, em nota, o Departamento do Tesouro dos EUA. Também por coincidência, no mesmo dia da resposta presidencial, Bolsonaro anunciou cortes de recursos na área ambiental nos vetos à lei orçamentária de 2022, com forte impacto no controle de incêndios florestais e na conservação e uso sustentável da biodiversidade.

O início das conversações sobre o ingresso do Brasil na OCDE não é “o reconhecimento de um grande país”, mas o ponto de partida de um projeto de país e da definição do lugar do Brasil no mundo.

Que País queremos? Quais as perspectivas para os próximos anos? Como o Brasil, país continental, que já foi uma das dez maiores economias do mundo, potência ambiental e agrícola, vai atuar em um cenário global em constante transformação?

O tema da adesão à OCDE não poderá ser ignorado nos debates da próxima eleição presidencial justamente pelas contradições existentes e porque vai apontar para o rumo que a sociedade brasileira quer seguir. O PT sempre ficou contra o ingresso do Brasil na OCDE, por não ver vantagem e ser contra nossa soberania. Lula, que recusou em 2007 convite para o ingresso, vai manter essa posição ou vai aceitar a entrada do Brasil com todas as mudanças necessárias, muitas das quais seu partido ficou contra? Bolsonaro, se reeleito, vai mudar a política ambiental em relação a Amazônia? Como ficará a luta contra a corrupção? O resultado das eleições será aceito, sem contestação?

Como dizia o filosofo, o difícil não é fácil.

RESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE) E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-brasil-e-a-ocde-um-longo-caminho,70003972280

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Inteligência Artificial e a Defesa Nacional - Rubens Barbosa (OESP)

 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A DEFESA NACIONAL

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 11/01/2022

 

            Quem quer se torne o Número Um na Inteligência Artificial (IA) será o líder do mundo (ruler of the world), previu, em 2017, o presidente da Rússia, Wladimir Putin. China e EUA estão hoje bem à frente do desenvolvimento da tecnologia cognitiva.

            Como todo avanço e inovação tecnológica, a IA pode ser utilizada para projetos voltados para o bem, mas também para o mal. Apresentam muitos aspectos positivos, mas também negativos. Pelo potencial de risco de sua utilização, não deixa de ser surpreendente que até aqui a incorporação da IA na indústria bélica tenha sido tão pouco discutida.

Na edição de janeiro, a revista Interesse Nacional (www.interessenacional.com.br ) traz dois artigos, de Dora Kaufman e Marcelo Tostes, que resumem as tratativas internacionais para regulamentar o “sistema de inteligência artificial, que pode ser entendido como um sistema baseado em máquina, projetado para operar com vários níveis de autonomia, e que pode também, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões, recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais”, na definição da OCDE. A UNESCO (a Ética na IA), a União Europeia (IA Act), os EUA (FDA e Senado, com Projeto de Lei sobre Responsabilização Algorítmica) e a Administração da Cibernética Espacial, na China, apresentaram propostas que tratam de diversos aspectos desse sistema. Acrescento que o governo brasileiro divulgou, em 2021, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA, com fortes críticas por parte de especialistas por suas limitações técnicas e políticas. A Câmara dos Deputados aprovou, no ano passado, o Projeto de Lei 21/2020, que propõe a criação de uma base legislativa geral e vinculante para regular os sistemas de inteligência artificial no país.

               No campo militar, a IA representa o maior salto tecnológico qualitativo, desde o aparecimento da energia nuclear e da produção de armas nucleares, com a diferença do desenvolvimento e aplicação da IA ser substancialmente menos custoso e potencialmente mais fácil de ser empregado, inclusive por terroristas e por Estados Párias (Rogue States). A OTAN está desenvolvendo novas formas de guerra cognitiva, usando supostas ameaças da China e da Rússia para justificar travar batalha pelo cérebro, no domínio humano, para fazer de todos uma arma. Será a militarização da ciência do cérebro que envolve “hackear o individuo, explorando as vulnerabilidades do cérebro humano para implementar uma engenharia social mais sofisticada”. Apesar de as autoridades militares da China, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e diversos outros países terem anunciado, há algum tempo, que a criação de sistemas de combate integralmente autônomos não era seu objetivo, tais sistemas provavelmente já devem ter sido criados. Na percepção militar, apenas sistemas de combate com IA poderão, no caso de guerras, penetrar em áreas fechadas e operar com uma relativa liberdade. 
               A regulamentação da utilização da IA para fins militares, contudo, começou a ser discutida no âmbito das Nações Unidas, mas encontra resistência por parte das principais potências que procuram ganhar tempo para obter vantagens, antes da negociação de acordos que coloquem limites e cautelas ao seu uso. Como, aliás, foi o que aconteceu com as armas nucleares, cujo tratado de não proliferação só se materializou quando finalmente as potências nucleares deram seu assentimento.

