Justamente, não foi de repente. O subdesenvolvimento, como gostava de dizer Nelson Rodrigues, não se improvisa: "É obra de séculos".
Talvez se possa até concordar com o grande cronista, e de fato, o Brasil é subdesenvolvido desde o nascimento, talvez até antes, e continuou assim, nas diversas "derrotas" nacionais que tivemos, algumas ainda antes da criação de um Estado nacional e da independência da nação: a expulsão dos jesuitas, os únicos que ministravam aulas a brasileiros livres, escravos, índios, pelo "despotismo esclarecido" de Pombal (só se era para as negras dele, como se dizia antigamente, mas hoje ficou politicamente incorreto de falar essas coisas); a manutenção do tráfico e da escravidão na primeira Constituinte, contra as recomendações de José Bonifácio (este sim, um esclarecido, ainda que levemente désposta); a derrota de Mauá industrialista, contra os agraristas e metalistas do Segundo Império; a terrível derrota de Nabuco, várias vezes, contra os escravistas e reacionários do mesmo regime, descartando seus projetos de libertação incondicional com reforma agrária e educação para os negros e os pobres em geral; a derrota de Lobato e dos "educacionistas" dos anos 1920 e 30, que a custo conseguiram implantar uma escola pública, ainda que limitada à classe média urbana; a derrota prática dos aberturistas e liberais na definição das grandes linhas das políticas econômicas do pós-guerra (industrial e comercial, por exemplo), ainda quando tivessem ganho a batalha teórica contra os protecionistas e estatizantes (no debate Simonsen-Gudin, por exemplo), e a derrota de todos os democratas, contra os extremistas de esquerda e de direita, nos anos 1960 e, aparentemente, até hoje. Enfim, são muitas as derrotas dos progressistas verdadeiros num Brasil infestado pelos representantes do que se poderia chamar de atraso mental institucionalizado, ainda mais reforçado nos últimos anos.
Com efeito, o Brasil não só não avançou, no plano educacional (se tanto apenas quantitativamente), como recuou, e muito, sobretudo qualitativamente; energúmenos passaram a dirigir a educação brasileira, fazendo-a retroceder à demagogia deletéria de um Paulo Freire, e seu bando de pedagogos amestrados.
Vai ser difícil reconstruir todo o atraso (sobretudo mental, repito) em que incorremos na última década, toda a decadência universitária, que é universal, pois vai do pré-primário ao pós-doc.
O artigo abaixo é apenas um pequeno reflexo do desastre.
A situação, acreditem, é muito pior do que qualquer descrição em artigo de jornal...
Paulo Roberto de Almeida
'Derrepentemente', mais engenheiros
10 de junho de 2013 | 2h 06
MIGUEL JORGE - O Estado de S.Paulo
O Brasil parece ter acordado para o sério problema da
escassez de mão de obra em Medicina e Engenharia. Levantamento do
governo mostra que faltam 50 mil médicos em todo o País e deveriam se
formar ao menos 70 mil novos engenheiros por ano para acompanhar o
número de projetos nas mais diversas frentes de trabalho. Passando ao
largo da carência de médicos e da polêmica em torno da proposta de
importar profissionais de outros países, uma boa notícia ganhou espaço
nos jornais.
Pela primeira vez, o número de calouros em Engenharia superou o de
Direito. Em 2006, segundo o Ministério da Educação (MEC), 95 mil
estudantes ingressaram na área (5% do total de calouros das faculdades).
Em 2011 já eram 227 mil (10% do total) e a quantidade de calouros em
Direito caiu 4%. Esse crescimento na procura por Engenharia reflete a
demanda aquecida por profissionais da área, necessários para superarmos
os graves gargalos na infraestrutura, que atravancam nosso crescimento e
desenvolvimento.
Os números mostram que os estudantes estão atentos ao mercado e às
oportunidades geradas pelo crescimento, que estimula projetos na
construção civil, siderurgia, metalurgia, automação, telecomunicações,
petroquímica, etc. Mas é preciso cautela na avaliação desse avanço. O
próprio ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foi realista: os
ingressantes em Engenharia são insuficientes para resolver a carência da
área.
O déficit é expressivo: foram 45 mil graduados, em 2011, para uma
necessidade de 70 mil a 95 mil engenheiros todos os anos, até 2020. A
Coreia do Sul, com 49 milhões de habitantes (aqui somos cerca de 190
milhões), forma 80 mil engenheiros ao ano. Não há solução milagrosa:
para garantir o crescimento e obter o mínimo de competitividade no
cenário internacional, é fundamental reverter nosso cenário de 2,48
engenheiros para cada 100 mil habitantes. No Japão são 17, e na China e
nos EUA são 13,8 e 9,5, respectivamente.
