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sábado, 19 de dezembro de 2020

O labirinto do isolamento: Bolsonaro, a China e os EUA - Mauricio Santoro (Nexo Jornal)

 O labirinto do isolamento: Bolsonaro, a China e os EUA

Maurício Santoro


Ao se aliar ideologicamente a Trump e adotar um discurso hostil contra o país asiático, o Brasil se colocou em uma situação inédita, correndo risco de retaliações de seus principais parceiros comerciais

Em 2020 o Brasil enfrentou uma sucessão de crises — sanitária, econômica, política — e ao longo do ano as relações do governo brasileiro degeneraram em hostilidade com os dois maiores parceiros comerciais do país, China e Estados Unidos. Como isso aconteceu e quais serão as consequências?

Há uma nova ordem global em gestação, marcada pela ascensão chinesa e pelo acirramento das tensões entre Pequim e Washington. As pressões cruzadas têm levado muitos países a terem que fazer escolhas difíceis: devem permitir que a Huawei, gigante chinesa de telecomunicações, participe da instalação do padrão 5G de internet? Irão aderir à Nova Rota da Seda, o projeto chinês de investimentos globais em infraestrutura? Nesse contexto, o que distingue o Brasil foi ter tomado decisões que o deixaram indisposto com ambos, sem conseguir ganhar benefícios em termos de seus interesses nacionais.

O Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China em 1974. O diálogo entre a ditadura brasileira, anticomunista, e o regime marxista de Mao Tsé-Tung se deu com base na percepção de que ambos compartilhavam interesses na política internacional, como grandes países em desenvolvimento que com frequência discordavam das nações ricas do Ocidente.

Em 1993, Brasília e Pequim firmaram uma parceria estratégica. Na década de 2000, com o boom global de commodities, a China se tornou o maior mercado para as exportações brasileiras, sobretudo de soja, minério de ferro, petróleo e carnes. Em anos recentes, os chineses viraram também investidores significativos no Brasil, em especial no setor de energia elétrica.

Jair Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro desde Ernesto Geisel (1974-79) a chegar ao Planalto com um discurso hostil à China, que enxerga como um país comunista cuja influência econômica seria uma ameaça à segurança nacional brasileira. Contudo, a visão ideológica do capitão esbarrou nos interesses dos grandes grupos empresariais do Brasil, para os quais a China é um sócio importante. No primeiro ano de seu governo, em linhas gerais, se manteve a parceria estratégica dos 25 anos anteriores, ainda que permanecessem tensões latentes como a questão da Huawei e do 5G.

Isso mudou com a pandemia. A família Bolsonaro replicou no Brasil o discurso anti-China de Donald Trump, e os filhos do presidente usaram as redes sociais para incitar seus apoiadores contra o país asiático, a quem culpavam pelo coronavírus, e a ameaçar a Huawei. O clã presidencial se engajou na campanha pela reeleição de Trump e entrou em uma disputa partidária com o governador de São Paulo pela distribuição da vacina chinesa junto à população brasileira. Os diplomatas chineses no Brasil responderam em tom de agressividade inédita, com críticas públicas ao governo.

O MAIOR ERRO DO ALINHAMENTO COM OS EUA FOI A VINCULAÇÃO DE BOLSONARO A TRUMP, IGNORANDO A REALIDADE DE UMA SOCIEDADE AMERICANA PROFUNDAMENTE DIVIDIDA COM RELAÇÃO A SEU PRESIDENTE

A pandemia é um marco em uma diplomacia chinesa mais assertiva contra os críticos do país, com uma nova geração de diplomatas muito atuantes nas redes sociais e na política doméstica das nações onde servem — os chamados “lobos guerreiros”. O Brasil se tornou um campo para esse tipo de ativismo em política externa e corre o risco de sofrer represálias comerciais, como as que a China implementa contra a Austrália.

O pilar da política externa de Bolsonaro em seus dois primeiros anos de governo foi a busca de relação preferencial com os Estados Unidos, o que na prática significou o alinhamento ideológico com Donald Trump e conflitos com o Partido Democrata, que mesmo na oposição controlava a Câmara dos Deputados. Esses esforços resultaram em ganhos partidários para a família Bolsonaro, como visitas à Casa Branca e fotos com Trump, mas não renderam benefícios tangíveis para o Brasil. Produtos brasileiros sofrem com o impacto negativo do aumento do protecionismo americano e o país se indispôs com parceiros importantes na Organização Mundial do Comércio e nas instituições latino-americanas por seguir as diretrizes de Washington em detrimento das posições de outras nações em desenvolvimento.

O alinhamento com os Estados Unidos havia sido uma parte importante da diplomacia brasileira no passado, em particular no período em que o barão do Rio Branco foi ministro (1902-12) e na Segunda Guerra Mundial. Nesses dois momentos, os americanos eram o maior mercado para as exportações brasileiras de café, produto que dominava o comércio exterior do Brasil. O cenário hoje é distinto, e atualmente os Estados Unidos não compram sequer 10% das exportações nacionais, que se tornaram mais diversificadas tanto em mercadorias quanto em mercados, com parceiros significativos na Ásia, União Europeia e América Latina

Contudo, o maior erro dessa estratégia foi a vinculação de Bolsonaro a Trump, ignorando a realidade complexa de uma sociedade americana profundamente dividida com relação a seu presidente. A vitória dos democratas nas eleições presidenciais de 2020 leva de volta à Casa Branca agendas de meio ambiente e direitos humanos, em conflito com as ações de Bolsonaro, em particular no que toca ao desmatamento da Amazônia e a seus impactos sobre o aquecimento global.

O Brasil tem pela frente um 2021 bastante difícil, com a pandemia se aproximando dos 200 mil mortos no país e os impactos mais duros da recessão, com o fim do auxílio emergencial. Em meio a tudo isso, a situação inédita de correr risco de retaliações de seus dois principais parceiros comerciais, China e Estados Unidos. O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo, ator-chave em várias negociações globais, do comércio à mudança climática. Os conflitos e isolamento que o país arrisca não são uma tragédia inevitável, são fruto de escolhas ideológicas. Como, aliás, sua catástrofe humanitária durante a pandemia.

Maurício Santoro é doutor em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e professor-adjunto do departamento de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).


sábado, 5 de dezembro de 2020

Por uma nova política externa - Philip Yang (Valor)

Por uma nova política externa 

Na consolidação do “século asiático”, precisamos indagar qual direção deve ser dada à nossa diplomacia

Philip Yang 

Valor Econômico, 04/12/2020

 “O que é o mais difícil de tudo? Ver com seus olhos o que seus olhos colocam diante de você.” 

(Goethe)

 Introdução: a necessária mudança de rumos 

Grandes transformações da ordem mundial requerem grandes ajustes de política externa. Foi assim nas primeiras décadas do século XX. 

Deverá ser assim também nas primeiras décadas do século XXI. Com o deslocamento do eixo de poder da Europa para os EUA, o Brasil de Rodrigues Alves (1902-1906) mudava a orientação de sua diplomacia, construindo uma aproximação a Washington. Hoje, neste momento em que assistimos à emergência e consolidação do “século asiático”, precisamos (i) indagar qual direção deve ser dada à diplomacia brasileira e (ii) buscar entender — à luz do declínio econômico relativo do Ocidente — qual tipo de inserção internacional desejamos construir para o país. 

Enfatizo o verbo construir, pois o desenho de novas políticas demanda um ato volitivo, que nos arranque das forças inerciais, das rotinas do cotidiano, de determinismos vários, das tradições e molduras analíticas que inadvertidamente tomam conta de nossas visões de mundo. 

No início do século XX, a aproximação com os EUA derivou de ação voluntária e proativa de nossa chancelaria (1). Tivéssemos adotado postura burocrática, presa ao hábito ou à tradição, a guinada não teria ocorrido. O governo americano não tinha grande entusiasmo por qualquer vinculação especial com o Brasil, e o condutor do estreitamento de laços com os Estados Unidos pelo lado brasileiro, o Barão do Rio Branco (1845-1912), precisou romper com sua visão de mundo tradicional de inclinação europeísta para de fato forjar uma política afinada com os novos tempos e condizente com nossos interesses nacionais permanentes (2). Ou seja, o deslocamento de foco externo do Brasil, da Europa para os EUA, foi algo construído. 

Recorro a esse evento ocorrido há mais de cem anos, dado que a profundidade das transformações que ocorrem hoje no mundo — políticas, geoeconômicas e tecnológicas — demandam mudanças de rumo e força de decisão na área externa que não encontram paralelo no nosso passado recente. Na passagem do século XIX para o século XX, assistíamos, no plano externo, à emergência de uma nova potência hegemônica e, internamente, conduzíamos tardiamente o país para um novo paradigma produtivo, industrial e assalariado. A política externa de Rio Branco visionariamente refletia o conjunto de anseios e demandas que derivavam dessa dupla transição — de poder internacional e no modo de produção. 

Hoje, um século depois, uma dupla transição, de natureza semelhante, se desenrola a olhos vistos. A China — nova expoente da Quarta Revolução Industrial — emergiu e se consolida como nova superpotência global, numa nova economia que tem as tecnologias digitais nos campos de automação, controle e informação como pilares estruturantes. Nós, no Brasil, de novo tardiamente, buscamos conduzir o país para esse paradigma produtivo da Indústria 4.0. 

Terá o Brasil, nas últimas décadas, desenvolvido política externa condizente com essa nova realidade internacional e tecnológica? Em outras palavras, terá a diplomacia brasileira desenvolvido ação externa que, a exemplo do que aconteceu no começo do século passado, promoveu a inserção internacional do país em sintonia com as evoluções no campo político e tecnológico? 

Certamente não. 

Antecedentes e diagnóstico do que fizemos: uma política externa “insuficiente”

 Começo de frente para trás, da administração atual para as anteriores. Vivemos hoje uma postura política externa que sistematicamente agride a China. Qual seria a lógica de interesse nacional de ofender a superpotência política, geoeconômica e tecnológica emergente, que, ademais disso, é nosso principal parceiro comercial? Tal postura constitui contrassenso óbvio e erro primário de estratégia, além de grotesco em sua forma. O primarismo fica mais evidente quando se registra que a atual política ostensivamente antichinesa é feita de modo personalista, como forma de demonstração de lealdade pessoal (e de subordinação) ao presidente americano, que, como acabamos de ver, não foi reconduzido à Casa Branca. 

Nos governos anteriores — Temer, Dilma, Lula, FHC, Itamar, Collor e Sarney — que mais ou menos coincidem com as décadas de início e florescimento do notável crescimento da China derivado das reformas econômicas da era Deng —, nossa diplomacia atuou de forma correta no relacionamento com o país asiático, dentro dos valores e princípios que norteavam a política externa brasileira. Como pano de fundo para debate, podemos dizer que o diálogo do Brasil com a China e com a Ásia nesse arco temporal que vai de Sarney a Temer foi construtivo, mas insuficiente. Sim, insuficiente no sentido de que não antecipou o deslocamento de poder para a Ásia, de tal forma a gerar ações relevantes, estratégicas e concretas. Também insuficiente no sentido de que o diálogo não alterou substancial e estruturalmente, pela via diplomática bilateral, o curso natural de nossa realidade econômica, social e de desenvolvimento tecnológico. 

Se concordamos com essa tese da insuficiência, cabe indagar qual seria então, no plano da diplomacia geográfica, uma política externa suficiente e adequada para o contexto atual. Critério mais óbvio: a melhor política externa é aquela que alavanca o processo de desenvolvimento econômico e social dos países envolvidos, a partir de processos de trocas que sejam complementares, mutuamente benéficas e sustentáveis no tempo. Qual seria então essa política? 

Hipóteses 

No abstrato, as alternativas não são muitas. No contexto da rivalidade sino-americana que se aprofunda, caberia em primeiro lugar uma escolha simplista “por um dos lados” no contexto de uma suposta nova bipolaridade. Para os que enxergam uma geometria de poder menos bipolar e mais tripolar, a Europa como pilar de poder mundial — fortalecida pelo processo de integração da União Europeia e detentora de economia com grau superior de complementaridade ao Brasil em relação aos EUA — constitui opção de prioridade relacional. 

Aos que entendem o agrupamento Brics como alternativa de coligação viável, uma política calcada no fortalecimento do bloco emerge também como vetor de peso importante. Variante dessa perspectiva seria uma aposta em parceria mais estruturante que priorize fortemente a Índia, país visto por muitos como “a próxima China”, em termos de tamanho de mercado, desempenho econômico e inovação tecnológica. A Rússia, reerguida depois do colapso de 1991, permanece como ator relevante, no plano militar, energético e tecnológico, domínio em que o país se reinventou como potência (3). 

Aos autonomistas, restariam alternativas voltadas para conjunto de políticas que privilegiassem as relações no Sul global ou, ainda, iniciativas de corte sub-regional na América do Sul. E, claro, aos mais indecisos, aqueles adeptos do “somos amigos de todos”, teríamos mesclas difusas desses vetores, que se misturariam com todos os temas importantes da agenda multilateral que, por razão de espaço, serão deixados de lado neste texto: meio ambiente, comércio internacional, não proliferação e desarmamento etc. 

Ao refletirmos mais concretamente, nossas escolhas devem estar condicionadas à realidade interna brasileira — nossas aflições, angústias, limitações, premências e necessidades coletivas cronicamente não atendidas. Do lado positivo, o que temos a oferecer, competitivamente no plano material, como realidade presente e promessa de futuro. 

Num patamar de ainda maior realismo, temos de lembrar do velho ditado: “it takes two to tango”. De nada nos adianta idealizar novas associações e geometrias de poder se, numa parceria imaginada, não pudermos contar com a conjunção de duas vontades. Portanto, encontrar parceiros que nos enxerguem como nação e Estado de valor é condição essencial para qualquer diplomacia estruturante. 

Critérios para uma nova política 

No momento histórico em que nos encontramos, um ponto de partida inevitável para pensarmos nossa ação externa é o risco da irrelevância. Esse Brasil que apresenta há quatro décadas curva de produtividade do trabalho basicamente horizontal, taxas anêmicas de crescimento, baixa contribuição aos processos de inovação, desempenho educacional medíocre, reduzida poupança interna e incapacidade sistêmica de conceber e executar grandes projetos de infraestrutura tende inexoravelmente à insignificância e marginalização sistêmica. 

Diante de um contexto calamitoso como esse, não temos outro remédio que não seja tomar o fator tempo como variável fundamental para as nossas decisões diplomáticas. Em outras palavras, o sentido de urgência deve ser elemento central na construção de nossa política externa. Claro que há um enorme dever de casa no plano doméstico a ser realizado, mas não podemos deixar de perguntar qual política externa que — em prazos mais curtos — pode nos ajudar a sair desse pântano em que nos metemos (4).

 Um segundo fator que deve ser levado em consideração é o estágio tecnológico em que o Brasil se encontra, no contexto da transição de paradigma produtivo pela qual o mundo atravessa. Os núcleos dinâmicos da economia mundial caminham irremissivelmente para um quadro de ubiquidade digital, caracterizado pela constituição de novos ecossistemas nos quais a arquitetura de redes de alta velocidade, robótica, big data, internet das coisas e inteligência artificial dominam as infraestruturas urbanas, o ambiente de trabalho e de convívio social. A realização tardia desse ambiente digital nos condena a atraso ainda maior. Portanto, nossas escolhas devem buscar parcerias que nos alavanquem para um “leapfrog” em direção à Indústria 4.0. 

Entre outros tantos aspectos que merecem ser suscitados, limito-me a sublinhar por fim um terceiro fator importante que deriva da necessidade brasileira urgente por investimentos, notadamente nos segmentos de infraestrutura geral e urbana, das novas indústrias e de energia limpa, que configuram o ambiente virtual e a logística física da nova economia. Como mencionado antes, o Brasil apresenta taxas internas de poupança baixas e declinantes, o que compromete nossa capacidade de inversão, limita o potencial de crescimento e nos coloca numa posição de demanda por investimentos estrangeiros diretos (5). Assim, no esforço de inserção internacional, a capacidade de investimento de potenciais parceiros — notadamente em segmentos de infraestrutura digital e física multimodal, pilares da nova economia — deve ser avaliada como requisito central. 

Cenários plausíveis 

Entre os diferentes cenários delineados acima, destaco dois. Talvez sejam esses que se afiguram mais plausíveis e apresentam maior interesse para nós. Talvez seja possível, nesses dois cenários, que tenhamos chances de buscar, pela via da negociação, com boa dose de pragmatismo e à luz das lições da história, a melhor alternativa de inserção do Brasil no mundo. Talvez seja num desses dois cenários que a configuração de poder mundial possibilite uma inserção internacional do Brasil que efetivamente nos conduza para o ambiente da nova economia. 

Claro, trata-se de exercício de inegável simplificação de realidades complexas. As relações internacionais não se situam no campo das ciências naturais, domínio em que podemos realizar experimentos controlados. Trato aqui de trazer para primeiro plano esses dois caminhos possíveis, deixando em plano secundário diversos outros cenários e variáveis que deliberadamente permanecerão na sombra, para que possamos examinar, explorar e, quem sabe, induzir hipótese específica de inserção do Brasil na ordem internacional que se consolida. 

A opção convencional 

O primeiro cenário conta com o peso da história e a força do determinismo geográfico. Nele, buscaríamos uma aliança com os EUA, em contexto marcado pelo regionalismo crescente e/ou pelo acirramento do confronto sino-americano. Nesse cenário cada vez mais enrijecido pela polarização, os contendores principais admitiriam, tal como na Guerra Fria, que potências médias e secundárias se alinhassem exclusivamente a uma ou outra superpotência. Em tal cenário, caso radicalizado, seríamos instados a participar de bloco regional de natureza política e econômica e a aderir a regimes regulatórios que, de um lado, serviriam para integrar as duas economias (e outras da região) e, de outro, dificultariam e discriminariam, de forma mais ou menos velada, direta ou indireta, o relacionamento econômico/tecnológico/comercial com o polo oposto de poder principal. 

Se adotássemos esse caminho, aceitaríamos tacitamente (decerto de forma mais pragmática e inteligente do que se faz na presente administração) o ressurgimento das duas faces da Doutrina Monroe — hegemônico/ofensiva e paternalista/defensiva —, implícita no seu bordão definidor, “A América para os americanos”. Em certa medida, esse caminho poderia configurar uma resposta das Américas à recente iniciativa do Regional Comprehensive Economic Partnership — a RCEP, que reúne 15 países da Ásia. Num eventual cenário em que a presença americana no regionalismo do Pacífico se enfraqueça, dada a retirada dos EUA da Parceria Transpacífica (TPP), a integração interamericana pode ganhar relevância. 

Vale aqui sublinhar que uma tal opção pró-EUA não guardaria qualquer semelhança com a política próTrump hoje em vigor e agora transformada em cadáver insepulto. Se quisermos manter uma relação forte e produtiva com os EUA, teremos imperativamente, de construir elevado diálogo com a China. A necessidade de competir com os chineses será a única maneira de fazer com que os EUA estendam concessões reais ao Brasil. Se queimamos nossas pontes com a China, como quer o chamado “bolsotrumpismo”, Washington nos tomaria por certos, “for granted”, sem atribuir valor ao nosso peso específico. 

Pesaria em favor dessa escolha (até onde tivermos a capacidade e a possibilidade de escolher nossos caminhos): (i) visões de mundo nos dois países que, apesar de diferentes, são derivadas de uma mesma matriz ocidental judaico-cristã grego-romana, (ii) proximidade geográfica relativa, (iii) parentesco dos idiomas que falamos, ambos de origem indo-europeia e baseados na escrita em alfabeto romano, (iv) volume de comércio substancial, (v) histórico significativo de trocas no plano das sociedades, (vi) “establishment” estadunidense no campo estratégico-militar-tecnológico que enxerga no Brasil, embora de forma não unânime, algum valor geoestratégico no ordenamento mundial, mesmo que secundário, (vii) o valor dos EUA como polo de inovação tecnológico e de produção de conhecimento.

 Em contrário a essas vantagens presumidas, contrapõem-se (a) a baixa taxa de poupança interna que historicamente prevalece nos EUA, o que em tese impossibilita o fluxo de investimento na escala que necessitamos, (b) pauta exportadora frontalmente concorrente, (c) remotas possibilidades de abertura comercial nos EUA que pudesse nos beneficiar, (d) a baixa prioridade tradicionalmente atribuída ao Brasil como parceiro estratégico ou, talvez em outros termos, o papel calibradamente limitado que os americanos conferem ao Brasil (6). 

Outro caminho 

A alternativa seria a construção de parceria estratégica com a China, em patamar de relacionamento diferenciado e sem precedentes. Em desfavor desse cenário, incidiriam fatores críticos como (A) o desconhecimento recíproco que prevalece nas duas sociedades, agravado pela distância históricocultural, linguística, geográfica e político-jurídico-normativa que nos separa; (B) a ausência no Brasil de massa crítica sobre a China no mundo empresarial, acadêmico e na sociedade em geral; (C) a inexistência nos quadros diplomáticos do Itamaraty de um corpo estável e especializado em Ásia em geral e em China em particular, com formação específica em língua, cultura e economia política. A propósito, como indicador desse panorama, basta lembrar que a cada ano cerca de 20 mil estudantes brasileiros ingressam em instituições de ensino dos EUA, enquanto que o fluxo anual estudantil brasileiro na China não passa de dois dígitos (7). 

Entre os fatores favoráveis a parceria com a China vale citar (1) a capacidade política chinesa de mobilização de agentes econômicos na direção de políticas estratégicas (dentro e fora do país), (2) o poder governamental chinês de direcionar investimento externo em setores de infraestrutura, (3) a consolidação da China como polo de inovação e de provimento de soluções tecnológicas de interesse estratégico para o Brasil, (4) taxas elevadas de poupança, (5) a grande e crescente demanda chinesa por produtos de nossa pauta exportadora, notadamente produtos agropecuários, (6) o interesse da China no setor energético brasileiro, (7) a condição de país que mais investe em sustentabilidade, energias renováveis, que incluiu em sua constituição o desafio de se tornar “uma civilização ecológica”. 

Uma nova diplomacia triangular? 

A partir das variáveis acima listadas, e entre tantas outras que o leitor certamente poderá acrescentar, podemos especular livremente sobre qual cenário melhor nos atende. No entanto, de nada nos valerá esse esforço especulativo se não nos lembrarmos que parcela decisiva dessa escolha não se encontra nas nossas mãos. Voltando para o argumento do início do texto, nossa escolha precisa ser construída. Parte considerável das vantagens que podemos auferir em um ou outro cenário deriva do valor que cada um dos potenciais parceiros atribui ao Brasil. E o valor com o qual desejamos ser vistos depende também da capacidade interna de articular nossas vantagens materiais como elementos de negociação com cada um dos interlocutores.

 Não nos adianta deter grande mercado consumidor e riquezas dispersas nos diversos setores da economia se essas vantagens não constituírem uma pauta de negociação articulada pelas forças da sociedade, de mercado e do governo. E tal habilidade não é algo dado; trata-se de ação que depende de uma construção, de uma vontade coletiva que precisa ser ordenada. Nesse sentido, vale lembrar, a negociação diplomática não se limita a negociações no front externo; ela implica, necessariamente, a arregimentação e coordenação de forças internas. A chancelaria brasileira precisa, portanto, se esse for o nosso desígnio, fortalecer competência nesse domínio. 

Na década de 1970, no contexto da confrontação Leste-Oeste, EUA-URSS, Washington vislumbrou o valor estratégico que a China poderia desempenhar no equilíbrio de poder daquela velha ordem bipolar. Iniciava-se ali, sob as lideranças de Mao Tsé-tung (1893-1976) e Richard Nixon (1913-1994), a chamada diplomacia triangular. Pequim distanciava-se de Moscou e alterava assim a geometria de poder da era bipolar, abrindo as portas para cooperação com os Estados Unidos que trouxe consequências profundas para o desenvolvimento econômico da China. 

Tal recuo no tempo nos é útil como referência histórica, dado que a aliança sino-americana, no contexto da antiga rivalidade bipolar EUA x URSS, desencadeia a profunda, complexa e sofisticada interdependência econômico-financeira e comercial bilateral hoje em vigor. Nessa janela de oportunidade, derivada das tensões da Guerra Fria, a China encontra as portas para o seu ingresso na Terceira Revolução Industrial e abre o caminho da prosperidade econômica que conhecemos. 

Tomando esse evento histórico e decisivo, no qual um país continental como a China — que se encontrava em situação de ruína, fome e depauperamento — resgata, em poucas décadas, o seu lugar no Olimpo das grandes potências, cabe nos perguntarmos se, ante o acirramento da confrontação sinoamericana, teríamos também, no jogo de nova diplomacia triangular, condições de possibilidade para construir parceria internacional que alavanque nosso processo de desenvolvimento, acelerando a transição do Brasil para o ambiente da Indústria 4.0. 

Como sabemos, a fórmula do extraordinário caminho da China envolveu cinco ingredientes principais. Relaciono-os abaixo como marco de referência para a construção de possível “entente” com o mesmo nível de alcance e profundidade.

