terça-feira, 8 de abril de 2014

Relacoes (pouco) afetivas Brasil-EUA - Carlos Eduardo Lins da Silva

Nem tão perto, nem tão longe

 Carlos Eduardo Lins da Silva

Na ditadura, os atritos do Brasil com os EUA foram frequentes. Na democracia, as trombadas são atenuadas pela força dos elos econômicos e sociais.

"Chega de intermediários: Lincoln Gordon para presidente do Brasil." Depois da deposição de João Goulart da Presidência da República, em 1964, a brincadeira em alusão ao embaixador dos Estados Unidos no país refletia uma convicção de parte da opinião pública brasileira: o golpe contra Jango fora engendrado pelos americanos e o regime militar era uma mera marionete de Washington.
 
O bordão "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil", criado por Juracy Magalhães, o primeiro embaixador dos militares em Washington, e algumas decisões do novo regime pareciam sugerir que a previsão de alinhamento automático entre Washington e Brasília se cumpriria. Em 1965, Castelo Branco mandou tropas brasileiras para a Força Interamericana, formada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por pressão dos EUA, para intervir na República Dominicana. Em 1971, Garrastazu Médici foi recebido na Casa Branca por Richard Nixon com a frase: "Para onde o Brasil for, o resto da América Latina irá".
 
Durante a maior parte da ditadura, no entanto, as trombadas entre os dois países foram constantes. O idílio diplomático rompeu-se a partir de 1974, no governo Ernesto Geisel, por causa do acordo nuclear Brasil-Alemanha. O rápido reconhecimento dado por Brasília à independência de antigas colônias portuguesas na África, especialmente Angola, onde os EUA estavam diretamente envolvidos, também desagradou a Washington. Com a eleição de Jimmy Carter em 1976, o governo americano passou a pressionar o Brasil em casos de desrespeito a direitos humanos.
 
Gestos simbólicos importantes mostram o grau de desacordo à época entre os dois países. O Brasil não aderiu nem ao boicote à Olimpíada de Moscou, em 1980, nem ao embargo de exportação de grãos à União Soviética, ambos liderados pelos EUA. A visita de Ronald Reagan ao país em 1982, quando o Brasil se opunha a sua política na Nicarágua e em El Salvador, não mitigou as tensões, ainda mais porque, ao final de um jantar, ele propôs um brinde ao "povo da Bolívia". A. década de 1980 foi marcada por rusgas relacionadas à crise da dívida externa brasileira.
 
O fim do regime militar não teve o efeito de melhorar o diálogo com Washington. No governo José Sarney, a moratória de 1987 e a política de reserva de mercado na informática aumentaram as desconfianças no governo e no mercado americanos e provocaram sanções comerciais contra o Brasil. Só com o fim da Guerra Fria, a redemocratização do Brasil, com a Constituição de 1988, e a eleição de Fernando Collor, as tensões aliviaram um pouco.
 
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Brasil e EUA se entenderam melhor no nível oficial. Mas as fricções não cessaram na área do comércio, com as frustradas negociações em torno da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nem na área do combate ao tráfico de drogas, com a gélida recepção de Brasília às investidas de Washington na Colômbia e Bolívia, para as quais Bill Clinton esperava apoio de FHC. Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Brasil invocou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca para dar solidariedade aos EUA. Mas se afastou do governo George W. Bush quando a guerra ao terrorismo extrapolou para o mundo árabe, como FHC deixou claro em discurso na França, em 2001.
 
No governo Lula, houve vários atritos com os EUA: o veto ao uso pelos americanos da base espacial de Alcântara, o anúncio de uma aliança militar estratégica com a França, o abrigo na embaixada brasileira dado ao presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya. O principal problema com os EUA foi o acordo entre Brasil, Turquia e Irã em 2010, sobre o programa nuclear iraniano. Ele provocou enorme reação negativa ao Brasil em Washington. Mas Lula agradou muito aos americanos ao enviar tropas para a estabilização do Haiti, a partir de 2004, e ao mediar, como fizera FHC, as difíceis relações dos EUA com a Venezuela.
 
O mais recente contencioso, ainda em curso e sem solução à vista, ocorreu com a revelação de que a NSA, a agência de inteligência americana, espionou a presidente Dilma Rousseff e empresas brasileiras. Dilma cancelou uma visita de Estado a Washington (teria sido a primeira em 18 anos), fez um duro discurso contra os EUA na ONU e preteriu a Boeing na compra dos novos caças para a FAB.
 
Neste meio século depois do golpe, apesar das desavenças governamentais, Brasil e EUA se aproximaram muito, por meio de suas sociedades. Os investimentos diretos e as exportações dos EUA aumentaram significativamente - e o Brasil passou também a ter maior presença nos EUA. Três das principais marcas de consumo para o americano comum pertencem atualmente a brasileiros: a rede de lanchonetes Burger King, a cerveja Budweiser e o ketchup Heinz.
 
A Embraer é a maior fornecedora de jatos de médio porte para empresas aéreas americanas. A Gerdau tem dezenas de usinas americanas. A JBS é dona da Pilgrims, a maior produtora de carne de frango dos EUA. A Odebrecht construiu uma das linhas de trem do aeroporto de Miami. O Brasil é o terceiro país não vizinho que mais manda turistas para os EUA, abaixo apenas de Reino Unido e Japão. Os americanos serão o maior contingente estrangeiro de torcedores na Copa. O intercâmbio de universitários entre o Brasil e os EUA teve o maior aumento já registrado na história durante o ano letivo 2012-2013.
 
Os governos brasileiro e americano podem não se dar muito bem. Mas seus povos se entendem.
Carlos Eduardo Lins da Silva é global fellow do Woodrow Wilson Center

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