Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/10/2017
Preparado para o poder?: pense duas vezes antes de agir
As conseqüências econômicas da vitória, parte 3
(da série: manual de nova
economia política para a fase de transição)
Paulo Roberto de Almeida
Nunca é demais lembrar uma frase sábia de um desses
– mil perdões, mas o nome me escapa agora – técnicos de futebol, mais
experientes do que diplomados, que não cansava de repetir a seus pupilos:
“treino é treino, jogo é jogo”. Pois bem, isso se aplica, mutatis mutandis, à presente conjuntura de transição política, na
qual uma velha maioria começa a ser substituída por uma nova, colocando a
representação eleita da população em compasso mais afirmado com sua verdadeira
maioria sociológica.
O exercício do poder, seja no Executivo, seja na Legislatura ou mesmo nas
muitas instâncias estaduais e locais que passaram pelo terremoto da mudança
paradigmática, exige uma série de qualidades administrativas que vão além da
retórica eleitoral e muito além, isso também parece claro, das simulações mais
ou menos impressionistas que são feitas nos programas de campanha e mesmo nas
diretrizes programáticas para “uma nova realidade”. Como deve ser evidente a qualquer
pessoa medianamente instruída, não basta proclamar que “um outro mundo é
possível”, que “uma outra América idem” ou que “as mudanças estão ao alcance da
mão”, para que esse mesmo mundo, como num passe de mágica, bata à porta no dia
seguinte ao da posse. O papel aceita tudo, microfones idem, mas a realidade,
esta é um pouquinho mais teimosa e renitente em se dobrar à nova vontade de
poder das maiorias recém assumidas.
Em primeiro lugar, existe a inércia natural dos grandes corpos
paquidérmicos, como podem ser as burocracias estatais e suas legiões de
funcionários e suas selvas de regulamentos – e leis, não esquecer – que tornam
difícil implementar, num estalar de dedos, a famosa ruptura prometida.
Geralmente se tem de avançar aos poucos, segundo o ritmo da representação
parlamentar, que ainda permanece a instância regulatória por excelência em
democracias.
Em segundo lugar, surge como obstáculo a proverbial falta de meios, uma
vez que orçamentos são limitados e as necessidades são incomensuráveis, sobretudo
em direção daqueles que mais necessitam. Aqui também os grandes projetos e os
brilhantes ideais têm de se ajustar à realidade dos números, a menos que se
queira financiar o programa anunciado pela via inflacionária, o que é sempre
possível mas não recomendável, em vista da experiência histórica brasileira e
seus efeitos sobre aqueles, justamente, que se pensa poupar dos aspectos mais
dolorosos do novo “ajuste social e político”.
Em terceiro e mais importante lugar, se situa, não algum problema operacional
qualquer, mas mais propriamente uma atitude, uma visão do mundo, uma
determinada concepção de como devem ser conduzidos os “negócios públicos”, que
um filósofo da USP chamaria de Weltanschauung
da nova maioria. Creio, pessoalmente, que esta dimensão é mais importante até
do que as duas primeiras, que parecem ser meramente instrumentais, ou pelo
menos dependentes de “arranjos técnicos” na máquina do Estado, seja no plano
institucional-burocrático, seja no dos recursos financeiros. Antes de transformar
o mundo, como proclama, de maneira otimista, a décima-primeira tese sobre
Feuerbach, seria preciso, pelo menos, interpretá-lo corretamente, o que nem
sempre está garantido nos velhos manuais de economia política.
Por isso, tenho esforçado-me, nesta série sobre as “conseqüências
econômicas da vitória” – ver as duas anteriores em minha página, acima
indicada, a partir de “Trabalhos Originais”, ou outros textos do mesmo tipo,
como “Dez coisas…” e “Carta aberta…” –, por chamar a atenção para aspectos não convencionais
do pensamento econômico tido como mainstream
na oposição de esquerda (agora bem menos oposição e menos ainda de esquerda,
mas isso não importa agora). O manual para uma nova economia política deveria,
a partir de agora, cobrir aspectos da “economia doméstica” – depois das
considerações sobre a dimensão internacional ou macroeconômica da nova
realidade, mas talvez seja o caso, antes de focar a problemática social, de
deter-se um pouco na questão da “visão do mundo” da nova maioria, pois ela pode
ser reveladora de uma maneira de pensar cujas conseqüências “governativas”
devem ser avaliadas com calma e lucidez, para evitar surpresas mais adiante.
