quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Sobre a atual falta de dinheiro para a diplomacia - Editorial Estadao, Paulo Roberto de Almeida

Minhas observações iniciais a este editorial do Estadão:

Em dois momentos de nossa história econômica, o Brasil se viu na contingência de suspender temporariamente pagamentos externos. Na primeira, em 1982, foi por causa do aumento dos juros em dólar, decretados a partir de 1978 pelo dirigente do FED, Paul Volcker, que aumentaram enormemente o serviço da dívida externa denominada em dólar, num momento em que o preço do barril do petróleo duplicava novamente (depois de ter triplicado em 1973), e chegou um momento em que os recursos em dólar das exportações não bastavam mais. Pode-se dizer que fomos duplamente penalizados por choques externos: petróleo (quando o Brasil importava 80% de suas necessidades) e juros determinados pelo Federal Reserve, ou seja, nada que tenhamos criado por nossa própria conta, embora o aumento da dívida foi feito pelos tecnocratas num momento em que havia abundância de dinheiro, situação que não poderia perdurar. A segunda vez, foi cagada mesmo, a política populista e demagógica de Sarney, de congelar preços, e de importar alimentos, por causa dessas medidas malucas. Ele anunciou uma "moratória soberana", que não tinha nada de soberana: foi por falta de dinheiro mesmo. Mas não precisava ser moratória, e não precisava fazer demagogia em cima: bastava ter negociado de boa fé com os credores, o Clube de Paris e o FMI, de um lado, os credores comerciais (bancos) de outro. Deu no que deu: cortamos os pagamentos de juros, eles cortaram os créditos. Nas duas vezes ficamos chupando os dedos, e os atrasos de pagamentos se prolongaram por três meses, mais ou menos, até acertar a situação. Agora, a cagada é tripla e não reconhecida por quem a provocou, causas inteiramente internas, e resultando de... cagadas da soberana, com perdão da expressão. Não há falta de dinheiro, nem no mundo, nem no Brasil, que tem 370 bilhões de dólares de reservas (mas muito comprometido com swaps cambiais). Em todo caso, a falta de dinheiro para as embaixadas e o Itamaraty, não decorre de falta de dólares, apenas bagunça, má vontade, inacreditável displicência e desprezo da incumbente pela política externa. Ou seja, diferentemente das duas vezes anteriores, quando deixamos de pagar porque não tinhamos dinheiro, desta vez, não é falta de dinheiro, é inépcia e má vontade mesmo, ou seja, não se paga porque não se quer...
Paulo Roberto de Almeida

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Mau pagador

Editorial O Estado de S. Paulo, 20 Agosto 2015 
 
Não é apenas internamente que o governo brasileiro vem fazendo um papelão. Na esfera internacional, o Palácio do Planalto tem deixado, com sua reiterada inadimplência, uma imagem para lá de negativa. Desde compromissos com agências e órgãos internacionais a contas de água e de luz de representações diplomáticas, o governo brasileiro vem deixando suas contas no fiado. A mais recente notícia é o não pagamento das limusines utilizadas pela comitiva da presidente Dilma Rousseff na visita aos Estados Unidos, no final de junho deste ano.
Em entrevista à Rádio Bandeirantes, Eduardo Marciano, proprietário de uma empresa de aluguel de veículos na Califórnia, afirmou que o governo brasileiro lhe deve quase US$ 100 mil referentes ao aluguel de 22 limusines, 2 ônibus e 1 caminhão, utilizados pela comitiva da presidente. Eduardo Marciano alega que o preço foi combinado com antecedência com o Consulado do Brasil em São Francisco, mas até o momento não há previsão para o pagamento da conta. “Até agora não recebi um centavo”, afirma o brasileiro. A justificativa do Consulado, segundo Marciano, é que no momento não há dinheiro disponível e estão aguardando a liberação de verbas pelo Itamaraty.
A conta em atraso do aluguel das limusines é um nítido retrato do atual governo. Planeja mal, gasta o que não pode e acaba por não honrar seus compromissos. Há despesas que necessariamente devem ser feitas e há despesas que não precisam ser feitas. Alugar limusine enquadra-se, sem sombra de dúvida, no segundo tipo de despesas, especialmente quando o governo já não vem honrando outros compromissos.
Conforme reportagem do Estado, atualmente as dívidas do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU) chegam a quase R$ 1 bilhão – são US$ 285 milhões que o governo brasileiro deveria ter destinado à ONU e não o fez.
É a contribuição de cada país que sustenta a ONU, cujos recursos são utilizados tanto para o pagamento de gastos operacionais, salários e sedes, bem como para a ajuda humanitária que presta em diversas regiões do planeta, como, por exemplo, auxílio no resgate de pessoas, distribuição de alimentos, construção de escolas e hospitais, etc. O valor da contribuição de cada país é calculado de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB), sua renda per capita e outros indicadores sociais. Na última revisão, feita em 2011, a contribuição brasileira passou de 1,4% do total do orçamento da ONU para 2,9%.
Só nos últimos oito meses, a dívida brasileira com a ONU aumentou em quase US$ 100 milhões. O País nunca deveu tanto à ONU. Responsável pelo pagamento dessas verbas, o Ministério do Planejamento reconhece o débito, mas contesta os valores. Informa que, em suas contas, a dívida está em US$ 247,5 milhões e que “pretende regularizar o mais rapidamente possível o pagamento do valor devido”.
Em razão das dívidas, desde 1.º de janeiro de 2015, o Brasil perdeu em caráter temporário o direito de votar na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e na Assembleia dos Estados Partes do Tribunal Penal Internacional. Por exemplo, o País não pode participar na escolha de novos juízes da Corte penal.
Em setembro do ano passado, para diminuir o constrangimento criado pela inadimplência do Brasil na ONU, o governo brasileiro fez às pressas um cheque de US$ 36 milhões à entidade, uma semana antes do discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da 69.ª Assembleia-Geral das Nações Unidas. A ONU agradeceu o gesto, mas lembrou que ainda havia uma vultosa dívida a ser paga. Na época, o valor girava em torno de meio bilhão de reais.
Também é notório o descaso do Palácio do Planalto com as despesas das representações diplomáticas no exterior. Houve casos de atraso no pagamento da conta de luz. Outras vezes, funcionários precisaram usar parte de seu salário para fazer frente a despesas de aluguel. Enquanto isso, a presidente e sua comitiva andavam de limusine. Sem pagar.

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