O problema que desafia os organismos multilaterais é como controlar os “sistemas de armas autônomas letais” (Laws, na sigla em inglês), representados por qualquer plataforma móvel: drônes, androides, aviões que voam sozinhos. A IA pode substituir os recursos humanos em tudo, desde armas operacionais para coleta e análise de inteligência, sistemas de alerta antecipado, e de comando e controle. A utilização de drônes para fins militares (robôs assassinos) já está muito difundida e a guerra antissatélite vem esquentando.

A disputa entre os EUA e a China pela hegemonia global no século XXI passa pela corrida tecnológica em todos os segmentos, inclusive na utilização da IA para fins militares, com impactos que vão alterar a correlação de forças no mundo. Os EUA contam com seus aliados europeus na OTAN e a China com seus parceiros, inclusive a Rússia.

As rápidas transformações que ocorrem em decorrência desses avanços tecnológicos trarão impactos importantes sobre países, como o Brasil. Do ângulo da Politica Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar o sistema de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seja em seu território, seja na sua extensão marítima. Urge, pois, a expansão da capacidade de criação e de desenvolvimento para a utilização da IA pelo Ministério da Defesa. Nesse sentido, o Centro de Defesa Cibernética, no âmbito do Exército, deveria ser fortalecido com recursos humanos e financeiros para, com o apoio da base industrial de defesa, gerar produtos, inclusive de uso dual para o mercado doméstico e para exportação.   

               

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN) e membro da Academia Paulista de Letras

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Brasil volta ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) - Rubens Barbosa (OESP)

 BRASIL VOLTA AO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 28/112/2021

 

A partir de janeiro, no biênio 2022-2023, o Brasil voltará a ocupar um assento não permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Conselho de Segurança é formado por 15 países com direito a voto, cinco membros permanentes com poder de veto (Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, China e Rússia) e dez não permanentes.

Será a 11ª vez que o país integrará, como membro temporário, o mais importante órgão responsável pela segurança coletiva internacional. A última vez foi no biênio 2010-2011. Nunca o Brasil ficou tanto tempo fora do CSNU. No governo do PT, pelo pouco interesse nos trabalhos da ONU, o Itamaraty não trabalhou para sua reeleição como um dos representantes da América Latina. O período de ausência do Brasil iria até 2033, não fossem as gestões do Itamaraty em 2018 para que Honduras trocasse sua vez com o Brasil, para permitir a volta antecipada para o próximo ano. 

