Do blog:
Super-Economy
Kurdish-Swedish perspectives on the American Economy
Hayek defeats Marx once again
Wednesday, March 17, 2010
Tino Sanandaji *
Justin Wolfers, a clever up and coming economist, thinks that Friedrich von Hayek was not an important enough economist to be included in the company of Adam Smith, Karl Marx, John Maynard Keynes and Milton Friedman.
He basis this on a search on JSTOR, that shows Hayek to have the same influence as Larry Summers.
But Wolfers methodology is faulty. First of all, it seems to be very sensitive to wording. Second, it does not tell us the influence of the most important idea.
I instead use Google Scholar to look at the number of citations for the 20 most cited works of each economist. Since I can see exactly who wrote what, this does not have the problem associated with Wolfer's method.
The result confirms what (at least my) common sense tells me, Hayek is very influential.
First, number of citations of most cited work (regardless of spelling):
1. Adam Smith (15616).
2. John Maynard Keynes (11445)
3. Friedrich von Hayek (5397)
4. Milton Friedman (3528)
5. Karl Marx (3210)
6. Larry Summers (2082)
Which confirms another point, Hayek's theory on dispersed knowledge is more important than any *single* article Milton Friedman wrote, even though Friedman was a broad guy who made contributions in several parts of economics. Marx does not do as well here, because his followers made their strongest impression conducting revolutions (and more recently analyzing language as a tool of oppression) rather than doing mainstream economics.
Second, number of citations of 20 most cited work:
1. Milton Friedman (35867)
2. Adam Smith (22997)
3. Friedrich von Hayek (22668)
4. John Maynard Keynes (21679)
5. Karl Marx (19695)
6. Larry Summers (13039)
(for those curious, and as a measure of how much a "normal" top economist gets, Wolfers himself has 3170 citations).
By Wolfer's own criteria, a quantitative measure of scholarly influence, Hayek beats or ties with Keynes and with Milton Friedman, and beats Marx in both measures. He is far above Larry Summers (an unfair comparison, since prolific Summers is contemporary, which boosts you in this type of count.).
What Wolfers also fails to take into account is the diversity of the idea. Hayek is extremely original, and his insights about decentralized knowledge and spontaneous order are quite different from mainstream neoclassical arguments for the market.
This is a *plus* for putting him in the textbooks. You don't want a dozen more neoclassical intellectuals who make the exact same argument Adam Smith and Milton Friedman made. Hayek had a unique mind and offered unique insights.
* Tino Sanandaji is a 29 year old PhD student in Public Policy at the University of Chicago, and the Chief Economist of the free-market think tank Captus.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
terça-feira, 25 de maio de 2010
Reforma Agraria: chamando as coisas pelos nomes (Katia Abreu)
O Brasil exibe, atualmente, uma completa inversão de valores, e a sociedade assiste, estupefata, a cenas explícitas de ilegalidades, sancionadas pelo governo.
O texto abaixo restabelece algumas verdades que precisam ser ditas.
A esquerda não quer a reforma agrária
KÁTIA ABREU
O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2010
Nada obsta mais a reforma agrária no Brasil que a manipulação político-partidária que dela se faz. A estratégia criminosa de invasões de terras é a ponta de lança desse processo. Transforma o produtor rural em vilão e o invasor em vítima, numa espantosa inversão de valores. A entidade que tudo patrocina, o Movimento dos Sem-Terra (MST), inexiste juridicamente, o que impede reparações judiciais.
O governo, que deveria garantir a segurança dos contribuintes, faz vista grossa, emite declarações simpáticas aos invasores e chega ao requinte de produzir um decreto, o PNDH-3, em que os considera parte a ser ouvida antes de o invadido recorrer à Justiça para reclamar a reintegração de posse. Pior: financia os invasores, via ONGs constituídas com a única finalidade de gerir uma entidade abstrata, embora concreta em seu objetivo predatório. Acumulam-se aí ilícitos: além da invasão, há o ato irregular governamental, denunciado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, de financiar entidades que burlam a lei.
Quanto já foi gasto - sabe-se que são centenas de milhões de reais - a pretexto da reforma agrária, em dinheiro repassado a essas ONGs? E o que de concreto foi feito para realizá-la? Qual a produtividade dos assentamentos do MST? São perguntas sem resposta, que justificaram a instalação de uma CPI mista no Congresso Nacional, sistematicamente sabotada pela maioria governista.
Em vez de respondê-las, os agentes partidários, travestidos de funcionários públicos, empenham-se em difundir a infâmia de que a maioria dos produtores rurais ou é predadora do meio ambiente ou escravagista. A manipulação de causas contra as quais ninguém, na essência, se opõe é um dos truques de que se vale uma certa esquerda fundamentalista, adversária da livre-iniciativa, para manter como reféns os produtores rurais, difamando-os.
Nenhuma pessoa de bem - e a imensa maioria dos produtores rurais o é - é a favor do trabalho escravo ou da destruição do meio ambiente. Mas isso não significa que concorde com qualquer proposta que se apresente a pretexto de defender tais postulados. Não basta pôr na lei punições contra o "trabalho degradante". É preciso que se defina o que é e o que o configura concretamente, princípio elementar da técnica jurídica.
A lei não pode ser meramente adjetiva, o que a torna, por extensão, subjetiva, permitindo que seja aplicada conforme o critério pessoal do agente público. Foi esse o ponto que me fez, como deputada federal e depois como senadora, exigir emendas a uma proposta legislativa de punição por trabalho escravo. Não o defendo e o considero uma abjeção inominável. Quem o promove deve ser preso e submetido aos rigores da lei, sem exceção, sem complacência. Mas tão absurdo e repugnante quanto o trabalho escravo é manipulá-lo com fins ideológicos.
O que se quer é o fim da livre-iniciativa no meio rural, pela sabotagem ao agronegócio, hoje o segmento da economia que mais contribui para o superávit da balança comercial do País.
A fiscalização das propriedades rurais está regulada pela Norma Regulamentar n.º 31 do Ministério do Trabalho (MT), que tem 252 itens e desce a detalhes absurdos, como estabelecer a espessura do pé do beliche e do colchão.
Afirmei, em razão desses excessos, ser impossível cumpri-la em sua totalidade e que havia sido concebida exatamente com essa finalidade. Tanto bastou para que fosse acusada de defender o trabalho escravo, recusando-me a cumprir práticas elementares, como o fornecimento de água potável e condições básicas de higiene. Desonestidade intelectual pura.
A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que presido, tem sido bem mais eficaz que o Estado na fiscalização trabalhista nas propriedades rurais. Basta conferir os números: os grupos móveis de fiscalização do MT percorreram, em sete anos - de 2003 até hoje -, 1.800 fazendas. A CNA, em 90 dias, percorreu mil fazendas e já está promovendo o circuito de retorno, para averiguar as providências tomadas.
A CNA, com o objetivo de aprimorar o trabalho no meio rural, vai criar um selo social - uma espécie de ISO 9000 trabalhista - para qualificar as propriedades-modelo, qualificando também sua produção. Esse selo indicará não só zelo social, mas respeito ao meio ambiente e adoção de práticas produtivas adequadas. Não queremos responder às injúrias com injúrias, mas com demonstrações concretas de nosso empenho em contribuir para o desenvolvimento econômico e social do País.
É preciso que se saiba que 80% dos produtores rurais brasileiros são de pequeno e médio portes e não suportam economicamente esse tipo de sabotagem, que se insere no rol de crimes contra o patrimônio, de que as invasões de terras são a ponta de lança.
Em quase todos os casos, os enquadrados como escravagistas não são processados. E por um motivo simples: não o são. As autuações trabalhistas que apontam prática de trabalho escravo são insuficientes para levar o Ministério Público a oferecer denúncias pela prática de infrações criminais. O resultado é que, enquanto isso não ocorre, o produtor tachado de escravagista fica impedido de prosseguir em seu negócio e acaba falido ou tendo de abrir mão de sua propriedade. A agressão, como se vê, não é somente contra o grande proprietário, mas também contra a agricultura familiar, cuja defesa é o pretexto de que se valem os invasores e difamadores.
Diante disso tudo, não hesito em afirmar que se hoje o processo de reforma agrária não avança no País a responsabilidade é dessa esquerda fundamentalista, que manobra o MST, consome verbas milionárias do Estado e proclama a criminalização dos movimentos sociais. Não há criminalização: há crimes, com autoria explícita. O MST, braço rural do PT, não quer a reforma agrária, mas sim a tensão agrária, de preferência com cadáveres em seu caminho, de modo a dar substância emocional a um discurso retrógrado e decadente. Reforma agrária não é postulado ideológico, é imperativo do desenvolvimento sustentado. Por isso a CNA a apoia. Por isso o MST e a esquerda fundamentalista não a querem.
SENADORA (DEM-TO), É PRESIDENTE DA CNA
O texto abaixo restabelece algumas verdades que precisam ser ditas.
A esquerda não quer a reforma agrária
KÁTIA ABREU
O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2010
Nada obsta mais a reforma agrária no Brasil que a manipulação político-partidária que dela se faz. A estratégia criminosa de invasões de terras é a ponta de lança desse processo. Transforma o produtor rural em vilão e o invasor em vítima, numa espantosa inversão de valores. A entidade que tudo patrocina, o Movimento dos Sem-Terra (MST), inexiste juridicamente, o que impede reparações judiciais.
O governo, que deveria garantir a segurança dos contribuintes, faz vista grossa, emite declarações simpáticas aos invasores e chega ao requinte de produzir um decreto, o PNDH-3, em que os considera parte a ser ouvida antes de o invadido recorrer à Justiça para reclamar a reintegração de posse. Pior: financia os invasores, via ONGs constituídas com a única finalidade de gerir uma entidade abstrata, embora concreta em seu objetivo predatório. Acumulam-se aí ilícitos: além da invasão, há o ato irregular governamental, denunciado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, de financiar entidades que burlam a lei.
Quanto já foi gasto - sabe-se que são centenas de milhões de reais - a pretexto da reforma agrária, em dinheiro repassado a essas ONGs? E o que de concreto foi feito para realizá-la? Qual a produtividade dos assentamentos do MST? São perguntas sem resposta, que justificaram a instalação de uma CPI mista no Congresso Nacional, sistematicamente sabotada pela maioria governista.
Em vez de respondê-las, os agentes partidários, travestidos de funcionários públicos, empenham-se em difundir a infâmia de que a maioria dos produtores rurais ou é predadora do meio ambiente ou escravagista. A manipulação de causas contra as quais ninguém, na essência, se opõe é um dos truques de que se vale uma certa esquerda fundamentalista, adversária da livre-iniciativa, para manter como reféns os produtores rurais, difamando-os.