Como a luta política – de forma algo similar à estratégia militar – se
organiza usualmente em termos de aliados e opositores, de amigos e inimigos, e
como a passagem de uma situação de oposição à condição de Poder implica uma
mudança fundamental na forma de organização dessas alianças – algumas táticas,
outras estratégicas –, caberia agora pensar nessas relações de amizade e tratar
de distinguir, um pouco mais claramente o que, efetivamente, conta para um bem
sucedido exercício desse poder e o que pode acarretar impasses institucionais,
econômicos ou diplomáticos.
Como os velhos hábitos são duros na queda, a única recomendação de
caráter geral que eu faria seria essa que figura no título: “pense duas vezes
antes de agir”, pois velhos aliados e antigas inimizades podem revelar
qualidades surpreendentes, no sentido exatamente oposto ao que se pensava antes
de assumir o poder. No mais, vou alinhar sem ordem de prioridade alguns desses
surpreendentes novos amigos e velhos inimigos, ou vice versa, num exercício de
puro “contrarianismo”. Assumo toda responsabilidade pela heterodoxia, mas ela é
feita em toda boa fé, pensando no melhor desempenho possível na nova situação
de poder.
1) O sindicalista amigo: salário e
empregos na corda bamba
Do setor privado ou do
público –aqui com maior estridência –, a função legítima do dirigente sindical
é defender os interesses dos seus liderados, a começar pela manutenção e
recomposição do poder de compra dos salários da categoria. Por isso não há
surpresa em constatar que representantes do funcionalismo público federal já
estão reivindicando do novo poder a reposição das “perdas salariais” – por eles
avaliadas em 89% – acumuladas no regime do neoliberalismo. Como advertido por
um desses amigos do movimento sindical, “não haverá pacto de tolerância”. A
solução está posta: “Ele (o novo presidente) vai ter que optar. Há recursos, é
só não acatar a política do FMI e parar de pagar a dívida externa”.
Simples
não? Antigas amizades às vezes custam caro para manter, como alguns casamentos
de fachada, preservados com presentes caros e sorrisos amarelos. Mas, isto é
apenas no plano puramente salarial. Existe ainda a questão vastamente mais
complexa da criação de novos empregos e da preservação dos antigos, com ou sem
subsídios para criar ou reconverter empregos eliminados pela destruição
criadora da modernização capitalista. Como todos sabem, até os próprios
interessados, os sindicatos não são feitos para criar empregos (salvo alguns
poucos na própria sede), mas para preservar os existentes, ou seja, eles atuam
em direção dos já incluídos, não em favor dos milhões de excluídos que
constituem o problema mais gritante do Brasil atual. As normas demandadas pelos
sindicatos redundam, em grande medida, na diminuição das chances de
empregabilidade dos excluídos, que não conseguem encontrar pessoas ou empresas
dispostas a contratá-los nas condições fixadas pelos já incluídos. Já não é tão
simples, não é mesmo? Por isso, da próxima vez que encontrar um sindicalista
amigo, lembre-se: pense duas vezes!
2) José Bové e outros socialistas bovinos
de la campagne française: gordos
subsídios
Você sabia que as vacas européias têm uma renda per capita superior à
renda média dos brasileiros? Você sabia que, no mesmo continente, existem
porcos milionários, com contas em banco, ficha de identidade e cartão de
crédito? Você sabia que tomates podem ser lavados com champagne, tão ricos são os fluxos de subsídios que fluem como
cornucópia, literalmente, para os bolsos desses paysans bigodudos que vêm nos dar lições sobre como melhor
organizar nossa agricultura e lutar contra as sementes geneticamente
modificadas das multinacionais americanas? Se não sabia, você ainda não conhece
nada da “Loucura Agrícola Européia”, a política comum que resulta em gordos
subsídios para um punhado de privilegiados e concorrência desleal para os
pobres agricultores do Terceiro Mundo. Por isso, quando receber novamente essa
personagem inusitada – talvez para a cerimônia de posse – pense duas vezes:
evite tapinhas nas costas e sobretudo não combine ações conjuntas contra os
subvencionistas americanos.
Esqueça aquela coisa antiga de que subsídio interno, à produção, é
permitido ou mesmo recomendável, e que os únicos prejudiciais aos interesses
dos exportadores não subvencionistas são as subvenções às exportações.
Exatamente o contrário: o apoio às exportações é o aspecto menos importante, e
menos danoso, das tremendas distorções que caracterizam hoje os mercados
agrícolas mundiais. O que faz mal mesmo aos nossos agricultores são as medidas
de apoio interno, pois elas vêm acopladas a restrições de todo tipo –
protecionismo tarifário e não tarifário – e provocam depressão nos preços
mundiais e acumulação de estoques que depois serão “descarregados” nos países
pobres, tornando inviável qualquer progresso econômico e anulando completamente
a famosa ajuda ao desenvolvimento que esses “humanistas” pretendem ostentar
hipocritamente.
Não precisa pensar duas vezes, aliás: o agricultor europeu e os
subvencionistas de todo tipo no hemisfério setentrional são inimigos absolutos
dos agricultores brasileiros, em primeiro lugar dos pequenos agricultores
familiares preferidos da nova maioria.
3) Consenso de Washington, imposições do
FMI e Wall Street: distância deles?
Certamente, mas não pelas razões que usualmente são aventadas em
determinados arraiais. Nunca é bom depender do dinheiro dos outros, sobretudo
quando esse dinheiro vem com condições estritas de utilização e com uma
“receita médica” que faz do regime de emagrecimento condição indispensável para
a retomada da saúde econômica. Mas, pense duas vezes: você teve de ir ao FMI
por causa do “consenso de Washington” ou por que dependeu demais dos “rapazes
de Wall Street”? Já pensou que as regras do famoso “consenso de Washington” não
são exatamente um conjunto de prescrições de política econômica “normal” mas,
bem mais simplesmente, uma série de medidas que devem ser consideradas apenas
como receitas para um ajuste bem-sucedido, depois de alguns anos de embriaguez
econômica? Pois foi exatamente com esse espírito que essas regras foram
concebidas pelo seu autor – aliás um amigo do Brasil, embora ele estivesse pensando
mais no Chile e no México –, mais como instrumentos de política, do que como um
conjunto de objetivos ou resultados que devam ser elevados à categoria de
dogma.
Por isso, esqueça todas as bobagens que você ouviu sobre o famoso – e
muito mal conhecido – consenso e estude rigorosamente (se possível sem paixão)
suas prescrições, pois elas podem ser úteis para a continuidade do processo de
ajuste de que certamente necessita a economia brasileira. Se isto não fosse
verdade, por que, justamente, temos de fazer tanto apelo ao dinheiro de Wall
Street e depois buscar socorro nos pacotes de ajuda financeira do FMI? Já
pensou que o FMI pode ser o seu amigo das horas amargas? E que os inimigos
podem ser aqueles que recomendam “ruptura com o sistema financeiro internacional”
em nome de não se sabe qual alternativa de financiamento duradouro?
Sabe qual é a alternativa à imposição de regras vindas de fora? A
auto-assunção de regras de boa gestão macroeconômica no plano doméstico,
tornar-se independente da poupança externa – o que significa o aumento da
poupança interna – e o rompimento com as práticas nefastas dos desequilíbrios
orçamentários, dos déficits fiscais e de balanço de transações correntes. Mais
fácil dizer do que fazer, não é mesmo? Mas o consenso de Washington foi feito
para isso mesmo: para oferecer um guia simples e prático de regras claras e
diretas em favor da responsabilidade administrativa na gestão da “coisa
pública” em sua vertente econômica. Os verdadeiros inimigos são os opositores
dessas regras.
4) Anti-naftalinos, anti-alcalinos e
anti-globalizadores em geral: muy amigos?
Lembra-se de quando os anti-naftalinos, em suas ruidosas manifestações de
dez anos atrás, prometiam as piores catástrofes econômicas a partir da
implantação do acordo de livre-comércio da América do Norte, com uma sucessão
inevitável de desastres sociais só comparável às sete pragas do antigo Egito?
Pois bem: o que houve depois disso? Nada, rigorosamente nada. Ou melhor: os
efeitos para a economia dos EUA não foram aquele imenso “sorvedouro de
empregos” antecipado por Ross Perot, se tanto um crescimento modesto das
ocupações associadas ao Nafta e um aumento significativo das exportações desse
país para o México. O Canadá também se deu muito bem, com um aumento ainda
maior dos volumes de comércio global com seus dois parceiros meridionais e uma
ligeira diminuição da dependência exclusiva do Big Brother.
E o México, sobreviveu ao novo colonialismo comercial? Bem, logo depois
de aprovado o acordo ele entrou em crise, teve sua moeda desvalorizada em quase
100%, foi socorrido por um pacote de 48 bilhões de dólares liderado pelos EUA,
seus nacionais tiveram uma redução brutal no seu poder de compra e outras
conseqüências igualmente indesejáveis, mas nada disso tem algo a ver com o Nafta,
muito pelo contrário. O Nafta foi, no cômputo global, bastante positivo para o
México, com um aumento da oferta de empregos – e o aumento de renda associado
–, a expansão exponencial do investimento direto estrangeiro e o crescimento
ainda maior das exportações (ainda que aumentando a dependência do Big
Brother). Com uma economia que, em termos reais, é inferior em 10 a 15% à
economia brasileira, o México exporta três vezes mais, o que faz muito bem à
sua saúde econômica, e à de seu balanço de pagamentos. Os desastres anunciados
por sindicalistas, ecologistas, zapatistas e outros “istas” mais bizarros não
ocorreram, ou então seus efeitos sociais foram minimizados pelo aumento geral
do nível de atividades econômicas permitido pelo Nafta. Não acredita?: pergunte
a algum economista mexicano não comprometido com qualquer um daqueles grupos
anti-naftalinos (por ideologia, pois eles não podiam ter estudos de impacto
quando começaram a se mobilizar, ainda numa fase precoce, contra o acordo).
Depois da luta contra o Nafta, e dos protestos contra o MAI-OCDE (cujas
negociações esses grupos até hoje acreditam que conseguiram “interromper”,
esquecendo o oportunismo francês na questão da “exceção cultural” e outras
desavenças entre os próprios países membros), a ênfase se deslocou para a
taxação contra os movimentos financeiros internacionais, com os mesmos grupos
criando uma singular ação em favor da “Tobin Tax” que o próprio economista
patronímico teve de recusar como representando suas idéias ou motivações
originais. A intenção em todo caso era a de colocar um “grão de areia” na
engrenagem dos capitais voláteis, acusados dos piores desastres financeiros dos
anos 90 (e além), o que por acaso materializou-se em vários grãos de areia, não
contra os capitais voláteis, mas contra todas as reuniões dos organismos
econômicos internacionais desde então.
A promessa de modelos alternativos conduzindo a “um outro mundo possível”
revelou-se até agora impossível, e de fato ainda não se materializaram
políticas de ruptura em relação ao capitalismo realmente existente, razão pela
qual ocorreu uma reciclagem permanente desses grupos em manifestações de
protesto que trouxeram mais transpiração do que inspiração, apesar da criação
de uma nova instância de reflexão – o Foro Social Mundial – que fez mais pelo
turismo alternativo do que pelo esclarecimento de questões reais da economia
mundial.
A pergunta relevante é, contudo, esta aqui: as ações e políticas
propostas pelos militantes da ATTAC e por suas várias derivações anti-alcalinas
e anti-globalizadoras são benéficas à economia brasileira e correspondem aos
interesses do País? Ou, na nossa terminologia maniqueista, eles são amigos ou
inimigos das causas nacionais? Visto pelo lado da Tobin Tax, por exemplo, sua
introdução seria claramente contrária às atuais necessidades de capitais,
voláteis ou não, que o Brasil se vê, voluntariamente ou não, obrigado a buscar
no exterior. Seu efeito mais visível seria o de aumentar o custo desses
empréstimos, sem outros resultados positivos para a economia nacional.
No plano mais geral do comércio internacional, ou no da formação de um
bloco hemisférico de liberalização comercial, a ação desses movimentos se
ajusta perfeitamente à estratégia dos sindicalistas do Norte de bloquear o
processo de deslocalização produtiva que seria operado pelas multinacionais
desses países em direção das regiões a baixos salários, entre as quais se
encontra supostamente o Brasil. O que se vê, portanto, são sindicalistas do
Sul, e outros militantes ingênuos, fazendo o trabalho “sujo” para seus colegas
do Norte no sentido de impedir que a transferência de empregos se faça. Muy
amigos, pois não? Pense três vezes da próxima vez que encontrar um
anti-alcalino.
5) A boa e velha burguesia nacional:
aliada contra o imperialismo?
Nos tempos do Partidão, a burguesia nacional era um aliado indispensável
na luta contra o latifúndio e o imperialismo, mas o incômodo da história era o
fato de que ela nunca se conformou a essa papel progressista e nunca soube
desempenhar a contento sua “missão histórica” de criar um sistema capitalista
nacional em bases autônomas, livre da dominação imperialista e não subordinado
às velhas oligarquias políticas. Que aliada mais traidora e relapsa em relação
aos “verdadeiros interesses nacionais”!
