Mais do que um Livro Branco ou Verde, a política externa brasileira necessita de um laudo de autópsia. A lista de revezes é considerável. E em quase todos os casos há indeléveis digitais da assessoria do Palácio do Planalto. O problema não é apenas quanto à ênfase ideológica. É também de clara insuficiência quanto à avaliação e análise.
MPA
Custos da
política externa
Marcelo de
Paiva Abreu *
O Estado de São Paulo, quarta-feira, 2.4.2014
O
Itamaraty propôs a elaboração de um Livro Branco contendo, nas palavras do
ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado, "princípios, prioridades e
linhas de ação da política externa". Com vistas a oferecer subsídios a
esse processo, organizou "uma série de eventos de diálogo entre governo,
Congresso e sociedade civil".
No
Brasil, não há tradição quanto à elaboração de documentos oficiais que reflitam
as diferentes opiniões de segmentos da sociedade civil sobre temas específicos
ou objetivos da política do governo com relação a tais temas. No Reino Unido,
país onde tal tradição foi estabelecida originalmente, White Paper é um
documento que detalha a política futura quanto a determinado tema e propõe
legislação. Em tese, o White Paper faz uso de material produzido por Comissões
Reais (Royal Commissions) e Green Papers, destinados a estimular o debate na
sociedade civil. A iniciativa do Itamaraty está mais próxima à que caberia a
uma Comissão Real, embora o esforço de captação do leque de opiniões da
sociedade civil tenha sido menos ambicioso no Brasil. Talvez o esforço de
consulta à sociedade civil devesse ter sido mais intenso e em prazo mais
dilatado. Seja como for, a etapa crucial do processo é a agregação das opiniões
da sociedade civil e sua transformação em recomendações de política, processo
sob total controle do governo.
Embora
as intenções do ministro sejam louváveis, o "timing" da iniciativa é
um tanto peculiar. O que a justificaria, em pleno ano eleitoral, quase 12 anos
depois da inflexão da política externa herdada do governo Cardoso? Talvez uma
tardia tentativa de recuperação do espaço perdido para assessores presidenciais
pelo Itamaraty na formulação da política externa? O Livro Branco conterá
recomendações suprapartidárias de política externa? O assessor especial da
Presidência da República para assuntos internacionais fez, no lançamento dos
diálogos propostos pelo ministro Figueiredo, enfática defesa da tese de que o
matiz ideológico do governo do dia deve se refletir na política externa adotada
pelo País. O Livro Branco será compatível com essa posição?
Mais
do que um Livro Branco ou Verde, a política externa brasileira necessita de um
laudo de autópsia. A lista de revezes é considerável. E em quase todos os casos
há indeléveis digitais da assessoria do Palácio do Planalto. O problema não é
apenas quanto à ênfase ideológica. É também de clara insuficiência quanto à avaliação
e análise.
Há
episódios políticos custosos cujos danos são de avaliação difícil, embora
afetem a imagem do País: frustrada mediação no Oriente Médio, rocambolescos
episódios envolvendo políticos hondurenhos e bolivianos, promiscuidade nas
relações com governantes desmoralizados nos países vizinhos.
Já
em outros casos os prejuízos são tangíveis. A Refinaria Abreu e Lima foi
projetada para refinar, em Pernambuco, óleo pesado da Venezuela e do Brasil.
Teria participação de 40% da PDVSA como sócia da Petrobrás. Os custos do
projeto aumentaram oito vezes desde 2005 e a PDVSA não foi capaz de oferecer
nem os recursos nem as garantias necessárias para obter financiamento do BNDES
de forma a cumprir suas obrigações. Ao mesmo tempo, setores empresariais brasileiros
- empreiteiras e exportadores de produtos agrícolas -, inicialmente
entusiasmados com as oportunidades de negócios abertas pelo chavismo, hoje
amargam contas atrasadas.
O documento
sobre estratégia de política externa útil para qualquer presidente que tome
posse em 2015 deve dar maior peso aos objetivos nacionais permanentes e tratar
de refletir de forma crítica as idiossincrasias do governo do dia. Deverá
buscar o meio-termo entre a omissão - cômoda, porém fatal para a pretensão
brasileira de maior visibilidade global - e o ativismo desprovido de meios cujo
resultado sempre é a perda de face.
*Marcelo de
Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor
titular no departamento de Economia da PUC-RIO.
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