Segundo declarações do ministro Carlos França, em 2022 e 2023, o Brasil balizará sua participação no Conselho de Segurança por sete prioridades: Prevenir e Pacificar; Manutenção Eficiente da Paz; Resposta Humanitária e Promoção dos Direitos Humanos; Avanço da Agenda de Mulheres, Paz e Segurança; Coordenação com a Comissão de Consolidação da Paz; Articulação com Organizações Regionais; e Por um Conselho de Segurança Mais Representativo e Eficaz. A atuação do Brasil no Conselho de Segurança, nos próximos dois anos, deverá seguir, em linhas gerais, as posições tradicionais defendidas pelo Itamaraty. Como não poderia deixar de ser, a defesa das liberdades fundamentais, será defendida para a busca da paz, assentada sobre a democracia e a justiça. Para tanto, o Brasil deveria defender a mediação, a diplomacia preventiva e seu papel de construtor da paz.  O Brasil deverá continuar a defender as operações de manutenção da paz e as missões políticas especiais da ONU, com mandatos que respaldem a interdependência entre segurança e desenvolvimento. Ao longo dos últimos 70 anos, o país participou de mais de 50 missões de paz, com mais de 55 mil militares e policiais. Exerceu o comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti por treze anos e o comando da Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas do Líbano por quase dez anos, além da participação na Missão da ONU para a Estabilização na República Democrática do Congo. O respeito aos Direitos Humanos deverá ser defendido para resguardar as liberdades individuais e às garantias fundamentais, em conflitos armados e pelo Conselho de Segurança na imposição de sanções e de outras medidas de apoio à paz e à segurança internacional. De conformidade com o Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança, criado em 2017, o Brasil promoverá a valorização da agenda de mulheres, crianças e idosos, na busca de paz e segurança, como aplicação prática da relação entre manutenção e consolidação da paz.  O Brasil permanecerá como defensor da prevenção e resolução de conflitos e da manutenção e consolidação da paz e deverá defender que a paz não significa simplesmente a ausência de conflitos armados, mas exige, igualmente, de forma estrutural, o respeito às liberdades fundamentais e à dignidade humana, inclusive a liberdade de expressão e a liberdade religiosa. Como presidente da Comissão de Consolidação da Paz, em 2014, o Brasil promoveu a participação de países em desenvolvimento e de organizações regionais e sub-regionais africanas nas atividades da Comissão e buscou o engajamento entre a PBC e o CSNU.

Assumindo um assento no CSNU, com a ONU politicamente esvaziada (as crises na Síria, no Iraque, na Crimeia não foram examinadas pela ONU), o Brasil poderá estimular as negociações sobre a reforma do conselho, para aumentar a sua legitimidade diante dos múltiplos e complexos desafios enfrentados pela comunidade internacional. Na última Assembleia Geral da ONU, em setembro, os países do G4, formado por Alemanha, Brasil, Índia e Japão, defenderam a urgência da reforma do Conselho de Segurança por meio do aumento do número de assentos permanentes e não permanentes, para torná-lo “mais legítimo, eficaz e representativo, ao refletir a realidade do mundo contemporâneo, incluindo países em desenvolvimento e os principais contribuintes”. Os países do G4 são candidatos a uma cadeira permanente e vão trabalhar para o lançamento das negociações e de um documento único, que servirá de base para projeto de resolução. 

Crises localizadas (como Rússia-Ucrânia) ou que possam ser geradas pela disputa entre EUA e China (como Mar do Sul da China e Taiwan), questões concretas (embargo a Cuba) e outras relacionadas com restrições financeiras (perda de voto pelo não pagamento), o meio ambiente, mudança de clima, democracia e direitos humanos, refugiados e, em especial, com a agenda de costumes, colocarão à prova a ação diplomática brasileira em sintonia com os princípios fundamentais da Carta da ONU. O grande desafio hoje do Itamaraty será o de conseguir manter as posições tradicionais da diplomacia brasileira para que, em algumas dessas prioridades, não haja uma drástica reversão da política multilateral, caso haja mudança de governo com as eleições presidenciais em 2023.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Eclusas para Itaipu - Rubens Barbosa

 ECLUSAS PARA ITAIPU

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 14/12/2021


A visita do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, ao Brasil, em novembro passado, abriu novas possibilidades de cooperação entre Assunção e Brasília, a partir de Itaipu, o maior empreendimento entre os dois países. Foi discutida a revisão do Anexo “C” do Tratado de Itaipu, que trata do preço, a comercialização e a disponibilidade da energia. Além de avançar na questão do preço da energia gerada pela binacional a partir de 2023, há um ponto sensível que está previsto em outro Anexo do Tratado de ITAIPU, o “B” (não o “C”), que é a construção de um sistema de Eclusas para permitir o fluxo de transporte fluvial sem interrupção pela hidrovia Paraná-Paraguai e que tem potencial para amalgamar um acordo de convergência entre os países. Em encontro bilateral de ontem na fronteira, os dois  presidentes devem ter conversado sobre Itaipu.