Nenhuma pessoa de bem - e a imensa maioria dos produtores rurais o é - é a favor do trabalho escravo ou da destruição do meio ambiente. Mas isso não significa que concorde com qualquer proposta que se apresente a pretexto de defender tais postulados. Não basta pôr na lei punições contra o "trabalho degradante". É preciso que se defina o que é e o que o configura concretamente, princípio elementar da técnica jurídica.
A lei não pode ser meramente adjetiva, o que a torna, por extensão, subjetiva, permitindo que seja aplicada conforme o critério pessoal do agente público. Foi esse o ponto que me fez, como deputada federal e depois como senadora, exigir emendas a uma proposta legislativa de punição por trabalho escravo. Não o defendo e o considero uma abjeção inominável. Quem o promove deve ser preso e submetido aos rigores da lei, sem exceção, sem complacência. Mas tão absurdo e repugnante quanto o trabalho escravo é manipulá-lo com fins ideológicos.
O que se quer é o fim da livre-iniciativa no meio rural, pela sabotagem ao agronegócio, hoje o segmento da economia que mais contribui para o superávit da balança comercial do País.
A fiscalização das propriedades rurais está regulada pela Norma Regulamentar n.º 31 do Ministério do Trabalho (MT), que tem 252 itens e desce a detalhes absurdos, como estabelecer a espessura do pé do beliche e do colchão.
Afirmei, em razão desses excessos, ser impossível cumpri-la em sua totalidade e que havia sido concebida exatamente com essa finalidade. Tanto bastou para que fosse acusada de defender o trabalho escravo, recusando-me a cumprir práticas elementares, como o fornecimento de água potável e condições básicas de higiene. Desonestidade intelectual pura.
A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que presido, tem sido bem mais eficaz que o Estado na fiscalização trabalhista nas propriedades rurais. Basta conferir os números: os grupos móveis de fiscalização do MT percorreram, em sete anos - de 2003 até hoje -, 1.800 fazendas. A CNA, em 90 dias, percorreu mil fazendas e já está promovendo o circuito de retorno, para averiguar as providências tomadas.
A CNA, com o objetivo de aprimorar o trabalho no meio rural, vai criar um selo social - uma espécie de ISO 9000 trabalhista - para qualificar as propriedades-modelo, qualificando também sua produção. Esse selo indicará não só zelo social, mas respeito ao meio ambiente e adoção de práticas produtivas adequadas. Não queremos responder às injúrias com injúrias, mas com demonstrações concretas de nosso empenho em contribuir para o desenvolvimento econômico e social do País.
É preciso que se saiba que 80% dos produtores rurais brasileiros são de pequeno e médio portes e não suportam economicamente esse tipo de sabotagem, que se insere no rol de crimes contra o patrimônio, de que as invasões de terras são a ponta de lança.
Em quase todos os casos, os enquadrados como escravagistas não são processados. E por um motivo simples: não o são. As autuações trabalhistas que apontam prática de trabalho escravo são insuficientes para levar o Ministério Público a oferecer denúncias pela prática de infrações criminais. O resultado é que, enquanto isso não ocorre, o produtor tachado de escravagista fica impedido de prosseguir em seu negócio e acaba falido ou tendo de abrir mão de sua propriedade. A agressão, como se vê, não é somente contra o grande proprietário, mas também contra a agricultura familiar, cuja defesa é o pretexto de que se valem os invasores e difamadores.
Diante disso tudo, não hesito em afirmar que se hoje o processo de reforma agrária não avança no País a responsabilidade é dessa esquerda fundamentalista, que manobra o MST, consome verbas milionárias do Estado e proclama a criminalização dos movimentos sociais. Não há criminalização: há crimes, com autoria explícita. O MST, braço rural do PT, não quer a reforma agrária, mas sim a tensão agrária, de preferência com cadáveres em seu caminho, de modo a dar substância emocional a um discurso retrógrado e decadente. Reforma agrária não é postulado ideológico, é imperativo do desenvolvimento sustentado. Por isso a CNA a apoia. Por isso o MST e a esquerda fundamentalista não a querem.
SENADORA (DEM-TO), É PRESIDENTE DA CNA
Argentina: da leniencia à retaliacao?
Dificilmente se adotarão medidas punitivas contra o crescente (constante, regular, intenso) protecionismo argentino contra a importação de produtos estrangeiros, o que atinge não só os interesses do Brasil, mas os próprios fundamentos do Mercosul.
Mas os empresários brasileiros começam a falar em medidas de retorsão contra o protecionismo ilegal, abusivo e discriminatório da Argentina.
Não acredito que essa via prospere, pelo menos não neste governo.
Mas os interlocutores estão começando a perder a paciência...
Empresários exigem resposta dura contra barreira argentina
Renato Carvalho
DCI, 25 de maio de 2010
Os empresários brasileiros, representados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vão entregar nesta semana um documento que propõe respostas duras à barreira imposta pela Argentina contra a importação de alimentos brasileiros. Em um primeiro momento será sugerido ao governo que utilize as cláusulas do tratado que deu origem ao Mercosul, que veta este tipo de impedimento imposto pelo governo argentino. Mas já se fala até em usar o mesmo instrumento para bloquear as importações de alimentos argentinos.
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), mostra que as exportações de alimentos do Brasil para a Argentina em 2010, até abril, somaram US$ 182 milhões. Enquanto isso, as importações brasileiras somaram US$ 1,072 bilhões no mesmo período.
A Argentina só tem a perder com essa barreira. Nossas importações são cinco vezes maiores que as importações. Os próprios empresários argentinos já estão muito preocupados em perder um mercado como o Brasil, afirma Roberto Segatto, presidente da Abracex.
Segatto chama a atenção para a possibilidade de substituir a Argentina por outros mercados, tanto no que diz respeito a exportação como a importação. Podemos importar vinho do Chile, por exemplo, e farinha de trigo dos Estados Unidos e Canadá. Já os exportadores podem procurar outros mercados, e também direcionar para o mercado interno, que está com uma demanda muito forte, afirma.
Problema político
Somente na semana passada, os atacadistas argentinos cancelaram 25% das compras de alimentos e bebidas dos produtores brasileiros, segundo informações vindas de Buenos Aires. Na opinião de Segatto, a questão política é o principal fator que incentiva o governo a levantar as barreiras, e o brasileiro a não tomar iniciativas duras em resposta. Empresários brasileiros e argentinos são radicalmente contra estas medidas.
A presidente Cristina Kirchner desmente medidas de restrição à entrada alimentos. De fato, não existe nenhuma medida escrita que restrinja a entrada dos alimentos estrangeiros similares aos da produção local. A ausência de uma medida formal inibe os países prejudicados em suas reclamações contra a Argentina.
As restrições foram transmitidas verbalmente pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, aos importadores e supermercadistas, nos primeiros dias de maio. Na ocasião, Moreno afirmou que ninguém poderia mais comprar de outros países alimentos que são produzidos pela indústria local. Moreno ameaçou com inspeções da Receita Federal nas empresas que desobedecerem a suas sugestões.
As mercadorias que haviam sido despachadas antes da ordem de Moreno ainda fazem filas nos portos e nas fronteiras da Argentina com o Brasil, Paraguai, Uruguai e Chile. Informações vindas das associações empresariais uruguaias dão conta de que os exportadores do país vizinho não recebem pedidos de compras da Argentina há mais de 10 dias.
O presidente José Pepe Mujica pediu explicações ao governo de Cristina e vai discutir o assunto pessoalmente com a colega em um encontro marcado para o dia 4. No Chile, a situação é similar. Tanto que a pressão dos empresários chilenos ao presidente Sebastián Piñera levou o governo a tirar dos arquivos o único problema pendente de seu país com a Argentina na Cordilheira. Piñera reclamou uma disputa territorial com a Argentina.
O presidente do México, Felipe Calderón, enviou uma carta ao seu embaixador em Buenos Aires pedindo detalhes sobre as barreiras das quais os empresários mexicanos se queixam ao governo. As restrições contra os alimentos também despertaram a fúria da UE e da China.
Não só alimentos e bebidas sofrem restrições para entrar no mercado argentino. Pneus, disjuntores, aparelhos de ar condicionado, roupas, linhas, pisos, rodas, ventiladores, talheres de aço inoxidável, eletrodomésticos e vários outros fazem parte de uma lista de quase mil itens de origem de outros países que são barrados pelo governo têxteis.
A Argentina desencadeou 97 processos de antidumping contra a China. Mais de 400 produtos chineses estão sujeitos ao licenciamento não automático. Anunciado no final do mês passado, o contra-ataque chinês começou a ser executado na quinta-feira. O país asiático impôs restrições ao óleo de soja argentino e no porto de Rosário, principal complexo exportador de soja do país, os embarques estão cancelados.
Os empresários brasileiros, representados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vão entregar nesta semana um documento que propõe respostas duras contra a barreira imposta pela Argentina à importação de alimentos brasileiros.
Em um primeiro momento será sugerido ao governo que utilize as cláusulas do tratado que deu origem ao Mercosul, que veta este tipo de impedimento imposto pelo governo argentino. Mas já se fala até em usar o mesmo instrumento para bloquear as importações de alimentos argentinos.
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), mostra que as exportações de alimentos do Brasil à Argentina em 2010, até abril, somaram US$ 182 milhões. As importações brasileiras de alimentos argentinos somaram US$ 1,072 bilhão no período.
A Argentina só tem a perder com essa barreira. Nossas importações são cinco vezes maiores que as importações. Os próprios empresários argentinos já estão muito preocupados por poder vir a perder um mercado como o Brasil, afirma Roberto Segatto, presidente da Abracex.
Segatto chama a atenção para a possibilidade de substituir a Argentina por outros mercados. Podemos importar vinho do Chile, por exemplo, e farinha de trigo dos Estados Unidos e do Canadá. Já os exportadores podem procurar outros mercados, e também direcionar para o mercado interno, afirma.
A China também enfrenta problemas com o governo argentino, e já iniciou retaliação. O país asiático impôs restrições ao óleo de soja argentino, e no Porto de Rosário, principal complexo exportador de soja do país, os embarques foram cancelados.
Mas os empresários brasileiros começam a falar em medidas de retorsão contra o protecionismo ilegal, abusivo e discriminatório da Argentina.
Não acredito que essa via prospere, pelo menos não neste governo.
Mas os interlocutores estão começando a perder a paciência...
Empresários exigem resposta dura contra barreira argentina
Renato Carvalho
DCI, 25 de maio de 2010
Os empresários brasileiros, representados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vão entregar nesta semana um documento que propõe respostas duras à barreira imposta pela Argentina contra a importação de alimentos brasileiros. Em um primeiro momento será sugerido ao governo que utilize as cláusulas do tratado que deu origem ao Mercosul, que veta este tipo de impedimento imposto pelo governo argentino. Mas já se fala até em usar o mesmo instrumento para bloquear as importações de alimentos argentinos.
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), mostra que as exportações de alimentos do Brasil para a Argentina em 2010, até abril, somaram US$ 182 milhões. Enquanto isso, as importações brasileiras somaram US$ 1,072 bilhões no mesmo período.
A Argentina só tem a perder com essa barreira. Nossas importações são cinco vezes maiores que as importações. Os próprios empresários argentinos já estão muito preocupados em perder um mercado como o Brasil, afirma Roberto Segatto, presidente da Abracex.
Segatto chama a atenção para a possibilidade de substituir a Argentina por outros mercados, tanto no que diz respeito a exportação como a importação. Podemos importar vinho do Chile, por exemplo, e farinha de trigo dos Estados Unidos e Canadá. Já os exportadores podem procurar outros mercados, e também direcionar para o mercado interno, que está com uma demanda muito forte, afirma.
Problema político
Somente na semana passada, os atacadistas argentinos cancelaram 25% das compras de alimentos e bebidas dos produtores brasileiros, segundo informações vindas de Buenos Aires. Na opinião de Segatto, a questão política é o principal fator que incentiva o governo a levantar as barreiras, e o brasileiro a não tomar iniciativas duras em resposta. Empresários brasileiros e argentinos são radicalmente contra estas medidas.
A presidente Cristina Kirchner desmente medidas de restrição à entrada alimentos. De fato, não existe nenhuma medida escrita que restrinja a entrada dos alimentos estrangeiros similares aos da produção local. A ausência de uma medida formal inibe os países prejudicados em suas reclamações contra a Argentina.
As restrições foram transmitidas verbalmente pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, aos importadores e supermercadistas, nos primeiros dias de maio. Na ocasião, Moreno afirmou que ninguém poderia mais comprar de outros países alimentos que são produzidos pela indústria local. Moreno ameaçou com inspeções da Receita Federal nas empresas que desobedecerem a suas sugestões.
As mercadorias que haviam sido despachadas antes da ordem de Moreno ainda fazem filas nos portos e nas fronteiras da Argentina com o Brasil, Paraguai, Uruguai e Chile. Informações vindas das associações empresariais uruguaias dão conta de que os exportadores do país vizinho não recebem pedidos de compras da Argentina há mais de 10 dias.
O presidente José Pepe Mujica pediu explicações ao governo de Cristina e vai discutir o assunto pessoalmente com a colega em um encontro marcado para o dia 4. No Chile, a situação é similar. Tanto que a pressão dos empresários chilenos ao presidente Sebastián Piñera levou o governo a tirar dos arquivos o único problema pendente de seu país com a Argentina na Cordilheira. Piñera reclamou uma disputa territorial com a Argentina.
O presidente do México, Felipe Calderón, enviou uma carta ao seu embaixador em Buenos Aires pedindo detalhes sobre as barreiras das quais os empresários mexicanos se queixam ao governo. As restrições contra os alimentos também despertaram a fúria da UE e da China.
Não só alimentos e bebidas sofrem restrições para entrar no mercado argentino. Pneus, disjuntores, aparelhos de ar condicionado, roupas, linhas, pisos, rodas, ventiladores, talheres de aço inoxidável, eletrodomésticos e vários outros fazem parte de uma lista de quase mil itens de origem de outros países que são barrados pelo governo têxteis.
A Argentina desencadeou 97 processos de antidumping contra a China. Mais de 400 produtos chineses estão sujeitos ao licenciamento não automático. Anunciado no final do mês passado, o contra-ataque chinês começou a ser executado na quinta-feira. O país asiático impôs restrições ao óleo de soja argentino e no porto de Rosário, principal complexo exportador de soja do país, os embarques estão cancelados.
Os empresários brasileiros, representados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vão entregar nesta semana um documento que propõe respostas duras contra a barreira imposta pela Argentina à importação de alimentos brasileiros.
Em um primeiro momento será sugerido ao governo que utilize as cláusulas do tratado que deu origem ao Mercosul, que veta este tipo de impedimento imposto pelo governo argentino. Mas já se fala até em usar o mesmo instrumento para bloquear as importações de alimentos argentinos.
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), mostra que as exportações de alimentos do Brasil à Argentina em 2010, até abril, somaram US$ 182 milhões. As importações brasileiras de alimentos argentinos somaram US$ 1,072 bilhão no período.
A Argentina só tem a perder com essa barreira. Nossas importações são cinco vezes maiores que as importações. Os próprios empresários argentinos já estão muito preocupados por poder vir a perder um mercado como o Brasil, afirma Roberto Segatto, presidente da Abracex.
Segatto chama a atenção para a possibilidade de substituir a Argentina por outros mercados. Podemos importar vinho do Chile, por exemplo, e farinha de trigo dos Estados Unidos e do Canadá. Já os exportadores podem procurar outros mercados, e também direcionar para o mercado interno, afirma.
A China também enfrenta problemas com o governo argentino, e já iniciou retaliação. O país asiático impôs restrições ao óleo de soja argentino, e no Porto de Rosário, principal complexo exportador de soja do país, os embarques foram cancelados.
Politica Nuclear do Iran (9): retificando a retórica do "acordo"
Um comentário recebido de Paulo Araujo, em postagem anterior da mesma temática, merece o devido destaque, uma vez que traz observações e reflexões pertinentes sobre o caso, e informa sobre material informativo e analítico importante, para se fazer uma ideia mais abrangente sobre essa importante questão.
Paulo Araújo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Politica Externa brasileira: pro e contra o "acord...":
Caro,
Algumas observações. Depois do constrangedor “pra traz” que a iniciativa da diplomacia brasileira recebeu do CS da ONU, a retórica governista e dos seus apoiadores nos meios de comunicação em torno do “Acordo de Teerã" aos poucos vai dando lugar à dura realidade. Ontem o presidente Lula, em evidente manifestação de recuo na retórica, tratou de relativizar o que antes era um tido como um absoluto: a “vitória da diplomacia”. Disse Lula em seu programa de rádio Café com o Presidente, ao analisar os fatos de Teerã nos seguintes termos:
“Nós não fomos lá [ao Irã] para negociar acordo nuclear. Nós não temos procuração para isso. Nós fomos lá foi para tentar convencer o Irã a aceitar uma proposta feita pela Turquia e pelo Brasil, de sentar à mesa de negociações, e isso nós conseguimos”. (Lula em 24/05/2010).
Áudio está disponível aqui:=
http://blog.planalto.gov.br/precisamos-falar-mais-em-paz-do-que-em-desavencas/
Ontem o Itamaraty divulgou nota que segue no mesmo diapasão presidencial:
“O Governo brasileiro manifesta a expectativa de que esse primeiro passo para a implementação da Declaração de Teerã ajude a construir um ambiente de confiança e contribua para uma solução negociada sobre a questão do programa nuclear iraniano.”
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/entrega-de-carta-do-ira-ao-diretor-geral-da-aiea
Ora, se o governo brasileiro “não foi lá para negociar um acordo” por que então somente se falava por aqui justamente o contrário?
Não se trata de torcer contra o Brasil, como dizem os propagandistas do governo, mas sim do direito sagrado de manifestar livremente opinião e análise dos fatos e, principalmente, chamar as coisas pelos seus nomes certos.
A inflexão no discurso governamental fica evidente se confrontarmos as declarações acima com as primeiras manifestações de Celso Amorim sobre a assinatura da Declaração de Teerã: Do Blog do Planalto em 18/08/2010:
“Entrevista exclusiva do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) ao Blog do Planalto concedida no voo de volta ao Brasil após visita presidencial a Teerã. Na entrevista, Amorim comemora o resultado da reunião tríplice Brasil-Turquia-Irã em que foi firmado o ACORDO sobre o enriquecimento do urânio iraniano na Turquia”. [Grifo meu]:
http://blog.planalto.gov.br/entrevista-com-o-ministro-celso-amorim-persuasao-foi-mais-eficiente-do-que-a-pressao/
PS: Essa elevação retórica para efeito de propaganda da Declaração de Teerã à categoria de Acordo não ocorreu no Irã. Em todas as notas publicadas no site da agencia governamental de notícias iraniana (IRNA) a coisa desde o inicio é chamada pelo seu nome: a “Tehran Declaration”.
Paulo Araújo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Politica Externa brasileira: pro e contra o "acord...":
Caro,
Algumas observações. Depois do constrangedor “pra traz” que a iniciativa da diplomacia brasileira recebeu do CS da ONU, a retórica governista e dos seus apoiadores nos meios de comunicação em torno do “Acordo de Teerã" aos poucos vai dando lugar à dura realidade. Ontem o presidente Lula, em evidente manifestação de recuo na retórica, tratou de relativizar o que antes era um tido como um absoluto: a “vitória da diplomacia”. Disse Lula em seu programa de rádio Café com o Presidente, ao analisar os fatos de Teerã nos seguintes termos:
“Nós não fomos lá [ao Irã] para negociar acordo nuclear. Nós não temos procuração para isso. Nós fomos lá foi para tentar convencer o Irã a aceitar uma proposta feita pela Turquia e pelo Brasil, de sentar à mesa de negociações, e isso nós conseguimos”. (Lula em 24/05/2010).
Áudio está disponível aqui:=
http://blog.planalto.gov.br/precisamos-falar-mais-em-paz-do-que-em-desavencas/
Ontem o Itamaraty divulgou nota que segue no mesmo diapasão presidencial:
“O Governo brasileiro manifesta a expectativa de que esse primeiro passo para a implementação da Declaração de Teerã ajude a construir um ambiente de confiança e contribua para uma solução negociada sobre a questão do programa nuclear iraniano.”
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/entrega-de-carta-do-ira-ao-diretor-geral-da-aiea
Ora, se o governo brasileiro “não foi lá para negociar um acordo” por que então somente se falava por aqui justamente o contrário?
Não se trata de torcer contra o Brasil, como dizem os propagandistas do governo, mas sim do direito sagrado de manifestar livremente opinião e análise dos fatos e, principalmente, chamar as coisas pelos seus nomes certos.
A inflexão no discurso governamental fica evidente se confrontarmos as declarações acima com as primeiras manifestações de Celso Amorim sobre a assinatura da Declaração de Teerã: Do Blog do Planalto em 18/08/2010:
“Entrevista exclusiva do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) ao Blog do Planalto concedida no voo de volta ao Brasil após visita presidencial a Teerã. Na entrevista, Amorim comemora o resultado da reunião tríplice Brasil-Turquia-Irã em que foi firmado o ACORDO sobre o enriquecimento do urânio iraniano na Turquia”. [Grifo meu]:
http://blog.planalto.gov.br/entrevista-com-o-ministro-celso-amorim-persuasao-foi-mais-eficiente-do-que-a-pressao/
PS: Essa elevação retórica para efeito de propaganda da Declaração de Teerã à categoria de Acordo não ocorreu no Irã. Em todas as notas publicadas no site da agencia governamental de notícias iraniana (IRNA) a coisa desde o inicio é chamada pelo seu nome: a “Tehran Declaration”.
“Acordo” nuclear com o Irã - Paulo R. Almeida
Saudando o mensageiro, esquecendo a mensagem...
Paulo Roberto de Almeida
A análise e as reflexões seguintes me vieram à mente ao ler as declarações de responsáveis políticos e matérias de imprensa (geralmente artigos opinativos de comentaristas políticos) a respeito da questão iraniana e seus desdobramentos, depois da iniciativa turco-brasileira de buscar um “acordo” com o governo iraniano a propósito da política nuclear deste último e seus impasses atuais. O que surpreende, desde o início, é que a maior parte das matérias e comentários foca não tanto o fundo da questão, ou seja, a natureza do programa nuclear iraniano, em si, quanto a qualidade dos novos interlocutores nesse caso específico, o Brasil e a Turquia.
Em outros termos, o que se destacou e se discutiu intensamente foi menos a política nuclear do Irã, enquanto tal, e mais a emergência dos emergentes – com perdão pela redundância –, numa questão que sempre foi considerada terreno de caça exclusivo dos grandes, a saber, a proliferação nuclear (e seus eventuais infratores). Grande parte dos comentários, começar pela própria imprensa brasileira, saudou a “irrupção” de novos atores políticos numa agenda que estaria supostamente monopolizada pelos grandes atores.
Caberia, talvez, deixar, por um momento, a identidade dos personagens envolvidos nesta questão, o presidente Lula e o primeiro-ministro Erdogan, e também a suposta condição dos seus países enquanto “potências emergentes”. Não é isso que estava primariamente em causa no dossiê iraniano, não é esse o problema que deveria ocupar a atenção dos observadores, e sim a natureza do processo, ou seja, o teor mesmo do acordo supostamente alcançado.
Aliás, essa qualificação de “potência emergente” pode ter algum sentido na realidade, mas no momento ela tem mais conteúdo jornalístico do que propriamente diplomático: afinal em que se distingue uma “potência emergente” de um país normal?; talvez pela sua suposta capacidade de “influenciar” de modo mais decisivo do que um “país normal” a vida internacional, ou seja, a agenda dos principais organismos internacionais de relacionamento inter-estatal. Se essa capacidade é comprovada, então eles se tornam de alguma forma emergentes, mas isso não tem tanto a ver com o tamanho, em si, e sim com a capacidade de iniciativa e de influência dos países em causa.
Consideremos, por hipótese, que as iniciativas tomadas por Brasil e Turquia pudessem ter sido sugeridas, digamos, por dois países menores, tipo Tuvalu e República Centro-Africana, eventuais membros temporários do CSNU. Estariam elas recebendo o mesmo nível de atenção por parte da imprensa? Talvez não, devido à “pequena capacidade de influência internacional” dos interlocutores em questão. Mas não deveria causar nenhuma espécie esse tipo de inversão, pois supostamente o que interessa, para o encaminhamento do problema, é a qualidade da interlocução e o realismo da proposição, do ponto de vista dos agentes intervenientes em torno do problema em causa, qual seja: a resolução do conflito entre o Irã, de um lado, e a AIEA e o CSNU, de outro (este eventualmente representado pelo P5+1, ou seja, os cinco membros permanentes mais a Alemanha).
Se a intenção é efetivamente a de resolver um problema objetivo, com contornos muito bem definidos – quais sejam, a natureza das atividades de enriquecimento de urânio por parte do Irã e sua utilização ulterior –, a identidade dos “propositores” não deveria ter a mínima importância: se os dois países citados fossem, ou não, membros temporários do CSNU, suas propostas, objetivas como deveriam ser, tem a mesma chance de serem consideradas em qualquer arranjo bilateral com o Irã, ou no plano plurilateral ou multilateral, do que quaisquer outras propostas sugeridas por interlocutores desejosos de restabelecer condições de normalidade entre o Irã e as entidades supracitadas.
Admitida essa hipótese, o suposto “acordo” alcançado em Teheran, em meados de maio, deveria ser avaliado, não tanto com base na condição dos interlocutores, mas com base nos critérios relevantes para tal efeito, quais sejam: a capacidade de o Irã atender às demandas da AIEA e da comunidade internacional (neste caso identificada com os cinco membros permanentes do CSNU e os países que gravitam em volta). Se o acordo atender a esses padrões, ele pode entrar na agenda internacional e servir de base para novos desenvolvimentos em torno da questão iraniana, independentemente de quem o tenha formulado ou proposto.
Dito isto, apreciaria ler matérias na imprensa que se refiram, exatamente, ao teor do acordo, não à qualidade de seus propositores. Como se diz, deve-se prestar mais atenção na mensagem do que no seu mensageiro. Este é o critério básico sob o qual deve ser avaliado o “acordo” de Teheran.
Shanghai, 25 de maio de 2010
Paulo Roberto de Almeida
A análise e as reflexões seguintes me vieram à mente ao ler as declarações de responsáveis políticos e matérias de imprensa (geralmente artigos opinativos de comentaristas políticos) a respeito da questão iraniana e seus desdobramentos, depois da iniciativa turco-brasileira de buscar um “acordo” com o governo iraniano a propósito da política nuclear deste último e seus impasses atuais. O que surpreende, desde o início, é que a maior parte das matérias e comentários foca não tanto o fundo da questão, ou seja, a natureza do programa nuclear iraniano, em si, quanto a qualidade dos novos interlocutores nesse caso específico, o Brasil e a Turquia.
Em outros termos, o que se destacou e se discutiu intensamente foi menos a política nuclear do Irã, enquanto tal, e mais a emergência dos emergentes – com perdão pela redundância –, numa questão que sempre foi considerada terreno de caça exclusivo dos grandes, a saber, a proliferação nuclear (e seus eventuais infratores). Grande parte dos comentários, começar pela própria imprensa brasileira, saudou a “irrupção” de novos atores políticos numa agenda que estaria supostamente monopolizada pelos grandes atores.
Caberia, talvez, deixar, por um momento, a identidade dos personagens envolvidos nesta questão, o presidente Lula e o primeiro-ministro Erdogan, e também a suposta condição dos seus países enquanto “potências emergentes”. Não é isso que estava primariamente em causa no dossiê iraniano, não é esse o problema que deveria ocupar a atenção dos observadores, e sim a natureza do processo, ou seja, o teor mesmo do acordo supostamente alcançado.
Aliás, essa qualificação de “potência emergente” pode ter algum sentido na realidade, mas no momento ela tem mais conteúdo jornalístico do que propriamente diplomático: afinal em que se distingue uma “potência emergente” de um país normal?; talvez pela sua suposta capacidade de “influenciar” de modo mais decisivo do que um “país normal” a vida internacional, ou seja, a agenda dos principais organismos internacionais de relacionamento inter-estatal. Se essa capacidade é comprovada, então eles se tornam de alguma forma emergentes, mas isso não tem tanto a ver com o tamanho, em si, e sim com a capacidade de iniciativa e de influência dos países em causa.
Consideremos, por hipótese, que as iniciativas tomadas por Brasil e Turquia pudessem ter sido sugeridas, digamos, por dois países menores, tipo Tuvalu e República Centro-Africana, eventuais membros temporários do CSNU. Estariam elas recebendo o mesmo nível de atenção por parte da imprensa? Talvez não, devido à “pequena capacidade de influência internacional” dos interlocutores em questão. Mas não deveria causar nenhuma espécie esse tipo de inversão, pois supostamente o que interessa, para o encaminhamento do problema, é a qualidade da interlocução e o realismo da proposição, do ponto de vista dos agentes intervenientes em torno do problema em causa, qual seja: a resolução do conflito entre o Irã, de um lado, e a AIEA e o CSNU, de outro (este eventualmente representado pelo P5+1, ou seja, os cinco membros permanentes mais a Alemanha).
Se a intenção é efetivamente a de resolver um problema objetivo, com contornos muito bem definidos – quais sejam, a natureza das atividades de enriquecimento de urânio por parte do Irã e sua utilização ulterior –, a identidade dos “propositores” não deveria ter a mínima importância: se os dois países citados fossem, ou não, membros temporários do CSNU, suas propostas, objetivas como deveriam ser, tem a mesma chance de serem consideradas em qualquer arranjo bilateral com o Irã, ou no plano plurilateral ou multilateral, do que quaisquer outras propostas sugeridas por interlocutores desejosos de restabelecer condições de normalidade entre o Irã e as entidades supracitadas.
Admitida essa hipótese, o suposto “acordo” alcançado em Teheran, em meados de maio, deveria ser avaliado, não tanto com base na condição dos interlocutores, mas com base nos critérios relevantes para tal efeito, quais sejam: a capacidade de o Irã atender às demandas da AIEA e da comunidade internacional (neste caso identificada com os cinco membros permanentes do CSNU e os países que gravitam em volta). Se o acordo atender a esses padrões, ele pode entrar na agenda internacional e servir de base para novos desenvolvimentos em torno da questão iraniana, independentemente de quem o tenha formulado ou proposto.
Dito isto, apreciaria ler matérias na imprensa que se refiram, exatamente, ao teor do acordo, não à qualidade de seus propositores. Como se diz, deve-se prestar mais atenção na mensagem do que no seu mensageiro. Este é o critério básico sob o qual deve ser avaliado o “acordo” de Teheran.
Shanghai, 25 de maio de 2010
Politica Nuclear do Iran (8): duas opinioes sobre o "acordo" tripartite
O Irã, o Brasil e as armas nucleares
Opinião - José Goldemberg *
Correio Brazilienze, 23/05/2010
O Itamaraty tem a reputação de ser um ministério competente, mas o imbróglio em que ele se envolveu no Irã não vai contribuir para aumentar essa reputação. Uma negociação bem-sucedida na área internacional envolve dois componentes: definir claramente o interesse do país e conhecer os detalhes técnicos ou administrativos do que se está negociando.
Na área interna, o presidente Lula deu inequívocas demonstrações de que é um excelente negociador desde os tempos em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Defendia claramente os interesses dos trabalhadores contra os patrões e negociava salários e outros benefícios que são fáceis de definir.
No caso da negociação em que o Itamaraty e o presidente se envolveram em Teerã, recentemente, essas duas componentes estiveram ausentes. Em primeiro lugar é difícil ver qual o interesse do Brasil em mediar acordos do Irã com as grandes potências e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a não ser o de aumentar a presença do país no cenário internacional.
Tem havido dezenas dessas oportunidades sem qualquer beneficio claro para o país, salvo excelentes fotografias e captura das manchetes dos jornais. Sucede que o Irã tem sérios problemas de credibilidade no que se refere ao cumprimento de suas obrigações com a Agência Internacional, já foi objeto de sanções do Conselho de Segurança e está na iminência de receber outras.
Ele tem uma longa história de atividades semiclandestinas que não são aceitas pelos países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mais ainda: as exaustivas negociações que tem tido durante os últimos cinco anos com os países europeus são consideradas uma estratégia para ganhar tempo e aumentar a sua capacidade de, eventualmente, produzir artefatos nucleares. Associar-se a ele nessas condições chama a atenção para o fato de que o Brasil poderia também ter interesses nessa linha. Essa não é uma hipótese vaga, porque, há cerca de 20 anos, estávamos exatamente na posição que o Irã está hoje — sob suspeitas de desenvolver um “programa paralelo” de energia nuclear para fins militares ao lado de um programa de fins pacíficos, como a instalação das centrais nucleares de Angra dos Reis. Foi preciso muito esforço para convencer a comunidade internacional que esse não era o caso, apesar de o país ter dominado a tecnologia de enriquecimento de urânio. A recente visita ao Irã ameaça jogar por terra esse esforço.
Em segundo lugar o “acordo” que o Brasil mediou não contribui em nada para resolver o conflito com a Agência Internacional e as grandes potências, que decorre do fato de o Irã continuar a enriquecer urânio a 20%, índice muito superior ao nível de 3% necessários para reatores nucleares. Ninguém nega o direito do Irã de enriquecer urânio, mas chegar ao nível superior ao necessário no uso para fins pacíficos cria serias suspeitas. Como os especialistas bem sabem é mais fácil passar de 20% de enriquecimento aos 80%, necessários para fazer armas nucleares, do que enriquecer de 3% a 20%. O Irã se recusa a limitar o enriquecimento, o que levanta suspeitas de que realmente está ganhando tempo. Enquanto negocia ele aumenta o número de centrifugas e o estoque de urânio que já enriqueceu.
O “acordo” que o presidente Lula assinou nem toca nesse assunto, como os próprios iranianos tiveram a indelicadeza de proclamá-lo publicamente antes que a tinta do “acordo” secasse, embaraçando o presidente. O que o Irã fez foi trocar uma pequena parte do seu urânio enriquecido a 3% por urânio enriquecido a 20% como combustível de um reator médico, o que, aliás, deveria ter feito há mais de seis meses, se o seu interesse real fosse a medicina.
Se o Itamaraty julgava que negociar com o Irã daria o Prêmio Nobel da Paz ao presidente Lula, ele se equivocou. Provavelmente, o papel do Brasil será visto como o de um “inocente útil” e, pior que isso, chamará a atenção para as próprias atividades nucleares do país.
* Professor emérito da Universidade de São Paulo
====================
O Brasil e a questão nuclear iraniana
Entrevista com o Embaixador Marcos Azambuja
Christian Carvalho Cruz
O Estado de São Paulo - Caderno Aliás, 23.05.2010
Uma moldura pesada demais
Para embaixador, Brasil deveria conter seu excesso de protagonismo em região tão complicada e em assunto tão turvo.
Para resumir o que se passou nessa semana na questão nuclear iraniana, com forte participação brasileira na assinatura de um acordo com o governo de Teerã, o embaixador Marcos Azambuja diria o seguinte, no popular: "Se meter no Oriente Médio é muita areia pro nosso caminhãozinho". Ou ainda: "Procuramos sarna pra nos coçar".
É claro que a elegância diplomática e pessoal - ele usa gravata borboleta e chapéu panamá - não lhe permite o apelo a tão baixo calão. Então, o embaixador do Brasil na Argentina (1992 a 1007) e na França (1997 a 2003), chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos em Genebra (1989 a 1990) e atual vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais disse verdadeiramente assim: "O acordo que o Brasil fez não foi ruim, mas era preferível que ele tivesse sido mais prudente ao entrar numa região tão complicada, onde seus interesses vitais não estão em jogo". E mais: "Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos".
A seguir, trechos da entrevista em que Azambuja fala dos possíveis desdobramentos da situação, de um mundo sem armas nucleares, de direitos humanos e do samba atravessado com os Estados Unidos.
O Irã quer ter a bomba atômica ou não?
Não queria até a invasão do Iraque pelos americanos. Depois, chegou à conclusão de que ter uma capacidade nuclear, por menor que fosse, lhe daria garantias de sobrevida. O Irã acha que se o Iraque tivesse armas nucleares não teria sido invadido. Mas não estou convencido de que os iranianos estejam a caminho da bomba. Eles assinaram o Tratado de Não Proliferação (TNP) em 1968. É coisa de safra recente ter aquilo que julgam ser garantias adicionais de soberania. Há quem diga que, num mundo em que tantos países têm a bomba, o Irã também tem o direito de construir a sua. Discordo. Nessa questão, se levarmos adiante a velha máxima do "olho por olho, dente por dente" acabaremos todos cegos e banguelas.
O que o sr. achou do acordo com o Irã patrocinado por Brasil e Turquia?
Foi uma boa coisa, não se pode negar. Mas nos envolvemos num assunto complicado no lugar mais complicado da Terra. Ninguém entra nas questões do Oriente Médio sem o risco de sair chamuscado. Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos. O que o Brasil fez não foi ruim, repito. Mas era preferível que tivesse sido mais prudente ao se meter numa região onde seus interesses vitais não estão em jogo. Não sou contra o Brasil mostrar mais sua cara e flexionar mais seus músculos. Apenas teria preferido que não tivesse escolhido o Irã para isso. Deveríamos fazê-lo nas Américas, que é nosso território, no Atlântico Sul, na África Ocidental, enfim, onde o Brasil tem projeções naturais de seu poder. No Oriente Médio nós não temos tradição, presença e, agora que somos autossuficientes em petróleo, não temos nem interesse energético.
Por que o Brasil se meteu lá, então? O sr. acredita na tese de que o presidente Lula esteja tentando ganhar um Nobel da Paz?
Não acho que o personalismo esteja envolvido. E não creio que naquela situação tão turva haja um Nobel a ser dado. O que ocorreu foi mais uma tentativa do Brasil de reforçar seus títulos para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil vai ter seu assento, mas não por um excesso de ativismo aqui e acolá. Ele vai conseguir porque seu peso e sua influência globais vão determinar, em certo momento, que o mundo o queira como membro permanente. Não é o resultado de uma campanha brasileira e sim o resultado de uma realidade brasileira que fará com que o País atinja esse objetivo.
Mas a atuação no Oriente Médio não faz parte desse processo?
Não ajuda. Não vejo de que maneira isso reforce amplamente nossas credenciais. O Brasil foi excessivamente protagonista nessa questão. Eu sou a favor de o Brasil se engajar no Irã em níveis menos íntimos, fazendo acordos de cooperação comercial, técnica, exportação de bens e serviços. Vejo um universo de cooperação entre Brasil e Irã que não deveria ter como fundamento uma área controvertida como a questão nuclear. Convinha ao Brasil, que tem um programa de enriquecimento de urânio para fins pacíficos, não se assemelhar ao Irã. Nós temos um programa aceito pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma Constituição que proíbe armas nucleares, um acordo com a Argentina, somos sócios de boa-fé do TNP e estamos numa região do globo, o Hemisfério Sul, em que não há uma bomba atômica sequer. Em vez de nos assemelhar ao Irã nós devíamos é sugerir que somos farinha de outro saco.
Já que se propôs a ir além, o País não poderia ter incluído no acordo tópicos relacionados aos direitos humanos no Irã?
Nesse caso não haveria diálogo. O Irã é um país que se move por motivos diferentes. O Brasil é uma democracia multirracial, tolerante, laica. O Irã tem uma série de características que correspondem a outra visão de mundo. Se você trouxer direitos humanos à mesa, o diálogo nem começa.
Os EUA ignoraram o acordo e propuseram novas sanções, sob o argumento de que o Irã não irá cumpri-lo. Em diplomacia, um governo pode desqualificar as intenções de outro por não achá-las críveis?
Não se pode prejulgar o outro. Não se pode garantir se o Irã cumprirá ou descumprirá um acordo internacional que assinou. Só que no Oriente Médio a suspeita é a moeda de troca. No clima de desconfiança em que ali se opera, a presunção é a de que todos tenham motivos ulteriores. A desconfiança não é sobre o estrito cumprimento desse acordo. Ninguém duvida que o Irã vá mandar o urânio para ser enriquecido na Turquia. A suspeita é que outra quantidade de urânio esteja sendo enriquecida internamente em posições não declaradas. Essa é a insinuação americana. Insinuações são terrenos pouco sólidos para se construir algo, mas a desconfiança é da essência da relação nesse caso. O que está sendo julgado não é a virtude do acordo patrocinado por Brasil e Turquia, mas o desejo que tinham os EUA de punir o Irã por sua política nuclear ambígua. O samba atravessou.
A relação Brasil-EUA perde algo com isso?
No curto prazo o que era uma lua de mel se transformou numa relação complicada. Semanas atrás havia uma disposição americana afetuosa de reconhecer o Brasil como potência global, havia boas relações pessoais do Lula com o Obama, do Celso Amorim com a Hillary Clinton. Houve o episódio do algodão, retaliações comerciais, mas isso faz parte da ação de duas potências com interesses contraditórios. Agora surgiu um elemento de irritabilidade. Os EUA acharam que o Brasil agiu de maneira a dar ao Irã mais credibilidade e mais prazo quando eles queriam o oposto. Ao fazer isso, o Brasil forçou os americanos, que tinham outro cronograma, a agir mais depressa para que um rascunho de resolução fosse apresentado. Há um pequeno dano. Mas não creio que ele afete de maneira profunda e duradoura as relações entre duas democracias maduras. Tudo vai depender do voto brasileiro no Conselho de Segurança para as sanções adicionais. O Brasil tem sido um membro bem comportado da comunidade internacional. Costuma concordar com tudo o que o Conselho recomenda. Além disso, os países que promovem as sanções são grandes parceiros nossos: EUA, Inglaterra, França, e dois colegas do Bric, Rússia e China. Pelas alianças tradicionais e pelas novas amizades, o Brasil não deveria contrariar uma resolução do Conselho de Segurança.
Mas aí o País estaria indo contra o acordo que se gaba de ter feito.
Há na diplomacia uma série de recursos para evitar parecer isso. Uma abstenção com uma declaração de voto inteligente e articulada, por exemplo. Eu volto ao ponto que é para mim uma obsessão: o Brasil se envolveu demais numa região em que nos convinha usar o multilateralismo para expressar nossos interesses, ou seja, atuando como membro temporário do Conselho de Segurança para influenciar um projeto de resolução que nos parecesse bom e votar de uma maneira que nos parecesse adequada. Nós não temos ali castanhas a tirar do fogo tão intenso que justifique um envolvimento direto nesse nível.
Os iranianos foram sinceros ao assinar o acordo ou só querem ganhar tempo para construir a bomba, como sugerem os EUA?
