sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Mercosul: revisão da TEC, redução unilateral pelo Brasil, prós e contras - Mailson da Nobrega, Paulo Nogueira Batista Jr.

Não vou me pronunciar agora, pelo menos não em detalhe. Sou a favor, primeiro de uma proposta brasileira, para uma revisão baixista da TEC conjuntamente. Se não houver acordo, o Brasil deveria propor uma resolução do Conselho do Mercosul, autorizando os países a negociarem livremente com terceiras partes acordos de livre comércio, preservando a cláusula MFN para dentro.
Se não for possível, o Brasil pode, então, denunciar o Mercosul, mas isso só será efetivo em dois ou três anos.
Só em último caso, proceder a uma revisão unilateral, com ou sem autorização do Mercosul.
Em todas essas etapas, progressivas e graduais, nunca imediatas, o Brasil deve proceder a uma REVISÃO interna de sua estrutura tributária, no sentido de reduzir TODOS os gravamos incidindo sobre a produção interna e sobretudo sobre a exportação. Acho que isso vai ser o mais difícil, mas é IMPRESCINDÍVEL, pois o Estado brasileiro é o principal criminoso em toda essa empreitada.
Claro, quando falo de Estado, estou falando de todos nós: os três poderes, perdulários e gastadores, os industriais, e os consumidores carneiros, que concedem pagar caro para alimentar os ogros famélicos descritos mais acima.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 1/11/2019

Por Maílson da Nóbrega
Blog do Mailson na Revista Veja, 12 mar 2018, 08h23








É preciso abrir a economia. E de forma unilateral

A abertura objetiva expor a indústria à competição internacional, aumentando a eficiência e a produtividade


No meu último post, mostrei como o longo período de protecionismo tornou a nossa economia uma das mais fechadas do mundo. A abertura levada a efeito na segunda metade dos anos 1980 e na primeira dos anos 1990 começou a ser revertidas no governo de FHC. A situação piorou nos governos do PT, particularmente no período de Dilma Rousseff.
Vários estudos mostram que uma economia aberta expõe sua indústria a pressões competitivas que contribuem para a inovação e para a busca de eficiência. Os decorrentes aumentos de produtividade tornam a indústria mais competitiva e mais capaz de exportar e de competir com produtos estrangeiros.
Não à toa, os países desenvolvidos têm tarifas de importação inferiores a 5%. Nos Estados Unidos, andam por volta de 2,5%. A brasileira está perto de 20%.
Semana passada, o governo americano adotou na uma ação protecionista. Impôs 25% de impostos sobre as importações de aço e de 10% sobre as de alumínio, erro grave que pode gerar retaliações. Essa não é a prática usual naquele país.  É provável que cedo ou tarde o erro será reparado.
Voltando ao Brasil, estudo recente do Banco Mundial mostrou que seis milhões de brasileiros poderiam sair da linha de pobreza se o país abrisse mais sua economia. Em consequência dos ganhos de produtividade, o potencial de crescimento poderia aumentar em um ponto percentual. Cerca de 400 mil empregos poderiam ser criados.
A abertura livraria o Brasil do equívoco de buscar produzir todos os elos das cadeias produtivas, numa tentativa pouco justificada de tudo fabricar no território nacional. Isso provoca má alocação de recursos, aumenta a ineficiência e inibe os ganhos de produtividade. O resultado é a perda de competividade.
Há um equívoco comum quando se discute a abertura da economia. Muitos dos que concordam com a medida enveredam por outro erro, qual seja o de defender que a abertura deverá ser precedida de negociações com nossos parceiros comerciais.
A abertura deve ser necessariamente unilateral. Ela não é uma medida de comércio exterior. Seu objetivo é criar incentivos ao aumento da produtividade, contribuindo para aumentar a capacidade de crescer, gerar emprego e ampliar a renda dos trabalhadores. Não pode depender de negociações com outros países.
As negociações seriam complexas e demoradas. Em muitos casos não resultariam na reciprocidade imaginada pelos defensores da negociação. Suponha, por exemplo, que o Japão não aceitasse reduzir suas tarifas em atendimento a pedido do governo brasileiro. A abertura seria abortada? Claro que não.
    A abertura da economia, além de seus efeitos benéficos para a indústria e para o país, pode fornecer ao Brasil a base para demandar reciprocidade. É o inverso do que se pensa.

