domingo, 8 de abril de 2012

India nos Brics: cautela, acima de tudo - Mohan Guruswamy

Na verdade, essa "coisa" de "democratizar o sistema mundial" é bobagem: o que se pretende é ingressar na oligarquia que atualmente rege os negócios do mundo. Depois que isso for conquistado, vão cessar as demandas por "democratizar o sistema mundial". Ou seja, é a velha hipocrisia de sempre.
Paulo Roberto de Almeida 



'Índia vê com reservas ações de sócios no Brics'
Para especialista, indianos temem se tornar instrumento na disputa de China e Rússia com o Ocidente
LOURIVAL SANTANNA
O Estado de S.Paulo, 8/04/2012

Anfitriã da última reunião de cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a Índia vê com reservas essa aliança. Teme que a Rússia e a China a queiram utilizar em suas disputas com o Ocidente. Seu principal interesse é que o Brics seja uma plataforma pela ampliação do Conselho de Segurança da ONU e por maior influência dos países emergentes no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial. Por isso, a Índia vê mais possibilidades na parceria com o Brasil e a África do Sul, que comungam esses interesses. A análise é do economista Mohan Guruswamy, presidente do Centre for Policy Alternatives, de Nova Delhi. Autor de Chasing the Dragon: Will India Catch Up with China? (Caçando o dragão: a Índia alcançará a China?, de 2009), entre outros estudos sobre a inserção global do país, Guruswamy diz que os indianos, maiores importadores de armas do mundo no ano passado, compradas principalmente da Rússia, estão se armando contra a expansão militar chinesa. Ambos têm disputas territoriais e por causa da ajuda militar chinesa ao Paquistão. Noutro exemplo da diversidade de interesses no interior do Brics, o Irã, apoiado no comunicado final da cúpula, no dia 29, fornece 12% do petróleo consumido pelos indianos. A Índia está construindo no Irã uma ferrovia que lhe dará acesso aos importantes mercados da Ásia Central e da Rússia. Já na Síria, não tem interesse tão direto e defende apenas o princípio de não intervenção, como o Brasil. Seguem trechos da entrevista ao Estado.
Quais os objetivos da Índia nessa parceria com o Brics?
O principal é democratizar o sistema mundial: o Conselho de Segurança, o FMI e o Banco Mundial, bem como a ampliação do G-7 (grupo das 7 maiores economias), de modo a tornar a distribuição de poder mais equitativa. Como grande economia, que caminha rapidamente para se tornar uma das três maiores, e possivelmente a maior em 2050, segundo estudo do Citibank, a Índia gostaria que a gestão financeira mundial se tornasse mais inclusiva e representativa. Os sistemas de segurança e financeiro do mundo são dominados pela aliança da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e pela mentalidade da Guerra Fria. A Índia ainda não está muito segura em relação ao Brics. Ela suspeita que a China e a Rússia queiram usá-la como plataforma de sua rivalidade com o Ocidente, e não para alterar o sistema mundial, uma vez que ambos já são membros permanentes do Conselho de Segurança. Portanto, a Índia vê a possibilidade de uma sub-parceria mais ativa dentro do Brics com o Brasil e a África do Sul (Ibas), que têm muito mais interesses comuns.
Como estão as relações entre Índia e China?
São tensas. Oficialmente, ambos os governos tentam evitar conflitos. Mas temos uma disputa séria de fronteira. Somados, mantemos mais de meio milhão de soldados de frente uns para os outros na fronteira não demarcada no Himalaia. Travamos uma guerra em 1962. De inimigos, passamos a rivais. A Índia está se armando contra a rápida expansão militar chinesa. No ano passado, a Índia foi a maior importadora de armas do mundo. Nos últimos meses surgiram novas tensões por causa da prospecção, por parte da Índia, de petróleo na costa vietnamita do Mar do Sul da China, que os chineses consideram suas águas territoriais. Temos também contenciosos com a China por seu fornecimento de armas e contínua transferência de tecnologia nuclear e de mísseis ao Paquistão. Mas por outro lado a China tornou-se o maior parceiro comercial da Índia. O comércio bilateral deve superar US$ 100 bilhões dentro de dois anos. Muitas empresas chinesas investem na Índia e muitas indianas, na China, particularmente nos setores de tecnologia da informação e fármacos. A recente decisão do Brics de fazer trocas com suas moedas nacionais vai aliviar o resultado negativo da balança comercial indiana. Mas essa é uma rivalidade grave, que continuará tendo consequências sobre o mundo nos anos vindouros.
Qual o interesse da Índia com relação ao Irã?
O Irã fornece 12% do petróleo consumido pela Índia. Uma grande refinaria indiana está configurada exclusivamente para processar o petróleo iraniano. Se a Índia parar de comprar petróleo do Irã, essa refinaria terá de fechar e isso causará falta de gasolina e de óleo diesel. As civilizações dos dois países têm vínculos tradicionais. O acesso da Índia ao crescente mercado da Ásia Central se dá apenas através do Irã. Com esse fim, a Índia está construindo uma ferrovia que liga o porto iraniano de Chahbahar à Ásia Central e, de lá, à Rússia. A Índia respeita o Irã como uma antiga civilização, um país responsável, e não aceita sua demonização por Israel e, consequentemente, pelos Estados Unidos. A Índia acha que os Estados Unidos devem conversar com o Irã e não tentar intimidá-lo. Uma guerra com o Irã mergulhará os mercados mundiais de petróleo numa turbulência e o barril do petróleo (hoje na casa dos US$ 100) irá para US$ 200 a US$ 300.
E em relação à Síria?
A Índia não tem interesse real na Síria. Mas não quer interferência externa em seus assuntos internos.

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