O mundo é um palanque
Mac Margolis
O Estado de S. Paulo, 28/09/2014
Mac Margolis é colaborador da Bloomberg View e colunista do 'Estado'
Este mundo é um palanque. Que o diga a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Com a corrida presidencial nas últimas semanas e a promessa de um final suado, a líder brasileira fez o que faz todo mandatário que se preze em momentos difíceis: viajou.
Claro, já constava na agenda presidencial a sua participação da 69.ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Afinal, o Brasil é o país que dá início à solenidade anual da ONU, que reúne chefes de Estado e de governo de 193 nações. Restou para a brasileira - ou seus marqueteiros - o lampejo de amarrar a pompa à circunstância e converter a cúpula global em comício.
Seu discurso não encantou. Como oradora, a presidente é uma excelente tecnocrata. Ela, corretamente, chamou atenção para o desequilíbrio nas instituições de governança multilateral, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para o qual o Brasil reivindica um assento permanente. Exatamente como fez no ano passado, quando Brasília já era voto vencido.
Criticou as grandes potências pela sua queda por soluções militares para os conflitos no Oriente Médio, deixando para a imaginação como seria uma negociação de paz com os encapuzados do Estado Islâmico (EI).
Convocou os pares internacionais para engrossar a luta contra o aquecimento global. Perdeu a oportunidade de explicar porque o Brasil, campeão em derrubada de florestas, não se juntou aos 150 países, 35 empresas, 16 grupos indígenas e 45 grupos da sociedade civil que assinaram o compromisso de reduzir o desmatamento pela metade até 2020, na última Cúpula do Clima.
Na toada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticou os países ricos ("os louros de olhos azuis", como preferiu seu mentor), pelo colapso mundial após a quebra do banco Lehman Bros., crise pela qual o Brasil teria navegado com louvor.
Pulou a parte da pane na economia nacional, que recentemente embicou em recessão técnica, com inflação em alta e confiança do investidor, cadente.
Tocou apenas de raspão no tema da espionagem das agências americanas, que fez dela uma vítima e dominou seu discurso na mesma sala, no ano passado, e quase deflagrou uma crise diplomática entre Brasília e Washington. Mas esse foi o ultraje de ontem.
Hoje, com o segundo mandato em jogo, Dilma tem outro público a convencer. Por isso, enxergou no colegiado das nações um estúdio itinerante de propaganda eleitoral e seu discurso, um 'Café com a Presidenta' pelo teleprompter alheio.
Combate à desigualdade, aula magna de administração econômica, cerco implacável contra a corrupção e apoio total aos direitos dos homoafetivos: o Brasil do governo Dilma representa tudo isso e mais, afirmou.
Como a presidente brasileira, seus pares latino-americanos também escolheram o pódio internacional como atalho para as urnas.
O presidente boliviano, Evo Morales, que concorre à reeleição em outubro, jogou para a sua base andina ao propor um "tribunal do povo" para julgar os "crimes" do presidente americano, Barack Obama.
A presidente argentina, Cristina Kirchner, que sonha em fazer seu sucessor no ano que vem, aproveitou sua vez ao microfone para bater nos credores "abutres", aqueles que ao recusar os termos do acordo geral da dívida teriam levado seu país à oitava moratória externa desde 1820. "Terroristas não são apenas aqueles que jogam bombas", disse a presidente.
Cristina pegou a casa ainda cheia e atenta. Já Nicolas Maduro, da Venezuela, teve de se contentar com alguns gatos pingados. Maduro, enfim, não é Chávez, o orador dublê de bufão que encantava suas plateias com impropérios e blagues.
Dilma teve recepção melhor, em parte pelo peso do Brasil, em parte pelo horário, pois discursou logo antes de Barack Obama.
Do Brasil, emergente titular das Américas, sétima economia do mundo, sócio-fundador do grupo Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul), o mundo talvez imaginasse um discurso à altura. Pena que tenha ouvido mais um programa do horário eleitoral, com tradução simultânea.