O eixo das hidrovias dos Rio Paraguai e Paraná integra partes do Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai em torno de bacias hidrográficas Paraguai, Paraná e Uruguai, todos afluentes da grande bacia hidrográfica do Prata. A densidade populacional é baixa (29 hab./km2), exceto para os departamentos de Assunção e Central no Paraguai. Com 20% da superfície da América do Sul (4.036.541 km2), com mais de 30% do PIB, essa região é a segunda maior no Cone Sul e a terceira com mais população (cerca de 29% do total do continente). O Rio Paraná é o mais importante da Bacia do Prata, não só pelo seu grande potencial hidrelétrico, mas pelos seus 2.800 km de extensão quase inteiramente navegáveis. A principal interrupção é onde está localizada a Usina Hidrelétrica de ITAIPU e a execução de um sistema de eclusas nas vias de navegação nesse local possibilitará sua completa navegabilidade, tornando viável inclusive a interligação das hidrovias Tietê-Paraná e Paraná – Prata.

A construção do sistema de eclusas e a ampliação de portos, águas acima e abaixo do reservatório de ITAIPU, associado com sistemas de transbordo de contêineres e cargas de grão sólido e líquido de transporte fluvial até caminhões de carga e vice-versa, conectados por uma estrada pavimentadas de grande capacidade de carga e ferrovias, será um conjunto dos empreendimentos (Transposição + Pólo Intermodal + Ferrovia) que, por efeito sinérgico, trará para cada unidade um benefício que certamente superará o ganho estimado, se fosse adotado somente um modal. Os benefícios são evidentes para a economia como um todo, e permitirão alcançar três objetivos: o desenvolvimento do transporte ferroviário e hidroviário interior com significativo aumento do transporte de produtos agrícolas e minerais); oferta através de concentração (economias de escalas e sinergias), de melhores serviços logísticos em termos de eficácia / eficiência com expressiva redução do custo do transporte de cargas) melhor utilização do uso do território excluindo áreas urbanas com utilizações impróprias ou de elevado impacto ambiental, como aquelas ligadas a transporte de cargas, concentrando-os em âmbitos externos apropriados.

Em vista da revisão do Anexo “C” do Tratado de ITAIPU em 2023, quando o pagamento da dívida estará integralmente amortizado, a empresa binacional estaria em condições de absorver o custo extra da construção das eclusas, que poderia operar a preço de custo ou próximo dele, com impacto muito reduzido sobre a tarifa. 

Esses elementos econômicos e comerciais deveriam servir de estímulo para o aproveitamento das potencialidades hidroviárias sul-americanas. Mas não é tudo. Soma-se a isso, a possibilidade de mitigar uma das maiores preocupações da humanidade, a emissão de gases poluentes e geradores de efeito estufa (GEE), que são considerados por diversos estudos como responsáveis pelo avanço do aquecimento global e, por isso, atualmente representando alta relevância nos acordos internacionais que preveem o avanço na regulamentação da redução dos GEE, inclusive, já estipulando a redução compulsória destas emissões. Um eventual incremento da participação do modal hidroviário na matriz de transportes poderia capturar benefícios para o meio ambiente: redução de acidentes rodoviários, redução da emissão de gases poluentes e redução do consumo de combustível. Segundo publicações técnicas, o modal rodoviário é o responsável pela maior taxa de emissão de CO2, com 116 kg de CO2 emitidos para cada 1.000 TKU movimentado. Por outro lado, assumindo a possibilidade de uma maior participação do modal hidroviário na matriz de transportes, as emissões de CO2 podem ser altamente representativas de redução, trazendo a possibilidade de uma monetização desta redução de emissão de gases considerando o mercado de crédito de carbono, além, naturalmente, contribuir para o principal, a melhoria do equilíbrio do clima.

Para facilitar a captação de investimentos para o desenvolvimento regional ao longo dos rios e melhorar a governabilidade deveria ser também examinada a criação de uma autoridade internacional para a Hidrovia, nos moldes da existente no Danúbio e no Ródano, na Europa.

A construção das Eclusas, prevista no Tratado original de Itaipu, poderá transformar os eixos das Hidrovias Paraná-Paraguai no projeto síntese da integração regional.

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras.