Pois bem, sabemos que desde o ano passado se desenvolve o mais clamoroso caso de corrupção já visto na história dessa república tão conspurcada por líderes políticos que não merecem esse nome, aliados a bandidos de alto coturno, saídos das esferas partidárias ou de empresas e corporações interessadas unicamente em ganhar dinheiro (por todos os meios cabíveis).
Tudo corria nos cenários habituais, quando agigantou-se o espectro da falência da empresa estatal de petróleo, conduzida a uma situação inacreditável por aqueles que comandam o país desde 2003.
Todas as pessoas bem informadas souberam da confecção e circulação de um manifesto em defesa da Petrobras, assinado pelos suspeitos de sempre.
Eu li, e o transcrevi integralmente aqui, no dia 24 de fevereiro, assim que foi liberado:
Petrolão e Petralhabras: intelequitualoides vêem complô estrangeiro na roubalheira dos petralhas
destacando este trecho inacreditável:
"Está à vista de todos a voracidade com que interesses geopolíticos dominantes buscam o controle do petróleo no mundo, inclusive através de intervenções militares. Entre nós, esses interesses parecem encontrar eco em uma certa mídia a eles subserviente e em parlamentares com eles alinhados."
Tudo ficaria por isso mesmo, quando não mais que de repente recebo, de um desses acadêmicos transformados em servidor público, e presumivelmente comprometido com o partido no poder, e apoiando suas causas, um convite para assinar tal manifesto que seria encaminhado à presidência da república:
On Feb 28, 2015, at 22:03, Fulano de tal <fulanodetal@gmail.com> wrote:
Olá,
Eu acabei de assinar esta petição -- você não quer se juntar a mim?
Presidencia da República: Defesa da Petrobras e da Democracia
Para: Presidencia da República
Esta petição é muito importante e poderá fazer uso de nossa ajuda. Clique aqui para saber mais e assinar:
https://secure.avaaz.org/po/petition/Presidencia_da_Republica_Defesa_da_Petrobras_e_da_Democracia_1/?kjGOJhb
Muito obrigado,
{SENDER_NAME}
Em primeiro lugar, eu fiquei surpreendido, para não dizer estarrecido, de que pessoas com doutorado, supostamente leitoras da imprensa, e portanto sabendo exatamente o que está ocorrendo na Petrobras, tenham a coragem de enviar a colegas de lista uma demanda desse tipo, supostamente em nome da Presidência da República, que aparentemente valeu-se de uma ferramenta (a Avaaz) presidida por um companheiro notório para induzir milhares de "aliados" a assinar um apoio em causa própria.
Não tenho nenhuma dúvida de que eles recolherão dezenas de milhares de assinaturas de gente a favor, mas não a minha obviamente.
Contentei-me em mandar a seguinte mensagem ao meu interlocutor, e a todos os demais membros da lista:
[PRA:]
Acho que quem assina uma coisa dessas ou é cego, ou não quer ver o que está acontecendo na Petrobras.
Por acaso foram interesses estrangeiros que obrigaram os companheiros a assaltar a companhia, dilapidando-a em centenas de milhões de dólares?
Desculpe, mas não sou estúpido a esse ponto.
E acho patético que pessoas bem informadas se submetam a uma manipulação grotesca desse tipo.
-----------------------------------
Paulo Roberto de Almeida
Recebi então, dois comentários, que reproduzo abaixo, não identificados:
[1ro. comentário:]
Caro Paulo, considero este manifesto uma coisa extraordinária. Os mesmos que construíram um projeto de exploração do pré-sal inconsistente, que esticou a empresa além do suportável (onde se objetivava explorar uma área nova, em curtíssimo espaço de tempo, com a melhor tecnologia, em enormes volumes, com a obrigação de conteúdo nacional, que naturalmente encarece o investimento, e com controle de preços que tirou 60 bilhões do caixa da companhia, tornando-a mais endividada do mundo do petróleo) e excessivamente ambicioso, e que permitiram um assalto sem precedentes na empresa, agora querem defendê-la de solertes inimigos!
Quem arrebentou a Petrobras?
[Membro da lista]
Enviada do meu iPad
[2do. comentário:]
Prezado [Membro da lista]:
Prefiro seu manifesto, de um único, verídico e contundente parágrafo.
Assino em baixo.
Abs.
XX
No intervalo, um true believer nas virtudes companheiras, confirmou que apoiava:
Já assinei e divulguei.
Abraços
Xxxxxx
Em face de um comentário irônico, de um quarto membro, que afirmou apenas, diplomaticamente (mas não se trata de um diplomata, e sim de um sociólogo econômico, como eu), que "Vai dar tudo certo. O Brasil está apenas atravessando um século difícil", resolvi escrever e mandar a nota seguinte, dando por encerrada minha participação no "debate":
[Resposta PRA]:
Caros [1ro, 2do e 3ro membros da Lista] (e aos que mais possuirem certo discernimentos das coisas),
Eu pensei que já tinha assistido a várias demonstrações de indignidade acadêmica e política, ou simplesmente cidadã, quando me vi confrontado com esse manifesto, que circulou amplamente, mas que agora acaba de se converter numa petição que pretende recolher os apoios daqueles que concordam com os seus termos.
Acho que nunca vou deixar de me surpreender com a atitude de pessoas notoriamente bem informadas, mas que ainda assim pretendem deformar os dados factuais, objetivos, materiais, para não dizer criminosos, que estão envolvidos no desmantelamento da Petrobras, e converter tudo isso num solerte ataque de interesses estrangeiros contra uma companhia que foi literalmente assaltada pelos companheiros.
Que isso seja feito pelo partido no poder, pode até se admitir, conforme sua natureza já desvendada em diversos outros casos escabrosos.
Que isso seja solicitado a pessoas pensantes — é o termo que me ocorre agora — me parece uma demonstração insofismável de que certa categoria de acadêmicos, e até de profissionais do setor privado e do Estado, prefere viver de mistificações em lugar de enfrentar a realidade.
Sinto muito dizer, mas não compartilho dessa indignidade e ouso denunciar quem a sustenta.
Realmente, há um limite para aqueles que pretendem construir um Brasil decente, que deveria ser bem diferente de um regime mafioso.
Esse limite é a simples diferença entre a conduta legítima e o crime.
Simples assim.
As pessoas precisam escolher de que lado pretendem ficar.
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Paulo Roberto de Almeida
Não pretendo mais retrucar a ninguém, e é muito possível que, depois desta última manifestação de minha parte, resolvam, democraticamente, me retirar da lista, o que não me afetaria sobremaneira, a não ser pelo fato de perder, por essa via, uma outra fonte de informações.
Como já disse, eu leio absolutamente de tudo, de todas as tendências políticas, preferencialmente coisas que sejam inteligentes, mas até algumas estúpidas, também (inclusive porque permite saber o que vai pela cabeça das pessoas), e não me eximo de expressar minha opinião, quando julgo pertinente. Tem gente, porém, que não gosta de ser confrontada em suas adesões políticas.
Eu não me importo, o que vale é o debate de ideias, não é mesmo?
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 1. de março de 2015.
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