 Primeiro: um conjunto de decisões estratégicas de alto nível. No caso da reaproximação EUA-China, as iniciativas foram corroboradas pelos encontros secretos entre Henry Kissinger e Zhou Enlai (1898-1976), seguidos pelas conversações Nixon-Mao no início dos anos 1970 e a adoção, na sequência, da política de portas abertas por Deng Xiaoping (1904-1997) em 1978 (8). 

À luz dessas decisões de alto nível, o segundo ingrediente da trajetória chinesa é representado pela capacidade notável da China de assegurar ambiente propício para a realização de investimentos maciços e de atividades de transferência tecnológica dos EUA, demais países do Ocidente e do Japão (9). 

Terceiro: a existência na China de fatores competitivos que eram interessantes para os EUA — enorme força de trabalho e imenso mercado consumidor. 

Em mesmo nível de importância dos anteriores, o quarto ingrediente é dado pelo incentivo sistêmico aos EUA para a reaproximação com a China, que apontava para um reequilíbrio de forças em favor de Washington no contexto da rivalidade da Guerra Fria. Dado o seu peso específico, a China passava a ser vista pelos EUA como “the Chinese card”, ator capaz de alterar fundamentalmente a geometria do poder mundial. 

E, finalmente, constitui o quinto ingrediente a consciência, junto à elite dirigente da RPC, de que a aproximação aos EUA não deveria implicar qualquer forma de exclusivismo ou de subordinação política, consciência essa que conferiu à China ampla liberdade de ação junto a diversos outros países. 

Em termos muito simplificados, esses foram os elementos do salto da China para a Terceira Revolução Industrial, processo que veio como enorme benefício mútuo para a China e os EUA — e também para o sistema internacional. 

Conclusão 

Seria plausível imaginar que o Brasil poderia tornar-se vértice de uma nova diplomacia triangular no contexto da confrontação sino-americana em curso? Poderíamos ser alçados à condição de “carta brasileira”, como ator fundamental no tabuleiro da confrontação China-EUA? Hipótese central deste texto, esta será talvez a nossa única chance de construirmos uma “grand strategy” na cena internacional que nos apoie estruturalmente no plano doméstico, em escala de transformação semelhante à que a China experimentou nas últimas quatro décadas. Mas a construção de parceria dessa envergadura envolvendo o Brasil — que fosse capaz a um só tempo de nos ajustar de forma altiva à geometria de poder mundial e alavancar a transição tecnológica de país com nossa dimensão territorial e populacional — encontra dois obstáculos. 

Em primeiro lugar, tomando de empréstimo uma clássica expressão “schopenhaueriana”, não há no Brasil, uma “vontade e representação” coletiva de um mundo que desejamos alcançar. Falta-nos, por razões que não cabem neste texto, uma visão e um desígnio, um destino manifesto. Carecemos não só de uma política externa, mas também de condições internas — no Estado e na sociedade — que constituiriam o substrato para sua implementação no âmbito internacional. Ambas precisam ainda ser construídas. Os componentes materiais para a construção estão presentes: somos uma superpotência agrícola, superpotência ambiental, superpotência energética e um mercado consumidor de 220 milhões de pessoas, 87% das quais habitantes de espaços urbanos, campos abertos para a experimentação e a construção da ubiquidade digital da nova economia. Falta-nos, talvez, “simplesmente”, a determinação coletiva, política, uma visão estratégica de fazer desse patrimônio um ativo interno que nos articule com força na ordem internacional. 

Em segundo lugar, neste cenário bipolar, nem os EUA nem a China, até o momento, enxergam qualquer valor estratégico que o Brasil possa apresentar como parceiro sério e confiável, com potencial de alavancagem de interesses geopolíticos e geoeconômicos. Certamente por nossa própria culpa, pela falta de compromisso coletivo transformador, pela mesquinhez e pela ausência de massa crítica e iluminada em nossa elite, pelo baixo nível educacional da população em geral, fomos incapazes de articular ativos que, na ausência de uma vontade coletiva, atendem exclusivamente interesses particularistas situados à margem da sociedade e dos governos. 

Caminhando para o fim, volto a sublinhar que esses dois cenários são aqui tomados como principais, tanto por uma questão metodológica quanto pela inconfessável angústia do autor, que de alguma forma busca enxergar na complexa dinâmica internacional alguma clareza que nos abrisse a oportunidade, em horizonte temporal mais próximo, de enfrentar, com o apoio da diplomacia, as tantas mazelas sociais que nos cercam e o nosso subdesempenho econômico. Evidentemente, as tais hipóteses não são excludentes de outros arranjos que a dinâmica internacional venha nos propiciar em prazos eventualmente mais longos. 

A cautela sempre dirá que, mesmo diante de reflexões que nos apontem para cenários mais circunscritos, a ação diplomática deve sempre se pautar por política externa de arquitetura aberta, pragmática e ecumênica, tendo como fundamento os interesses nacionais permanentes. Por exemplo, a Índia já é hoje a terceira maior economia do mundo pelo critério de paridade de compra e certamente poderia ser objeto de parceria estratégica para o Brasil, conforme indicado anteriormente, em função da promessa que representa no plano do desenvolvimento econômico e tecnológico, além de seu imenso e crescente mercado consumidor. O Japão, país com que manteve relação migratória importante e que no passado foi relevante financiador de projetos de infraestrutura brasileiro, poderia resgatar com vigor o seu interesse pelo país. Da mesma forma, não podemos esquecer Euclides da Cunha (1866-1909), para quem a geografia pré-configura a história. Nesse quadro, não poderemos abrir mão das nossas possibilidades de articulação de arranjo político na América do Sul e na África Ocidental, regiões que perfazem uma população de mais de 1 bilhão de pessoas. 

Mas ao mesmo tempo não podemos descurar da hipótese de que, em função do nosso peso específico e das atratividades nos domínios acima citados (agropecuária, bioeconomia, energético e infraestrutura urbana), possamos construir uma alta estratégia, com dinâmica favorável aos nossos interesses, a partir de nova diplomacia triangular derivada, desta feita, da rivalidade entre China e EUA. 

O que fazer? Que expectativa realista podemos ter? No plano externo, cabe a nós, sistematicamente, sondar e provocar pelos canais institucionais, em Washington e em Pequim, as condições de possibilidade para a construção da parceria que melhor nos atenda no desafio de encontrar com urgência, a partir de salto tecnológico, o nosso caminho de prosperidade e equidade. Com habilidade, devemos seguir uma coreografia inteligente, navegando entre as duas potências, sem jamais nos aproximarmos ou distanciarmos excessivamente de um e de outro potencial parceiro, ao menos num primeiro momento, até que uma fórmula mais profunda de enlaçamento e intercâmbio reais sejam vislumbrados (10). 

Entre as possibilidades indicadas, minha preferência analítica pessoal transpira nos parágrafos acima. Mas os contornos de parcerias de tal estatura não podem ser derivados apenas de uma vontade analítico-especulativa. Dependem, sobretudo, de trabalho e articulação político-diplomática que, tristemente, estão ausentes em nosso horizonte. Se nenhuma delas for viável agora, que ao menos sejamos capazes de, internamente, construir as condições de contorno para um futuro melhor. Como nos lembra Rubens Ricupero, referência sempre central do pensamento brasileiro, não há exemplo histórico de país que tenha se desenvolvido apenas ou principalmente por meio da política externa. Esta, por mais brilhante que seja, é sempre necessariamente ancilar. O impulso decisivo tem sempre de vir de dentro. 


Philip Yang é fundador do Instituto Urbem e Senior Fellow do Cebri - Centro Brasileiro de Relações Internacionais 

P.S. No contexto pós-Trump, marcado pela exacerbada animosidade entre Biden e Bolsonaro, podemos assistir a uma inflexão dada pelas indicações de aproximação pessoal do atual presidente brasileiro ao presidente Putin. Tal movimento apresenta potencial de provocar importantes implicações na nossa política externa e introduzir complexidade ainda maior. Cabe lembrar que o atual sistema russo não é nem socialista nem capitalista, apresenta visão militarista e forte presença do Estado, tanto ao gosto do dirigente brasileiro. Nesse cenário, a Índia, sob o populismo nacionalista e conservador de Modi, também entraria como saída para minimizar o isolamento do Brasil, que hoje se confronta de maneira veemente tanto com os EUA quanto com a China. Não teríamos mais os Brics, mas sim o RIB, criando uma nova costela nas relações internacionais. 

1. À época, a chancelaria brasileira encontrava-se em período formativo como órgão de Estado. A mudança de orientação da política externa foi concebida e implementada pelo Barão do Rio Branco, com apoio de Joaquim Nabuco (1849-1910) e Rui Barbosa (1849-1923). 