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04:11:39 | 01/11/2019 | Economia | Revista Carta Capital | Paulo Nogueira Batista Jr | BR
    Brasil, Argentina, Mercosul

    Paulo Nogueira Batista Jr.

    Uma diminuição apressada de tarifas de importação pode destruir empresas, empregos e até setores inteiros da indústria
    Rei na considerável tumulto nas relações entre o Brasil e a Argentina. Falou-se até em saída do Brasil do Mercosul ou em exclusão da Argentina. Não chegaremos a esses extremos, mas o quadro é, sem dúvida, preocupante. Deixando de lado ruídos políticos e declarações espalhafatosas, a questão central para o Mercosul é a intenção brasileira de promover abertura radical da economia. O Ministério da Economia planeja aparentemente uma redução rápida das tarifas de importação. Como o Mercosul é uma união aduaneira e não apenas uma área de livre-comércio, o plano precisa passar pelos outros integrantes do bloco.
    Em outras palavras, é necessário negociar reduções na tarifa externa comum (TEC) do Mercosul. Embora o Mercosul seja uma união aduaneira incompleta, pois diversos produtos têm regimes próprios ou fazem parte de listas de exceções, a maior parte das importações está na TEC, com eventuais alterações exigindo entendimentos entre os membros do bloco.
    Vazou recentemente para o jornal Valor Econômico um plano de abertura, apresentado pelo Ministério da Economia e o Itamaraty aos outros três sócios do Mercosul. O ponto central do plano é uma acentuada redução das tarifas no setor industrial em apenas quatro anos. Para alguns segmentos importantes, a queda seria drástica. Por exemplo, para automóveis, têxteis e vestuário as tarifas cairiam de 35% para 12%. Sobre ônibus, de 35% para 4%. Sobre calçados, de 31,8% para 12%. Sobre máquinas, materiais e aparelhos e elétricos, de 12% para 4,2%. São apenas alguns exemplos de uma extensa relação de segmentos industriais que seriam afetados pela queda das tarifas.
    Diante das reações negativas, integrantes da equipe econômica apressaram-se a explicar que o documento vazado era "uma hipótese metodológica" e "um exercício acadêmico". Estranha explicação, pois não é usual que participantes de reuniões oficiais internacionais se debrucem sobre elucubrações acadêmicas. Seja como for, com a vitória de Fernández na Argentina, os planos de abertura radical tornaram-se mais difíceis. O governo Macri simpatizava com essa abordagem. O futuro governo Fernández indicou discordâncias.
    Aí é que mora o perigo para o Mercosul. Se o governo Bolsonaro insistir com idéias desse tipo e o novo governo argentino resistir, haverá risco de erosão do bloco. O governo brasileiro pode ser levado a propor a transformação da união aduaneira em área de livre-comércio, com supressão da TEC. Já apareceram defensores dessa ideia no Brasil. Cada um dos quatro países ficaria então livre para aplicar as tarifas que quisesse, obedecidos outros compromissos internacionais.
    Vale a pena? Não acredito. Poderíamos perder preferências tarifárias de que desfrutamos no mercado argentino e no resto do Mercosul, o que tem importância considerável para a indústria brasileira. Não se deve perder de vista que a
    Argentina é um dos principais mercados para as exportações industriais brasileiras, especialmente para as de maior valor agregado. Além disso, e talvez mais importante, não interessa ao Brasil, em especial à já combalida indústria brasileira, embarcarem planos ambiciosos de abertura. Idéias desse tipo são perigosas e têm grande potencial destrutivo.
    A revisão das tarifas de importação deve pautar-se pela moderação e obedecer a alguns princípios. Primeiro, qualquer diminuição de tarifas deve ser gradual para que os produtores nacionais tenham tempo de se adaptar. Uma diminuição apressada pode destruir empresas, empregos e até setores inteiros da indústria.
    Segundo, a abertura deve ser negociada e não unilateral. Como obter mais acesso para as exportações brasileiras em outros mercados se entregarmos o nosso de mão beijada, sem contrapartidas?
    Terceiro, é preciso lembrar que as tarifas de importação relativamente altas praticadas pelo Mercosul constituem uma compensação - e apenas parcial para desvantagens competitivas sistêmicas que enfrentam as empresas do bloco. E o que os brasileiros chamam de custo Brasil - as deficiências de infraestrutura e logística, as elevadas taxas de juro e as dificuldades de acesso a crédito de longo prazo, os períodos prolongados de sobrevalorização cambial, o peso e a complexidade dos tributos, entre outros fatores.
    Sem enfrentar essas desvantagens sistêmicas, que dificilmente serão superadas em prazo curto, um plano de abertura radical poderá ter impacto tenebroso sobre muitos setores importantes da economia, acelerando o processo de desindustrialização e obstruindo o desenvolvimento do País. paulonbjr@hotmail.com