O Irã agora foi constrangido a reiterar suas intenções pacíficas. Se burlá-las, corre o risco de ficar totalmente isolado. Estaria se opondo não só a seus adversários, mas enganando os países que o ajudaram. Isso é um dado. Mas não há garantias de que se possa confiar somente em intenções. Em matéria de desarmamento as coisas funcionam com inspeções de alto rigor e não anunciadas. É isso o que vale. Os EUA e seus sócios estão convencidos de que o acordo é uma manobra dilatória e opaca do Irã para continuar fazendo o que bem entender. Daí a insistência em novas sanções (bloqueio de transações financeiras, interceptações de navios, congelamento de bens no exterior, entre outras). Só tem um problema: elas me parecem cosméticas. A única sanção que faria o Irã mudar seria uma que afetasse a sua capacidade de exportar petróleo. E isso não está em discussão, é claro, porque mexeria com os mercados mundiais. Se as sanções tocassem no petróleo iraniano a China não teria aderido a elas. Em outras palavras, o Oriente Médio está sendo exatamente o que costuma ser: complexo, teatral, perigoso. Particularmente, eu não creio que as sanções sozinhas resolvam. Elas são indutoras de um processo de negociação. Os países que as defendem acham que, se não houver mais penalização, o Irã não fará nada, continuará com o projeto que pode levar à construção de uma capacidade militar nuclear.
Nesse caso, há possibilidade de um ataque militar ao Irã?
Não creio. A intensa campanha no Conselho de Segurança por mais sanções traduz o fato de que a hipótese militar está descartada. Os EUA, intensamente engajados no Iraque e no Afeganistão e com problemas econômicos enormes, não me parecem com disponibilidade e vontade para agir. E o Irã não é o Iraque. O Irã não é um pequeno país, é o descendente do grande Império Persa. Suas instalações nucleares, se as houver, estão espalhadas e profundamente protegidas. O Irã não tem reatores nucleares industriais que possam ser alvos naturais em uma retaliação armada. Uma ação por parte de Israel seria um tanto arriscada e contraproducente. Todas as tensões existentes na região se amplificariam. Em diplomacia a gente nunca exclui totalmente nada, mas eu colocaria a retaliação militar numa posição muito baixa na minha hierarquia de possibilidades.
Estima-se que Israel tenha até 200 ogivas nucleares. O país se recusa a aderir ao TNP e não permite supervisão a AIEA em seu território. Por que o país não é tão pressionado como o Irã?
Aí precisamos entrar no âmago do relacionamento EUA-Israel, na culpa ocidental pelos episódios da 2ª Guerra Mundial, do Holocausto. Há toda uma história atrás de tudo isso, mas de fato o tratamento é díspar. Eu defendo que Israel abra mão de suas armas nucleares e caminhe para o estabelecimento de uma zona militarmente desnuclearizada no Oriente Médio. É obrigação dos signatários do TNP que não têm armas nucleares pressionar os que têm a declarar a posse, no caso de Israel, e a eliminar seus estoques, no caso de todos os outros.
O sr. vê alguma possibilidade de os países que têm a bomba desmancharem seus arsenais? Ou ainda vamos morrer disso?
Já vivemos num mundo sem o uso de armas nucleares. Elas deixaram de ser parte do arsenal das grandes potências para se tornar uma ambição da Coreia do Norte, da Líbia em certo momento... Houve uma degradação da importância estratégica das armas nucleares. EUA e Rússia acordaram em reduzir seus estoques recentemente. É claro que estão aperfeiçoando seus arsenais, porque 3 mil ogivas de hoje equivalem a 8 mil de 30 anos atrás. Mas estamos a caminho de uma sanidade crescente. Hoje, os países poderosos temem mais que as armas caiam nas mãos de terroristas, de países desqualificados, do que a hipótese inicial de um enfrentamento de superpotências. A arma nuclear será em breve um projeto de subpotências.
Opinião - José Goldemberg *
Correio Brazilienze, 23/05/2010
O Itamaraty tem a reputação de ser um ministério competente, mas o imbróglio em que ele se envolveu no Irã não vai contribuir para aumentar essa reputação. Uma negociação bem-sucedida na área internacional envolve dois componentes: definir claramente o interesse do país e conhecer os detalhes técnicos ou administrativos do que se está negociando.
Na área interna, o presidente Lula deu inequívocas demonstrações de que é um excelente negociador desde os tempos em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Defendia claramente os interesses dos trabalhadores contra os patrões e negociava salários e outros benefícios que são fáceis de definir.
No caso da negociação em que o Itamaraty e o presidente se envolveram em Teerã, recentemente, essas duas componentes estiveram ausentes. Em primeiro lugar é difícil ver qual o interesse do Brasil em mediar acordos do Irã com as grandes potências e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a não ser o de aumentar a presença do país no cenário internacional.
Tem havido dezenas dessas oportunidades sem qualquer beneficio claro para o país, salvo excelentes fotografias e captura das manchetes dos jornais. Sucede que o Irã tem sérios problemas de credibilidade no que se refere ao cumprimento de suas obrigações com a Agência Internacional, já foi objeto de sanções do Conselho de Segurança e está na iminência de receber outras.
Ele tem uma longa história de atividades semiclandestinas que não são aceitas pelos países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mais ainda: as exaustivas negociações que tem tido durante os últimos cinco anos com os países europeus são consideradas uma estratégia para ganhar tempo e aumentar a sua capacidade de, eventualmente, produzir artefatos nucleares. Associar-se a ele nessas condições chama a atenção para o fato de que o Brasil poderia também ter interesses nessa linha. Essa não é uma hipótese vaga, porque, há cerca de 20 anos, estávamos exatamente na posição que o Irã está hoje — sob suspeitas de desenvolver um “programa paralelo” de energia nuclear para fins militares ao lado de um programa de fins pacíficos, como a instalação das centrais nucleares de Angra dos Reis. Foi preciso muito esforço para convencer a comunidade internacional que esse não era o caso, apesar de o país ter dominado a tecnologia de enriquecimento de urânio. A recente visita ao Irã ameaça jogar por terra esse esforço.
Em segundo lugar o “acordo” que o Brasil mediou não contribui em nada para resolver o conflito com a Agência Internacional e as grandes potências, que decorre do fato de o Irã continuar a enriquecer urânio a 20%, índice muito superior ao nível de 3% necessários para reatores nucleares. Ninguém nega o direito do Irã de enriquecer urânio, mas chegar ao nível superior ao necessário no uso para fins pacíficos cria serias suspeitas. Como os especialistas bem sabem é mais fácil passar de 20% de enriquecimento aos 80%, necessários para fazer armas nucleares, do que enriquecer de 3% a 20%. O Irã se recusa a limitar o enriquecimento, o que levanta suspeitas de que realmente está ganhando tempo. Enquanto negocia ele aumenta o número de centrifugas e o estoque de urânio que já enriqueceu.
O “acordo” que o presidente Lula assinou nem toca nesse assunto, como os próprios iranianos tiveram a indelicadeza de proclamá-lo publicamente antes que a tinta do “acordo” secasse, embaraçando o presidente. O que o Irã fez foi trocar uma pequena parte do seu urânio enriquecido a 3% por urânio enriquecido a 20% como combustível de um reator médico, o que, aliás, deveria ter feito há mais de seis meses, se o seu interesse real fosse a medicina.
Se o Itamaraty julgava que negociar com o Irã daria o Prêmio Nobel da Paz ao presidente Lula, ele se equivocou. Provavelmente, o papel do Brasil será visto como o de um “inocente útil” e, pior que isso, chamará a atenção para as próprias atividades nucleares do país.
* Professor emérito da Universidade de São Paulo
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O Brasil e a questão nuclear iraniana
Entrevista com o Embaixador Marcos Azambuja
Christian Carvalho Cruz
O Estado de São Paulo - Caderno Aliás, 23.05.2010
Uma moldura pesada demais
Para embaixador, Brasil deveria conter seu excesso de protagonismo em região tão complicada e em assunto tão turvo.
Para resumir o que se passou nessa semana na questão nuclear iraniana, com forte participação brasileira na assinatura de um acordo com o governo de Teerã, o embaixador Marcos Azambuja diria o seguinte, no popular: "Se meter no Oriente Médio é muita areia pro nosso caminhãozinho". Ou ainda: "Procuramos sarna pra nos coçar".
É claro que a elegância diplomática e pessoal - ele usa gravata borboleta e chapéu panamá - não lhe permite o apelo a tão baixo calão. Então, o embaixador do Brasil na Argentina (1992 a 1007) e na França (1997 a 2003), chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos em Genebra (1989 a 1990) e atual vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais disse verdadeiramente assim: "O acordo que o Brasil fez não foi ruim, mas era preferível que ele tivesse sido mais prudente ao entrar numa região tão complicada, onde seus interesses vitais não estão em jogo". E mais: "Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos".
A seguir, trechos da entrevista em que Azambuja fala dos possíveis desdobramentos da situação, de um mundo sem armas nucleares, de direitos humanos e do samba atravessado com os Estados Unidos.
O Irã quer ter a bomba atômica ou não?
Não queria até a invasão do Iraque pelos americanos. Depois, chegou à conclusão de que ter uma capacidade nuclear, por menor que fosse, lhe daria garantias de sobrevida. O Irã acha que se o Iraque tivesse armas nucleares não teria sido invadido. Mas não estou convencido de que os iranianos estejam a caminho da bomba. Eles assinaram o Tratado de Não Proliferação (TNP) em 1968. É coisa de safra recente ter aquilo que julgam ser garantias adicionais de soberania. Há quem diga que, num mundo em que tantos países têm a bomba, o Irã também tem o direito de construir a sua. Discordo. Nessa questão, se levarmos adiante a velha máxima do "olho por olho, dente por dente" acabaremos todos cegos e banguelas.
O que o sr. achou do acordo com o Irã patrocinado por Brasil e Turquia?
Foi uma boa coisa, não se pode negar. Mas nos envolvemos num assunto complicado no lugar mais complicado da Terra. Ninguém entra nas questões do Oriente Médio sem o risco de sair chamuscado. Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos. O que o Brasil fez não foi ruim, repito. Mas era preferível que tivesse sido mais prudente ao se meter numa região onde seus interesses vitais não estão em jogo. Não sou contra o Brasil mostrar mais sua cara e flexionar mais seus músculos. Apenas teria preferido que não tivesse escolhido o Irã para isso. Deveríamos fazê-lo nas Américas, que é nosso território, no Atlântico Sul, na África Ocidental, enfim, onde o Brasil tem projeções naturais de seu poder. No Oriente Médio nós não temos tradição, presença e, agora que somos autossuficientes em petróleo, não temos nem interesse energético.
Por que o Brasil se meteu lá, então? O sr. acredita na tese de que o presidente Lula esteja tentando ganhar um Nobel da Paz?