2. Vale resgatar a contribuição de Joaquim Nabuco para a mudança do centro de gravidade da política externa brasileira no texto de Leslie Bethell, intitulado “Nabuco e o Brasil entre Europa, EUA e América Latina” (Novos Estudos - Cebrap nº 88 São Paulo Dec. 2010) 

3. Tal tendência precisa sempre ser examinada à luz das perspectivas de crescimento econômico do país, que não se mostram exatamente alvissareiras, dado o seu elevado grau de dependência ao petróleo. 

4. O sentido de urgência se agrava quando lembramos que a janela do nosso bônus demográfico se fecha. Não há registro na história de casos de desenvolvimento econômico após o término dessa transição. 

5. Claro que eventual flexibilização do teto de gastos para aumento de investimento e a utilização de ferramentas de política monetária como os mecanismos de “quantitative easing” poderiam reduzir dependência a investimentos externos, mas dada a escala da demanda infraestrutural brasileira parece certo afirmar que a entrada de investimentos estrangeiros será sempre fator importante para a retomada do crescimento. 

6. A esse respeito vale a leitura do livro “The Americanization of Brazil: A Study of U.S. Cold War Diplomacy in the Third World, 1945-1954”, de Gerald K. Haines. 

7. Temos fundações privadas dedicadas ao envio de estudantes brasileiros a instituições de ensino nos EUA e à Europa, mas nenhuma homóloga voltada para universidades da China ou Cingapura, por exemplo. 

8. O arco da aproximação sino-americana se inicia com a chamada Diplomacia do Ping Pong, em abril de 1971 e culmina com o reconhecimento formal da RPC pelos EUA em 1979. 

9. O livro “Unlikely Partners – Chinese Reformers, Western Economists, and the Making of Global China”, de Julian Gewirtz, retrata a construção do pensamento econômico chinês e a formação doutrinária do “socialismo de mercado”. 

10. Os mecanismos da diplomacia pendular não são desconhecidos da tradição diplomática brasileira. Durante o período Vargas, o Brasil foi cortejado pelos aliados e pela potências do Eixo e soube extrair dessa concorrência o financiamento para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional. 

Esse artigo foi publicado originalmente em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/12/04/philipyang-por-uma-nova-politica-externa.ghtml

sábado, 28 de novembro de 2020

Vocação de pária: editorial da FSP, sobre o conflito bananinha embaixada da China

 O QUE A FOLHA PENSA

Texto não assinado que expressa a opinião da Folha


  ITAMARATY


Vocação de pária

Não contente em atacar China, Bolsonaro deixa filho gerar crise fazendo o mesmo

Homem de terno e gravata olhando para o lado

Descrição gerada automaticamente

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - Mandel Ngan - 30.ago.19/AFP


FSP, 26.nov.2020 às 23h15

 

Qualquer pessoa pode ser perdoada se, por ignorância, desconhecer que China e Estados Unidos são as maiores economias do mundo. Um homem público desprezar que ambos são os maiores parceiros comerciais do Brasil, isso já é de uma nescidade indesculpável.

Esse tem sido o saldo da diplomacia brasileira sob Jair Bolsonaro, com Ernesto Araújo no Itamaraty e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na camarilha familiar. O trio arruína a imagem do país, coadjuvado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O filho 03 protagonizou a crise mais recente com a China. Seu pai já criara atrito desnecessário ao pôr em dúvida a segurança da vacina Coronavac, e o parlamentar completou o golpe em área ainda mais estratégica ao reiterar suspeita de espionagem embutida na tecnologia chinesa de telefonia 5G.

Eduardo macaqueia, com isso, os ataques do republicano Donald Trump contra a concorrência asiática, sob o pretexto de risco para a segurança nacional. Claro está que não se deve menosprezar tal possibilidade, até porque a Presidência do Brasil já foi vítima de bisbilhotagem eletrônica, só que praticada desde Washington.

Se é que algum dia fez sentido o alinhamento automático com um destrambelhado como Trump (nunca fez), após sua derrota na eleição a conduta se torna irresponsável. Bolsonaro se isola ainda mais como pária internacional ao permanecer como um dos últimos a não reconhecer a vitória do democrata Joe Biden.

O fanatismo ideológico da família nada tem de inofensivo. Além de ser filho do presidente, Eduardo é parlamentar e, mais, preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Deveria refletir antes de publicar qualquer bobagem em redes sociais.

A tripla condição de destaque aparece registrada na violenta nota de reação da embaixada chinesa. O texto publicado ignora o habitual comedimento diplomático ao aludir a possíveis “consequências negativas”, caso a retórica bolsonarista não seja contida.

O Brasil destina para a China seu maior volume de exportações (estimados US$ 60 bilhões neste ano) e tem com ela seu maior superávit comercial (US$ 32,5 bilhões até outubro). Pequim pode bem retaliar os arroubos brasileiros, por exemplo com barreiras não tarifárias, ou talvez perfilar-se com Joe Biden e a União Europeia para isolar o Brasil no front ambiental.

Salles e Araújo, pelo menos, podem ser contidos por Jair Bolsonaro, caso o presidente um dia desperte para o dano que infligem. Bem mais difícil de imaginar é que consiga refrear a incontinência do herdeiro, já que não se cansa de dar-lhe o mau exemplo.

editoriais@grupofolha.com.br

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Embaixador Roberto Abdenur: "O Brasil mete os pés pelas mãos nas relações com a China" - Mariana Schreiber (BBC); Lisandra Paraguassu (UOL)

 'Brasil está metendo os pés pelas mãos' com a China, diz ex-embaixador em Pequim após nova polêmica de Eduardo Bolsonaro

BBC News Brasil | Mariana Schreiber | 26/11/2020, 5h38

A mais nova crise provocada por uma nova fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (Republicanos-SP) atacando a China pode trazer "graves danos" ao Brasil caso a potência asiática adote barreiras comerciais contra produtos brasileiros e busque outros fornecedores de commodities, disse à BBC News Brasil o diplomata aposentado Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim (1989 a 1993) e nos Estados Unidos (2004 a 2006).

Embora muitos no Brasil considerem a China dependente das importações brasileiras de itens como soja, carne, minério de ferro, açúcar e celulose, Abdenur alerta que o governo de Xi Jinping tem buscado novos fornecedores e já adotou este ano retaliações econômicas contra outro importante parceiro comercial, a Austrália, reagindo a críticas de autoridades australianas que pediram uma investigação internacional sobre a origem do coronavírus.

Em reação, Pequim elevou barreiras parciais sobre a carne australiana, taxou em 80% a importação de cevada do país e desencorajou chineses a estudarem ou fazerem turismo na Austrália, devido a "numerosos casos de discriminação contra asiáticos".

Segundo dados do Banco Mundial, a Austrália é o sexto maior exportador para China, à frente do Brasil, que aparece em sétimo.

"O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente. Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China", afirmou Abdenur.

"É ilusão acharmos que a China vai continuar dependendo eternamente das nossas importações. Há outros países no mundo. A China está financiando projetos agrícolas importantes na África, em regiões que têm um clima e solo parecidos com o Brasil, está em entendimentos também para aumentar a produção de soja na Rússia e na Ucrânia", exemplificou.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55081541?at_campaign=64&at_custom1=%5Bpost+type%5D&at_custom4=EB6E31D6-2FE0-11EB-AFC7-CBBB923C408C&at_medium=custom7&at_custom2=twitter&at_custom3=BBC+Brasil

  

Limitar atuação da China no 5G pode dificultar parcerias e investimentos, alertam empresários

UOL | Lisandra Paraguassu | 26/11/2020, 12h03

Uma limitação à atuação da Huawei nas redes de 5G no Brasil poderia diminuir a atração de investimentos no país e dificultar parcerias com a China em diversas áreas, avalia o Conselho Empresarial Brasil-China, organismo que reúne empresários e diplomatas com interesses no país asiático.

O documento "Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China", preparado pela diplomata Tatiana Rosito e divulgado hoje pelo CEBC, apontada que não apenas a China caminha para se tornar uma potência digital como esta é uma das principais metas do país para os próximos anos.

"A China está a caminho de tornar-se uma potência tecnológica e digital e deve ser do interesse brasileiro potencializar as oportunidades para que o Brasil possa se beneficiar das transformações chinesas nas mais diversas áreas, como economia digital (5G, computação em nuvem, internet das coisas), inteligência artificial, e-commerce", diz o estudo.