    Campanha do governo Bolsonaro contra a FSP: cabe assinar o jornal

    Não sou um grande admirador da FSP, preferindo o velho jornal conservador Estadão, mas reconheço na FSP um jornal ágil, diversificado e bastante moderno. Vou fazer uma assinatura digital, apenas para responder ao ataque troglodita do governo contra esse jornal. Acho que meus leitores deveriam considerar o mesmo gesto, que não precisa ser dirigido exclusivamente à FSP, mas a qualquer outro jornal, como solidariedade, não apenas à Folha de SP, mas a toda imprensa brasileira, hostilizada pelo presidente autoritário.
    Paulo Roberto de Almeida

    Eduardo Bolsonaro e Carluxo riem de mensagem da Folha promovendo novas assinaturas

    Os filhos do presidente decidiram ironizar uma campanha promovida pelo jornal feita para os leitores

    Ouça o Fórumcast, o podcast da Fórum
    Foto: Reprodução
    Depois de o presidente Jair Bolsonaro anunciar o cancelamento de todas as assinaturas da Folha de S.Paulo, seus filhos decidiram ironizar uma campanha promovida pelo jornal feita para os leitores. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) republicaram a Folha com risadas.
    O primeiro a debochar do jornal foi Carluxo, que postou o print de um tuíte do veículo com emojis de riso. “Leitores reagem à fala de Bolsonaro e defendem assinar a Folha como ato de resistência”, diz a mensagem postada pela Folhaque redireciona para uma matéria feita com assinantes.
    Logo depois foi a vez de Eduardo seguir o irmão e postar um longo “Kkkkkkkkkkkkkk” para o jornal. Mais cedo, o parlamentar publicou uma mensagem dizendo que há uma “milícia jornalística” contra o pai. “Não há milícia virtual, há milícia jornalística organizada para assassinar a reputação do presidente”, disse. Ele também expôs uma repórter.
    Censura
    Na quinta-feira, o ex-capitão disse em entrevista ao apresentador José Luiz Datena que todas as assinaturas da Folha foram canceladas porque o jornal apenas “envenena o governo”. Questionado pelo apresentador se isso não seria uma forma de censura, Bolsonaro negou e disse que quem quiser pode comprar o periódico nas bancas de jornal.
    Em resposta, a Folha lamentou a decisão e disse que Bolsonaro mentiu ao se referir a uma reportagem publicada pelo veículo. “A Folha lamenta mais uma atitude abertamente discriminatória do presidente da República contra o jornal e vai seguir fazendo, em relação a seu governo, o jornalismo crítico e apartidário que a caracteriza e que praticou em relação a todos os governos”, disse em nota.

    Brasil: um país fechado ao mundo - Philip Lichterbeck (Deutsche Welle)

    Brasil, uma grande aldeia isolada do mundo 
    Produtos de baixa qualidade, delitos ambientais, sexismo, provincianismo, governos disfuncionais. O isolamento comercial e intelectual brasileiro tem razões geográficas e históricas, e acabar com ele faria bem ao país.
    Philip Lichterbeck
    DW, 31.10.2019

    O Brasil é um país fechado. Aqui vive gente de todas as partes do mundo, mas os brasileiros não estão abertos para o mundo.
    Por um lado, isso tem a ver com as dimensões continentais deste país, que forçosamente dirigem o olhar para dentro. Por outro lado, a culpa é de décadas de protecionismo econômico. Durante um certo tempo, isso fazia sentido: assim como os "tigres asiáticos", o Brasil queria proteger sua economia da concorrência dos Estados Unidos e da Europa.
    A ideia era que se desenvolvessem empresas brasileiras fortes, as chamadas campeãs nacionais. Mas quando isso acabou acontecendo, as barreiras comerciais, na forma de taxas de importação altas e uma burocracia kafkiana, não foram suspensas, mas mantidas. 
    O resultado dessa proteção do Estado é que se criaram quase monopólios no país, como o conglomerado Ambev, que inundou o país com uma bebida feita de água, milho e química, a qual teve permissão de chamar de "cerveja", sem discussões – e sem o perigo de outra empresa colocar em risco o seu domínio.
    É óbvio que monopólios são ruins. Em primeiro lugar, para o consumidor, pois permitem a uma única companhia ditar a oferta e os preços. Em segundo, para a economia nacional, pois firmas protegidas de concorrência não estão expostas a pressões inovadoras, e não investem seus lucros na melhoria dos seus produtos.
    Colunista Philipp Lichterbeck
    Colunista Philipp Lichterbeck vive no Rio desde 2012
    Isso resulta em maus produtos brasileiros, que não correspondem mais ao padrão tecnológico internacional. Qualquer um que já tenha estado numa loja de ferragens brasileira pode confirmar: não se acha sequer uma tomada decente. A única alternativa hoje são artigos importados, os quais, no entanto, são absurdamente caros.
    Isso também fez com que a maioria das casas e apartamentos tenha aparências semelhantes. Por exemplo: as trêmulas, rangedoras e emperradas janelas de correr de alumínio. Muitos brasileiros aprenderam a se contentar com pouco, pois não têm ideia de tudo o que seria possível.
    Para essa constatação, não é preciso comparar o Brasil com a Europa. Basta uma olhada em países como Colômbia ou México. Quem voa do Rio de Janeiro para Bogotá ou a Cidade do México, logo tem a sensação de ter viajado de um país do passado para a atualidade. Não tem só a ver com a oferta mais variada de mercadorias, mas também com o maior profissionalismo.
    Já se nota isso na diferença entre aeroportos. O Terminal 2 do Galeão é uma catástrofe de planejamento, com uma arquitetura que força passageiros e tripulações a caminharem vários quilômetros por corredores vazios. 
    Isso tudo nem seria tão grave, se o protecionismo econômico do Brasil não tivesse também resultado numa rejeição mental contra muito do que é novo. Pode-se observar isso especialmente bem no Rio. Em geral, os cariocas consideram sua cidade insuperável: de fato, é difícil encontrar uma metrópole tão provinciana.
    Um exemplo ao acaso? Numa área urbana de 12 milhões de habitantes, o metrô para de funcionar à meia-noite. A oferta gastronômica é comparativamente pobre. E nos supermercados do Rio, continuam se promovendo orgias de sacolas plásticas – as quais atualmente já são proibidas até em diversos países africanos. No Quênia, sua produção e venda é punida com 19 mil dólares de multa e quatro anos de prisão. No Rio, assim como no resto do Brasil, sacolas plásticas ainda são vistos como um direito humano.
    A falta de visão exterior igualmente marca a política brasileira. Em Bogotá, acaba de ser eleita prefeita uma mulher abertamente lésbica; em numerosos países, políticos homossexuais não são mais nenhuma raridade. Mas no Brasil eles têm que temer pela própria vida. Aqui se elege antes um evangélico incapaz do que um gay competente.
    Aliás, o país com mais mulheres no Parlamento é Ruanda, onde elas são 64%. O Brasil, por sua vez, figura nessa estatística no nível da República Islâmica do Irã; nenhum outro país da América Latina tem uma percentagem tão pequena de deputadas.
    Portanto aqui falta declaradamente uma percepção de common sense. É como uma pessoa que viveu sozinha a vida toda, e não percebe quão excêntrica se tornou. Ela se considera normal e todos os outros, esquisitos. Isso fica óbvio especialmente no atual pessoal do governo.
    Ministros como Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Damares Alves têm óbvias deficiências cognitivas. Eles vivem em mundos paralelos e paranoicos. Em sociedades saudáveis jamais teriam chegado a posições de poder. Mas o Brasil é como uma comunidade de aldeões isolada, que escolheu como seus líderes justamente os habitantes mais agressivos, inescrupulosos e loucos.
    Um indicador de quanto o Brasil está separado do próprio continente é o fato de, no momento, outros países da região parecerem estar avançando. No Equador e no Chile, milhões se levantaram contra as injustiças sociais. Os argentinos se cansaram dos experimentos neoliberais de Mauricio Macri. E a Bolívia se revolta contra o caudilhismo de esquerda de Evo Morales, o que atesta a favor do processo de amadurecimento da democracia local.
    No Brasil, em vez disso, a população se acomoda em letargia, resignação e uma restauração conservadora. Um fim do protecionismo comercial e intelectual faria bem ao país.
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    Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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    quinta-feira, 31 de outubro de 2019

