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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Avioes, sapatos e soberania nacional: que coisa! - Mario Machado


Coisas Internacionais 17 Jul 2013 06:18 AM PDT

O ministro da defesa, Celso Amorim, admitiu em entrevista concedida a Folha de São Paulo (aqui) que seu avião oficial foi revistado por agentes bolivianos, por ocasião de sua visita àquele país em 2011.

A primeira versão do incidente (que foi analisada em meu texto Evo revista avião da FAB do ministro Amorim ou o mundo é um moinho) afirma que as revistas foram realizadas em 2012, na tentativa de prevenir que o Brasil retirasse da Bolívia, senador Roger Pinto Molina, que é asilado diplomático na embaixada brasileira.
A versão do ministro agora tornada pública é que a vistoria teria sido realizada por agentes em busca de contrabando de drogas, teria se limitado ao bagageiro da aeronave e que ele só teria sido informado depois que o blog “Diário do Poder” vazou esse acontecimento.

Resta claro, até pela linguagem utilizada (ver nota oficial, aqui), uma tentativa de minimizar o problema atribuindo a revista a zelo burocrático dos agentes bolivianos e que teria sido alvo veemente e sigiloso protesto da diplomacia brasileira.
Celso Amorim que sempre se notabilizou pelo discurso da diplomacia altaneira e que foi a mais eloqüente voz do Brasil Grande da era Lula, nunca perdeu chance de se comparar com ministros anteriores, atribuindo a esses um certo servilismo, ilustrado com perfeição com a fatídica e anedótica história dos sapatos, agora se mostra bem menos assertivo ao afirmar que não sabia.

Aceitando-se a versão oficial pelo valor de face nos deparamos com a seguinte realidade; A Bolívia tem fortes motivos para suspeitar que é realizado tráfico internacional de drogas em aviões da FAB e que o ministro da defesa não possuí adequado conhecimento dos fatos de sua pasta.
A meu ver esse cenário é muito pior que a revista motivada pela busca de um dissidente, afinal nessa situação seria apenas um arroubo autoritário, que como o próprio presidente Morales sentiu na pele, pode contagiar até democracias estabelecidas.

O cenário da versão oficial, contudo, aponta para o que seria uma trágica falta de comando na defesa brasileira, como pode o ministro da DEFESA não ser informado que seu avião foi inspecionado ilegalmente por agentes estrangeiros?
A história ainda está a se desenvolver e ao que tudo indica a pás do moinho continuarão a girar.
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Coluna de Claudio Humberto: Diário do Poder
CASO ROGER MOLINA
CELSO AMORIM AMARELOU
PARA ADVOGADO DE MOLINA REVISTA EM AVIÃO DA FAB MERECIA RESPOSTA
Publicado: 17 de julho de 2013 às 14:42
senador boliviano
Senador boliviano Roger Pinto Molina
O advogado Fernando Tibúcio, que trabalha na defesa do senador boliviano Roger Pinto Molina, opositor do presidente local Evo Morales e que segue asilado na embaixada brasileira em La Paz há mais de um ano, respondeu nesta quarta-feira (17) a declaração do ministro Celso Amorim (Defesa) que confirma notícia divulgada em primeira mão pelo Diário do Poder sobre a revista feita, até com cães farejadores, em avião da FAB (Força Aérea Brasileira) que o traria de volta ao Brasil.
A revista tinha como objetivo caçar o político asilado, que supostamente estaria fugindo para o Brasil, mas acabou servindo apenas para humilhar Amorim que, até hoje, se manteve calado sobre o caso. Para ele, o fato do ministro informar que o episódio se deu em 2011 – antes do senador buscar refúgio na embaixada do Brasil em La Paz, é “indiferente” porque, naquele ano, já estava claro que o governo boliviano temia que Molina recorresse ao instituto do asilo. “O senador já havia feito denúncias no sentido de vincular pessoas próximas do presidente Evo Morales com o narcotráfico”, explicou. “Se o senador simplesmente atravessasse a fronteira a pé, o Governo boliviano tinha nas mães o trunfo de qualificá-lo um fugitivo covarde, como alguém que quis se ver livre da Justiça boliviana”, completou.
O advogado declarou ainda ao Diário do Poder que os cães farejadores do Aeroporto de El Alto, em La Paz, são usados para detectar drogas. Para ele, o ato foi um “insulto que merecia ao menos uma menção na nota divulgada hoje pelo Ministério da Defesa”. “O episódio não só demonstra onde pode chegar a arrogância do Governo boliviano com seu congênere brasileiro, mas a dupla moral que existe em Evo Morales receber apoio brasileiro no caso da tentativa de inspeção da aeronave presidencial na Austrália, ao mesmo tempo em que autoridades bolivianas se utilizam, ou teriam se utiliado, do mesmo expediente condenável no caso do ministro Celso Amorim”, afirmou ao pedir uma postura mais dura nas negociações com a chancelaria boliviana.
Tibúrcio acredita que o ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) tem “conduzido de forma desastrosa” as tratativas com a Bolívia e, com isso, tem ofuscado avanços recentes da presidenta Dilma Rousseff no campo internacional, como a escolha do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo para dirigir a OMC. “O nosso chanceler colocou a diplomacia brasileira, de longa tradição, no seu pior momento”, criticou. O advogado de Molina já impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) um habeas corpus extraterritorial para seu cliente por conta da “falta de ação do Itamaraty” com relação aos fatos apresentados. O documento deve ser analisado em agosto pela Corte e, se aceito, vai liberar o senador de sua “prisão sem grades” na Bolívia.
  • AVIÃO ‘RETIDO’ DE AMORIM VIRA PIADA COM BOLÍVIA
    Publicado dia 17 de julho de 2013
    A emenda foi pior que o soneto na “consertação” do vexame impingido ao ministro Celso Amorim (Defesa) no aeroporto em La Paz, na Bolívia, no final de 2012, como revelou no domingo (14) o www.diariodopoder.com.br: o ministro admitiu em nota oficial ontem que seu avião foi “vistoriado” no final de 2011. O governo do maluquete Evo Morales nega ambas as violações da soberania brasileira com a sinceridade bolivariana habitual, mas prometeu investigar.

Que tal se os ministros ministrassem? - Jose Neumanne

JOSÉ NÊUMANNE
O Estado de S.Paulo, 17/07/2013

Os ministros da Educação, Aloizio Mercadante, e da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, têm abandonado seus expedientes rotineiros para exercerem os cargos informais de espírito santo de orelha e papagaio de pirata de sua chefe, a presidente Dilma Rousseff. Nessa condição têm produzido sesquipedais ideias de jerico, tais como o golpinho sujo da Constituinte exclusiva para uma reforma política que ninguém pediu e da qual só os políticos, particularmente os petistas, se beneficiariam; e a empulhação do plebiscito prévio com igual objetivo. O máximo que conseguiram até agora foi a adesão da oposição, incompetente e alienada, que aceita a embromação de um referendo.

Melhor seria para os dois, para o governo a que servem, para a presidente a que obedecem e, sobretudo, para a sociedade, que paga com sacrifício seus salários com impostos escorchantes, que eles se dedicassem à rotina comezinha de suas funções públicas. O economista Mercadante, que se recusa a usar o sobrenome do pai, o general Oliva, serviçal da ditadura militar que assolou o país por 21 anos, de 1964 a 1985, faria um bem enorme às gerações futuras de brasileiros se resolvesse uma equação perversa que as condena à ignorância e a perder a competição na guerra planetária pelo conhecimento.
De acordo com levantamento feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), composta pelos 34 países mais ricos do mundo, o Brasil investe em educação pública 5,8% do produto interno bruto (PIB), praticamente o mesmo que Estados Unidos, Espanha e Coreia do Sul. Mas ocupa o 53.º lugar no ranking do desempenho escolar, conforme o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), exame que avalia habilidades em leitura, matemática e ciências, aplicado pela própria OCDE. Ou seja, embora mais recursos para o setor sejam bem-vindos, estes não são imprescindíveis para aprimorar a educação. Para tanto urge melhorar a gestão, e isso o ministro pode fazer já.
Não será um trabalho fácil. Mas não é uma tarefa impossível. Como difíceis, mas também possíveis, são algumas das missões de que seu colega no primeiro escalão do governo federal petista, o causídico Cardozo, não dá conta. Pode-se dar-lhe o benefício da compreensão das dificuldades que a Polícia Federal (PF), sua subordinada hierárquica, deve enfrentar para ter de desvendar crimes de toda natureza, particularmente os de colarinho branco. Mas tampouco se pode omitir o fato de que a instituição às vezes tem um desempenho exemplar em casos muito mais difíceis do que em outros, na aparência, bem mais simples, mas cuja solução tem sido adiada para as calendas.
Um exemplo desse paradoxo é o escabroso caso da compra pela Petrobrás de uma refinaria que pertencia à empresa Astra Oil em Pasadena, no Texas (EUA). Os belgas a adquiriram por US$ 42,5 milhões em 2005. Em 2006 a empresa, presidida por um ex-funcionário da estatal brasileira, vendeu metade do controle acionário dela à Petrobrás por US$ 360 milhões. O convívio entre os sócios foi perturbado pela necessidade de aporte de US$ 1,5 bilhão para a pequena refinaria, com capacidade para ínfimos 150 mil barris/dia, poder refinar o petróleo pesado extraído de poços brasileiros. Os belgas processaram a sócia e esta encerrou a questão na Justiça americana desembolsando mais US$ 839 milhões para assumir o controle total da refinaria. Ou seja, a Astra Oil embolsou, ao todo, US$ 1,199 bilhão: US$ 1,154 bilhão e quase 30 vezes mais que os US$ 42,5 milhões pagos por ela oito anos antes. O Ministério Público Federal no Estado do Rio resolveu investigar essa óbvia fraude e talvez a PF, sob as ordens do dr. Cardozo, desse uma extraordinária contribuição à pátria se, ao cabo de uma investigação rigorosa, descobrisse quem recebeu a bilionária (em dólares) “comissão”.
Outra tarefa rotineira a ser desincumbida pelo causídico Cardozo, se trocar as funções de Richelieu do Planalto por mais assiduidade no expediente no Ministério da Justiça, seria cobrar da PF a apuração rigorosa e imparcial das acusações feitas contra Rosemary Noronha na Operação Porto Seguro, que a própria PF encetou em novembro de 2012. Na ocasião, a PF informou ter flagrado as práticas de advocacia administrativa e tráfico de influência em altos escalões do governo federal. Entre os protagonistas do caso teve destaque a figura de Rosemary, dada como amiga muito íntima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e flagrada interferindo pessoalmente na nomeação de quadrilheiros em cargos importantes da burocracia da União, inclusive uma direção da Agência Nacional de Águas. A então chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo, nomeada por Lula e mantida no cargo por Dilma a pedido do padrinho e antecessor, é acusada, entre outros malfeitos, de ter ajudado o ex-senador Gilberto Miranda a obter licenças para usar duas ilhas no litoral paulista. Essa ajuda teria sido recompensada com um cruzeiro (R$ 2.500), uma Mitsubishi Pajero TR4 (R$ 55 mil), uma cirurgia no ouvido (R$ 7.500) e móveis para a filha (R$ 5 mil).
Segundo a Veja, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, homem de confiança de Lula, teria tentado atrapalhar a investigação que a presidente mandou a chefe da Casa Civil, Gleisi Hofmann, fazer a respeito de Rosemary. Carvalho tentou se explicar no Senado. Mas a PF teria de investigar por que oligarcas da republiqueta petista foram prestimosos e atenderam aos pedidos de uma secretária de luxo.

A PF poderia ainda investigar denúncia da Folha de S.Paulo de ter a Caixa Econômica Federal liberado sem licença Bolsa Família na véspera da onda de boatos que causou corrida a agências da instituição, pela qual dignitários do governo e do PT, entre eles Dilma, acusaram adversários. É ou não é?

Mercosul: uma "integracao profunda" - Antonio Patriota

Brasil alega que Aliança do Pacífico não é projeto de integração profunda

Infolatam/Efe
São Paulo, 16 julho 2013
Las claves
  • Patriota comentou em um encontro com correspondentes estrangeiros em São Paulo que a Aliança do Pacífico "é um esforço que reúne países com características semelhantes, mas é uma aliança, e não uma zona de livre-comércio, uma união aduaneira e muito menos um projeto de integração profunda como o Mercosul".
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, descartou nesta terça-feira que a Aliança do Pacífico – acordo de livre-comércio estabelecido por Chile, Colômbia, México e Peru – seja um projeto de “integração profunda” como é a proposta do Mercosul.
Patriota comentou em um encontro com correspondentes estrangeiros em São Paulo que a Aliança do Pacífico “é um esforço que reúne países com características semelhantes, mas é uma aliança, e não uma zona de livre-comércio, uma união aduaneira e muito menos um projeto de integração profunda como oMercosul“.
Segundo Patriota, isso demonstra que o Mercosul “está vivo e dinâmico”, e afirmou que em 2019 “entrará em vigor” uma zona sul-americana de livre-comércio próxima a outros blocos, como a Comunidade do Caribe (Caricom).
“Quando falo que a Aliança do Pacífico é marketing ou que se trata de uma embalagem nova de um produto existente, não quero diminuir nada, pois se trata de países que são importantes para o Brasil, e o Brasil espera que seu esforço contribua para dinamizar essas economias e elevem o nível de vida”, disse Patriota.
O chefe da diplomacia brasileira lembrou também as declarações do presidente eleito do Paraguai, Horacio Cartes, que rejeitou a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul, bloco integrado, ainda, por Argentina, Brasil e Uruguai.
“São declarações de um presidente eleito, é importante acompanhar o que dirá quando estiver em pleno exercício do poder a partir de 15 de agosto”, afirmou.
Nesse sentido, Patriota destacou a retomada de relações do bloco com o Paraguai, suspenso um ano atrás como punição pelo impeachment em julgamento político do então presidente, Fernando Lugo, por entender que houve uma “ruptura da ordem democrática”.
O chanceler considerou “um gesto importante” o fato de os governos do Mercosul reconhecerem a vitória de Cartes nas urnas e de alguns líderes, como a própria presidente Dilma Rousseff, terem anunciado que comparecerão à sua posse no dia 15 de agosto em Assunção.

O Brasil no caminho da decadencia argentina? - Rogelio Núñez

OK, não vou falar do Brasil. Mas acho interessante aprender com os erros dos outros. O problema, neste caso, é que a Argentina abusa da faculdade de errar: ela comete as mesmas bobagens, reiteradamente, sem qualquer autocrítica; ela repete os mesmos atos insanos, várias vezes seguidas, e assim vem fazendo, nos últimos 80 anos, pelo menos...
Será que vamos pelos mesmos caminhos?
Paulo Roberto de Almeida

Argentina, um país de solavancos e em decadência

Infolatam
Madri, 16 de julho de 2013
(Especial para Infolatam por Rogelio Núñez)-. A Argentina era no início do século XX a grande potência sul-americana e seu PIB equivalia a 90% dos países mais avançados nesse momento. No entanto, desde 1930, entrou em uma lenta decadência que, até hoje, não parou. Muitos são os motivos que explicam essa decadência argentina, um deles, de raiz política, se vincula com os solavancos aos quais a classe dirigente tem submetido ao país.
Uns solavancos que finalmente estenderam entre a comunidade internacional uma sensação de desconfiança para o todo argentino. Não em vão, Nestor Kirchner levantou como bandeira eleitoral em 2003 a ideia de que queria “uma Argentina normal, quero que sejamos um país sério”.
Os solavancos, produto entre outras coisas da forte polarização política que o país vive historicamente, se refletiram em muitos aspectos de sua realidade. Por exemplo, em sua política exterior.
Uma política externa esquizofrênica
Juan Domingo Perón em sua primeira época de predomínio político passou de hastear uma posição de independência e autonomia com respeito aos EUA (a chamada Terceiro Posição) a dar uma clara volta para posições próximas à administração Eisenhower (com, por exemplo, o não respaldo ao governo de Jacobo Arbenz em 1954).
Hugo Chávez e Cristina Fernández com retrato de Néstor Kirchner
No atual período democrático (1983-2013) se pôde rever vaivéns desse tipo em cada administração.
Da postura “terceiro mundista” e inclinado aos “Não alinhados” de Raúl Alfonsínpassou às “relações carnais” com os EUA, nas palavras do chanceler Guido Di Tellano governo de Carlos Menem.
“Não queremos ter relações platônicas: queremos ter relações carnais e abjetas”, comentou nos anos 90 o então chanceler.
Para acabar, já na época dos Kirchner, em uma aliança de fato com a Venezuela chavista e um claro confronto com as administrações tanto de Bush como deObama.
“Estamos demonstrando não apenas lucros econômicos e sociais, senão que temos demonstrado o que muitas vezes quiseram nos mostrar dos grandes centros de suposta civilização, que seguem resolvendo suas diferenças com explosões de bombas”, disse em 2011 a presidente Cristina Kirchner.
Falta de uma ideia país
A política exterior não foi senão fiel reflexo de uma política interna e econômica sem coerência, continuidade ou consensos.
Governos de claro matiz intervencionista e inclusive estadista e outros mais inclinados ao “neoliberalismo” foram acontecendo nos últimos 60 anos sem solução de continuidade.
Cristina Fernández e Nestor Kirchner na praça de Maio em junho de 2008
Inclusive nas administrações de Juan Domingo Perón (1946-55) pôde se ver um peronismo estadista entre 1946 e 1952 que abriu caminho depois a um mais aberto aos investimentos estrangeiros e à iniciativa privada entre 1952 e 1955.
Essa liberalização teve uma segunda parte durante o governo de Arturo Frondizi (1958-62), mas se viu interrompida durante a gestão deArturo Illia (1963-66) que, por exemplo, renegociou os contratos petroleiros assinados por seu antecessor.
Os projetos liberais no terreno econômico de Adalberto Krieger Vasena durante a ditadura de Juan Carlos Onganía (1966-70) ou de José Alfredo Martínez de la Hoz na época dos governos militares (1976-83) deram passagem a posturas menos ortodoxas e planos de ajuste heterodoxos na primeira administração democrática, a de Raúl Alfonsín (1983-89).
Não seria a última virada, pois a chegada de Carlos Menem em 1989 e a tomada de posse como ministro de Economia de Domingo Cavallo deram passagem ao modelo da Convertibilidade baseado em políticas de abertura comercial e financeira, privatizações e diminuição do tamanho do estado.
Luis Alberto Romero (historiador): “a partir de 1980 vivemos em uma Argentina decadente e exangue, em declínio em quase qualquer aspecto que se considere”.
O colapso deste modelo entre 1997 e 2001 abriu caminho ao experimento industrialista de Eduardo Duhalde e, sobretudo, à aposta de Néstor Kirchner por enterrar e acabar com o legado dos 90, o neoliberalismo menemista.
Em 2010, por exemplo, Nestor Kirchner dizia: “os processos regionais custam muito pelas assimetrias e porque vimos de profundas crises econômicas que nos levou o neoliberalismo nos anos 90”.
Nessa linha, os Kirchner apostaram por um maior papel do Estado e por regressar às nacionalizações (Aerolineas Argentinas e YPF) e a um aberto intervencionismo com controles de preços incluídos.
Toda esta sucessão de vaivéns conduziu o estado atual da Argentina que, como assinala o historiador Luis Alberto Romero, supõe o final de “uma Argentina vital, vigorosa, sanguínea e conflitiva, que se construiu no final do século XIX e ainda era reconhecível ao concluir a década de 1960. A partir de 1980, pelo contrário, vivemos em uma Argentina decadente e exangue, em declínio em quase qualquer aspecto que se considere”.
O próximo governo argentino terá por adiante muitos desafios, mas o de fazer um consenso entre políticas de estado coerentes e com continuidade que tornem a Argentina um país sério, será um dos principais desafios desse governo.
De novo, Romero disseca o que ocorre com o país: “o kirchnerismo expressa hoje a fase superior da longa crise argentina. É tão duro e resistente como a própria crise. Não será fácil reverter tudo isto, mas há uma possibilidade. A Argentina é manejada por um grupo poderoso e fraco ao mesmo tempo, pois sua força, certamente fundada nos votos, reside no controle férreo do poder político por uma só mão. Sua primeira linha de defesa é ao mesmo tempo a última. Mudar o rumo da longa crise argentina é uma tarefa prolongada e complexa. Mas, constituir em 2015 um governo que inicie esse caminho está na ordem do possível”.
Traduzido por Infolatam

Fraudes em programas governamentais: mais uma, entre muitas,interminaveis...

Quando é que os brasileiros vão aprender, de uma vez por todas?
Sempre e quando, onde for, em qualquer tempo e lugar, sob quaisquer circunstancias, programas, pessoas e formas, ONDE HOUVER DINHEIRO PUBLICO ENVOLVIDO (ou seja, o nosso dinheiro) SEMPRE HAVERÁ UM "ISPERTO" PRONTO PARA FRAUDAR, ROUBAR, DESVIAR...
Parece que os cidadãos não aprendem, e por isso ainda estão pedindo, ao lado da redução de impostos, mais e melhores serviços de saúde, educação, transportes, etc.
Além de ser contraditória, em si, a demanda tem efeitos absolutamente previsíveis: um terço, ou mais, dos recursos será objeto de gastos burocráticos, desvios, fraudes, superfaturamento, enfim desperdício e roubalheira, por vezes tudo isso junto e decuplicado.
Entendido?
Acho que não. O Brasil vai continuar assim por muitos e muitos anos à frente, graças (no sentido negativo, claro) a essa cultura estatizante patrocinada com ardor pelos companheiros e outros ingênuos e idiotas.
Por que não poupamos o trabalho (aparentemente inútil) da Polícia, da Justiça, etc?
Por que somos tão estúpidos?
Não queria concluir assim...
Paulo Roberto de Almeida

PF faz operação contra fraudes no Minha Casa, Minha Vida

Investigação aponta para esquema de desvio de dinheiro que deveria ser usado na construção de casas em cidades com menos de 50 000 habitantes

MAIS-VALIA - Os comunistas criaram empresas para lucrar com o programa de construção de casas populares. O método já havia sido usado antes no Segundo Tempo
Esquema criava empresas para lucrar com o programa (Agência RBS e Juliana Santos/DRD A Press)
A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta quarta-feira a Operação 1905, que investiga fraudes relacionadas à execução do Programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. A abertura do inquérito que resultou na operação foi noticiado por VEJA em maio, e o esquema seria liderado por militantes do PCdoB. Em nota, a PF informa que já foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão nas cidades de São Paulo, Brasília e Fortaleza, todos expedidos pela Justiça Federal. A ação está sendo realizada com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU).
As investigações apontam para "um suposto esquema" envolvendo instituições financeiras, correspondentes bancários, empresas de fachada e seus respectivos responsáveis. Esse esquema estaria desviando recursos destinados à construção de casas populares em municípios com menos de 50 000 habitantes.
Na nota, a Polícia Federal informa ainda que há indícios de que ex-servidores do Ministério das Cidades, valendo-se do conhecimento adquirido e da suposta influência junto ao órgão, estariam prestando serviços inexistentes e, em alguns casos, recebendo uma espécie de "pedágio", a partir da cobrança de empresas contratadas para a construção de unidades habitacionais. O caso envolveria, inclusive, residências que nunca foram construídas.
As investigações indicam também que as empresas investigadas atuavam na concessão e fiscalização das obras, na indicação das construtoras, medição das obras, liberação dos recursos e construção das casas. Ou seja, o grupo investigado atuaria em todas as fases do Minha Casa Minha Vida, reunindo funções incompatíveis entre si.
A PF alerta que são investigados crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN), estelionato, tráfico de influência e lavagem de dinheiro, cujas penas podem atingir 32 anos de prisão. A nota divulgada pela PF cita que a operação foi realizada após determinação do Ministro da Justiça, a partir da veiculação de denúncias na imprensa.
(Com Estadão Conteúdo)

China: economia sob ameaca, Brasil vai sofrer - NYTimes

Epa! Agora a coisa parece séria: o próprio FMI fazendo alertas para os dirigentes chineses sobre a insustentabilidade das políticas atuais.
O Brasil, altamente dependente da demanda chinesa, já está se ressentindo da diminuição das taxas de crescimento naquele país, o que significa que, ademais dos problemas "made in Brazil", propriamente - inflação, desequilíbrio das contas públicas, perda de credibilidade das políticas macro e setoriais, corrupção, etc. -- também teremos de enfrentar um ambiente externo menos propício -- e cada vez mais competitivo, na nossa própria região -- à manutenção de taxas, já não digo altas, mas razoáveis, de crescimento econômico.
O Brasil, como já alertado diversas vezes, pode estar atravessando, por um largo período, o que foi designado como "estagnação no baixo crescimento".
Portanto, não esperem ficar ricos na sua geração: a renda, ao ritmo atual, só dobra em três gerações...
Paulo Roberto de Almeida

The New York Times, July 17, 2013

I.M.F. Tells China of Urgent Need for Economic Change


WASHINGTON — China’s growth has slowed significantly in recent months. But even its current pace of expansion may be unsustainable unless the country starts making significant and systemic changes to its economy, and soon, the International Monetary Fund warned Wednesday.
“Since the global crisis, a mix of investment, credit and fiscal stimulus has underpinned activity,” the I.M.F. said in a major annual assessment of the Chinese economy. “This pattern of growth is not sustainable and is raising vulnerabilities. While China still has significant buffers to weather shocks, the margins of safety are diminishing.”
The report emphasized downside risks to the Chinese economy, touching on familiar themes though imparting more of a sense of urgency than it has in the past.
The country still has large foreign-currency reserves and plenty of room for new government spending to buffer against any unexpected shocks, said Markus Rodlauer, the I.M.F.'s China mission chief, in an interview. But he said the Chinese economy was looking more and more vulnerable, with changes only getting harder to make as time goes on.
The I.M.F. — along with a range of international economic officials, research groups, academics and financial market participants — has raised concern that money is pouring into mispriced real estate and infrastructure investments in China that are increasing growth in the short term but might do little for the Chinese economy down the road.
For decades, a cheap currency, cheap labor and huge infrastructure investment fueled enormous growth in the Asian nation. China has made “substantial” progress on rebalancing its trade deficits with the rest of the world, the I.M.F. said, and its current account balance as a share of its total economy is less than a quarter of its precrisis peak.
The fund described the Chinese currency as “moderately” undervalued, as it has for about a year after a long stretch of describing it as “significantly” undervalued — a policy maneuver that helped boost China’s exports but angered many foreign countries whose goods became relatively less competitive.
But imbalances in China’s domestic economy “remain large,” the I.M.F. warned, with Chinese consumers failing to take over for consumers from the United States, Germany and other countries who helped stoke China’s growth for years. Consumption rates have barely budged from last year. But net purchases of physical assets like roads, hospitals and commercial buildings grew further as a share of the economy.
“A decisive shift toward a more consumption-based growth path has yet to occur,” the I.M.F. said. “Accelerating the transformation of the growth model remains the main priority.”
The I.M.F. focused on a few spots of acute risk in the Chinese economy.
One is the financial system. The country has seen huge boom in lending through “less regulated” parts of its financial system, it said. The report raised concerns about the adequacy of the country’s regulatory controls, and about the quality of underwriting and the pricing of risk.
The formal banking sector might not be as strong as it looks, either, the I.M.F. warned. “Based on reported data, bank balance sheets appear healthy and loan books show only a modest deterioration in asset quality,” it wrote. “However, banks remain vulnerable to a sharper worsening of corporate sector financial performance.”
Another issue is a proliferation of debt-financed spending by local governments without adequate tax bases, often through “local government financing vehicles” that have long been fingered as a weak spot in China’s markets. “Further rapid growth of debts would raise the risk of a disorderly adjustment in local government spending,” the I.M.F. warned.
Finally, it also cautioned about the possibility of sharp price drops in the real estate markets, which remain “prone to bubbles,” the I.M.F. said, in no small part because many Chinese savers do not earn interest on their deposits and thus push money into the housing markets.
Making adjustments to the financial markets and correcting the pace of infrastructure spending might mean slower growth in the near term, the I.M.F. has said. But it might mean more sustainable growth in the long term, with substantial benefits not just for China but for global growth as well.
But that message is coming as the Chinese economy is already slowing down considerably, with growth falling to an annual pace of about 7.5 percent, down from a peak of more than 14 percent in 2007, before the global financial crisis.
More broadly, the emerging market economies that helped pull the world out of the global recession have cooled of late, dragging down the global growth rate with them. Growth remains sluggish in the United States, and much of Europe is mired in a recession.
“Growth in emerging market economies will remain high, much higher than in the advanced economies, but may be substantially lower than it was before the crisis,” said Olivier Blanchard, the I.M.F.'s chief economist, at a news briefing this month.
China is aware of the issues that the I.M.F. and other analysts have raised, and it generally agrees with them. Chinese policy makers have in part engineered the recent economic slowdown and have shown a willingness to make changes. But there are few details now about how the new Chinese government might move to revamp the nation’s economy, with more elaboration expected after a major Communist Party meeting this fall.
Policy makers in Beijing are aware of the issues that the I.M.F. and other analysts have raised and are aiming to restructure the economy in a bid to make future growth more sustainable. The fact that China’s population is aging — and its labor force gradually shrinking — adds to the pressure for structural overhauls.
The authorities are now aiming to raise domestic consumption and productivity, reduce China’s reliance on exports and construction investment, and rein in financial risks flagged in the I.M.F.'s report.
In recent weeks, Beijing has made it increasingly clear that it is prepared to tolerate a slower pace of growth as it pursues those goals and that there will be no repeat of an aggressive stimulus that followed the global financial crisis.
Prime Minister Li Keqiang reiterated that message in comments reported by the official Xinhua news agency on Wednesday. Although he acknowledged that the economy faced risks and challenges, he said, it remained ‘‘generally stable,'’ according to Xinhua.
And while the authorities must work to "keep economic growth within a reasonable range," they would aim to deploy ‘‘targeted’’ policies and "not change the direction of policies based only on temporary changes in economic barometers," Xinhua quoted Mr. Li as saying.
“Beijing is trying to boost public confidence and emphasize the seriousness of its intention by reiterating the need to stabilize growth," Qu Hongbin, chief China economist at HSBC in Hong Kong, wrote in a note on Wednesday, referring to Mr. Li’s comments. "We expect further modest fiscal stimulus to put a floor on growth.”

Bettina Wassener contributed reporting from Hong Kong.

Fantasias medicinais de um governo perdido - revistas Veja (editorial e materia), Carta Capital

Sem chance de dar certo
Editorial Veja, 17/07/2013

Uma reportagem desta edição de VEJA examina como o governo está reagindo aos gigantescos e inéditos desafios propostos pelas manifestações de rua e à inflexão para pior dos cenários interno e externo na economia. Tomamos como ponto de partida a medida provisória mandada ao Congresso que muda o regime acadêmico e de trabalho dos médicos no Brasil, obrigando-os a doar ao SUS dois anos de sua vida profissional. Se faltava um exemplo perfeito da descoordenação e do caos no Planalto, a MP dos Médicos cuidou de suprir essa lacuna. Foi a gota d’água. A decisão é autoritária, inaplicável na prática e, acima de tudo, inconstitucional. A reportagem de VEJA mostra que, mesmo se fosse viável dentro da ordem jurídica vigente, de nada adiantaria obrigar os médicos a trabalhar em rincões desassistidos do Brasil. Continuariam faltando equipamentos, remédios, ambulâncias e enfermeiros — e em nada melhoraria a vida dos brasileiros que hoje sofrem por falta de acesso à medicina de qualidade.

Com toda a certeza, a submissão dos médicos aos desígnios do governo será, em breve, lembrada apenas como mais uma das muitas falsas soluções simples para problemas complexos emanadas do laboratório de trapalhadas do Palácio do Planalto. As propostas oficiais somem na mesma velocidade com que aparecem. Lembra-se do plebiscito para consultar o povo sobre a reforma política que acabaria com todos os males da nação? Está morto e enterrado. Lembra-se da ideia de trazer 6000 médicos cubanos para suprir a carência de mão de obra especializada na saúde no interior do Brasil? Esqueça. Alguém no governo acordou para o fato de que, se a ditadura cubana tem poder de exportar gente como mercadoria, esse tipo de comércio humano é inaceitável para os padrões humanitários brasileiros.


É inescapável a conclusão de que o Planalto está imerso em um momento de “realismo fantástico’’, aquela corrente da literatura em voga em meados do século passado que, ao contrário do gênero de terror em que o sobrenatural assusta, espera que o leitor ache a coisa mais natural do mundo que pessoas mortas passeiem pelas ruas das cidades e que bois possam voar. Essa tem sido a tônica das decisões tomadas pelo governo. Fala-se da distribuição de dezenas de bilhões de reais, como se dinheiro nascesse em árvore. Decide-se o destino de médicos que ainda nem entraram na faculdade. Convoca-se um plebiscito em um dia para descobrir no seguinte que isso é uma tolice. O economista Joseph Schumpeter (1883-1950) deu a esse padrão de comportamento o nome de “racionalidade subjetiva”, circunstância em que as pessoas — em vez de adaptar o pensamento e a ação às novas realidades — tentam encaixotar a realidade na sua moldura mental. Isso não tem chance de dar certo.

O remédio errado
Natalia Cuminale
Revista Veja17/07/2013

Por que o programa federal Mais Médicos, que obriga os alunos de medicina a trabalhar dois anos no SUS, já nasce como arbitrariedade e não tem como dar certo

A medida provisória que amplia, a partir de 2015, de seis para oito anos a duração do curso de medicina e obriga os estudantes a trabalhar durante esse período extra no SUS é o remédio errado para um antigo problema da saúde no Brasil: a má distribuição geográfica dos médicos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza, no mínimo, um médico para cada 1000 habitantes. Em média, temos o dobro disso. Os números gerais, no entanto, escondem a disparidade no modo como os médicos estão alocados pelo país. Da iniquidade, emergem dois Brasis. Quem vive nas capitais tem acesso ao dobro da atenção dispensada a quem mora fora dos grandes centros. Além disso, 72% dos médicos estão nas regiões Sul e Sudeste. É bobagem imaginar que esse desequilíbrio possa ser resolvido com o despacho de alunos de medicina para os rincões desamparados, como pretende fazer a presidente Dilma com o programa Mais Médicos. “Sem melhoria das condições estruturais básicas, o médico enviado a esses locais não será capaz de mudar a realidade da população”, diz Roberto Luiz d’Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina. Continuariam a faltar remédios, seringas, enfermeiros, leitos com lençóis limpos e, em muitos casos, até água potável. Não há solução mágica. Nas palavras de Milton de Arruda Martins, professor de clínica médica da USP, “não há saúde sem médico, mas também não há saúde apenas com médicos”. Nas próximas páginas, VEJA lista cinco motivos que comprovam a ineficácia da MP dos médicos, fadada ao fracasso.

1 - É INCONSTITUCIONAL
Todas as Constituições democráticas do mundo estabelecem uma série de direitos individuais capazes de preservar a liberdade dos cidadãos nas mais diversas esferas. Só existe vida digna se o cidadão tem liberdade de ir e vir, de pensar e se expressar, de professar a religião que quiser, entre outros tantos direitos básicos. No Brasil, a Constituição garante expressamente que também é livre “o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”. Não se pode obrigar alguém a trabalhar onde não quer. “O governo diz que os dois anos de trabalho no SUS são uma complementação da formação médica, mas na verdade são uma obrigação de prestação de serviço, claramente inconstitucional”, diz o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. “O único serviço obrigatório permitido no país é o militar.” Segundo o jurista, como dificulta a obtenção do diploma sem oferecer complementação didática ou pedagógica, a medida restringe o exercício profissional dos médicos, o que também afronta a liberdade profissional e, portanto, a Constituição. Além disso, o fato de a proposta ter sido feita via medida provisória é uma aberração. "Medidas provisórias são para questões urgentes, e essa MP somente valerá para estudantes que entrarem na universidade em 2015", afirma Reale Júnior.

2 - É AUTORITÁRIA
O caminho natural para alterar regras que influenciam o cotidiano da população é o Poder Legislativo. “O governo preferiu agir sozinho com essa espécie de chantagem contra os estudantes em vez de pedir a participação do Congresso, o que é uma atitude claramente autoritária”, diz Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas. A arbitrariedade de Dilma decorre de incompetência e má gestão. “O problema de falta de médicos no interior do Brasil é de mercado de trabalho, e não de regulamentação profissional”, diz Marcelo Figueiredo, diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Como o governo tentou — mas não conseguiu — atrair médicos para esses lugares com medidas políticas, achou que o jeito de suprir sua incompetência era obrigando os estudantes a trabalhar no SUS.”

3 - REFORÇA A DESIGUALDADE
A MP dos Médicos aguçará ainda mais as diferenças entre os sistemas público e privado de saúde. Aos mais pobres caberá como única opção o atendimento feito por profissionais ainda em formação. Além do serviço compulsório de estudantes no SUS, o programa Mais Médicos isenta os médicos formados no exterior da obrigatoriedade da revalidação do diploma. Não será preciso também comprovar os conhecimentos na língua portuguesa com teste de proficiência. A única exigência é que eles participem de um curso com duração de três semanas em uma universidade conveniada ao programa. Nesse período, os professores brasileiros determinam se o profissional está apto para exercer a medicina e receber uma bolsa de 10000 reais por mês. “O Brasil está dando autorização para que médicos exerçam a profissão sem saber se eles têm competência ou não. Está-se criando a medicina dos pobres”, diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.

Como diminuir a desigualdade? O grande problema do país é o baixo financiamento federal para a saúde pública, concordam nove especialistas ouvidos por VEJA. No Brasil, a participação do governo no gasto nacional em saúde é de 47%, enquanto na Inglaterra chega a 83%. “A falta de médicos é apenas uma parte da equação”, diz Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. Na França, Inglaterra e Suécia, que possuem um sistema público semelhante ao brasileiro, o investimento per capita na saúde é seis vezes o daqui. “Nosso gasto hoje é comparável ao desses países na década de 60”, diz Adib Jatene, ex-ministro da Saúde. Sem recursos federais adequados, muitas prefeituras não têm condições de bancar o atendimento médico e a manutenção da infraestrutura.

4 - É INCOERENTE
Em defesa do serviço médico compulsório, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, saiu-se com a história de que a medida melhoraria o serviço de saúde para o povo e humanizaria a profissão. “Esse é um argumento de quem. claramente, não conhece a universidade”, diz Milton de Arruda Martins, professor da USP. “Quem cursa medicina nos moldes atuais (seis anos) já pratica o internato hospitalar com pacientes do SUS no 5o e 6o anos.” A residência médica, que confere o título de especialista ao médico, tem duração de dois a cinco anos e também é feita, na imensa maioria dos casos, na rede pública.

Com o novo programa, o governo espera a entrada de 20 500 médicos na chamada “atenção básica” em 2021. Em nota, o Ministério da Saúde garante que esses alunos serão supervisionados por professores. Outra falácia. “Há um sucateamento da educação médica no país. Alguns cursos de medicina não têm nem hospital apropriado para o ensino, com um preceptor e um ambiente apto a receber estudantes”, diz Mário Scheffer, do departamento de medicina preventiva da USP e coordenador do estudo “Demografia médica no Brasil”. A MP dos Médicos propõe ainda a criação de 11 447 vagas de graduação em medicina, tanto em escolas já existentes como em novos cursos em regiões mais desassistidas. “A interiorização de escolas de medicina não resolve a fixação do médico. Elas funcionam como repúblicas de estudantes. A maioria deles vem dos grandes centros para fugir da concorrência e depois retorna ao seu local de origem”, explica Scheffer.

5 - NÃO ESTIMULA A PRÁTICA DA MEDICINA
Exemplos bem-sucedidos na França e no Canadá mostram que os médicos se fixam em regiões mais recônditas por três motivos: bom salário, plano de carreira adequado e possibilidade de especialização e aperfeiçoamento. A solução no Brasil, portanto, seria a criação de uma carreira federal nos moldes do que já existe no Judiciário e no Exército. Terá os melhores salários, as maiores gratificações ou a ascensão mais rápida quem optar — e não for obrigado — por trabalhar na áreas inóspitas. O Canadá adotou com sucesso essa estratégia. Graças aos incentivos governamentais, entre 2007 e 2011, o número de generalistas aumentou 14%. Hoje, metade dos médicos canadenses dedica-se aos cuidados básicos da saúde. É em casos como esse que o governo de Dilma deveria se inspirar — e não inventar remédios que podem matar o doente. (com reportagem de Bela Megale, Kalleo Coura, Robson Bonin e André Eler)

Quando falta tudo
O Maranhão é o estado brasileiro com o menor número de médicos do país. A proporção é de 0,71 profissional para cada 1000 habitantes. O Hospital Municipal de Imperatriz, conhecido como Socorrão, a 630 quilômetros de São Luís, é o retrato dessa precariedade. É para lá que vão os doentes mais graves de pelo menos 100 municípios do Pará, do Tocantins e do Maranhão. Com 400 leitos, o Socorrão é o único da região com UTI e, ainda assim, tem apenas trinta vagas. Na tentativa de aliviar a demanda, a prefeitura aluga cinquenta leitos da rede particular. Isso ajuda, mas pouco. Os pacientes se amontoam no hall de entrada do hospital. Na falta de médicos e enfermeiros, os doentes são ajudados pelos acompanhantes. Na enfermaria, as camas estão enferrujadas. “Fazemos o que está ao nosso alcance, mas às vezes acontece de o paciente morrer na fila de espera”, diz o prefeito Sebastião Madeira (PSDB). “Além da sobrecarga do sistema, recebemos mensalmente apenas 6,5 milhões de reais do governo federal, mas gastamos no mínimo o dobro com a rede de saúde do município." A 500 quilômetros dali, em Matões do Norte, o hospital da cidade está pronto desde 2011 (foto menor). Apesar de já ter camas e colchões novos, não recebe nenhum paciente. O hospital faz parte do programa Saúde É Vida, da governadora Roseana Sarney (PMDB). O motivo: hospitais como o de Matões foram construídos para ser instituições municipais, mas faltou combinar isso com os prefeitos.

O problema não é a escassez de médico
O Distrito Federal é a unidade da federação com o maior número de médicos (4,09) por 1000 habitantes. Os serviços, no entanto, são precários. Médica de clínica geral, Lilian Suzany Pereira, de 42 anos, trabalha há dezesseis em emergências de hospitais. Ela assume o plantão na lotada emergência do Hospital Regional da Asa Norte, região central de Brasília, às 19 horas, e só para às 7 da manhã. “Acho um insulto o governo sugerir mais humanização à classe médica”, esbraveja ela. Com todos os seus médicos, seus dezesseis hospitais e seus 5,1 bilhões de reais de orçamento anual, a rede pública do Distrito Federal carecia na semana passada de Buscopan, medicamento para cólicas e dores abdominais, e fio cirúrgico para cesariana. Onde existia, era porque havia sido comprado pelos próprios médicos. O problema, descobre-se, não estava no médico, estava na gestão - ou melhor, na falta dela.

É longa a espera
O Rio Grande do Sul está entre os cinco estados com mais médicos. São 2,37 doutores para cada 1000 habitantes. A proximidade com a capital, Porto Alegre (8.73 médicos por 1000 habitantes), não é sinônimo de saúde de qualidade. A apenas 12 quilômetros dali, o posto de saúde 24 horas de Eldorado do Sul sofre as precariedades dos hospitais dos rincões mais desassistidos. Com apenas oito leitos de emergência para a população de 35000 habitantes, os casos mais graves são encaminhados para hospitais próximos. O problema está na demora da transferência, que pode chegara uma semana. Em um episódio recente testemunhado pela clínica geral Carla Pfeifer, um paciente com hemorragia digestiva teve de aguardar três dias para ir para a capital.

O governo na emergência
Rodrigo Rangel, Otávio Cabral e Adriano Ceolin 
Revista Veja, 17/07/2013

Depois da Constituinte e do plebiscito, Dilma quer resolver o problema da saúde obrigando estudantes de medicina a trabalhar dois anos para o governo – mais uma proposta autoritária produzida pelo “pensamento mágico” e destinada ao fracasso.

A sabedoria política imorredoura informa que “quem monta no lombo do tigre acaba dentro da barriga do bicho”. Colocado de outra forma: “O governante que acha que pode controlar os fatos acaba controlado por eles”. As duas lições acima se aplicam com perfeição ao atual momento de Dilma Rousseff e seu governo. Desde que os brasileiros saíram às centenas de milhares às ruas nas grandes cidades, a presidente e seus oráculos estão dando demonstração atrás de demonstração de que não entenderam o recado das ruas. Estão imaginando que podem montar o tigre. Iludem-se com a fantasia de que podem controlar os fatos. As pesquisas já apontavam uma queda significativa da popularidade da presidente quando eclodiram as primeiras manifestações de rua que deixaram o governo em estado de animação suspensa. Era preciso reagir, dar uma resposta firme, mostrar que havia comando — e, principalmente, um comando sintonizado com a opinião pública. O governo optou pelo ilusionismo. Primeiro, anunciou que convocaria uma Assembleia Constituinte para realizar uma reforma política. A ideia, de tão autoritária e inconstitucional, não resistiu 24 horas. A fracassada Constituinte transmutou-se em uma proposta de plebiscito, que, por ser igualmente autoritária e inconstitucional, também teve vida curta.

Na semana passada, o Palácio do Planalto anunciou outra medida na mesma direção. Para atender às demandas dos manifestantes na área da saúde e suprir a falta de profissionais, o governo quer obrigar os futuros estudantes de medicina a trabalhar dois anos nos hospitais públicos. O aluno terá direito apenas a uma bolsa de estudos e, se não cumprir o chamado “período de treinamento”, não receberá o diploma de médico. Apresentada por meio de medida provisória, a decisão precisa ser aprovada pelo Congresso. Porém, tem tudo para ficar pelo meio do caminho. Por quê? Pela mesma razão das anteriores: é autoritária, inconstitucional, inaplicável. É a notória falsa solução simples para um problema complexo. Mas, como dizia Cesare Cantù, o grande historiador universal do século XIX, se a ideia for apenas jogar uma “frase feita à massa ignara e esperar que ela a rumine pelos tempos afora”, os oráculos do Planalto terão feito a sua parte. A do público é não se deixar enganar.

Batizado de Mais Médicos, o programa é mais uma criação do laboratório de ideias atrapalhadas montado no Palácio do Planalto e que funciona à base de pesquisas de opinião. Os resultados das pesquisas chegam, os sábios se reúnem e maquinam uma ideia capaz de passar a impressão de que Dilma resolverá tudo. É um universo paralelo. Em vez de preparar medidas estruturantes capazes de solucionar os problemas, ainda que elas levem mais tempo para dar resultado, recorre-se ao improviso e à marquetagem. O povo está nas ruas reclamando dos problemas na saúde? Basta anunciar que se vão importar médicos e criar um serviço civil obrigatório para os futuros doutores. Isso funciona? Não, né. Mas ilude a plateia por um tempo, pelo menos até que os sábios inventem o próximo ato de ilusionismo.

Entidades de classe, o Conselho Federal de Medicina à frente, compararam a medida do governo às decisões de regimes totalitários e reclamaram por não ter sido consultadas. O mais doloroso para os brasileiros é o fato de que, se a solução oficial é falsa, o problema é verdadeiro. Faltam médicos, enfermeiros, auxiliares. Falta gestão e sobra corrupção. Em uma região privilegiada como o Distrito Federal, por exemplo, cujo orçamento da saúde chega a 5,2 bilhões de reais e que tem o maior número de médicos por habitante do país, somente a incompetência justifica o que se vê: pacientes espalhados em corredores de hospitais imundos e falta de materiais básicos, como macas, medidores de pressão e fios de sutura para cirurgias, só para citar três exemplos. O Distrito Federal, a propósito, é governado por um médico, o petista Agnelo Queiroz.

Na tentativa de ressuscitar o governo, combalido pelas manifestações de rua. Dilma vem recorrendo a um grupo de emergência. Dele fazem parte o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e duas figuras íntimas do poder, mas estranhas ao governo: o marqueteiro João Santana e o ex-ministro da Censura do governo Lula. Franklin Martins. Responsável pela propaganda eleitoral do PT e da então candidata Dilma Rousseff. João Santana é tratado como o quadragésimo ministro, dada a influência que seu trabalho exerce no Planalto. Suas pesquisas serviram de base ao pronunciamento de Dilma no fim de semana mais agudo da crise e continuam pautando as decisões presidenciais. Na questão dos médicos, por exemplo, um auxiliar da presidente chegou a avisar que ela seria torpedeada pelas associações de classe, o que poderia ser eleitoralmente perigoso, considerando o poder de influência da categoria. Prevaleceu o argumento de João Santana, segundo o qual valia a pena enfrentar os médicos, uma vez que o ganho eleitoral do governo compensaria o desgaste provocado pela medida. A presidente decidiu com os olhos voltados para 2014.