A limitação de investimento estrangeiro com base em questões de segurança nacional, alerta o CECB, pode ser feito com limitações em áreas sensíveis sem discriminar nacionalidades. De acordo com a autora do estudo, a legislação brasileira é aberta a investimentos estrangeiros e não prevê mecanismos de 'screening', como acontece nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, para limitar esses investimentos a alguns parceiros. Bastaria uma atuação ativa das agências reguladoras para garantir o cuidado em relação a questões de segurança nacional, sem necessidade de discriminar determinados países.

"Tudo leva a crer que limites à atuação chinesa em certos setores não somente extrapolariam posições brasileiras tradicionais de não discriminação e tratamento nacional, mas também criariam insegurança jurídica e poderiam reduzir a atratividade dos investimentos no Brasil num momento em que o País precisará contar com a poupança externa para ultrapassar seus gargalos, sobretudo em infraestrutura", diz o documento.

A avaliação do CEBC é que possíveis parcerias com a China em diversas áreas podem ser dificultadas no caso de se estabelecer restrições à participação do país no 5G. "Para a China, o mais importante é evitar atitudes discriminatórias", avalia o documento.

O governo brasileiro ainda não definiu os parâmetros para o leilão da infraestrutura de 5G no país, previsto para ocorrer até o final do primeiro semestre de 2021. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro, em mais de uma ocasião, disse que a decisão de vetar ou não a Huawei seria sua e, acompanhando a posição do presidente americano Donald Trump, analisava a possibilidade de vetar a participação da empresa chinesa no Brasil.

No entanto, a pressão das empresas brasileiras de telecomunicações tem sido forte. A Huawei já atua no Brasil há vários anos como fornecedora de equipamentos e, até o momento, oferece o melhor preço para as redes 5G.

Nos últimos meses, o governo norte-americano aumentou a pressão sobre o Brasil para tentar barrar a entrada de chineses no mercado 5G brasileiro, com diversas visitas de secretários e assessores do governo Trump, oferta de financiamento para as empresas brasileiras e ameaças de retaliação.

Apesar da derrota de Trump nas eleições, o atual governo tenta passar a ideia de que a posição norte-americana não irá mudar com o democrata Joe Biden. Há duas semanas, em visita ao Brasil, o subsecretário de Estado dos EUA para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente, Keith Krach. insistiu, em conversas com jornalistas e autoridades brasileiras, que há um consenso entre Democratas e Republicanos na posição sobre a China.

O que pode mudar é a posição de Jair Bolsonaro em relação aos Estados Unidos. Fã de Trump, de quem se diz amigo, Bolsonaro tendia a seguir o presidente norte-americano. Já a relação com os EUA em uma presidência de Joe Biden pode mudar. Bolsonaro até agora não cumprimentou o Democrata pela eleição e, durante a eleição - mesmo depois da apuração já indicar uma derrota de Trump -, a preferência pelo Republicano.

Durante a visita de Krach o governo brasileiro anunciou o apoio à iniciativa norte-americana Rede Limpa, que tenta estabelecer critérios para as redes mundiais mirando especificamente a exclusão da China. No entanto, apesar dos norte-americanos comemorarem a adesão, o Itamaraty declarou apenas "apoio aos princípios" da iniciativa, sem uma adesão formal.

Ao mesmo tempo, os atritos com o governo chinês são uma constante no governo Bolsonaro. A mais recente, uma publicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em que comemorava a suposta adesão brasileira ao Rede Limpa e em que falava de evitar a "espionagem da China".

Eduardo apagou a publicação em seguida, mas foi o suficiente para resposta dura do governo chinês. Em nota, a embaixada em Brasília chamou as declarações de infames e afirmou que a manutenção da "retórica da extrema-direita americana" poderia trazer "consequências negativas" para a relação entre Brasil e China.

https://www.terra.com.br/economia/limitar-atuacao-da-china-no-5g-pode-dificultar-parcerias-e-investimentos-alertam-empresarios,ac88d2d9bb0c12568b5c149aa8bc8813wtv2beb6.html

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A diplomacia da estupidez se esmera em afundar o Brasil, moralmente e materialmente - embaixador Ricupero (Jovem Pan)

 Nota da embaixada chinesa é ‘gota que transbordou o copo’, diz ex-ministro da Fazenda

Para o diplomata Rubens Ricupero, posicionamento do país asiático deve ser entendido como uma grande divergência diplomática

Jovem Pan | 25/11/2020, 9h10

O posicionamento da embaixada chinesa após as acusações de espionagem feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, ao país, deve ser entendida como uma grande – e surpreendente – divergência. A avaliação é do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. O jurista destaca que não há, em sua longa experiência, episódios diplomáticos semelhantes ao acontecido e avalia as graves consequências que uma possível ruptura com o país asiático traria para a economia brasileira. “Deveria tomar muito a séria a advertência que cedo ou tarde a China vai reagir com alguma coisa forte. Se reagir com uma medida forte, o Brasil vai ficar muito mal, porque o que salva o balanço de pagamentos e o nosso comércio externo é a China. Exportamos 35% de tudo que vendemos para a China. A cada dólar que exportamos para os Estados Unidos, exportamos 3,4 dólares para os chineses. Então o governo está brincando com fogo”, avalia.

Rubens Ricupero afirma que não se trata de uma subserviência ao governo chinês, mas sim a manutenção de uma “relação normal de respeito mútuo”, como o Brasil adota com outros países. “Não me lembro que tivesse visto coisa semelhante, ela [nota da embaixada] é muito forte. Inclusive tem passagens até ameaçadoras. Acho que isso ocorreu como uma espécie de gota que transbordou o copo, porque o governo brasileiro, nos últimos meses, tem se esmerado em provocar a China. O governo Brasil faz questão, uma espécie de esporte, de hostilizar a China”, afirma. O diplomata aponta que as declarações feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro não, até mesmo, coisas “tolas”, mas analisa que, em contrapartida, os posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro são graves. “Os insultos do Eduardo Bolsonaro são gratuitos, são até coisas tolas, mas o que o presidente faz, mas coisas que ele diz ou as ações que ele toma sobre a vacina [Coronavac], por exemplo, as declarações sobre a China e sobre o 5G vão acumulando um número grande de recriminações e queixas. E os chineses, que já foram muito humilhados pelos europeus, não muito suscetíveis e tem uma sensibilidade à flor da pele”, afirma, destacando que estes posicionamentos do governo frente ao país asiático são “consequências da estupidez”. “Não há outra palavra para explicar isso”, afirma.

A nota emitida pela embaixada da China nesta terça-feira, 23, foi publicada após Eduardo Bolsonaro, pelo Twitter, acusar Pequim de praticar espionagem. Na publicação na rede social, já apagada, o filho de Bolsonaro deu a entender que o Brasil seguiria o posicionamento de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, de tentar proibir o avanço de empresas chinesas no mercado global do 5G. “O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Newtork (Rede Limpa), lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”, afirmou, citando que o presidente brasileiro buscava “proteger seus participantes de invasões e violações às informações particulares de cidadãos e empresas. Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China”. No documento de 17 páginas, a embaixada afirma que a posição do deputado está na “contracorrente da opinião pública brasileira”, desrespeitando “os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia” e interferindo “na atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil”. “Acreditamos que a sociedade brasileira, em geral, não endossa nem aceita esse tipo de postura. Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil”.

https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/nota-da-embaixada-chinesa-e-gota-que-transbordou-o-copo-diz-ex-ministro-da-fazenda.html

 

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Huawei espera 'racionalidade' do Brasil e decisão sobre 5G baseada em fatos - Anne Warth (Estadão, 25/11/2020)

 Huawei espera 'racionalidade' do Brasil e decisão sobre 5G baseada em fatos, diz diretor da empresa

O brasileiro Marcelo Motta, responsável global pela cibersegurança da chinesa, diz que a companhia está à disposição do País para esclarecer "rumores" sobre sua atuação

Estadão | Anne Warth | 25/11/2020


BRASÍLIA - Principal alvo da pressão norte-americana no 5G e acusada de ser um braço de espionagem do governo chinês, a Huawei diz esperar “racionalidade” do governo na decisão que norteará o futuro da tecnologia no País. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o diretor global de cibersegurança da Huawei, Marcelo Motta, afirma que a empresa está à disposição para esclarecer quaisquer “rumores” a respeito de sua atuação e frisa não haver “prova alguma” que desabone a companhia. “O que posso dizer é que contamos com a confiança de nossos clientes em 170 países”, disse.

Nove dias após o subsecretário para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente do Departamento de Estado dos EUA, Keith Krach, pregar o banimento da Huawei no Brasil, a direção mundial da empresa reagiu. Na terça-feira, 24, a Embaixada da China em Brasília reagiu à acusação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que praticaria espionagem por meio de sua rede de tecnologia 5G.

