domingo, 13 de abril de 2014

A economia politica torta dos companheiros, corrigida por Samuel Pessoa

Os companheiros precisam estudar mais economia, ou então, simplesmente olhar para o que acontece na realidade, ver os dados, e refletir, mas sem viseiras ideológicas, e sem preconceitos políticos (eu sei que para eles é difícil, pois estão acostumados a resolver tudo na base da confrontação entre o capital e o trabalho e na tal falta de vontade política).
Pois o economista Samuel Pessoa coloca um deles no seu devido lugar. Um dos mais respeitados aliás, o que não o impede de ser despreparado.
Samuel Pessoa restabelece a verdade dos fatos sem precisar chamá-lo de incompetente, o que de fato ele é.
Paulo Roberto de Almeida

André Singer e a carga tributária
Samuel Pessoa
 Folha de S.Paulo, 13/04/2014 

Na coluna do dia 5 neste jornal, meu colega André Singer, conhecido como um dos cientistas políticos mais originais de nossa academia, elencou quatro temas, entre tantos outros, que confrontarão o capital e o trabalho nas eleições deste ano.
Segundo André, os trabalhadores defenderão a política de valorização do salário mínimo, a manutenção dos critérios de elegibilidade aos diversos benefícios previdenciários, incluindo pensão por morte, criticarão a política do Banco Central de elevar os juros e, finalmente, lutarão por 10% do Orçamento da União para a saúde, 10% do PIB para educação e por aumentos dos investimentos em mobilidade urbana. Invertam-se todos os sinais das demandas acima e temos a agenda do capital.
Penso haver diversos reparos à coluna. Primeiro é que não parece haver no elenco de André o conflito entre capital e trabalho. Tradicionalmente o conflito ocorre no interior das empresas em que os dois grupos disputam parcela da renda gerada pela produção. Esse não é o caso em nenhum dos quatro exemplos mencionados por André.
O conflito que há nos exemplos de André ocorre entre os contribuintes e os grupos que se beneficiam das diversas políticas públicas. Como temos capital e trabalho nos dois lados do balcão —tanto trabalhadores e capitalistas pagam impostos como são beneficiários de políticas públicas específica—, tenho dificuldade de entender o recorte da coluna.
O segundo reparo aos exemplos refere-se à elevação dos juros. Parece-me que André adere a uma leitura de que a Selic sobe no Brasil porque há uma conspiração do mercado financeiro para elevar a renda dos bancos.
De fato, muitos pensam dessa forma. De sorte que a atual diretoria do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC não tem em seus quadros nenhum diretor oriundo do setor financeiro. E, de fato, procedeu-se entre 2011 e 2012 a um forte processo de redução dos juros exatamente por se acreditar nessa leitura conspiratória da história.
Ocorre que a política deu errado, a inflação voltou com força e a Selic está subindo porque o IPCA, o índice da meta, está próximo do limite superior do intervalo de tolerância. Não há conspiração. Há somente inflação.
A insistência em uma política de tolerância com a inflação somente aumentaria seus custos e nos colocaria no caminho da Venezuela ou da Argentina.
O terceiro reparo é que muitos programas sociais apresentam injustiças tão flagrantes que é muito difícil imaginar que algum trabalhador os defenda. Por exemplo, considere um funcionário público que receba R$ 25 mil por mês e aos 70 anos casa-se com uma mulher de 30 anos. Ao morrer com 80 anos, deixa para a mulher, que terá 40 anos, pensão por morte integral e vitalícia de R$ 25 mil. Não importa se ela tem filhos para criar, se tem outro trabalho ou outro benefício.
Nenhum país da OCDE, o grupo das nações mais avançadas e de alguns emergentes importantes, apresenta critérios de elegibilidade ao benefício de pensão por morte como o brasileiro.
É por esse motivo que nós gastamos 3% do PIB com esse benefício e países como o Canadá, por exemplo, gastam menos de 1%. Se fôssemos iguais ao Canadá em termos da pensão por morte, seria possível dobrar o investimento público, com impactos nada triviais, na melhora da mobilidade urbana ou na expansão do saneamento. Não me parece que seja o capital que perde com os excessos das pensões por morte.
O quarto reparo é que o pacote total de bandeiras defendido por André, incluindo 10% do Orçamento da União para a saúde e 10% do PIB para a educação, significa elevar a carga tributária brasileira de 37% do PIB para algo próximo a 50% do PIB.
Para que a coluna de André não seja percebida como mais um exemplo de populismo inconsequente, seria oportuno que ele apontasse como um país no estágio de desenvolvimento do Brasil consegue tal arrecadação. Quais impostos deveriam ser criados e/ou quais alíquotas de impostos existentes teriam que ser majoradas para alcançarmos tal nível de carga tributária?
Sempre que embarcamos no discurso da "falta de vontade política" acabamos colhendo inflação. Não me parece que os trabalhadores são os ganhadores da aceleração inflacionária.

SAMUEL PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna. 

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