    A diplomacia amadora do Brasil, da dupla Bolso-EA - Afonso Benitez (El País)

    Diplomacia do Brasil é vista como amadora, ainda que pragmática

    Especialistas e diplomatas avaliam discursos de Bolsonaro e de Ernesto Araújo e dizem que a Argentina é o alvo que a China já foi no passado recente

    Afonso Benitez
    El País, 31/10/2019
    O príncipe saudita Mohammed bin Salman e o presidente Jair Bolsonaro.
    O príncipe saudita Mohammed bin Salman e o presidente Jair Bolsonaro.José Dias (PR)
    A duas semanas de sediar a reunião de cúpula dos BRICS, o Brasil expôs uma diplomacia marcada por instabilidade e amadorismo, segundo especialistas e diplomatas estrangeiros lotados no Brasil. As avaliações negativas são direcionadas ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e ao seu chanceler, Ernesto Araújo, responsáveis por liderar as tratativas com os parceiros internacionais. Em seu tour de 12 dias pela Ásia e Oriente Médio, Bolsonaro reforçou a percepção  de que prefere governar sob um discurso para agradar a seus eleitores radicais do que mandar mensagens para o mundo. Antes do imbróglio sobre a investigação de Marielle Franco, Bolsonaro causou espanto ao criticar a eleição de Alberto Fernandez para a presidência da Argentina e declarar que não iria parabenizá-lo. Disse ainda que mulheres gostariam de passar uma tarde com um príncipe (em referência ao príncipe saudita Mohammed bin Salman, acusado de matar um jornalista) e afirmou que tinha “afinidade” com Salman. Antes, falando para o seu público eleitor pelo Twitter já havia insinuado que o Foro de São Paulo estava vivo, por causa de um discurso do presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
    O EL PAÍS entrevistou dois representantes de embaixadas estrangeiras que vivem no Brasil, um diplomata brasileiro e dois professores de relações internacionais e ciências políticas. Os membros dos corpos diplomáticos falaram sob a condição de não terem seus nomes publicados. “Em termos de valores e tradições da política externa e do nível de profissionalização de nossos diplomatas estamos diante de um retrocesso”, avaliou a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Fernanda Magnotta. Conforme essa especialista, colegas que atuam em universidades de outros países têm visto os representantes do Ministério das Relações Exteriores como amadores, algo que não ocorria em gestões passadas. “Do presidente Bolsonaro poderíamos esperar tudo, porque ele é um radical. Mas de seus diplomatas, esperávamos um pouco mais de bom senso. Algo que não temos visto na gestão Araújo”, afirmou um dos diplomatas estrangeiros entrevistados pela reportagem.
    Na visão de Magnotta, o presidente Bolsonaro também tem demonstrado estar deslumbrado com o cargo máximo da República. “Antes de se empolgar com a suntuosidade do lugar que se visita, o presidente precisa pensar quais valores se está propagando”, afirmou a professora. Ao conversar com jornalistas em Riad, na Arábia Saudita, Bolsonaro foi questionado sobre o que esperava das reuniões que teria durante a tarde com o príncipe Salman. Ao que respondeu: “Todo mundo gostaria de passar a tarde com um príncipe. Principalmente vocês, mulheres”.
    Quando o assunto foi a Argentina, o chanceler Ernesto Araújo manteve a estratégia de que sempre é necessário eleger um inimigo. Disse, por exemplo, que “forças do mal” celebraram a eleição de Fernandez. Em seu perfil no Twitter, Araújo escreveu que “as forças da democracia estão lamentando pela Argentina, pelo Mercosul e por toda a América do Sul”.
    Já Bolsonaro afirmou que, apesar de não parabenizar o presidente eleito da Argentina, ele não pretende fechar portas a ele. As falas enviesadas a Fernandes responderam, de fato, ao que foi visto como provocação por parte do presidente brasileiro. “Estamos preocupados e receosos, tendo em vista até o gesto que ele [Fernández] fez de Lula Livre”. Defensor da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernández já criticou Bolsonaro em entrevistas anteriores. Disse, por exemplo, que celebrava quando o presidente brasileiro o criticava. O chamou de racista, misógino, violento e defensor da tortura. “Com Bolsonaro, não tenho problema em ter problemas”, disse em entrevista a uma emissora argentina.
    Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Nascimento diz que a diplomacia brasileira tem se esquecido que as relações entre os países são entre Estados, não entre Governos. “A ideologia não deve ser trazida a nenhuma mesa de discussão”, disse.

