A economia e a política do
Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 7
Paulo
Roberto de Almeida
Palestra
na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em
voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014
(continuação da parte
anterior)
Nova classe, novo
pensamento, nova língua, como nunca antes...
Para simplificar, pode-se retomar o padrão já descrito: as novas
elites vivem do Estado, para o Estado, com o Estado, pelo Estado, e sem ele não
conseguiriam mais sobreviver, já que não se pode mais contar com mensalão
cubano ou mesada chavista. A verdade que elas agora não mais precisam disso,
pois possuem meios próprios, inclusive uma vaca petrolífera para ordenhar à
vontade. À diferença das antigas elites, que viviam em contubérnio com o
Estado, mas que também produziam alguma coisa – que fossem produtos rústicos
para o mercado interno, ou um pouco de inteligência jurídica ou acadêmica – as
novas elites não produzem nada, sequer um grama de conhecimento, só marxismo
rastaquera e gramscismo de fancaria. Elas são, como já disse um jornalista, a
burguesia do capital alheio, a nossa Nomenklatura, a nova classe que vive
sugando o Estado e extorquindo a verdadeira burguesia, muitas vezes com a
conivência da própria.
Elas sequer pensam em construir o socialismo; para quê? Nem o PCdoB
acredita mais nisso, e seus panfletos só servem para enganar estudantes
ingênuos e já iludidos. O capitalismo é muito melhor, já vem pronto para
desfrutar: iPhone, iPad, fast food, viagens à Disneyworld, filmes de Hollywood
e, sobretudo, não tem aquela pobreza igualmente distribuída – menos para a
Nomenklatura – de todos os regimes socialistas; os companheiros só precisam
visitar a miséria cubana nas reverências rituais que eles prestam regularmente
aos patrões ideológicos (com alguma parada em paraísos fiscais). Essa coisa de
prateleiras vazias, cartões de racionamento, penúria de dólares, isso é só para
socialista estúpido economicamente, não para os companheiros da nova elite.
De fato, as novas elites companheiras não precisam mais viver de
mensalão cubano, como ocorria nos primeiros tempos; são elas, agora, que ajudam
os hermanos da ilha caídos na lata de
lixo da História, por serem tão estúpidos a ponto de acreditar que uma economia
socialista poderia funcionar. Não foi por falta de aviso: Ludwig von Mises já
tinha dito que seria como fazer uma vaca voar, no seu Cálculo Econômico na Comunidade Socialista, escrito em 1919. Os
companheiros aprenderam que, mesmo periférico, deficiente e subdesenvolvido,
como o brasileiro, o capitalismo é muito melhor, inclusive porque se pode ter
charutos cubanos e vinhos franceses, se pode assinar sem medo manifestos em
favor da “democratização da mídia”, e sobretudo se pode ir fazer compras em
Nova York ou Paris, sem aquela burocracia socialista, chata, aborrecida,
controladora, idiota, como toda burocracia socialista (às vezes nem isso).
Tem mais: estando no poder, não precisa mais ficar improvisando
maneiras de desviar umas merrecas no recolhimento de lixo ou em transportes
públicos de pequenos municípios de interior. Agora, o dinheiro chega sozinho,
quase sem precisar fazer força, e por meios quase legais (mas os hábitos da
clandestinidade persistem). Nem precisa mais extorquir banqueiros e
capitalistas industriais, são eles que agora se oferecem generosamente para
financiar campanhas eleitorais e datas festivas. Os mais pródigos, obviamente,
são os donos de construtoras: esses possuem a corrupção no DNA, e não conseguem
viver sem corromper um funcionário aqui, outro acolá, de preferência nos mais
altos escalões. Claro, contrapartidas são de rigor: superfaturamento garantido,
com aditivos pré-agendados e rapidamente aprovados, subsídios de mãezona para
filhão do BNDES, gordos juros da dívida pública e expedientes do gênero.