Não acho que o personalismo esteja envolvido. E não creio que naquela situação tão turva haja um Nobel a ser dado. O que ocorreu foi mais uma tentativa do Brasil de reforçar seus títulos para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil vai ter seu assento, mas não por um excesso de ativismo aqui e acolá. Ele vai conseguir porque seu peso e sua influência globais vão determinar, em certo momento, que o mundo o queira como membro permanente. Não é o resultado de uma campanha brasileira e sim o resultado de uma realidade brasileira que fará com que o País atinja esse objetivo.
Mas a atuação no Oriente Médio não faz parte desse processo?
Não ajuda. Não vejo de que maneira isso reforce amplamente nossas credenciais. O Brasil foi excessivamente protagonista nessa questão. Eu sou a favor de o Brasil se engajar no Irã em níveis menos íntimos, fazendo acordos de cooperação comercial, técnica, exportação de bens e serviços. Vejo um universo de cooperação entre Brasil e Irã que não deveria ter como fundamento uma área controvertida como a questão nuclear. Convinha ao Brasil, que tem um programa de enriquecimento de urânio para fins pacíficos, não se assemelhar ao Irã. Nós temos um programa aceito pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma Constituição que proíbe armas nucleares, um acordo com a Argentina, somos sócios de boa-fé do TNP e estamos numa região do globo, o Hemisfério Sul, em que não há uma bomba atômica sequer. Em vez de nos assemelhar ao Irã nós devíamos é sugerir que somos farinha de outro saco.
Já que se propôs a ir além, o País não poderia ter incluído no acordo tópicos relacionados aos direitos humanos no Irã?
Nesse caso não haveria diálogo. O Irã é um país que se move por motivos diferentes. O Brasil é uma democracia multirracial, tolerante, laica. O Irã tem uma série de características que correspondem a outra visão de mundo. Se você trouxer direitos humanos à mesa, o diálogo nem começa.
Os EUA ignoraram o acordo e propuseram novas sanções, sob o argumento de que o Irã não irá cumpri-lo. Em diplomacia, um governo pode desqualificar as intenções de outro por não achá-las críveis?
Não se pode prejulgar o outro. Não se pode garantir se o Irã cumprirá ou descumprirá um acordo internacional que assinou. Só que no Oriente Médio a suspeita é a moeda de troca. No clima de desconfiança em que ali se opera, a presunção é a de que todos tenham motivos ulteriores. A desconfiança não é sobre o estrito cumprimento desse acordo. Ninguém duvida que o Irã vá mandar o urânio para ser enriquecido na Turquia. A suspeita é que outra quantidade de urânio esteja sendo enriquecida internamente em posições não declaradas. Essa é a insinuação americana. Insinuações são terrenos pouco sólidos para se construir algo, mas a desconfiança é da essência da relação nesse caso. O que está sendo julgado não é a virtude do acordo patrocinado por Brasil e Turquia, mas o desejo que tinham os EUA de punir o Irã por sua política nuclear ambígua. O samba atravessou.
A relação Brasil-EUA perde algo com isso?
No curto prazo o que era uma lua de mel se transformou numa relação complicada. Semanas atrás havia uma disposição americana afetuosa de reconhecer o Brasil como potência global, havia boas relações pessoais do Lula com o Obama, do Celso Amorim com a Hillary Clinton. Houve o episódio do algodão, retaliações comerciais, mas isso faz parte da ação de duas potências com interesses contraditórios. Agora surgiu um elemento de irritabilidade. Os EUA acharam que o Brasil agiu de maneira a dar ao Irã mais credibilidade e mais prazo quando eles queriam o oposto. Ao fazer isso, o Brasil forçou os americanos, que tinham outro cronograma, a agir mais depressa para que um rascunho de resolução fosse apresentado. Há um pequeno dano. Mas não creio que ele afete de maneira profunda e duradoura as relações entre duas democracias maduras. Tudo vai depender do voto brasileiro no Conselho de Segurança para as sanções adicionais. O Brasil tem sido um membro bem comportado da comunidade internacional. Costuma concordar com tudo o que o Conselho recomenda. Além disso, os países que promovem as sanções são grandes parceiros nossos: EUA, Inglaterra, França, e dois colegas do Bric, Rússia e China. Pelas alianças tradicionais e pelas novas amizades, o Brasil não deveria contrariar uma resolução do Conselho de Segurança.
Mas aí o País estaria indo contra o acordo que se gaba de ter feito.
Há na diplomacia uma série de recursos para evitar parecer isso. Uma abstenção com uma declaração de voto inteligente e articulada, por exemplo. Eu volto ao ponto que é para mim uma obsessão: o Brasil se envolveu demais numa região em que nos convinha usar o multilateralismo para expressar nossos interesses, ou seja, atuando como membro temporário do Conselho de Segurança para influenciar um projeto de resolução que nos parecesse bom e votar de uma maneira que nos parecesse adequada. Nós não temos ali castanhas a tirar do fogo tão intenso que justifique um envolvimento direto nesse nível.
Os iranianos foram sinceros ao assinar o acordo ou só querem ganhar tempo para construir a bomba, como sugerem os EUA?
O Irã agora foi constrangido a reiterar suas intenções pacíficas. Se burlá-las, corre o risco de ficar totalmente isolado. Estaria se opondo não só a seus adversários, mas enganando os países que o ajudaram. Isso é um dado. Mas não há garantias de que se possa confiar somente em intenções. Em matéria de desarmamento as coisas funcionam com inspeções de alto rigor e não anunciadas. É isso o que vale. Os EUA e seus sócios estão convencidos de que o acordo é uma manobra dilatória e opaca do Irã para continuar fazendo o que bem entender. Daí a insistência em novas sanções (bloqueio de transações financeiras, interceptações de navios, congelamento de bens no exterior, entre outras). Só tem um problema: elas me parecem cosméticas. A única sanção que faria o Irã mudar seria uma que afetasse a sua capacidade de exportar petróleo. E isso não está em discussão, é claro, porque mexeria com os mercados mundiais. Se as sanções tocassem no petróleo iraniano a China não teria aderido a elas. Em outras palavras, o Oriente Médio está sendo exatamente o que costuma ser: complexo, teatral, perigoso. Particularmente, eu não creio que as sanções sozinhas resolvam. Elas são indutoras de um processo de negociação. Os países que as defendem acham que, se não houver mais penalização, o Irã não fará nada, continuará com o projeto que pode levar à construção de uma capacidade militar nuclear.
Nesse caso, há possibilidade de um ataque militar ao Irã?
Não creio. A intensa campanha no Conselho de Segurança por mais sanções traduz o fato de que a hipótese militar está descartada. Os EUA, intensamente engajados no Iraque e no Afeganistão e com problemas econômicos enormes, não me parecem com disponibilidade e vontade para agir. E o Irã não é o Iraque. O Irã não é um pequeno país, é o descendente do grande Império Persa. Suas instalações nucleares, se as houver, estão espalhadas e profundamente protegidas. O Irã não tem reatores nucleares industriais que possam ser alvos naturais em uma retaliação armada. Uma ação por parte de Israel seria um tanto arriscada e contraproducente. Todas as tensões existentes na região se amplificariam. Em diplomacia a gente nunca exclui totalmente nada, mas eu colocaria a retaliação militar numa posição muito baixa na minha hierarquia de possibilidades.
Estima-se que Israel tenha até 200 ogivas nucleares. O país se recusa a aderir ao TNP e não permite supervisão a AIEA em seu território. Por que o país não é tão pressionado como o Irã?
Aí precisamos entrar no âmago do relacionamento EUA-Israel, na culpa ocidental pelos episódios da 2ª Guerra Mundial, do Holocausto. Há toda uma história atrás de tudo isso, mas de fato o tratamento é díspar. Eu defendo que Israel abra mão de suas armas nucleares e caminhe para o estabelecimento de uma zona militarmente desnuclearizada no Oriente Médio. É obrigação dos signatários do TNP que não têm armas nucleares pressionar os que têm a declarar a posse, no caso de Israel, e a eliminar seus estoques, no caso de todos os outros.
O sr. vê alguma possibilidade de os países que têm a bomba desmancharem seus arsenais? Ou ainda vamos morrer disso?
Já vivemos num mundo sem o uso de armas nucleares. Elas deixaram de ser parte do arsenal das grandes potências para se tornar uma ambição da Coreia do Norte, da Líbia em certo momento... Houve uma degradação da importância estratégica das armas nucleares. EUA e Rússia acordaram em reduzir seus estoques recentemente. É claro que estão aperfeiçoando seus arsenais, porque 3 mil ogivas de hoje equivalem a 8 mil de 30 anos atrás. Mas estamos a caminho de uma sanidade crescente. Hoje, os países poderosos temem mais que as armas caiam nas mãos de terroristas, de países desqualificados, do que a hipótese inicial de um enfrentamento de superpotências. A arma nuclear será em breve um projeto de subpotências.
Mercosul: comportamentos bizarros
É o mínimo que se pode dizer das recentes iniciativas argentinas em relação ao comércio exterior, submetidas a regras "informais" de contenção.
Abaixo, editorial do Estadão e matéria a respeita da posição da FIESP sobre as novas medidas protecionistas (agora "informais") da Argentina.
Malandragem no Mercosul
Editorial - O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2010
Não haverá limites ao protecionismo argentino enquanto o governo brasileiro for omisso ou tolerante em relação aos desmandos praticados pelas autoridades de Buenos Aires. O Brasil é o maior comprador de produtos exportados pela Argentina. Se Brasília resolver agir em defesa não só dos exportadores nacionais, mas também do estropiado Mercosul, poderá restabelecer o mínimo indispensável de ordem e de respeito no funcionamento do bloco. Respeito é a palavra correta: a nova iniciativa da presidente Cristina Kirchner e de seu secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, é um indisfarçável deboche.
Moreno simplesmente proibiu importadores e dirigentes de supermercados de comprar alimentos similares aos da produção local. Nenhuma ordem escrita foi emitida, mas houve ameaça de pressões da Receita contra os desobedientes. A presidente da República negou publicamente qualquer nova ação protecionista. O presidente Lula engoliu o desmentido, passivamente, durante encontro na recente cúpula América Latina-União Europeia, em Madri.
Só na semana passada, segundo informação levantada pela Agência Estado, empresários argentinos cancelaram 25% das encomendas a exportadores brasileiros. Produtos enviados do Brasil, do Uruguai, do Paraguai e do Chile continuavam barrados nas fronteiras e nos portos argentinos. O México também não escapou e os governos dos países afetados têm reagido, exceto, naturalmente, o brasileiro. A Fiesp já expressou sua preocupação diante da escalada protecionista do maior parceiro do Brasil no Mercosul, mas sem resultado perceptível até agora.
