quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Argentina: chanceler acidental queima as pontes com possível governo

Inacreditável chanceler: ademais de ser absolutamente inconveniente ao referir-se ao candidato opositor na Argentina, praticando descortesia ao usar a imagem de uma boneca russa, ele demonstra uma postura autoritária totalmente inaceitável para um diplomata e sobretudo para o chanceler de um país vizinho: a possível futura Argentina só merecerá relações com o Brasil se fizer como o governo Bolsonaro imaginava que ela deva ser obrigatoriamente. Consegue ser pior que o presidente, cujas grosserias são em parte ignoradas pois ele está no seu natural vulgar e deseducado. O chanceler acidental é um verdadeiro desastre para os padrões diplomáticos normais, ou age assim para mostrar-se sabujamente fiel ao presidente antidiplomático que ocupa o poder para nossa vergonha.

Paulo Roberto de Almeida

Ernesto Araújo diz que Alberto Fernández é 'boneca russa' com Lula e Chávez dentro

Chanceler de Bolsonaro ataca candidato favorito na Argentina, mesmo após ele pedir 'tranquilidade' para governo do Brasil


O Globo, 19/08/2019 - 21:02

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo Foto: Jorge William / Agência O Globo 15-8-19
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo Foto: Jorge William / Agência O Globo 15-8-19

RIO - O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fez diversas críticas ao candidato favorito a presidente nas eleições da Argentina, Alberto Fernández , em entrevista publicada pelo jornal portenho El Clarín nesta segunda-feira. O ministro brasileiro disse “não ter ilusões de que esse kirchnerismo 2.0 seja diferente ao kirchnerismo 1.0” e previu dificuldades caso a ampla vantagem obtida por Fernández sobre Mauricio Macri nas primárias, no dia 11 de agosto, se confirme nas eleições presidenciais em outubro, reiterando que o Brasil pode deixar o Mercosul caso Fernández venha a “fechar a economia”.
As críticas contra o possível presidente de um país vizinho, incomuns para um chanceler, se somam a uma longa lista das dirigidas pelo governo Bolsonaro contra o candidato peronista, que tem na ex-presidente Cristina Kirchner sua candidata a vice. Bolsonaro tem abertamente defendido o atual presidente,Mauricio Macri , prevendo cenários catastróficos, parecidos com o da Venezuela, em caso de vitória da chapa de Fernández.
Nos últimos dias, o opositor, que, logo após ser criticado por Bolsonaro após o resultado nas primárias, chamou o presidente  brasileiro de “racista misógino violento”, abaixou o tom e se disse arrependido. Além de pedir para Bolsonaro "ficar tranquilo" porque "não fechará a economia", em entrevista ao jornal Página 12 publicada no domingo, Fernández afirmou que “foi um erro enredar-se nas bravatas dele” e que “se Bolsonaro quer dançar este tango, que não conte comigo”.
— O vínculo entre Brasil e Argentina deve ser indissolúvel, somos sócios profundos demais para pensar que isto possa se dissolver por um presidente de conjuntura, chame-se Bolsonaro ou Alberto Fernández — afirmou.
Araújo, por sua vez, disse estar “muito preocupado” e que “no momento não tem diálogo com ele”. O chanceler brasileiro avaliou as últimas declarações de Fernández como “de conveniência”, afirmando ser necessário olhar para “o histórico e o passado da candidatura” e que “nada do que foi dito dissipa as preocupações”.
— Quando ele diz que seu governo não é necessariamente como o governo de Kirchner, eu, para usar uma imagem, o vejo como uma boneca russa. Há Alberto Fernández, você abre e lá está Cristina Kirchner, você abre e lá está o Lula, e depois o (Hugo) Chávez. Para nós é muito claro. Há uma lógica de racionalidade econômica nessas últimas entrevistas, mas o passado parece muito claro para mim. Há algumas coisas que são ditas na campanha, mas não temos muita ilusão de que este kirchnerismo 2.0 seja diferente do kirchnerismo 1.0 — afirmou o chanceler.
Araújo disse que a visita de Fernández ao ex-presidente Lula na prisão foi “muito ofensiva às instituições brasileiras, nosso sistema judicial e nosso processo político”, justificando que “a luta contra a corrupção no Brasil (...) é algo com imenso apoio e respaldo popular”.
O ministro também disse que, ao chegar ao poder, o governo avaliou “livrar-se do Mercosul”, porque não “havia livre comércio intrazona” e “visão de abertura”, não praticando, em sua avaliação, negociações com o resto do mundo. Durante o governo “de Kirchner”, disse Araújo sem especificar se se referia a Néstor ou a Cristina,  a Argentina colocava taxas muito altas aos produtos brasileiros, o que seria tolerado “em nome de um projeto ideológico ligado ao Foro de São Paulo”.
Araújo disse ter mudado de ideia ao notar que poderia cooperar com Macri, mas não descartou sair do bloco caso o kirchnerismo volte ao poder.
—  Hoje temos um pacto pelo crescimento, competitividade, abertura e prosperidade. Nós não vamos voltar a um pacto de suicídio. Se o Mercosul for novamente vítima de uma ideologização, isso prejudicará o bloco. Não por nossa vontade. Mas o bloco não será mais manipulado por interesses que para nós sejam contrários ao interesse do povo brasileiro e do povo argentino.
Perguntado se a escalada de ofensas irá se amenizar, Araújo respondeu que “ninguém a deseja”, mas que o governo continua “preocupado com sinais muito claros do candidato em termos de sua visão de mundo”.
— Nossa expectativa é continuar trabalhando com um governo, com um presidente, que tenha uma visão como a nossa, de abertura, de competitividade — afirmou.

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