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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O terceiro centenário começa agora - Marcos Magalhães, sobre palestra de Ricupero na ABL

 Um belo texto de Marcos Magalhães sobre a palestra do embaixador Ricupero na ABL.

O terceiro centenário começa agora

Marcos Magalhães

Jornal Metrópoles, 6/09/2022

 

Pouca gente circulava nas ruas do centro do Rio de Janeiro no fim da tarde da última sexta-feira, como costuma acontecer desde a pandemia. Mas uma pequena multidão disputava as últimas cadeiras disponíveis em um auditório da Academia Brasileira de Letras para assistir a uma palestra do embaixador Rubens Ricupero.

Ex-ministro da Fazenda, do Meio Ambiente e da Amazônia na década de 90, ele foi escalado pela academia para falar sobre o “Brasil em um mundo de acelerada transformação”, dentro do ciclo de debates sobre o bicentenário do país.

Aos 85 anos, ele lançou duas perguntas à audiência. A primeira, mais histórica: o que se fez na diplomacia nos últimos 200 anos? A segunda, prospectiva: o que se pode fazer ao longo dos próximos 100 anos?

As duas perguntas indicam uma terceira, que deveria estar no centro dos debates quando o país chega aos dois séculos de independência: qual é o lugar do Brasil no mundo neste começo do século 21?

Para Ricupero, poucos países devem tanto à diplomacia como o Brasil, que hoje tem um território dois terços superior ao que teria inicialmente e que vive em paz há 152 anos com todos os seus vizinhos.

Coube ao Barão do Rio Branco no início do século 20, como recordou o embaixador, tecer a estratégia de política externa adotada como bússola por décadas à frente. A postura do Brasil, segundo o antigo chanceler, era a de um país “amante da paz, conciliador e avesso à loucura das hegemonias”.

O otimismo do Barão o levou, durante discurso em 1905, a prever que o Brasil estaria entre as maiores nações da América Latina que, a seu ver, alcançariam em 50 anos condições de se colocar, juntamente com os Estados Unidos, entre as mais poderosas do mundo.

Não chegamos nem perto disso. E, neste início de século, o Brasil bicentenário está diante de um mundo tomado por múltiplas crises. Depois da crise financeira de 2008, recordou o embaixador, ocorreram o “retorno com força” da extrema direita, a ameaça de uma nova guerra fria, desta vez entre Estados Unidos e China, e a invasão da Ucrânia.

Como se isso não bastasse, o mundo sofre com catástrofes naturais “com digital humana”, como a pandemia e o aquecimento global. Ameaças contra as quais de nada vale o poder militar e econômico e que exigem cooperação em tempo de renovadas rivalidades geopolíticas.

É diante desse cenário cheio de desafios que se coloca a segunda pergunta: o que fazer nos próximos 100 anos? Ou, em outras palavras, como o Brasil quer se colocar no mundo?

As reflexões bem que poderiam ter lugar de destaque nas campanhas eleitorais desse ano do bicentenário. Mas cedem espaço, em momento de radicalização política, à discussão de medidas econômicas de curto alcance e a novos episódios das guerras culturais.

O próprio 7 de setembro foi raptado pela disputa eleitoral. A data nacional passou a ser vista como o momento máximo de mobilização promovida pelo atual governo em busca de reeleição. Uma celebração partidária, longe de uma data a ser pacificamente celebrada por toda a nação.

Longe dos comícios, Ricupero ensaiou, em sua palestra na Academia Brasileira de Letras, possível resposta aos atuais desafios internacionais. Se não é possível atender às expectativas de 1905 do Barão do Rio Branco, observou, o país pode buscar um caminho alternativo.

“Outro estilo de ser potência é possível, que não militar ou econômica”, disse Ricupero. “Uma potência ambiental, de direitos humanos, de promoção de igualdade racial e social, solidária a fracos e a vulneráveis”.

Para sair em defesa desses valores, recordou o embaixador, será necessário que os coloquemos em prática aqui mesmo, até mesmo para que venhamos a conquistar a autoridade necessária a essa postura diante do resto do mundo.

Ou seja, a adoção de uma nova agenda interna – baseada na defesa do meio ambiente, na redução das desigualdades e do combate ao racismo e a outras discriminações – seria a base necessária para a construção de uma renovada agenda externa.

O protagonismo baseado no exemplo já ocorreu em passado recente. A partir de uma bem-sucedida política em defesa da Amazônia, o Brasil passou a ser visto pelo resto do mundo como parceiro necessário nos principais foros de debates sobre a questão ambiental.

A aceleração do desmatamento nos últimos três anos, acoplada à perplexidade na comunidade internacional diante da percepção de risco de uma possível ruptura institucional, retirou do país muito do protagonismo exercido nas últimas décadas.

Se o Brasil pretende reconquistar apoio e simpatia internacionais, precisará primeiramente mudar a sua agenda interna. E essa mudança só poderá ser promovida pelo governo a ser eleito em outubro.

O ano de 2023 será o primeiro ano do terceiro século do Brasil como país independente. Se o bicentenário pegou o país no contrapé, dividido e radicalizado, será sempre possível corrigir o rumo. A adoção de uma nova agenda social e ambiental, como defendeu Ricupero, pode bem ser o início desse novo momento da nossa história.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

 


A revista Foreign Affairs comemora cem anos, 1922-2022

Eu li esse artigo doElihu Root, no primeiro número da Foreign Affairs, em 1922, que se pronunciava por uma diplomacia "popular", aberta e "transparente", ou seja, tudo o que os EUA não fizeram nas suas intervenções externas no entorno imediato do Caribe e da América Central e depois, no mundo todo, no auge do seu poderio, pós-IIGM.

Root esteve no Brasil, em 1906, para a conferência americana organizada por Rio Branco. Foi daí que nasceu a ilusão de uma aliança não escrita, à qual os EUA jamais subscreveram.

A Foreign Affairs é uma boa revista, mas costuma expressar os pontos de vista da plutocracia americana, que manda na política externa, e os artigos acadêmicos dos wisest and brightest da costa leste, que são tão imperialistas quanto os primeiros.

Paulo Roberto de Almeida

Foreign Affairs, centennial issue

One hundred years ago, former Secretary of State Elihu Root opened the first essay in the first issue of Foreign Affairs with what may have seemed, in September 1922, a striking claim: that the development of foreign policy could no longer be confined to foreign ministries. “Democracies determined to control their own destinies object to being led, without their knowledge, into situations where they have no choice,” Root wrote. But such determination had to be matched by an effort to spread “knowledge of the fundamental and essential facts and principles upon which the relations of nations depend.”

 

Since then, thousands of articles have appeared in these pages. Many have, for good and for ill, helped set the course of U.S. foreign policy and international relations—perhaps most famously, George Kennan’s “X” article, which laid out Washington’s Cold War strategy of containment. Others have challenged the thrust of policy or questioned assumptions about the world. All have taken up Root’s basic charge, seeking to drive a debate that, by design, spans practitioners, experts, and a much broader engaged readership (hundreds of times larger than it was in Root’s day), in the United States and around the world.

 

Foreign Affairs is now much more than the issues that arrive in mailboxes and appear on newsstands every two months. You can read new articles daily at ForeignAffairs.com. You can hear our contributors elaborate on their arguments in our podcast, the Foreign Affairs Interview, or in live events. You can discover gems from our archives in weekly newsletters. To all of these, we strive to bring the same ambition of argument, the same clarity of analysis, the same credibility of authorship borne of singular experience and expertise, the same eye to policy response—to what should be done, not just to admiring the problem.

 

With this issue, you’ll notice a redesigned look for the print magazine, meant to reflect our tradition and to convey the substance and shelf life of what each copy contains. It comes at a moment when international relations are as fraught and uncertain, and U.S. foreign policy as vexed and challenged, as at any point in recent memory, when the forces of the past intersect with new ones in uniquely perilous ways.

 

Many of the essays in this issue trace the enduring influence of history—through American power, through democracy and technology, through China and Russia, through race and its impact on the foreign policy establishment (including this magazine). Our book reviewers, similarly, look both backward and forward, each naming a few titles essential to understanding the past century and a few essential to anticipating the century ahead. These contributions do “not represent any consensus of beliefs,” in the words of founding editor Archibald Cary Coolidge; instead, they reflect his pledge to “tolerate wide differences of opinion . . . seriously held and convincingly expressed.” Foreign Affairs, Coolidge stressed, “does not accept responsibility for the views expressed in any article, signed or unsigned, which appear in its pages. What it does accept is the responsibility for giving them the chance to appear there.”

 

The central claim of the magazine’s first-ever essay—that a good foreign policy demands deep, open, and broad debate—may no longer seem as striking as it did in September 1922. Yet all we do is meant to fulfill that commitment, one as vital now as it was 100 years ago.

Notas pouco musicais sobre os centenários do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Notas pouco musicais sobre os centenários do Brasil 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Uma pequena nota sobre um grande acontecimento.

 

 

O primeiro centenário da independência do Brasil, em 1922, foi marcado por uma exposição internacional no Rio de Janeiro e pela visita do então presidente português ao país; ela teve certo ar de grande comemoração, pois que, além daquela exposição foram publicados alguns livros e realizados certos eventos com características claramente culturais e educativos, voltados para a enaltação da herança portuguesa e por uma sensação de modernidade a ser alcançada nos quadros de um país que se reencontrava consigo mesmo. 

O segundo centenário, em 2022, também foi marcado pela visita do chefe de Estado de Portugal, entre alguns poucos outros, mas não teve nenhuma exposição internacional celebratória, que foi substituída por desfiles militares com toques de palanques eleitoreiros que sequestraram a data em favor do dirigente de plantão. Esta é parte oficial de uma data que deveria ser apenas cívica-militar, e que se transformou em comício eleitoral.

Muitos outros eventos estão sendo feitos em todos os cantos do país, por iniciativas de várias entidades da sociedade civil, assim como por dezenas de grupos mais ou menos vinculados aos estudos da história do Brasil, com livros e seminários enriquecendo o conhecimento do nosso passado, em especial o momento da Independência, ou separação de Portugal. Esse tipo de comemoração evocativa da história do país continuará a ser feito pelo resto do ano por diversas entidades civis que buscam resgatar a data em favor de uma legítima manifestação patriótica, não política, como infelizmente está sendo em 2022.

O que se teve por parte do governo que tomou posse em janeiro de 2019, e durante todo o resto do mandato, foi uma sucessão de palanques políticos em todas as oportunidades dos últimos três anos e oito meses, com uso do dinheiro público para finalidades pessoais. A nação, que estava dividida em 1822, entre os que pregavam a continuidade da união com Portugal e os que preferiam a secessão imediata, está ainda mais dividida do que nunca esteve antes em qualquer data comemorativa nacional. 

A promessa do bicentenário de setembro de 2022, sequestrado por um candidato às eleições de outubro, e que lamentavelmente é o chefe de Estado e comandante das Forças Armadas, é a de que a nação continuará dividida, bem mais do que em 1822, ou em 1922, quando revoltas militares e Estado de sítio foram uma constante ao longo do ano e durante todo o mandado de um presidente que foi provavelmente eleito pela fraude deliberadamente construída, como era o hábito na primeira República. O que se espera de uma data magna, como o dia da Independência, é justamente a celebração da unidade nacional, e não a luta entre “bem e o mal”, como novamente reafirmado nesta ocasião.

No intervalo entre o primeiro e o segundo centenário, a ditadura militar promoveu uma celebração pelo sesquicentenário da independência, em clima de grande exaltação pelo vigoroso crescimento econômico registrado até aquela conjuntura (a crise se instalou em 1974, mas foi contornada durante alguns anos pelo “pau na máquina” do governo militar), tendo tido a brilhante ideia – ironia intended – de trazer os ossos do primeiro imperador para passear por todo o Brasil. A sociedade civil, inclusive o Conselho Nacional de Educação, promoveu muitas publicações alusivas aos 150 anos da independência, e foi o que de mais relevante ficou dessa data ensombrecida pela terrível repressão que se abateu sobre a oposição política depois do AI-5 de 1968, com assassinatos, torturas e desaparecimentos.

De minha parte, tendo tido meus principais professores do curso de Ciências Sociais da USP cassados logo no primeiro semestre de 1969, escolhi sair do país um ano depois, interrompendo meus estudos no segundo ano, e retomando os estudos, de graduação, mestrado e doutoramento nos próximos sete anos passados no exílio europeu. Quando voltei, ainda no regime militar, ingressei quase de imediato na carreira diplomática, sem que minhas atividades contrárias à ditadura tenham sido detectadas pelos espiões do regime no exterior, sob a forma de muitos artigos escritos sob pseudônimo. Mas não escapei à vigilância dos agentes do Serviço Nacional de Informações da capital federal desde que desembarquei em Brasília: descobri, muitos anos depois, nos registros do SNI depositados no Arquivo Nacional de Brasília, que eu tinha sido fichado em 1978, como “diplomata subversivo”, por atividades no quadro das manifestações em favor da anistia e da redemocratização do país. Nessa época e até o final do regime, eu usei “nomes de guerra”. Foram uma constante em várias épocas.

No sesquicentenário de 1972, eu estava, portanto, fora do país, trabalhando de forma ativa em prol do Tribunal Russell, que, depois de condenar os Estados Unidos pela guerra do Vietnã, se preparava para condenar a ditadura militar do Brasil. Fomos “atropelados” pelo golpe sangrento de Pinochet contra o governo de Allende, no Chile, e os eventos de 1973, na Europa, foram bem mais voltados para o Chile, do que para o Brasil. De fato, o golpe militar chileno, assim como a ditadura argentina a partir de 1976, foram muito mais sanguinárias do que a ditadura brasileira, que acumulou ainda assim um saldo horrífico de exações.

Por ocasião deste bicentenário, em 2022, encontro-me em Brasília, continuando a fazer o que sempre fiz em toda a minha vida: ler, refletir, escrever, eventualmente divulgar minhas reflexões pelos canais ao meu alcance, ao lado de atividades mais profissionais nas últimas décadas, a diplomacia profissional e as lides acadêmicas em paralelo. Meu foco preferencial, até por obrigação profissional, ficou concentrado em relações internacionais, na política externa do Brasil e na história de sua diplomacia, com muitos livros acumulados nesses temas. É um pouco isso que continuarei fazendo, nos próximos anos, enquanto minhas forças e o estado de minha mente ajudarem nesse tipo de ocupação intelectual. 

Bom bicentenário a todos!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4232: 7 setembro 2022, 2 p.


terça-feira, 6 de setembro de 2022

O Brasil na ONU: quatro anos impossíveis de serem acomodados na nossa trajetória exemplar de diplomacia multilateral

O Embaixador Seixas Corrêa, ex-SG e severo censor das liberdades diplomáticas enquanto teve poder – ficou deprimido com a gestão do seu genro durante a primeira fase da da diplomacia lunática do bolsolavismo, entre 2019 e março de 2021 – compôs três edições da magnífica obra "O Brasil nas Nações Unidas", compilando todos os discursos de representantes do Brasil na abertura do debate geral da Assembleia das Nações Unidas, todo ano em setembro, geralmente feitos pelos chanceleres, algumas vezes por presidentes, sobretudo depois da redemocratização, outras vezes por delegados especiais. 

A última (3a.) edição foi feita ao início da gestão da desastrada Dona Dilma, e aí parou. Poderia ter recolhido ainda os posteriores a 2011 e mesmo os três do Temer, entre 2016 e 2018. Mas cabe parar por aí. Uma nova edição JAMAIS poderia contemplar as declarações destrambelhadas e histriônicas do lunático que ocupa o poder, pois que seus discursos NÃO TÊM NADA A VER com o espírito e a letra dos 72 discursos anteriores, dado o caráter absolutamente surrealista da retórica maluca do capitão, falando mais de política interna do que externa, e, como sempre, mentindo desbragadamente (sobretudo na parte ambiental e social). Enfim, este é último ano do besteirol.

Eu já disse que precisaria colocar um parêntese nos quatro anos de diplomacia alucinada e alucinante destes quatro anos, encerrar todas as bobagens numa arca blindada e jogar no fundo do mar envolta em concreto. E esquecer a vergonha.

Paulo Roberto de Almeida


Bolsonaro decide ir à Assembleia da ONU às vésperas do primeiro turno

Presidente vai a Nova York (EUA) entre os dias 19 e 20 de setembro. Primeira fase das eleições ocorre em 2 de outubro

Flávia Said
Metrópoles, 06/09/2022

O presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), decidiu viajar aos Estados Unidos, no fim de setembro, para a abertura da 77ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Tradicionalmente, cabe ao presidente do Brasil abrir a lista de oradores da conferência, que reúne mais de 100 líderes na sede da organização, em Nova York.

Segundo o Itamaraty, Bolsonaro estará no país entre 19 e 20 de setembro de 2022. A Assembleia ocorre de 19 a 26 de setembro. O primeiro turno das eleições gerais brasileiras ocorre em 2 de outubro. Já o segundo turno, se houver, está marcado para 30 de outubro.

Em abril de 2016, em meio a processo de impeachment, a então presidente Dilma Rousseff (PT) discursou na tribuna da ONU. Na época, a Câmara dos Deputados já havia autorizado a instauração de processo de impeachment, por 367 votos a favor e 137 contra. No discurso perante os chefes de Estado mundiais, Dilma disse que o Brasil vivia um “grave momento”, com uma sociedade que construiu uma “pujante democracia” e que o povo saberia “impedir quaisquer retrocessos”.

Esta será a quarta vez que Bolsonaro participará do evento das Nações Unidas. Em 2019, o presidente afirmou aos demais chefes de Estado que o Brasil tinha “compromisso solene” com a preservação ambiental e defendeu a soberania na Amazônia.

Em 2020, o mandatário brasileiro participou da assembleia de forma remota, em razão da pandemia de coronavírus. Na ocasião, o titular do Planalto disse que o Brasil era “vítima” de campanha “brutal” de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.

Em 2021, afirmou que o Brasil estava “à beira do socialismo”. E frisou que o país não é a favor da exigência de comprovação de vacinação contra a Covid-19.

https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/bolsonaro-decide-ir-a-assembleia-da-onu-as-vesperas-do-primeiro-turno


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Diplomacia brasileira faz 200 anos e busca se reinventar - Thiago Bethônico (FSP)

 


 

Diplomacia brasileira faz 200 anos e busca se reinventar

Sob Bolsonaro, Itamaraty tem desafio de romper com isolamento externo

 

Thiago Bethônico

Folha de S. Paulo, 4.set.2022 às 23h15

 

SÃO PAULO

Quando se emancipou de Portugal, o Brasil teve de conquistar o reconhecimento da comunidade internacional sobre sua soberania. É por isso que a Independência, cujo bicentenário é celebrado nesta quarta (7), também marca o nascimento da diplomacia brasileira, que chega aos 200 anos com o desafio de romper com o isolamento do país e a imagem de pária adquirida durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

 

A independência inaugura uma diplomacia nacional propriamente dita, que começa sob a batuta de José Bonifácio (1763-1838). Considerado um dos principais conselheiros de dom Pedro 1º, ele se torna o primeiro chanceler do Brasil —embora não fosse esse o título oficial.

 

"No começo, o Brasil tinha algo como quatro funcionários e mais dois mensageiros a cavalo. Essa era toda a diplomacia na época de José Bonifácio", diz Rubens Ricupero, embaixador e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda.

 

O objetivo de Bonifácio era o Brasil ser reconhecido sem fazer nenhuma concessão à Inglaterra, principal potência da época. A atitude soberana não consegue prosperar. Em 1823, o chanceler é derrubado do cargo, preso e exilado com a dissolução da Assembleia Constituinte por dom Pedro. O próprio imperador assume as relações exteriores do Brasil —e com uma postura completamente oposta.

 

No afã de obter rápido reconhecimento, e também interessado em assegurar direitos ao trono de Portugal, dom Pedro 1º se dobra à Inglaterra e aceita um tratado cheio de concessões. O Brasil se compromete a assumir metade da dívida externa portuguesa, sendo que boa parte dela havia sido contraída exatamente para combater a independência brasileira. Daí vem a ideia de que o país teria comprado sua emancipação.

 

Curiosamente, as duas estratégias de inserção internacional que dominaram o primeiro momento do Brasil independente —a posição soberana pretendida por Bonifácio e o alinhamento a uma grande potência adotado pelo imperador— marcam os padrões que a diplomacia seguiu ao longo de seus 200 anos.

 

Do fim do século 19 até os anos 1930, a política externase moldou de acordo com desdobramentos do imperialismo europeu. É nesse contexto que a atuação do Barão de Rio Branco (1845-1912) para consolidar as fronteiras nacionais ganha destaque. Considerado o patrono da diplomacia brasileira, ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, e adotou uma postura de aproximação com os Estados Unidos.

 

A proximidade com Washington promovida por Rio Branco se tornará um paradigma da política externa brasileira por um bom tempo. No governo Dutra (1946-1951), a postura foi tão marcante que ganhou o título depreciativo de alinhamento automático.

 

O retorno a uma estratégia de inserção internacional autônoma só ocorre com Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964), que promovem uma política dita não subordinada aos norte-americanos. Mas a postura independente acaba com o golpe militar. O governo de Castelo Branco, o primeiro da ditadura, representa uma aposta quase total nos EUA.

 

Segundo Ricupero, 1964 foi a primeira vez que uma questão de política externa se torna uma causa importante de golpe de Estado no Brasil. "Todos os outros golpes tinham sido por questões internas.

 

Dessa vez a política independente que era vista pela direita como pró-Cuba foi um elemento poderoso", afirma.

 

É a partir do governo Geisel (1974-1979) que ocorre um afastamento em relação aos EUA, e uma política externa mais independente volta à superfície. Até o fim da ditadura, apesar das diferentes estratégias, houve uma certa compatibilidade de valores, baseados em autonomia e participação maior no mundo, sem visão ideológica. A lógica muda com o governo Bolsonaro.

 

Para o historiador Rodrigo Goyena Soares, o Brasil vive o seu pior momento nas relações externas desde José Bonifácio. Além de romper com uma tradição secular do multilateralismo, a diplomacia bolsonarista, ele afirma, opta por um alinhamento motivado por razões particulares e ideológicas.

 

O historiador Thiago Krause concorda e diz que é possível notar ecos da postura de dom Pedro 1º em Bolsonaro, como os impulsos autoritários e a preocupação excessiva com a questão familiar.

 

"Poderíamos pegar momentos mais brutais da política externa, como o apoio à ditadura do Pinochet, a Operação Condor, ou o fim da Guerra do Paraguai, mas em termos de estatuto do Brasil no mundo, acho muito difícil pensar num momento em que o país seja mais pária do que agora."

 

Ricupero concorda. "O período de Ernesto Araújo é o pior do pior. É quando o Brasil destrói todo o patrimônio de soft power que havia acumulado", afirma.

 

Na visão de Krause, os principais desafios da política externa brasileira hoje incluem a construção de uma política ambiental crível para reposicionar o Brasil na discussão climática e a reconstrução dos laços com a América Latina e com o Sul Global.

 

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/09/diplomacia-brasileira-faz-200-anos-e-busca-se-reinventar.shtml

Bicentenário da Independência: os fundadores do Estado - Paulo Roberto de Almeida (evento do IAB Nacional)

 Bicentenário da Independência: os fundadores do Estado  


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para palestra em seminário do IAB sobre o Bicentenário, 5/09/2022, 10:30hs. Transmissão via Canal YouTube/IABNacional: www.youtube.com/user/tviab  

 

Falar sobre os fundadores do Estado brasileiro, 200 anos atrás, significa distinguir, de um lado, aqueles que colocaram os alicerces fundamentais da nova nação independente na América do Sul portuguesa, em 1822, e, de outro lado, aqueles que, a partir de 1824, com a Constituição outorgada – depois da iniciativa frustrada da Assembleia Constituinte –, passaram a construir todas as demais instituições do Estado, desde a formação da Assembleia Geral e do Senado, a criação da Suprema Corte, processo que se estendeu bem além do primeiro Reinado e das próprias Regências, tocando em muitas outras agências públicas, na segurança e defesa, na justiça (com os códigos de processo), na administração do orçamento e em diversos outros terrenos.

A construção do Estado propriamente dito é feita na sequência daquele momento inicial, quando se constituem gabinetes essencialmente brasileiros, voltados para as questões nacionais – não as de Portugal, como sob Pedro I – e se definem as linhas das políticas doméstica e externa, durante as Regências e ao início do segundo Reinado, depois do golpe da maioridade de 1840, uma iniciativa dos Liberais, depois recuperada pelos conservadores ou regressistas. O Regresso, ou Partido Saquarema, é o verdadeiro construtor do Estado brasileiro, com homens como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Honório Hermeto Carneiro Leão, Rodrigues Torres, Paulino Soares de Souza e vários outros; foram eles que realmente colocaram de pé uma configuração política e de segurança pública, que deu cabo das revoltas provinciais das regências e da primeira fase do reinado de Pedro II, assim como souberam encontrar uma solução ao primeiro grande conflito externa, a disputa com a Grã-Bretanha em torno da questão do tráfico escravo. Esta é, no entanto, a segunda geração dos construtores do Estado, a que se desempenha no final do período regencial e nos anos 1840-50.

Minha intenção seria falar da primeira geração, aquela que levou o então Reino Unido, quase reduzida a uma nova condição de colônia pelas Cortes de Lisboa, à sua separação de Portugal, decretando a independência política e obtendo o reconhecimento internacional do Império do Brasil. Quanto a seus componentes, cabe mencionar, antes de todos os homens, a princesa Leopoldina, que verdadeiramente tomou a decisão de romper com Portugal, apoiada por estadistas da qualidade de José Bonifácio de Andrada e Silva. Antes mesmo dos estadistas de 1822, três intelectuais e formadores de opinião, já tinham pensado o Brasil como nação e como Estado. Eles são José da Silva Lisboa, Hipólito da Costa e José Bonifácio, que por acaso figuram em primeiro lugar na lista de duas dezenas de estadistas que integram meu livro, recentemente publicado, sobre os Construtores da Nação, os que formularam projetos para o Brasil, muito poucos implementados de fato.

José da Silva Lisboa, o Adam Smith brasileiro, é o mais velho dos três, o primeiro economista de fato – não esquecendo o bispo Azeredo Coutinho, fundador do seminário de Olinda – o intelectual baiano, súdito fiel dos Braganças, quem primeiro escreveu sobre a economia e a política econômica que o Brasil deveria ter, desde o Vice-Reino, com seu livro Princípios de Economia Política, de 1804. Com a chegada da corte ao Rio de Janeiro, ele passa a discutir a política comercial e industrial que o Brasil deveria seguir, como sede do grande império português; ele o faz com seus livros sobre o comércio franco do Brasil, de 1808, e um outro, sobre a franqueza da indústria, de 1810. Silva Lisboa só se tornou barão, depois visconde de Cairu no primeiro Reinado, quando foi contemplado pelo imperador com esses títulos de nobreza e com o cargo de senador do Império. 

Mas, sua obra básica para a construção da nação foi escrita ainda antes da Revolução do Porto e da Independência: ela foi os Estudos sobre o Bem Comum, de 1819, onde estão reunidos os fundamentos sobre os quais deveria se apoiar uma sólida política econômica para o fortalecimento da nação brasileira, prevendo inclusive a rejeição do tráfico e a abolição da escravidão, assim como o aproveitamento das vantagens comparativas do imenso território e a formação do seu capital humano. Silva Lisboa, como economista e liberal político, foi não só o Adam Smith brasileiro, mas também o seu David Ricardo, o Frédéric Bastiat, o Jean-Baptiste Say, o James Mill e talvez até o John Stuart Mill, menos talvez pelos seus impactos efetivos sobre o novo Estado do que pelos seus escritos duradouros, ainda válidos.

Em segundo lugar eu colocaria Hipólito da Costa, quem, recém egresso de Coimbra, recebeu do ministro português Rodrigo de Souza Coutinho a missão de descrever o que havia de novo, e de útil para Portugal e para o Brasil, na jovem República americana, o que ele fez em sua estada de investigação econômica de 1798-1799. Dessa missão resultou o seu relato de viagem à Filadélfia, que só viemos a conhecer em 1955, graças a Alceu Amoroso Lima, que recuperou o manuscrito na Biblioteca de Évora e o fez publicar pela Academia de Letras. Hipólito retornou maçom dessa viagem e, como tal, foi detido pela polícia política do absolutismo português e entregue à Inquisição. Ele relatou, na Narrativa da Perseguição (que publicou em Londres em 1810), os interrogatórios a que foi submetido entre 1802 e 1805, quando se evade do cárcere e se refugia em Londres. Na capital britânica, com o apoio do príncipe de Gales, maçom igualmente, ao Correio Braziliense, que ele publica ininterruptamente de 1808, desde o momento da instalação da corte no Rio de Janeiro, até 1822, já tendo aderido ao princípio da separação dos dois reinos. Pela densidade substantiva do seu “armazém literário”, cobrindo praticamente todos os aspectos do mundo europeu e americano que poderiam interessar à construção de sua nação de origem, ele merece legitimamente que se o chame de primeiro estadista do Brasil.

Finalmente, temos José Bonifácio, que retorna ao Brasil em 1819, depois de três décadas de estudos por diversos países europeus (inclusive a França revolucionária do final do século XVIII) e de engajamento na resistência portuguesa contra a invasão napoleônica. Foi ele quem redigiu as instruções aos delegados de São Paulo às Cortes de Lisboa, já defendendo o formato de Estado que ele pretendia favorecer, a manutenção da união política entre Portugal e o Brasil, junto, aliás, com Silva Lisboa e o próprio Hipólito. Para os três, o Brasil deveria ser a sede de um importante império luso-brasileiro, junto com as demais colônias, que poderia figurar lado a lado com outros importantes impérios em formação.

Os principais projetos de Bonifácio para a construção da nação brasileira, assim como para Hipólito, eram a abolição imediata do tráfico escravo, a eliminação gradual do regime servil, pari passu à importação de agricultores europeus, para fazer do Brasil a grande economia que já figurava nas previsões de Silva Lisboa. Mas ele também tinha o projeto, algo utópico, de “civilizar os índios”, ademais da firme intenção de fundar universidades, mudar a capital para o interior e muito mais. Ainda antes da independência, no manifesto às nações amigas de agosto de 1822, ele se pronunciava pelo liberalismo comercial, mas também pelo respeito mútuo e plena reciprocidade no trato internacional e pela facilidade de ingresso no país de sábios, artistas e empresários. 

O trio de fundadores da nação brasileira, Silva Lisboa, Hipólito e Bonifácio, tinham peculiaridades próprias nas ideias e propostas formuladas por cada um deles, como grandes intelectuais iluministas que eram, mas concordavam no essencial: preservar, acima de tudo, a unidade nacional, instituir um regime político liberal, abrir a economia, eliminar o tráfico e a escravidão, importar capital humano e ganhar o respeito da comunidade internacional. Conseguiram algumas coisas dos seus grandes objetivos, mas se estivessem conosco nos 200 anos da independência, saberiam indicar as grandes carências remanescentes: a desigualdade renitente, os desequilíbrios sociais e regionais persistentes, o edifício político ainda pendente da eliminação do patrimonialismo e dos privilégios inaceitáveis. Estiveram entre os primeiros construtores da nação, mas seus projetos para o Brasil ainda não foram completados. 


Brasília, 4228: 4 setembro 2022, 3 p.

Bicentenário da Independência: A Construção da Nação e o seu futuro - Canal YouTube do IAB, 5/09/2022, 10:00hs

Nesta manhã, 5/09/2022, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), promove mais um evento da série Bicentenário da Independência, desta vez sobre A Construção da Nação e o seu futuro

O Evento será transmitido pelo Canal YouTube/IABNacional.

Clique no link abaixo para assistir ao webinar: 

www.youtube.com/user/tviab


Uma síntese perfeita sobre os sentidos do liberalismo, em John Locke e em Pierre Manent, por Alex Catharino

Uma síntese perfeita sobre os sentidos do liberalismo, em John Locke e em Pierre Manent

Alex Catharino


Há exatos 390 anos, em 29 de agosto de 1632, em Wrington, Somerset, na Inglaterra, nasceu o médico e filósofo John Locke, falecido, aos 72 anos, em High Laver, Essex, no mesmo país.

Além de ser notável representante do empirismo britânico, devido as reflexões epistemológicas no "Ensaio acerca do Entendimento Humano", de 1689, suas concepções políticas, nos "Dois Tratados sobre o Governo", de 1689, e nas três "Carta sobre a Tolerância", publicadas, respectivamente em 1688, em 1690 e em 1692, fizeram que a maioria dos analistas considerasse John Locke como o "pai do liberalismo".

Nesta semana, em memória desse pensador inglês, recomendamos o livro "História Intelectual do Liberalismo: Dez Lições", do cientista político francês Pierre Manent, disponível, atualmente, em língua portuguesa em lançamento da Edições 70 (@edicoes_70).

Além do prefácio introdutório, de uma nota final, e do posfácio "Grandeza e Miséria do Liberalismo", escritos pelo próprio autor, a obra é dividida nos respectivos capítulos: I) "A Europa e o Problema Teológico-Político", II) "Maquiavel e a Fecundidade do Mal", III) "Hobbes e a Nova Arte da Política", IV) "Locke, o Trabalho e a Propriedade", V) "Montesquieu e a Separação dos Poderes", VI) "Rousseau, Crítico do Liberalismo", VII) "O Liberalismo Depois da Revolução Francesa", VIII) "Benjamin Constante e o Liberalismo de Oposição", IX) "François Guizot, o Liberalismo de Governo", X) "Alexis de Tocqueville, o Liberalismo Perante a Democracia".

Nas sentenças finais de seu posfácio, Pierre Manent fez a seguinte advertência aos liberais contemporâneos:

"É verdade que o liberalismo fez recuar o cristianismo para a periferia da vida coletiva. Todavia, despeito de seu triunfo, não se pode substituir inteiramente a ele, porque define apenas as condições da ação, e nunca as suas finalidades, como fez o cristianismo. É a relação com o cristianismo, bem mais do que a questão da organização econômica, que é fundadora e formadora do liberalismo. É essa relação que temos de nos esforçar por desembaraçar, se quisermos chegar à clareza sobre o destino das sociedades liberais".

Alex Catharino

Cabe aguardar o golpe ou preveni-lo? - Paulo Roberto de Almeida

 Comentário a propósito da contrariedade de muitos a respeito da ação do ministro Alexandre de Moraes, mandando investigar empresários golpistas, considerando-a inconstitucional.

O problema de minimizar simples ameaças verbais é a possibilidade de um dia nos deparamos com o horror de uma ditadura cruel. 

Em 1926-27, quando foram publicados os dois volumes do Mein Kampf, não se deu muita importância aos argumentos de um golpista de instintos totalitários, já anunciando a luta contra bolcheviques e judeus. 

A obra só começou a ser lida, de fato, depois que Hitler já tinha transformado a turbulenta República de Weimar numa ditadura assassina. 

Como alertou Karl Popper, não se pode ser tolerante com os intolerantes, pois eles podem simplesmente matar a democracia.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 5/09/2022

Vergonha do Brasil e do Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

 Vergonha do Brasil e do Itamaraty: uma expressão pessoal de meu profundo desconforto moral com o desgoverno que rebaixa o conceito externo da nação.

Ingressei na carreira diplomática em plena ditadura, e durante alguns anos continuei resistindo ao regime militar, usando nomes de guerra para escrever contra o autoritarismo e mesmo contra aspectos da “diplomacia blindada” que tivemos em algumas fases da ditadura. 

Mas a política externa não era o pior aspecto do regime militar, quando comparada, por exemplo, à idiotice da censura política e da repressão cultural, ou até, no limite, à repressão desapiedada de opositores pacíficos do regime, entre os quais eu me incluía.

Melhoramos muito em todos os aspectos desde 1985, embora a vergonha das desigualdades sociais tenha continuado impérvia desde então, a despeito de melhorias pontuais em governos passados.

Mas um aspecto passou a me constranger desde as eleições presidenciais de outubro de 2018: jamais, até 2018-19, senti tanta vergonha da política externa e da diplomacia como nos últimos 4 anos.

Tenho profunda tristeza pelo que ocorreu com nossa imagem internacional e com o lado deprimente e depressivo que atingiu — o verbo não é muito forte — o Itamaraty, sobretudo na primeira fase do atual governo, quando a gestão da Casa de Rio Branco esteve entregue à franja lunática que rebaixou o conceito da diplomacia profissional e da própria política externa de forma nunca antes vista na história do país. 

Não consigo imaginar o estado de espírito da maioria dos meus colegas diplomatas e não consigo entender como alguém da carreira possa ainda admitir, apoiar ou defender o atual desgoverno, conduzido por um desequilibrado ex-militar, um indigno representante das masmorras dos anos de chumbo da ditadura militar.

Os valores e princípios da diplomacia profissional brasileira foram espezinhados e conspurcados pelos que humilham a nação no mundo. 

Sei que este meu protesto não tem nenhuma relevância no atual contexto eleitoral; eu apenas desejei registrar meu sentimento num momento decisivo da trajetória do Brasil: vamos atravessar o Bicentenário da Independência numa situação de profunda divisão do país.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5/09/2022

Padres alertam contra a reeleição do atual presidente da República - Carta aberta

Trata-se de algo inédito no Brasil: padres da Igreja Católica tomam a iniciativa de recomendar aos fieis que rejeitem o atual presidente. As razões são claramente expostas no texto a seguir.

Paulo Roberto de Almeida 

 Carta Aberta

Padres alertam contra a reeleição do atual presidente da República

Encontramo-nos, novamente, no período eleitoral. Em 2018 a população, enganada por fake news, desmotivada por crises econômicas, escândalos de corrupção e insuflada por discursos de ódio acabou por eleger para a presidência da República Jair Messias Bolsonaro. Uma catástrofe anunciada! Hoje, distante quatro anos daquele momento, nós Padres, conscientes do nosso dever de pastores do povo de Deus, queremos alertar para o perigo de repetirmos o mesmo erro, que pode pôr o Brasil em uma crise humana muito profunda. Por isso, elencamos dez elementos pelos quais, claramente, opomos nossas consciências à reeleição do atual Presidente da República.

1 – Uso do nome de Deus: o atual presidente sempre manipulou o sentimento religioso da população brasileira, tentando convencê-la de que é um homem cristão, religioso e, por isso, digno e bom. Trata-se apenas de uma estratégia de controle das consciências, visto que todo o seu discurso e suas ações são uma total oposição ao Evangelho de Jesus;

2 – Discurso de ódio: o atual presidente insufla ódio na população por aqueles que considera inimigos seus ou do país (ainda que inimigos imaginários como os “comunistas”), tendo sempre um discurso ligado à violência, ao apelo às armas, a imposição da maioria e submissão das minorias, e um tom de agressividade e de desprezo pelos pobres, pelas mulheres, comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, população de rua, comunidade LGBTQIA+, migrantes, etc;

3 – Fake news: toda a eleição de 2018 foi movida por notícias falsas e alarmistas, colocando em pânico a população mais simples e vulnerável. Notícias falsas circularam por grupos de WhatsApp e pelas demais redes socias, desinformando e manipulando a população. Durante todo o seu governo as notícias falsas e caluniosas permaneceram e o Presidente mente de forma compulsiva na TV e em seus diversos pronunciamentos;

4 – Má gestão da pandemia de COVID-19: o governo atual, capitaneado pelo Presidente Bolsonaro, geriu de forma desastrosa e desumana a pandemia de COVID-19. O Presidente fez propaganda de medicamentos comprovadamente ineficazes, atrasou propositalmente a compra de vacinas, criou dificuldades para o estabelecimento de políticas de distanciamento social, demitiu ministros da saúde que contradiziam suas ideias infantis e, incrivelmente, ainda imitou pessoas morrendo sufocadas;

 5 – Volta da pobreza: o país foi imerso na pobreza e 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil de hoje. Nós, que havíamos saído do mapa da fome em 2014, tornamos a ver a instabilidade alimentar em nosso meio. A inflação impede pessoas de comprarem alimentos básicos para a subsistência. Nosso povo passa fome enquanto super ricos cercam o atual Presidente por medo de perderem privilégios. Com tudo isso, o presidente ainda nega que existam pessoas com fome no Brasil;

6 – Aumento do desmatamento: O desmatamento ilegal, as políticas que favorecem o agronegócio irresponsável, favorecimento do garimpo ilegal, silêncio e despreocupação com as ameaças sofridas por ambientalistas e defensores da Amazônia, o uso de agrotóxicos proibidos em outras partes do mundo, o pisoteamento das comunidades indígenas, o desaparelhamento dos órgãos de controle ambiental e indigenista e a sistemática destruição da Amazônia são escândalos em nível mundial. O atual governo coloca em risco toda a confiabilidade do país e o equilíbrio ambiental através de suas políticas ecocidas;

7 – Sinais claros de corrupção: eleito com discurso anticorrupção, o atual Presidente vive soterrado e soterrando os escândalos de corrupção que o envolvem e envolvem sua família. Escândalos de corrupção na compra de vacinas, escândalos no MEC, interferência na Polícia Federal, desmonte das políticas de transparência fundamentais no combate à corrupção, compra do parlamento através do “orçamento secreto”, movimentações financeiras milionárias não esclarecidas (compra de 51 imóveis com dinheiro vivo), sigilo de 100 anos sobre ações pessoais sendo que somos uma República;

8 – Ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF): o Presidente da República tem sistematicamente atacado o STF, que diz intervir indevidamente no governo. Frases ameaçadoras contra ministros do STF são públicas e estão nas redes socias. A ameaça a um poder da República é um ataque à Constituição Federal e um perigo ao Estado Democrático de Direito. Além disso sustenta um discurso antidemocrático militarista;