Depois disso tivemos golpes militares, alinhamentos ao poder imperial,
caminhos alternativos de desenvolvimento – com “planejamento industrial” – e um
grau razoável de promiscuidade entre a burguesia, o capital estrangeiro e o
Estado “empreendedor”. Sem dúvida o Brasil criou uma base industrial
respeitável na comparação com qualquer outro país emergente – ainda que tenha
persistido na dependência tecnológica – mas ele não conseguiu resolver os mais
comezinhos problemas de integração social dos estratos mais humildes da população
ou equacionar a iniquidade “africana” da distribuição da renda. Alguma relação
entre esse estilo de desenvolvimento e o modelo concentrador? Aparentemente
sim, pois a situação apenas se alterou, ligeiramente, quando o Estado deixou de
ser tão “empreendedor” e a burguesia gozou de menor proteção tarifária e
vitaminas fiscais como tinha ocorrido na fase do “milagre econômico” e depois.
Hoje em dia, novas propostas de “política industrial” são formuladas para
serem postas em vigor com a nova maioria, geralmente baseadas nos estímulos
fiscais, em algum grau de proteção “seletiva” e vários incentivos para
investimento em “ciência e tecnologia”. Pensando ainda em termos de
amigos-inimigos: a burguesia aprova sua filosofia de governo ou é apenas amiga
dos seus recursos orçamentários, o seu, o meu, o nosso dinheiro? Pense duas
vezes antes de responder a esta questão e pergunte uma vez mais se sua intenção
é realmente a de distribuir dinheiro para quem já é rico.
Se for para lutar contra a Alca, alguns setores dessa burguesia vão
efetivamente se mobilizar, mas não pensando necessariamente no interesse
nacional como um todo, mas em seu próprio desejo setorial de escapar à
concorrência menos que perfeita de empresas estrangeiras mais agressivas. Será
bom para o País construir, uma vez mais, fortalezas tarifárias e muralhas
protecionistas para não ter de enfrentar a realidade da globalização?
Estes constituem apenas cinco pontos neste exercício de “think again”,
que podem ser relevantes para a construção de uma “economia política” da nova
maioria, lembrando que existem vários outros pontos que confrontam a lógica
convencional dos esquemas dicotômicos amigos-inimigos, que nem sempre estão do
lado em que se pensa poder encontrá-los. Este é um dado imanente às realidades
complexas de nossa época, que faz com que “tudo o que era sólido se desmanche
no ar” e que antigas posições progressistas se convertam rapidamente em
combates de retaguarda, quando não em defesa reacionária de velhas posições
ultrapassadas pelas novas tendências da economia global.
Construir uma defesa consistente dos interesses sociais da maioria da
população nem sempre significa aplicar as receitas de uma outra época, quando
“forças produtivas” e “relações de produção” pareciam apontar numa determinada
direção: dirigista, estatal, protecionista, nacionalizante (no sentido
estreito), ou simplesmente intervencionista. Pode também querer dizer
integração produtiva, concorrência ampliada, investimento sobretudo em educação
universal de crianças pobres, antes do que em “indústrias estratégicas” ou
transferência de renda para elites universitárias. Podendo dar para todo mundo,
excelente. Não podendo, selecione cuidadosamente os beneficiários de suas
políticas de transferência de renda. Na dúvida, pense duas vezes.
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 957: 8 de outubro de 2002
P.S.: Nada a ver aqui com a vertente econômica deste
manual, mas apenas uma derivação do princípio das alianças com os “inimigos do
meu inimigo” para fins de vitória eleitoral. A nova maioria chegou a ser o que
é inclusive, e talvez principalmente, pela aplicação de um conjunto de regras
éticas que sempre a diferenciaram dos tradicionais participantes do jogo
político, e muito menos pela eficiência econômica (altamente discutível) de
suas propostas políticas. Pense nisso também na hora de fazer novas alianças.
Ver os dois artigos anteriores desta
série:
1) “Companheiros,
muita calma: trata-se agora de não errar!: As conseqüências econômicas da
vitória (ou: manual de economia política para momentos de transição)”,
Washington, 22 setembro 2002, 11 pp. Disponível no blog Diplomatizzando:
https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/companheiros-muita-calma-trata-se-agora.html
2) “Administrando
as relações econômicas internacionais do Brasil: As conseqüências econômicas da
vitória, 2ª parte (da série: manual de economia política para momentos de
transição)”, Washington, 29 setembro 2002, 11 pp. Disponível no link:
https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/consequencias-economicas-da-vitoria-do.html.
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