Teoria geral da fraude, da mentira e da corrupção
Paulo Roberto de Almeida
Escrevo esta crônica em
minha qualidade de cidadão, pagador regular de impostos, plenamente consciente
de meus direitos e obrigações, não enquanto funcionário público, da carreira
diplomática, servidor do Estado (não necessariamente do governo atual) e plenamente
consciente das regras legais que impõem restrições a pronunciamentos relativos
à política externa ou ao exercício das funções diplomáticas. Nada do que vou
dizer tem algo a ver com essas duas vertentes funcionais, e sou portanto livre
de me expressar de acordo com minha consciência e deveres cívicos.
A sociedade brasileira tomou
consciência – pelo menos seus setores mais esclarecidos – de que o Brasil vem
sendo comandado, desde o início de 2003, por uma organização política especial
que tomou posse do poder por meios legais, mas que vem se desempenhando no
exercício do poder com a intenção de nele permanecer por todos os meios possíveis,
legais e ilegais. Pode ser que, no início de suas atividades políticas essa
organização não tivesse ainda adquirido todas as características que são as suas
atualmente, mas é um fato que suas ações, desde vários anos, tem sido
compatíveis com as atividades de uma organização especial em suas manifestações
práticas. Tanto é assim que boa parte dos seus dirigentes ou estão sendo
processados, ou já foram condenados e cumprem penas, e vários outros serão
provavelmente objeto de novas investigações e possivelmente condenados também.
O motivo pelo qual essa
organização especial não foi ainda afastada do poder se explica,
principalmente, pelo fato de que certa parte daqueles que deveriam julgá-la e
condená-la, no âmbito do legislativo ou do judiciário, se encontra ou envolvida
nos esquemas de beneficiamento – legal ou ilegal – promovidos por essa
organização, ou então é conivente com ela e com seus propósitos, pelo fato de
ocupar cargos e funções justamente concedidos por ela. Não se pode vislumbrar,
na presente circunstância, condições para que ela venha a ser
constitucionalmente afastada do poder, por faltar, justamente, maioria
consistente, nesses dois âmbitos, que pudesse se pronunciar em consonância com
os meios constitucionais para lograr esse objetivo, que é o da maioria da
cidadania. Não existem essas condições inclusive porque a situação econômica
ainda não se deteriorou suficientemente para “obrigar” representantes políticos
e funcionários do judiciário a adotar uma resposta decisiva ao quadro de
descalabro econômico e de erosão moral que integram o processo que pode ser
chamado de “Grande Destruição”.
Os cidadãos conscientes
são, portanto, obrigados a conviver, por algum tempo mais, com a fraude, com a
mentira e com a corrupção, que já se tornaram, desde vários anos, instrumentos
corriqueiros de poder, mecanismos de funcionamento do sistema político e
alavancas da hegemonia política ainda exercida pela dita organização. Esta é
constituída, basicamente, por representantes de antigas correntes alternativas
do movimento sindical – que se profissionalizaram rapidamente no peleguismo
habitual nesses meios –, por sobreviventes da antiga guerrilha reciclados na
atividade política não armada – mas que adquiriram, preservaram e
aperfeiçoaram, alguns por treinamento de conhecidas ditaduras, técnicas das
antigas organizações clandestinas a que pertenciam – e por uma grande maioria
de militantes ingênuos, mal informados ou oportunistas, que partilham,
vagamente, dos antigos ideias de justiça social e de distributivismo estatal
que essa organização sempre pregou (no começo, provavelmente de modo sincero,
depois como tática de preservação do poder).
O que estamos
contemplando, no momento presente, é um sistema de poder que se baseia
exatamente no trinômio que figura no título desta crônica: fraude, mentira e
corrupção. São três crimes políticos que deveriam ser sancionados pelos poderes
do Estado, não estivessem estes cingidos por determinados arranjos e
combinações que se originam justamente no governo em vigor, que se utiliza
dessas ferramentas para se perpetuar no poder. A cidadania consciente já
tentou, por diversas maneiras, pressionar aqueles representantes e funcionários
desses poderes do Estado a tomar alguma atitude digna, que pudesse livrar o
país e a sociedade do pesadelo que é conviver com a podridão moral do partido
no poder, responsável quase exclusivo pela Grande Destruição que atingiu o país
e que vai demandar anos de sofrimentos à população para ser contornada e
superada. Não estamos vendo, no momento presente, circunstâncias possíveis, e
condições favoráveis, para que uma nova situação política se instale.
É muito provável, assim,
que o estado atual de deterioração econômica, de erosão institucional e de
descalabro moral continue durante mais algum tempo, até que outras condições e
circunstâncias surjam e imponham alguma outra solução que não a continuidade do
pavoroso quadro social e político que somos obrigados a suportar na presente
conjuntura de declínio ético em nosso país. Os cidadãos conscientes – que já
formam uma maioria em favor de uma mudança radical nos esquemas de poder em
vigor, de acordo com o que as pesquisas revelam – se sentem impotentes ante o
quadro descrito, daí o motivo para que alguns mais exasperados, mas
equivocados, estejam sugerindo meios extralegais de alteração da situação atual.
Não é o caso da maioria dos cidadãos conscientes, e deste servidor do Estado,
que continuará a lutar por todos os meios legais para que a dignidade política
seja plenamente restabelecida no país.
Esta crônica dos tempos
correntes não existiria e não seria necessária fossem outros os personagens de
nosso sistema político; ela existe pela simples consciência de um dever cívico.
[Anápolis, 23 de novembro de 2015, 3 p.
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