Mas o mais preocupante é constatar que menos da metade dos estudantes
de Engenharia consegue se formar, em razão de um velho problema de
nossa educação: o despreparo e a falta de domínio dos conteúdos exigidos
para um desempenho adequado na educação superior. Os estudantes chegam
às universidades sem conhecimentos essenciais para a qualificação
profissional. Recentemente, o presidente do Instituto de Engenharia,
Aluízio de Barros Fagundes, reconheceu que as escolas de Engenharia
gastam o primeiro ano para ensinar fundamentos de Matemática, Física e
Química.
Não por acaso, dados do Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (Pisa) de 2009, da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), apontam que é muito baixo o porcentual
de nossos estudantes com habilidades mínimas em Matemática. O exame,
que avalia o desempenho em leitura, Matemática e Ciências, foi feito por
cerca de 470 mil estudantes de 15 anos em todo o mundo.
Os resultados mostram, de forma contundente, o enorme déficit de
habilidade em matemática entre nossos estudantes: coube-nos um triste
57.º lugar. O teste avalia os alunos em seis categorias, com níveis
progressivos de dificuldade, e a grande maioria de nossos jovens (88%)
situou-se até o nível 2. Só 3,8% conseguiram nível 4 para cima (no 6, o
mais alto, nosso resultado foi de 0,1%), e este, sem dúvida, é um dos
requisitos capazes de garantir sucesso a alunos das áreas de exatas e
tecnológicas.
Os países da OCDE, que reúne as economias mais avançadas, tiveram
desempenho bem superior: enquanto somamos 386 pontos, a média dos países
foi de 495. Na Coreia do Sul, 51,8% dos alunos estão acima do nível 4
na avaliação de Matemática do Pisa. No Canadá são 43,3% e na China,
71,2%. Isto é: proporcionalmente, esses países têm pelo menos dez vezes
mais alunos aptos para as áreas de exatas e tecnológicas que o Brasil.
Mais grave é que nossas autoridades parecem ainda não se dar conta da
urgência e da gravidade de nossos problemas na educação. É evidente a
necessidade de investimento eficiente, consistente e focado nos anos
iniciais de aprendizagem, pois o problema começa nesta etapa. Precisamos
melhorar a base, os anos iniciais do ensino fundamental, pois a
insuficiente aprendizagem ao longo da educação básica impede que se
adquiram as habilidades esperadas, em cada série, em disciplinas básicas
como Português e Matemática.
Voltando aos dados do início, é importante repetir que a quantidade
de calouros em Direito caiu 4% - uma boa notícia, pois já temos uma
reserva de profissionais mais que suficiente para atender à demanda na
área. Com uma agravante: há problemas recorrentes de qualificação, como
demonstram os resultados do 9.º Exame da OAB, divulgados em março. A
reprovação foi de 89,7%: dos 114.763 candidatos, só 11.820 foram
aprovados, ou só 1 em cada 10 inscritos conquistou o direito de advogar.
Os números da área são superlativos. Temos 754.685 advogados (1
profissional para 256 habitantes), segundo a OAB, a mesma proporção dos
EUA (1 para 253). Ainda segundo a OAB, 100 mil pessoas se formam em
Direito anualmente. Levantamento do Inep mostra que, entre 1999 e 2011, a
quantidade de matriculados foi de 328,7 mil para 722,8 mil, crescimento
de 120%.
Nos últimos 20 anos, o número de faculdades de Direito passou de
cerca de 200 para 1.260, ante 1,1 mil em todo o mundo (!). Além disso,
mais de cem instituições esperam por autorização do MEC para entrar no
mercado - e tudo indica que esperarão por muito tempo, pois o próprio
Ministério diz que não autorizará novos cursos de Direito. A medida,
correta, chega tarde.
Entre os profissionais de Direito, o excesso de oferta, somado à
falta de qualificação, resulta, no mínimo, em ataques brutais à língua
portuguesa, como o que surpreendeu um amigo dia destes, em
correspondência de seu advogado: o profissional garantiu que
"derrepentemente" o juiz poderia encerrar a causa.
* JORNALISTA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR NO GOVERNO LULA (2007-2010)