    Vitória do pragmatismo

    Apesar dos discursos radicais de Araújo e Bolsonaro, até o momento o pragmatismo, defendido principalmente pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem vencido essa disputa interna no Governo. Meses após assumir a presidência, Bolsonaro chegou a dizer que os chineses queriam comprar o Brasil, e não do Brasil. Afirmou que as relações exteriores do Brasil seriam abertas a todo mundo, independentemente da ideologia, mas sempre criticou o comunismo chinês. “O Governo é obrigado a recuar por causa da realidade”, ponderou Nascimento.
    Há quase uma década, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Dados do Ministério da Economia mostram que de janeiro a setembro deste ano a balança comercial entre os dois países atingiu a marca de 72,8 bilhões de dólares (291,2 bilhões de reais), o que representa 24% de tudo o que o Brasil comercializou com o restante do mundo.
    Já a Argentina, o alvo da vez, está em terceiro lugar nesse ranking – atrás dos Estados Unidos. Registrou comércio de 15,2 bilhões de dólares (60,8 bilhões de reais) no período. É o principal parceiro na América Latina. “O presidente adota a estratégia do morde assopra. Tem uma narrativa muito agressiva, mas que não é acompanhada de uma prática do mesmo tom. Já mudou com a China. Em breve, também deve mudar com a Argentina”, ponderou a professora Magnotta. Os afagos ao príncipe árabe também respondem a uma ação concreta. A Arábia Saudita anunciou investimento de 10 bilhões de dólares em infraestrutura no Brasil.

    Uruguai puxa a orelha do embaixador brasileiro por declaração intrometida de Bolsonaro

    Uruguay le pidió explicaciones a Brasil | Bolsonaro... 

