segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Onde estamos?!?! Ate os keynesianos ensaiam uma retirada, ou afastamento dos colegas do poder...

Quem diria? Keynesianos de carteirinha -- mas não de botequim, como os do poder, que meteram os pés pelas mãos -- repudiam a tal de "nova matriz econômica", que agora eles dizem que nunca foi keynesiana...
Mas, por que não disseram isso logo, e deixaram que ela produzisse seus efeitos nefastos?
Na verdade, outros economistas, provavelmente não keynesianos, já avisavam, antes mesmo do desastroso governo do poste começar, que aquela gastança toda iria nos levar para o brejo.
Lembro-me perfeitamente do especialista em contas públicas Raul Velloso, desde meados dos anos 2000, alertar que a trajetória das despesas públicas, da inflação e do crescimento do PIB serem totalmente inconsistentes uma com as outras, e sem qualquer conexão com o crescimento da produtividade.
Agora que a fabulosa NEP dos companheiros fez chabu os keynesianos da academia vêm dizer que não era nada disso que eles estavam recomendando e que os "rústicos" do poder entenderam tudo errado. Eles chegam tarde? Talvez. Deveriam ter alertado seus companheiros aloprados desde o início...
Em todo caso, eu tampouco compro essa ideia de segregar orçamento corrente e orçamento de investimento. Dada rigidez terrível do exercício orçamentário no Brasil fica difícil separar um do outro: a Saúde, por exemplo, em função de uma emenda constitucional desse outro keynesiano de carteirinha que foi (e é) o ministro Serra tem sua cota orçamentária indexada ao crescimento, o que significa que o ministério sempre vai receber uma "renda extra" para torrar de forma irresponsável (e sem precisar insistir em ganhos de produtividade). Supostamente, o dinheiro acrescido também seria para investimentos na Saúde, mas provavelmente acaba sendo gasto em despesas correntes...
Paulo Roberto de Almeida

John Maynard Keynes e o ajuste fiscal no Brasil 
Fábio Terra e Fernando Ferrari Filho
Valor Econômico, 5/10/205
Fábio Terra é professor da Universidade Federal de Uberlândia. Fernando Ferrari Filho é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do CNPq.