Pequim acionou o Itamaraty para reclamar de uma publicação de Eduardo nas redes sociais, posteriormente apagada por ele. Na mensagem, Eduardo Bolsonaro fez menção à adesão simbólica do Brasil à Clean Network (Rede Limpa), iniciativa diplomática do governo Donald Trump para tentar frear o avanço de empresas chinesas no mercado global de 5G. O filho 03 de Bolsonaro, como é chamado pelo pai, celebrou o fato como um sinal de que o Brasil “se afasta da tecnologia da China”. 

Na sexta-feira, 20, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu, por meio de videoconferência, com o vice-presidente global de Public Affairs e Relações Governamentais da Huawei, Mark Xueman, com o vice-presidente de Public Affairs e Relações Governamentais na Huawei Brasil, Guo Yi, e com o diretor-sênior de Relações Governamentais na Huawei Brasil, Atilio Rulli. Não foram recebidos, no entanto, pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Ministério das Comunicações e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

Brasileiro, Motta está na Huawei desde 2002 e vive na China há oito anos, quando assumiu a chefia global da área de cibersegurança da empresa. Ele relata que as acusações sobre a empresa não são novas, mas subiram de tom quando a Huawei começou a se expandir. Mundialmente, a empresa faturou US$ 123 bilhões em 2019, aumento de 19% sobre 2018. Até o terceiro trimestre de 2020, ela registrava receitas de US$ 100 bilhões, alta de 9,9% na comparação com o mesmo período do ano anterior.

No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estima que a Huawei esteja presente em algo entre 35% a 40% das redes atuais. As operadoras dizem que a fatia é ainda maior, variando de 45% a até 100%, dependendo da empresa. Banir a empresa é uma decisão que depende de decreto presidencial - até agora, não há um posicionamento claro sobre o tema. Confira os principais trechos da entrevista.

Qual a expectativa da Huawei em relação à decisão do governo brasileiro no 5G?

Esperamos que a racionalidade impere e que qualquer decisão não seja tomada com base em rumores. Fazemos todo o esforço para mostrar nossa transparência e expressar isso para além das operadoras, mas também para o governo. Estamos ativamente em contato com governo e Congresso. Colocamos nossos equipamentos à disposição para testes com seu próprio time de técnicos, para que o governo se blinde de comentários externos e tome suas decisões de forma soberana. É nesse sentido que temos atuado e estamos confiantes de que a racionalidade vai prevalecer. Nossa exclusão faria com que muitos processos envolvendo o 5G atrasassem no País. Seria uma pena de isso de fato ocorresse.

O que a Huawei tem feito para rebater as acusações de espionagem por parte de outros países?

Segurança cibernética e proteção de dados são prioridades máximas para a empresa e isso é de longa data. Sabemos que estaremos acabados se tivermos qualquer problema nessa área. Por isso, aprimoramos o processo de governança em segurança cibernética. Laboratórios independentes testam cada solução antes que ela seja lançada no mercado. Somos a única empresa a ter centros globais de segurança cibernética, em Dongguan (China) e Bruxelas (Bélgica). Nesses centros, clientes, operadoras e governos podem ter acesso ao código-fonte de nossas soluções e fazer auditorias usando seu próprio pessoal e ferramentas, para que tirem suas próprias conclusões, sem a influência de acusações infundadas e sem provas. Se houver fatos, clamamos que sejam mostrados. Até hoje, nada apareceu.

Como a Huawei vê a pressão dos EUA pela adesão do Brasil à Clean Network e pelo banimento da companhia?

A iniciativa Clean Network não cobre única e exclusivamente telecom, mas aplicativos, smartphones e cabos intercontinentais submarinos. O nome “Rede Limpa” é bonito, e quem não conhece pode até cair e se deixar seduzir, mas a definição está na página da Clean Network na internet. O objetivo é muito claro: tirar qualquer fornecedor chinês do espaço cibernético. É uma coisa muito séria, que exclui, de forma unilateral e sem qualquer critério técnico e racional, e transforma tudo num assunto única e exclusivamente geopolítico. Operadoras citadas como membros da iniciativa no site já manifestaram discordâncias com esse conceito de rede limpa que os EUA anunciaram. É algo completamente discriminatório, feito com o objetivo de dominar o espaço cibernético. O problema não é específico contra a Huawei. Estamos sendo usados para uma disputa entre duas grandes superpotências mundiais.

O que está por trás da intenção dos EUA?

O futuro da economia é digital. Temos uma liderança reconhecida no mercado dentro do 5G. Atendemos grandes e pequenas operadoras com banda larga fixa e móvel e temos uma participação relevante no mercado de redes e de infraestrutura. Mas a maioria das empresas Over The Top (OTTs) - plataformas e aplicativos de distribuição de conteúdo - são americanas. O TikTok talvez seja o único aplicativo chinês de sucesso mundial. Nessa camada, os EUA são líderes isolados, e é difícil competir com empresas como Google e YouTube, que possuem grande escala e alcance global. A margem de lucro dessas empresas é gigantesca, de 25% sobre a receita. Mas quantos empregos elas geram localmente? O que recolhem em impostos nos países em que atuam? Nenhuma operadora ou fabricante de redes consegue esse resultado. A margem é muito pequena, de 2% a 3%. A Huawei passou anos com resultados negativos e nossa margem nunca superou 8%.

Quais riscos a adesão à Clean Network traz para o desenvolvimento da internet?

Essa iniciativa Clean Network sai do escopo de rede e avança para apps e smartphones, o que é muito ruim para o desenvolvimento da internet. Talvez isso não esteja claro para o governo. A própria Internet Society já se pronunciou contra essa iniciativa, que vai contra o princípio de conectar pessoas. Outra camada em que os EUA são líderes é na computação em nuvem: 92% dos dados do mundo ocidental estão em nuvens de empresas americanas como a Amazon Webcharge (AWS), a Microsoft Azure e o Google Cloud. Os dados acabam ficando nessas nuvens e é sobre elas que são construídos os aplicativos. Existe muita competição na camada de redes de telecomunicações, na camada de smartphones, mas nas camadas de nuvens e aplicações há pouquíssimos competidores de porte dos grandes players norte-americanos.

Quais benefícios o 5G pode trazer para a economia mundial?

Quando o 5G estiver instalado e desenvolvido, os benefícios irão muito além de velocidade alta e tempo de resposta baixo. Em vez de um único fornecedor global de aplicativos, muitos aplicativos serão locais, desenvolvidos primordialmente por empresas locais. No agronegócio e na manufatura inteligente, o processamento de dados de aplicações será local. O 5G trará investimento para as economias com ganhos de eficiência e desenvolvimento. Quando se colocam restrições para o avanço do 5G, simplesmente se trava o desenvolvimento da economia local.

De que maneira um atraso no 5G pode atrapalhar o desenvolvimento do País?

Quando se impõem restrições, a competição é menor e o preço é maior. Haverá lentidão para trazer os sistemas, desenvolver as indústrias locais e, consequentemente, a economia brasileira. Fizemos uma pesquisa com a Deloitte, que estimou que o 5G trará ao Brasil um incremento de R$ 2,93 trilhões no PIB em 15 anos, comparativamente aos R$ 7,25 trilhões do PIB de hoje. Isso representa uma taxa média anual de crescimento do PIB de 2,5%. Imagine o impacto que isso terá.

Países, como Reino Unido, Japão e Austrália, baniram a Huawei de suas redes 5G. O Brasil pode ficar isolado se não o fizer também?

É uma pena que a chegada da tecnologia 5G tenha sido politizada. Vários dos países que baniram a Huawei são aliados de longa data dos EUA e sucumbiram a uma pressão geopolítica. O caso do Reino Unido é emblemático: em janeiro, autorizaram a entrada do 5G da Huawei e em julho mudaram de ideia, apesar de todos os testes realizados. Isso, nas palavras do próprio governo, vai atrasar a chegada do 5G por lá em dois a três anos, e haverá um forte impacto nos custos das operadoras. Por outro lado, as maiores redes 5G estão hoje na Coreia do Sul e na China, com tecnologia Huawei, assim como em todo o Oriente Médio. Na Europa, Suíça, Alemanha e Espanha se posicionaram positivamente em relação à Huawei. Existe uma gama de países que não sucumbiram a esse tipo de pressão. Muitos países podem reavaliar seu posicionamento em razão da mudança no governo dos Estados Unidos, com a vitória do democrata Joe Biden, enquanto outros adiaram sua decisão em razão disso.

Quais os diferenciais da Huawei em relação a seus competidores no 5G?