    Página12, 31/10/2019

    La cancillería uruguaya convocó al embajador brasileño para pedirle una explicación por las declaraciones de Jair Bolsonaro. El presidente de Brasil había dicho que esperaba el triunfo del opositor al gobierno uruguayo, el candidato del Partido Nacional Luis Lacalle Pou, porque es más cercano a “su equipo”. Lejos de agradecerle el apoyo, el candidato que tiene grandes chances de ganar las elecciones, salió a criticarlo.
    Fiel a su verborragia, Bolsonaro no pudo evitar referirse al resultado de las elecciones presidenciales de Uruguay del domingo pasado. "Uruguay va a una segunda vuelta y la oposición (al gobernante Frente Amplio) está más alineada con nuestros pensamientos liberales y económicos. Esperamos que se produzca la elección de alguien más cercano a nuestro 'equipo'. Ahí tendríamos a Uruguay con más afinidad con nosotros", sostuvo Bolsonaro el martes pasado en diálogo con O Estado de San Pablo. "No tuvimos ningún problema con Uruguay en materia económica con el actual presidente (Tabaré Vázquez). Pero tenemos que prepararnos siempre para lo peor, porque no se puede decir que uno se ve sorprendido con los hechos. La política no ocurre de un momento a otro", sostuvo el presidente de Brasil.
    El gobierno uruguayo se tomó unos días pero finalmente emitió una nota pidiendo explicaciones al embajador de Brasil, Antonio Simoes. “El Ministerio de Relaciones Exteriores convocó al embajador de la República Federativa de Brasil en Uruguay, señor Antonio Simões y le solicitó explicaciones sobre las expresiones vertidas por el señor presidente Jair Bolsonaro (…) relacionadas con el proceso electoral que se desarrolla en nuestro país", dice la nota oficial. 
    El pasado domingo se dio la primera vuelta de las elecciones presidenciales en Uruguay . Allí obtuvo la mayor cantidad de votos el candidato oficialista del Frente Amplio, Daniel Martinez. Se impuso con 39.17 por ciento de los votos, que lo obligan a competir en ballotage con el candidato del Partido Nacional, Luis Lacalle Pou. Si bien este candidato de derecha obtuvo el 28.59 por ciento de los votos, los que le siguen en el tercer y el cuarto lugar, manifestaron que apoyan su candidatura en la segunda vuelta . Lo que lo deja muy cerca a obtener la presidencia de Uruguay.
    Sin embargo, Lacalle Pou salió a depegarse de Bolsonaro. "Me parece que no es buena cosa que los distintos políticos y en este caso distintos gobernantes incidan, opinen, en lo que puede llegar a pasar en otro país", dijo en declaraciones a El Observador. "Uruguay, por suerte, no decide lo que piensan los brasileños, decide lo que le pasa y lo que necesitan los uruguayos", sostuvo el abogado de 46 años que competirá el 24 de noviembre para definir al próximo presidente de Uruguay.

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    Uruguai convoca embaixador no Brasil após declarações de Bolsonaro