Diferente do que se julga, John Maynard Keynes não propunha déficits públicos a qualquer preço: este era um instrumento de última instância, usado apenas se os esforços de estabilização automática do ciclo econômico falhassem. Aliás, como para Keynes as expectativas cumprem papel central na decisão de investimento, uma política fiscal equivocada fomenta expectativas pessimistas e, logo, torna-se incapaz de dinamizar a economia.
A partir dessa ideia, duas reflexões sobre a política fiscal do primeiro governo Dilma Rousseff emergem: primeiro, a chamada "nova matriz macroeconômica", contrariamente ao que costumam afirmar, não possui raiz keynesiana, principalmente porque a política fiscal foi pragmaticamente expansionista, resultando na redução do resultado primário/PIB de 3,1%, em 2011, para - 0,6% em 2014; segundo, a obra de Keynes fornece insights à realização de uma reforma fiscal no Brasil que vá além do ajuste temporário das contas públicas via contenção de gastos e aumento de impostos. É sobre isso que discorremos a seguir.
Pensando na reconstrução econômica do Reino Unido no pós-Segunda Guerra, Keynes propôs o orçamento público dividido em duas contas: corrente e de capital. A primeira conteria despesas de custeio para o fornecimento de serviços públicos. A segunda elencaria os investimentos públicos, que seriam 1- o estabilizador automático do ciclo e 2- notadamente contracíclicos. Assim, estas inversões diminuiriam em booms e aumentariam aos primeiros sinais de esfriamento da economia.
Ademais, os investimentos públicos deveriam criar a infraestrutura necessária para sustentar o investimento privado, não devendo com ele competir nem tampouco gerar qualquer privilégio, sob pena de criar ineficiência - assim, algo diferente de subsidiar setores via desoneração. Empresas públicas também não eram o norte de Keynes e se fosse preciso criá-las, joint ventures entre as iniciativas pública e privada eram a opção, tais quais as parcerias público-privadas.
Questão central no orçamento keynesiano é a necessidade de superávits constantes na conta corrente e equilíbrio na de capital. Logo, responsabilidade fiscal é uma premissa da política fiscal para Keynes. Déficits públicos gerariam pressões sobre os juros, elevariam os riscos de o Estado ter que lançar dívida nova para rolar dívida passada - fragilizando-se financeiramente - e poderiam despertar desconfiança sobre os rumos da política econômica.
Além disso, Keynes argumenta que o padrão de vida no longo prazo depende do estoque de capital acumulado - por isso, sua proposta de orçamento preocupa-se com os investimentos. Logo, o orçamento de capital deve oferecer condições para que a iniciativa privada invista, requerendo, inclusive, gastos que melhorem a eficiência produtiva, isto é, gerem maior produtividade.
As receitas públicas viriam majoritariamente dos impostos, que também deveriam perseguir uma melhor distribuição de renda, sendo mormente cobrados sobre ganhos dos rentistas e heranças. Com o tempo, as receitas dos investimentos públicos do orçamento de capital trariam dividendos para o setor público, permitindo-o, assim, reduzir impostos ou construir fundos parafiscais para a estabilização da economia.
Pois bem, o que resgatamos de Keynes para a política fiscal no Brasil? Inicialmente, seria interessante ocorrer uma reforma fiscal que, de fato, segregasse o orçamento em duas contas, uma de gastos correntes e outra de despesas de capital com investimentos, mas diferentes dos moldes atualmente vigentes. É necessária a desvinculação de receitas no âmbito corrente para destinarem-se mais recursos aos investimentos públicos. Assim, impede-se que estes sejam os gastos de contingenciamento mais fácil e rápido, como é o caso no atual ajuste.
Segundo, os investimentos deveriam ser decididos com uma ampla participação de entidades empresariais e, como o plano plurianual, eles deveriam se estender além de um mandato presidencial. Assim, reduz-se a influência do ciclo político nos investimentos públicos e cria-se uma natureza de longo prazo para esta política pública.
Com maior participação em sua definição, a transparência e a comunicação da política fiscal melhoram, tornando-a mais crível, atenuando os seus riscos de default e reduzindo os juros de longo prazo, que são o custo de oportunidade dos investimentos produtivos.
Terceiro, em tempos de bonança constroem-se fundos de recursos para se evitar recessões. Assim, a responsabilidade fiscal é constante e não é preciso medidas de ajuste no afogadilho. Como a responsabilidade fiscal é uma premissa, a dívida pública sob controle é uma resultante natural da condução fiscal keynesiana. Basta inexistir uma onerosa política monetária para que a dívida pública não tenha dinâmica explosiva, o oposto do que ocorre atualmente. No caso específico do Brasil, isso requer a reforma do mercado Selic para se eliminar o mercado monetário anômalo que vem desde 1980.
Quarto, qualquer gasto do Estado envolve recursos públicos. Logo, deve haver comprometimento do gestor para com o bem público e a irrestrita fiscalização de órgãos independentes.
Esperando crescimento constante, porém estável, sem booms muito menos recessões, Keynes confiava que empregos seriam criados e as pessoas dependeriam menos do Estado e, então, da política fiscal. Longe de propor um Estado interventor, ele queria que o Estado criasse um ambiente institucional propício ao investimento, condição necessária para uma dinâmica estável de curto prazo e também para a expansão da capacidade e da qualidade produtiva no longo prazo.
Para tanto, Keynes acreditava que a elaboração do orçamento e a ação do Estado fundamentam-se na racionalidade humana, tanto do Executivo, que propõe e age, quanto do Legislativo, que sanciona. Infelizmente, o debate do ajuste fiscal no segundo governo da presidente Dilma Rousseff nada parece ter dessa racionalidade.

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