9 – Questionamento sobre o processo eleitoral: mesmo tendo sido eleito pelo atual sistema de urnas eletrônicas, o Presidente da República questiona sistematicamente o sistema eleitoral brasileiro, afirmando que houve e que podem acontecer fraudes. Chegou mesmo a afirmar que existiam provas dessas fraudes, provas essas, que nunca pode demonstrar. O TSE já demonstrou que tudo não passa de retórica de mentira. Porém, com esse discurso cria desconfiança e instabilidade no sistema eleitoral do Brasil;

10 – Claros sinais de autoritarismo e fascismo: por fim, o lema do presidente Bolsonaro sempre foi: “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”, que se assemelha a propaganda nazista “Alemanha acima de tudo”, lema que deturpa patriotismo em perigoso nacionalismo. Em um Estado laico a única realidade que está acima de tudo é a Constituição, que existe para garantir a liberdade e o bem estar de todos os cidadãos, não importando suas etnias, religiões ou classes sociais. O Estado laico não é Estado ateu. Estado laico é a única garantia de que todos os cidadãos poderão viver e celebrar suas diversas crenças de forma livre;

Feitas essas considerações, como padres preocupados com o bem da nossa população, recordamos que Jesus veio para que tenhamos vida e vida em abundância (Jo 10,10). Um discípulo de Jesus consciente não pode reeleger um homem que com palavras e obras demonstra ser o oposto de tudo aquilo que Jesus é e anuncia. Deus nos ilumine para sermos fiéis ao Senhor da vida!

Comprometem-se com essa carta mais de 450 padres católicos de diversas Dioceses, Ordens, Congregações e Institutos de Vida Consagrada de todo o Brasil e fora dele, denominados Padres da Caminhada e Padres contra o fascismo, e que refletem e se unem desde 2018 em vista da democracia ameaçada no Brasil.

Brasil, 07 de setembro de 2022


domingo, 4 de setembro de 2022

Vladimir Putin Will Eventually Lose His War in Ukraine. Here’s Why - Sylvain Saurel (Medium)

 Sylvain Saurel

Medium, Sep 1, 2022





Image: Craig Stephens

Russia is likely to lose this war, which began a little over six months ago. It has already lost geopolitically: its existential goal of bringing Ukrainians, who have now turned entirely to the West, back into its sphere of influence has fallen through. Vladimir Putin has pushed Sweden and Finland to join NATO.

His main point of support in Europe, Germany, has been denuded. And the EU-27 will do everything to do without its hydrocarbons. What ally and important outlet does it have left, apart from China? At the risk of a certain vassalization. But what about the outcome of the war itself, which is more important to public opinion than to the protagonists?

The prognosis may seem staggering, given that the world’s second-largest army, on paper, is facing a country with only a handful of operational divisions in 2014. But in the long run, the defeat of the Russian army, at least the loss of the territories conquered since the beginning of the invasion, six months ago, seems likely. The reasons are both economic and military.


Indeed, Western sanctions are considerably hampering the Russian war effort. Certainly, they have not brought its economy to its knees, as some have claimed: this was not possible, given the country’s well-known resilience, and would have been counterproductive, in addition to being ethically questionable.

But key sectors are being strangled by the cessation of Western imports. Car production has been divided by ten by June 2022, domestic airlines will be grounded one after the other due to lack of maintenance. And the strength of the ruble, which is often cited by opponents of sanctions, is nothing but a sham: it is simply because few Russian importers now have to sell rubles to pay for their purchases.

Moscow is betting on a “fatigue” of the European public opinion, for the moment hardly tangible, in particular by cutting gas to push the German industry to implore a lifting of the sanctions. This hypothetical gamble would also deprive it of a third of its foreign exchange earnings. Given the discount on oil sales due to the reputational risk of its customers, once the necessary imports have been paid for, it would only have $300 million a day left to finance its war effort. This is barely enough to replace about 50 Kalibr missiles.

One figure sums up how unequal the current economic tug-of-war is: Russia’s GDP, 1,700 billion dollars, is twenty-eight times lower than that of Kyiv’s allies.

Russian missile stockpile is in free fall — Silence in 6 to 8 months.

Thus, Ukraine benefits from an uninterrupted flow of ultramodern Western weapons, French Caesar guns, British M270 mobile missile launchers, and especially the 16 American Himars batteries, which can destroy a hundred ammunition depots, radar systems, or batteries every day.

Paradoxically, Ukraine has more tanks today than at the beginning of the war, between those captured and those supplied by its allies, while its adversary has lost 1,300, the third of its operational fleet. Moscow has already used up 80% of its stock of cruise missiles, estimated at 3,000 warheads, and cannot reconstitute it, due to a lack of Western electronic components, except for a small amount on the black market. At the current rate of consumption, among the highest in history, of its conventional, short-range, and low-accuracy shells, specialists estimate that its artillery will be silenced in 6 to 8 months.

Moscow has also lost the strategic initiative. Its commandos and airborne troops hardly operate anymore, Chechen fighters are visible only on TikTok and its fleet is practically no longer employed. As for the planes, they are reluctant to enter Ukrainian airspace, at a rate of about fifteen missions per day, and could be neutralized this fall by American Nasams missiles.

Only the artillery, Moscow’s traditional centerpiece, is active at the moment.

Obvious mental wear and tear in the Russian army

American intelligence estimates that one-third of the contingent deployed before the invasion has been put out of action, or 80,000 soldiers killed or wounded. Moscow is now recruiting inexperienced fighters up to the age of 60. Wear and tear is also mental, with reports of desertions, late pay, and alcoholism.

Certainly, Ukraine has probably lost 20,000 to 30,000 men, and its counter-offensive towards the key city of Kherson, announced in early July 2022, is stalling. But it will continue its undermining work, methodically destroying Russian supply lines, now all within range of its missiles, and ammunition depots, targeted almost every day at this moment in this annexed Crimea that Moscow thought was a sanctuary.

Until the Russian troops, isolated, demoralized and deprived of ammunition, have no choice but to retreat or surrender. Because the only plausible outcome now on the Russian side is a humiliating defeat which is likely to make the dictator Vladimir Putin stagger in Russia itself. History has already shown us that bloodthirsty dictators have not been able to resist for long after a defeat as humiliating as the one that awaits Putin in the future.

It is just a matter of time before the defeat of Putin in Ukraine and then his fall in Russia.