Nem adianta esses técnicos do TCU apresentarem laudos arrasadores,
capazes de impugnar até a compra de um prego; os conselheiros políticos sempre
dão um jeito de salvar o pão deles de cada dia. De outra forma, como seria
possível explicar a construção de uma refinaria que passa de 2 a 20 bilhões de
dólares sem maiores contestações ou surpresas? Como justificar o preço final de
uma outra refinaria que, na verdade, entra como Pilatos no Credo, não tem nada
a ver com a verdadeira operação, que transcorreu muito bem, deu resultados e
constituiu um ótimo negócio para eles?
As novas elites foram extremamente bem sucedidas na neutralização
mental do país, na operação de lobotomia das outras elites, inclusive a
acadêmica, que não vê nada de errado na construção do maior curral eleitoral do
mundo, com quase um terço da população colocada numa condição de assistida, com
recursos extraídos da metade que trabalha e paga impostos. Atualmente, para
esse tipo de dominação, não se requer nem mesmo alguma doutrina sofisticada,
uma ideologia completa, sequer um peronismo de botequim; nada disso é preciso. Basta
demonizar o neoliberalismo, vilipendiar as privatizações, atacar os inimigos de
classe – as tais das “zelites” – e enganar os incautos com PACs imaginários,
fazer muitas conferências nacionais de inclusão (de qualquer coisa) e fazer
discursos na base do nunca antes.
De fato, pouca gente ficou ao relento: temos uma Argentina inteira
vivendo aqui com cartão magnético, um imenso exército de assistidos oficiais; a
burguesia ficou com a Bolsa-BNDES e os banqueiros continuam vivendo de déficit
público e da dívida que segue junto. E a classe média? Depende: tem uma parte
que paga mais impostos – 4 pontos do PIB a mais para cobrir a conta de todos
esses favores – e tem a tal de nova classe média, que ainda mora na favela, mas
já está em ascensão, ou pelo menos assim dizem, pois comprou uma TV a plasma
(em dez vezes sem juros, obviamente) e tem direito a vaga numa Faculdade
Tabajara, com subsídio público (ou seja, nosso).
As novas elites são realmente espertas: elas estão construindo um
tipo de fascismo corporativo, quase consensual, com a ajuda da burguesia e das
grandes massas encantadas com o discurso do nunca antes. Tenho a impressão de
já ter visto esse filme antes, e de fato já conheço a história, de leituras e
visitas a museus. Ainda recentemente, morando em Paris para dar aulas na
Sorbonne, fomos visitar, Carmen Lícia e eu, o museu dos congressos nazistas em
Nuremberg, um prédio impressionante de concreto, aproveitando parte do altar
cerimonial de onde um outro guia genial do povo arengava as massas, que
carregava tochas e bandeiras. No interior do museu, se pode assistir a
documentários da época, filmagens de ocasião: aquilo me relembrou o nunca
antes, o mesmo discurso inflamado, as mesmas invectivas contra as “zelites”,
contra os inimigos do povo, os exploradores estrangeiros, enfim, todas essas
coisas que vocês conhecem bem. Nunca antes eu tinha saído de um museu com
tamanha sensação de desconforto, nem mesmo após visitar Auschwitz, ou ao deixar
o Museu do Holocausto.
Nunca antes mesmo: pode-se imaginar que os companheiros, se
pudessem, praticariam o mesmo stalinismo industrial que eles tanto admiravam
nos militares, e tentariam construir o mesmo fascismo corporativo que deixou
tão amargas lembranças em outros povos. Claro, já não é mais preciso ir à
guerra por qualquer espaço vital; este já foi conquistado. O Estado já é deles:
a partir do ogro famélico, eles disseminam o mais possível esse gramcismo
tupiniquim em todos os níveis de ensino, do jardim de infância ao pós-doc, com apoio
naquela pedagogia idiota que as saúvas freireanas instaladas no MEC apresentam
sob a forma de diretrizes das educação nacional.
(continua)
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