    Ouça: Uruguai convoca embaixador no Brasil após declarações de Bolsonaro 0:00 100% Audima
    O governo do Uruguai convocou seu embaixador no Brasil, Antonio Simões, para prestar esclarecimentos sobre declarações dadas pelo presidente Jair Bolsonaro em relação às eleições presidenciais no país.
    A convocação foi anunciada nesta quinta-feira, 31, em comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai. 
    A questão é referente a uma entrevista dada por Bolsonaro ao jornal Estado de S.Paulo, durante sua viagem pela Arábia Saudita. Na entrevista, Bolsonaro traçou um panorama das relações diplomáticas entre o Brasil e seus vizinhos sul-americanos, após as eleições presidenciais que ocorrem em diferentes países da região. 
    O foco da entrevista era a recente eleição de Alberto Fernández na Argentina. Peronista, Fernández tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner. No entanto, Bolsonaro também mencionou suas preferências nas eleições uruguaias.
    Na entrevista, ao ser questionado se a vitória de Fernández dificulta a relação entre Brasil e Argentina, Bolsonaro disse que, no momento, o governo não pensa em romper relações com o país vizinho, mas espera que o próximo governo mantenha as práticas de Mauricio Macri de “abertura” e de “liberdade econômica”. 
    “Mas nos preparamos para o pior, porque o que foi anunciado até o momento no pacote econômico do presidente eleito, essa receita já sabemos, como em parte foi adotada no Brasil no passado, não tem como dar certo”, completou o presidente. 
    Em seguida, Bolsonaro entrou na questão das eleições presidenciais no Uruguai, que serão disputadas em segundo turno, em 24 de novembro, pelos candidatos Luis Lacalle Pou, de centro-direita, e Daniel Martínez, de esquerda. Sem citar diretamente nenhum dos candidatos, Bolsonaro expressou apoio à chapa de Pou, à qual considerou “mais alinhada” ao “seu time”. 
    “O Uruguai foi para o segundo turno, tem a situação, que vem da política do Pepe Mujica, e uma oposição que é mais alinhada com nossos pensamentos liberais e econômicos. Esperamos, torcemos que aconteça a eleição de alguém mais ligado ao nosso time, aí teríamos o Uruguai afinado conosco. […] Não tivemos nenhum problema com o Uruguai no tocante à economia com o atual presidente, mas temos de nos preparar sempre para o pior, porque você não pode dizer que foi surpreendido com os fatos. A política não acontece de uma hora para outra”, disse o presidente brasileiro.
    A declaração de Bolsonaro repercutiu mal no Uruguai, por ser considerada uma intervenção que desrespeita os princípios da diplomacia. 
    O candidato de centro-direita à presidência do Uruguai, Luis Lacalle Pou, rejeitou o apoio de Bolsonaro no segundo turno das eleições. 
    “Se eu fosse o presidente e houvesse um processo eleitoral no Brasil, por mais que eu goste mais de um do que de outro, esperaria os resultados porque tenho que ter uma boa relação com o vencedor. […] Por sorte, no Uruguai os brasileiros não decidem”, afirmou Lacalle Pou. 
    A postura do presidenciável uruguaio é oposta à adotada por Bolsonaro durante o processo eleitoral argentino, que culminou na vitória de Alberto Fernández. Ao longo de todo o pleito, o presidente brasileiro declarou sua preferência pelo então presidente Mauricio Macri, se posicionando contra a eleição de Fernández.
    Em maio, Bolsonaro pediu para que os argentinos tivessem “paciência” com Macri, afirmando que a Argentina poderia se transformar em uma Venezuela no caso de vitória da chapa de Fernández. No mês seguinte, pediu que os argentinos votassem com “responsabilidade”. 
    Já em agosto, Bolsonaro afirmou que o Rio Grande do Sul poderia se tornar “um novo estado de Roraima”, caso a chapa peronista vencesse. A referência de Bolsonaro foi com o êxodo de venezuelanos para o Brasil por Roraima. Já na semana que antecedeu o pleito presidencial, Bolsonaro ameaçou isolar a Argentina no Mercosul caso Macri perdesse.
    Os posicionamentos de Bolsonaro quebraram a tradição da diplomacia brasileira – repetida em grande parte dos países democráticos do mundo – de manter um posicionamento neutro em processos eleitorais de outros países. A estratégia mantida pelo Brasil até então foi de esperar o resultado das eleições para ter um diálogo aberto com o candidato vencedor.
    As afirmações de Bolsonaro contra a chapa peronista se mantiveram até mesmo após a vitória de Fernández. O presidente brasileiro afirmou que a Argentina “escolheu mal”. Em seguida, disse que não iria parabenizar o presidente argentino eleito pela vitória.
    Ao contrário de Bolsonaro, diferentes presidentes da América do Sul cumprimentaram publicamente Alberto Fernández pela vitória. Entre chefes de Estado sul-americanos que parabenizaram o candidato vencedor estão Mario Abdo Benítez, do Paraguai, e Sebástian Piñera, do Chile, que se posicionam próximos a Bolsonaro, além de Nicolás Maduro, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, também expressou o desejo de manter a cooperação bilateral com a Argentina. 
    O futuro presidente uruguaio será decidido no próximo dia 24 de novembro. Lacalle Pou deve receber parte substancial dos votos dos candidatos Ernesto Talvi, de viés liberal, e Guido Manini Ríos, de extrema-direita. Ambos declararam apoio ao presidenciável. 
    Já Daniel Martínez, da Frente Ampla, conta com o histórico da coalizão a seu favor, que governa o Uruguai desde 2005, mantendo o discurso progressista. A coalizão é vista como principal responsável por avanços na área social, como a legalização do casamento gay, a descriminalização do aborto e a legalização da maconha.

    Postagem em destaque

    Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

    Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...