Desde o início das manifestações, Dilma Rousseff vem tentando reduzir ao mínimo os danos. De candidata imbatível, hoje os próprios correligionários põem em dúvida seu potencial. A presidente sabe que só vai recuperar a popularidade e chegar a outubro de 2014 com chance real de ser reeleita se der respostas concretas à crise. Franklin Martins foi escalado pelo ex-presidente Lula, a quem Dilma acorre sempre em situações de emergência. A parceria, quase compulsória, entre o ex-ministro e João Santana obrigou os dois a vencer uma rusga recente, ocorrida na Venezuela, onde ambos foram contratados para trabalhar na campanha presidencial que pôs Nicolás Maduro no lugar de Hugo Chávez. Por divergências de opinião, Franklin se desentendeu com Santana, arrumou as malas e voltou para o Brasil. O chamado de Lula fez com que os dois reatassem. Como ambos trabalham para o projeto petista de poder, eles não descuidam da imagem de Lula. Por isso, as mesmas pesquisas que sondam a aprovação da presidente também avaliam a popularidade do ex.

A ideia de incluir na pauta do governo a convocação da Assembleia Constituinte foi de Martins. A trapalhada, no entanto, funcionou como desinformação, especialidade do ex-ministro. Durante quase duas semanas de crise, Dilma e seu plebiscito pautaram as discussões. No futuro, a presidente pode argumentar que tentou resolver as coisas, mas foi impedida pelo Congresso Nacional. As duas ideias atarantadas — ambas saídas dos manuais do PT — também serviram para aproximar a presidente de uma parte da militância que andava se sentindo desprestigiada. Uma pesquisa mostrou que, apesar dos absurdos, mais da metade dos entrevistados aprovou as iniciativas do governo depois dos protestos. Iniciativas, ressalte-se, que na prática não resultaram em nada.


Pesquisas, pesquisas, pesquisas... É disso que se trata. Após as manifestações, a popularidade de Dilma caiu de 57% para 30%. Não é o que os petistas gostariam, mas também não é o fim do mundo, segundo eles. O grupo de estrategistas da presidente avalia que ela chegará ao fim do ano com pelo menos 40% de índice de aprovação, o que garantiria sua presença no segundo turno. “Há uma relação entre popularidade e quantidade de votos. Com 40%, ela teria cerca de 40 milhões de votos no primeiro turno e sairia na frente na disputa do segundo turno”, diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Dentro do PT, a oposição à presidente tem crescido na mesma medida do movimento dos companheiros que trabalham 2 pela volta de Lula. Com a base governista dividida, parte das ações anunciadas por Dilma em resposta aos protestos já foi rechaçada pelo Congresso. Até as centrais sindicais, que nos oito anos de governo Lula se recolheram ao anonimato, tentaram, mesmo que de modo pífio, voltar às ruas. Se Dilma quiser mesmo ressuscitar seu governo, é hora de agir. Só encenação não dá mais.

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Apostas de alto risco
Revista Carta Capital, 13/07/2013

Atrair um médico estrangeiro ao Brasil sem validar seu diploma não é importá-lo, é contrabandeá-lo. Também é arriscado sequestrar estudantes de medicina e colocá-los em locais sem nenhuma estrutura ou sem o treinamento adequado
Ajudar quem precisa é a razão da profissão médica. O salário conta, mas não é tudo. Desconsiderando a situação de emergência, na qual vale tudo para salvar uma vida, nenhum médico em sã consciência trabalharia a rotina em um local sem condições de exercer uma boa medicina.
Não se opera sem centro cirúrgico, não se medica sem remédios, não se faz curativo sem gaze e esparadrapo. Infelizmente, os poucos lugares no Brasil onde há tudo isso e nunca falta estrutura ou materiais são as instituições privadas. A regra nos postos de atendimento público é funcionar como um inferno à brasileira: um dia acaba a lenha, em outro falta o diabo e, no terceiro, esquecem-se de acender o fogo.
A cada ano, formam-se mais de 16 mil médicos. Cerca de 390 mil estudantes tentam entrar em uma faculdade de medicina para ocupar uma dessas vagas. Nos últimos dez anos, abriram-se 77 novas escolas no Brasil, é mais que uma por bimestre. Em 2009, havia 185. Nos Estados Unidos, são 141. Dessas, apenas 27 foram criadas nos últimos dez anos. Se as coisas continuarem assim, em vez de importar médicos precisaremos exportá-los. Isso em menos de uma década.
Não faltam médicos no Brasil, o problema é a concentração deles nos grandes centros. Em qualquer lugar do mundo, essa concentração é ocasionada por dois fatores: infraestrutura e salário. Em geral, o médico tem dois ou mais empregos, um para o sustento e outro para continuar o aprendizado. Se o governo quer médicos em lugares remotos, deveria montar um bom hospital-escola na região, a exemplo do que faz a Marinha do Brasil, que possui um hospital de ponta flutuando em rios da Floresta Amazônica.
A partir de 2015 será mais fácil trabalhar como médico no Brasil se você fizer medicina na Venezuela, por exemplo, e depois vir para cá. Hoje, existem mais de 600 médicos formados por lá e ávidos pela ação do governo a seu favor. Sem contar os brasileiros formados em universidades cubanas.
Na minha juventude, espelhava-me em Che Guevara. Com exceção do charuto, ele era um médico impecável, honesto e dedicado a seu propósito. Conviveu com as diferenças de acesso à saúde e percebeu que a América Latina estava à mercê de corruptos. Assim, formou-se revolucionário. Se o governo realmente quer trazer alguns Ches, precisa considerar que eles podem se voltar contra o próprio governo se esse continuar se desviando dó compromisso: de criar uma nação mais justa.
Melhor seria se o governo criasse um plano de carreira para o médico no trabalho público. É preciso pagar um salário digno e dar condições duradouras para que possam exercer a profissão, em qualquer região do País. Em vez disso, o governo inventou de sequestrar estudantes de medicina, colocá-los em locais sem estrutura e sem treinamento adequado. Promete que haverá médicos pós-graduados para supervisioná-los e mantê-los lá por dois anos. Mas o custo de manter uma equipe tão especializada de supervisão pode tornar inviável o ensino médico. Ou faltarão recursos para a assistência dos pacientes.
Todo médico pode trabalhar em quase qualquer lugar do mundo, mas a validação do diploma é fundamental. Nesse processo, também é avaliado o conhecimento médico sobre às peculiaridades do país onde quer atuar. Trabalhei como médico em outras nações e tive de validar meu diploma. Também trabalhei com médicos cubanos em Angola. Após o convênio entre os países minguar, os cubanos que ficaram definitivamente por lá passaram a trabalhar em clínicas particulares e em bons hospitais.

Trazer um profissional da saúde que não tem fluência em nossa língua e não conhece o modus operandi da medicina brasileira pode ocasionar sérios problemas. Atrair um médico estrangeiro ao Brasil sem validar seu diploma não é importá-lo, é contrabandeá-lo. Existe uma pergunta fundamental ainda não respondida pelas autoridades: se o governo trouxer um médico sem validação de currículo para o Brasil e este com um erro durante o trabalho, de quem será a culpa? Do próprio médico ou do governo que o trouxe para cá, sem a cautela de avaliá-lo?