Os empresários brasileiros conhecem bem o protecionismo informal. Durante anos, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, a Cacex, controlou o ingresso de produtos estrangeiros com a emissão de licenças. Quando o interesse era restringir, os papéis eram simplesmente engavetados.
Processos desse tipo abrem espaço a arbitrariedades e à distribuição de vantagens setoriais e até individuais. Dificilmente se encontrará um empresário brasileiro disposto a defender esse controle sem regras e sem segurança, mesmo entre os menos favoráveis ao livre comércio.
Ao adotar esse recurso, o governo argentino dá um grande passo para trás em termos institucionais. Isso deveria ser suficiente para inquietar os empresários e, de modo geral, os cidadãos interessados na segurança legal e no aperfeiçoamento da democracia. Mas essa política é também um retrocesso no campo diplomático. Até agora, o governo da presidente Cristina Kirchner vinha recorrendo, embora de forma abusiva, a meios de proteção formalmente previstos em acordos internacionais.
Esse foi o caso das licenças não automáticas de importação, adotadas a partir de 2008. O recurso a esse instrumento ampliou as barreiras a produtos estrangeiros, com prejuízos especialmente para o Brasil.
Além de impor uma restrição comercial incompatível com os objetivos do Mercosul, o governo de Buenos Aires acabou violando normas da Organização Mundial do Comércio, ao demorar mais de 60 dias ? de fato, até mais de 180 ? para emitir as licenças. Mas pelo menos era explícita a exigência de licenciamento, ainda em vigor graças à passividade do governo brasileiro.
As novas barreiras foram justificadas por fontes do governo argentino, há algumas semanas, como defesa contra a desvalorização do euro. Ao mesmo tempo há ações contra a concorrência chinesa, classificada como desleal por industriais e autoridades da Argentina. Mas a maior parte das barreiras criadas pelo governo de Buenos Aires acaba afetando o Brasil, mesmo quando o objetivo alegado é a defesa contra competidores de fora do Mercosul ou da América Latina.
Nada pode justificar a tolerância do governo brasileiro ao protecionismo do governo argentino. Se a ideia é colaborar com o vizinho e sócio no Mercosul, há maneiras de agir mais eficientes e mais leais. A nova barreira imposta vai além da violação das boas normas de comércio e de integração econômica e resvala para a mais barata malandragem. É o Mercosul levado a seu nível mais baixo.
=============
Fiesp quer uso de cláusula do Mercosul contra a Argentina
Agência Estado, 24.05.2010
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vai sugerir ao governo a utilização de uma cláusula especial do Mercosul para tentar reverter o cancelamento de 25% das compras argentinas do Brasil. Os empresários querem evitar que os subterfúgios argentinos contra importação prejudiquem a indústria brasileira. O diretor de Comércio Exterior da Fiesp, Ricardo Martins, disse que a ideia é evocar o Protocolo de Olivos que trata de medidas excepcionais e de urgência.
O Conselho do Mercosul poderá estabelecer procedimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência que possam ocasionar danos irreparáveis às partes, diz o artigo. Na interpretação da entidade, o cancelamento de pedidos em função da pressão do governo argentino pode configurar situação de dano irreparável aos exportadores brasileiros, segundo argumentou Martins.
O que mais nos preocupa é a falta de disposição dos Importadores e supermercadistas argentinos em contrariar o secretário Moreno, disse ele, referindo-se ao secretário de Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno, que se reuniu com os empresários há 10 dias para transmitir a proibição de importar alimentos e bebidas similares aos de produção doméstica. Depois da advertência de Moreno, nos primeiros dias de maio, as cargas do exterior começaram a se acumular nos portos e pontos das fronteiras por falta do certificado de circulação sanitária.
Na última semana, a entrega pelas autoridades argentinas dos certificados foi restabelecida a conta-gotas. As pilhas de contêineres nos portos e as filas de caminhões nas fronteiras com o Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai, começaram a se movimentar. A Câmara de Importadores da República Argentina estima que a normalização do fluxo de importação destes carregamentos só ocorrerá na próxima semana. A presidente Cristina Kirchner disse durante a cúpula da UE-Mercosul que as barreiras nunca existiram. Dois dias depois, o ministro do Interior, Florencio Randazzo, ratificou as declarações de Cristina, mas alertou que a Argentina defenderá o desenvolvimento da indústria nacional em caso de dumping.
A frase reforça as suspeitas dos empresários de que, mesmo sem usar medidas escritas, o governo argentino vai continuar valendo-se de manobras para reduzir a entrada de produtos importados. Uma fonte oficial afirmou que a intenção é provocar um dano econômico aos importados que possibilite a compra em primeira instância dos produtos nacionais.
Abaixo, editorial do Estadão e matéria a respeita da posição da FIESP sobre as novas medidas protecionistas (agora "informais") da Argentina.
Malandragem no Mercosul
Editorial - O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2010
Não haverá limites ao protecionismo argentino enquanto o governo brasileiro for omisso ou tolerante em relação aos desmandos praticados pelas autoridades de Buenos Aires. O Brasil é o maior comprador de produtos exportados pela Argentina. Se Brasília resolver agir em defesa não só dos exportadores nacionais, mas também do estropiado Mercosul, poderá restabelecer o mínimo indispensável de ordem e de respeito no funcionamento do bloco. Respeito é a palavra correta: a nova iniciativa da presidente Cristina Kirchner e de seu secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, é um indisfarçável deboche.
Moreno simplesmente proibiu importadores e dirigentes de supermercados de comprar alimentos similares aos da produção local. Nenhuma ordem escrita foi emitida, mas houve ameaça de pressões da Receita contra os desobedientes. A presidente da República negou publicamente qualquer nova ação protecionista. O presidente Lula engoliu o desmentido, passivamente, durante encontro na recente cúpula América Latina-União Europeia, em Madri.
Só na semana passada, segundo informação levantada pela Agência Estado, empresários argentinos cancelaram 25% das encomendas a exportadores brasileiros. Produtos enviados do Brasil, do Uruguai, do Paraguai e do Chile continuavam barrados nas fronteiras e nos portos argentinos. O México também não escapou e os governos dos países afetados têm reagido, exceto, naturalmente, o brasileiro. A Fiesp já expressou sua preocupação diante da escalada protecionista do maior parceiro do Brasil no Mercosul, mas sem resultado perceptível até agora.
Os empresários brasileiros conhecem bem o protecionismo informal. Durante anos, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, a Cacex, controlou o ingresso de produtos estrangeiros com a emissão de licenças. Quando o interesse era restringir, os papéis eram simplesmente engavetados.
Processos desse tipo abrem espaço a arbitrariedades e à distribuição de vantagens setoriais e até individuais. Dificilmente se encontrará um empresário brasileiro disposto a defender esse controle sem regras e sem segurança, mesmo entre os menos favoráveis ao livre comércio.
Ao adotar esse recurso, o governo argentino dá um grande passo para trás em termos institucionais. Isso deveria ser suficiente para inquietar os empresários e, de modo geral, os cidadãos interessados na segurança legal e no aperfeiçoamento da democracia. Mas essa política é também um retrocesso no campo diplomático. Até agora, o governo da presidente Cristina Kirchner vinha recorrendo, embora de forma abusiva, a meios de proteção formalmente previstos em acordos internacionais.
Esse foi o caso das licenças não automáticas de importação, adotadas a partir de 2008. O recurso a esse instrumento ampliou as barreiras a produtos estrangeiros, com prejuízos especialmente para o Brasil.
Além de impor uma restrição comercial incompatível com os objetivos do Mercosul, o governo de Buenos Aires acabou violando normas da Organização Mundial do Comércio, ao demorar mais de 60 dias ? de fato, até mais de 180 ? para emitir as licenças. Mas pelo menos era explícita a exigência de licenciamento, ainda em vigor graças à passividade do governo brasileiro.
As novas barreiras foram justificadas por fontes do governo argentino, há algumas semanas, como defesa contra a desvalorização do euro. Ao mesmo tempo há ações contra a concorrência chinesa, classificada como desleal por industriais e autoridades da Argentina. Mas a maior parte das barreiras criadas pelo governo de Buenos Aires acaba afetando o Brasil, mesmo quando o objetivo alegado é a defesa contra competidores de fora do Mercosul ou da América Latina.
Nada pode justificar a tolerância do governo brasileiro ao protecionismo do governo argentino. Se a ideia é colaborar com o vizinho e sócio no Mercosul, há maneiras de agir mais eficientes e mais leais. A nova barreira imposta vai além da violação das boas normas de comércio e de integração econômica e resvala para a mais barata malandragem. É o Mercosul levado a seu nível mais baixo.
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Fiesp quer uso de cláusula do Mercosul contra a Argentina
Agência Estado, 24.05.2010
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vai sugerir ao governo a utilização de uma cláusula especial do Mercosul para tentar reverter o cancelamento de 25% das compras argentinas do Brasil. Os empresários querem evitar que os subterfúgios argentinos contra importação prejudiquem a indústria brasileira. O diretor de Comércio Exterior da Fiesp, Ricardo Martins, disse que a ideia é evocar o Protocolo de Olivos que trata de medidas excepcionais e de urgência.
O Conselho do Mercosul poderá estabelecer procedimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência que possam ocasionar danos irreparáveis às partes, diz o artigo. Na interpretação da entidade, o cancelamento de pedidos em função da pressão do governo argentino pode configurar situação de dano irreparável aos exportadores brasileiros, segundo argumentou Martins.
O que mais nos preocupa é a falta de disposição dos Importadores e supermercadistas argentinos em contrariar o secretário Moreno, disse ele, referindo-se ao secretário de Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno, que se reuniu com os empresários há 10 dias para transmitir a proibição de importar alimentos e bebidas similares aos de produção doméstica. Depois da advertência de Moreno, nos primeiros dias de maio, as cargas do exterior começaram a se acumular nos portos e pontos das fronteiras por falta do certificado de circulação sanitária.
Na última semana, a entrega pelas autoridades argentinas dos certificados foi restabelecida a conta-gotas. As pilhas de contêineres nos portos e as filas de caminhões nas fronteiras com o Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai, começaram a se movimentar. A Câmara de Importadores da República Argentina estima que a normalização do fluxo de importação destes carregamentos só ocorrerá na próxima semana. A presidente Cristina Kirchner disse durante a cúpula da UE-Mercosul que as barreiras nunca existiram. Dois dias depois, o ministro do Interior, Florencio Randazzo, ratificou as declarações de Cristina, mas alertou que a Argentina defenderá o desenvolvimento da indústria nacional em caso de dumping.
A frase reforça as suspeitas dos empresários de que, mesmo sem usar medidas escritas, o governo argentino vai continuar valendo-se de manobras para reduzir a entrada de produtos importados. Uma fonte oficial afirmou que a intenção é provocar um dano econômico aos importados que possibilite a compra em primeira instância dos produtos nacionais.
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