Para se ter uma ideia, o Brasil tem hoje 100 mil antenas de 2G, 3G e 4G. Na China, há 800 mil antenas apenas para o 5G. A Coreia tem a maior rede 5G em termos de densidade de antenas. Estamos presentes nos países que precisam da melhor solução técnica e de escala. A saída da Huawei do mercado brasileiro comprometeria a expansão das redes para operadoras e consumidores de forma muito ruim. Onde a Huawei foi banida, o preço da infraestrutura de telecomunicações subiu de duas a cinco vezes em áreas rurais. Com esse aumento de custo, os competidores deixam de atender a várias áreas e isso chega a inviabilizar negócios. Um pacote pré-pago nos EUA é oito vezes mais caro que no Brasil e na China.

Como a Huawei encara as insinuações de que cederia a pedidos do governo chinês por informações confidenciais em atendimento à lei de inteligência nacional?

Não existe lei na China que exija que a Huawei implemente backdoors (ou "porta dos fundos", em inglês, é o método usado para ter acesso às informações dos usuários contornando medidas de segurança) em suas soluções. Além disso, as leis chinesas não têm validade extraterritorial: valem apenas no território chinês e se aplicam apenas às empresas que lá estão. Mesmo que existisse uma lei exigindo backdoor, ela valeria apenas na China, diferentemente de outros países que se valem de suas leis para avançar sobre outras nações. A Huawei apenas fornece equipamentos para operadoras, mas não os opera. As redes das operadoras são fechadas e a Huawei não tem acesso a elas, muito menos aos dados. Somos a empresa mais transparente do mundo em segurança cibernética. Somos a única que abre o código-fonte. Nosso segredo industrial está aberto para ser auditado. Qual privilégio os EUA têm para desconfiar da Huawei e para que ninguém desconfie deles ou de quaisquer outras empresas, independentemente da nacionalidade?

A direção mundial da Huawei teve audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada. A empresa está preocupada com um possível banimento?

O Brasil é extremamente importante para nossa empresa. O time vem ao Brasil de forma rotineira. Não houve nada de extraordinário nesse período, são coisas normais. É óbvio que esse assunto do 5G chama nossa atenção. Estamos com abertura completa para fazer qualquer tipo de esclarecimento ao governo. Estamos comprometidos a esclarecer quaisquer pontos e dúvidas que existam. Estamos no País há 22 anos. Temos cinco escritórios no Brasil, um centro de distribuição e um centro de treinamento. São 1,2 mil funcionários diretos, 15 mil indiretos. Pagamos R$ 1,4 bilhão em impostos locais no Brasil no ano passado. Foram R$ 627 milhões em compras locais e R$ 150 milhões em investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Como a Huawei avalia as dúvidas no mercado sobre o grau de transparência em relação a informações financeiras e societárias?

Não somos uma empresa pública, somos uma empresa privada. Não temos ações em Bolsa, mas isso não significa que não sejamos transparentes. Há informações sobre a quantidade de funcionários, quem tem participação na empresa, como o board (conselho de administração) é selecionado. O fundador da Huawei tem menos de 1% das ações, e a maior parte dos papéis está nas mãos dos funcionários. Isso é algo que atrai funcionários, que se sentem também donos da companhia. Nossos resultados anuais são auditados pela KPMG e são divulgados a cada trimestre, embora não sejamos obrigados a fazê-lo. Temos centros de pesquisa e desenvolvimento espalhados no mundo inteiro: nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Índia, Suécia e também no Brasil. Somos hoje uma empresa mais global do que única e exclusivamente chinesa. A Huawei é uma empresa líder em solicitação de patentes. Desde 2016, temos 20% das patentes do 5G, resultados de investimentos de US$ 4 bilhões realizados entre 2009 a 2019.

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,huawei-espera-racionalidade-do-brasil-e-decisao-sobre-5g-baseada-em-fatos-diz-diretor-da-empresa,70003527670


A China e as obsessões anti-China da família presidencial - Ricardo Bergamini - Pedro Henrique Gomes (G1)

 Balança Comercial: Argentina e China saldo positivo para o Brasil de US$ 29.2 bilhões. Estados Unidos negativo de US$ 3,1 bilhões.

Ricardo Bergamini

1 – Até setembro de 2020 o Brasil exportou US$ 156,5 bilhões e importou US$ 114,3 bilhões, gerando um saldo na balança comercial positivo para o Brasil de US$ 42,2 bilhões.

 

2 – Até setembro de 2020 o Brasil exportou para a nossa inimiga China comunista US$ 53,4 bilhões e importou US$ 24,6 bilhões, gerando um saldo na balança comercial positivo para o Brasil de US$ 28,8 bilhões.

 

3 - Até setembro de 2020 o Brasil exportou para a nossa inimiga Argentina comunista US$ 5,9 bilhões e importou US$ 5,5 bilhões, gerando um saldo na balança comercial positivo para o Brasil de US$ 0,4 bilhão.

 

4 - Até setembro de 2020 o Brasil exportou para o nosso “amigo do peito” Estados Unidos US$ 15,2 bilhões e importou US$ 18,3 bilhões, gerando um saldo  na balança comercial negativo para o Brasil de US$ 3,1 bilhões.

 

5- Até setembro de 2020 a China e Argentina, inimigos comunistas do Brasil, deixaram um saldo positivo para o Brasil de US$ 29,2 bilhões, e o “amigo do peito” Estados Unidos um saldo negativo de US 3,1 bilhões.

 

Embaixada da China repudia postagem que Eduardo Bolsonaro publicou e depois apagou

 

Deputado disse que Brasil apoia aliança global para um 5G 'sem espionagem da China'. Segundo nota da embaixada, falas do filho do presidente caluniam país asiático.

 

Por Pedro Henrique Gomes

G1 — Brasília, 24/11/2020

Embaixada da China no Brasil chama de 'infundadas' postagens feitas por Eduardo Bolsonaro

 

A embaixada da China no Brasil afirmou em nota divulgada nesta terça-feira (24) que são “infundadas” e “solapam” a relação entre os dois países mensagens publicadas em uma rede social pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

 

O deputado escreveu na noite desta segunda-feira (23) — e depois apagou nesta terça — mensagem sobre o 5G, a internet móvel de quinta geração. Na mensagem, dizia que o governo brasileiro declarou apoio a uma “aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.

 

Brasil apoia proposta dos Estados Unidos contra a China no 5GA implementação da tecnologia 5G vuma disputa entre China e Estados Unidos. O governo norte-americano acusa as empresas chinesas de espionagem. A China diz que os Estados Unidos utilizam a questão da soberania nacional para prejudicar empresas chinesas.
“O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”, escreveu Eduardo Bolsonaro na noite da segunda-feira (23).
Segundo o deputado, a aliança pretende proteger os países participantes de invasões e violações às informações particulares de cidadãos e empresas.
“Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China”, disse Eduardo Bolsonaro. 

Em nota, a embaixada da China no Brasil afirmou que as declarações de Eduardo Bolsonaro seguem "os ditames dos Estados Unidos de abusar do conceito de segurança nacional para caluniar" o país asiático e cercear as atividades de empresas chinesas.

 

“Isso é totalmente inaceitável para o lado chinês e manifestamos forte insatisfação e veemente repúdio a esse comportamento. A parte chinesa já fez gestão formal ao lado brasileiro pelos canais diplomáticos”, diz o texto da embaixada.

 

De acordo com a nota, EUA buscam uma "hegemonia digital exclusiva" por meio de bloqueio à empresa chinesa Huawei.

 

“Os EUA têm um histórico indecente em matéria de segurança de dados. Certos políticos norte-americanos interferem na construção da rede 5G em outros países e fabricam mentiras sobre uma suposta espionagem cibernética chinesa, além de bloquear a Huawei visando alcançar uma hegemonia digital exclusiva. Comportamentos como esses constituem uma verdadeira ameaça à segurança global de dados”, complementou a embaixada.

 

Nesta terça, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi indagado por jornalistas sobre o assunto. Os repórteres perguntaram se o Brasil entrou na aliança Clean Network a fim de evitar a espionagem chinesa, como havia afirmado o deputado Eduardo Bolsonaro. Faria não quis responder. Disse apenas: “Liga para o Eduardo”.

 

O ministro deu a declaração depois de se reunir com o presidente Jair Bolsonaro, acompanhado do relator na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) do edital do 5G e de conselheiros da agência. O órgão criará o edital para o leilão das ondas onde a rede operará.

 

Na disputa com a China pela 5G, EUA prometem investimentos no Brasil

 

Na nota, os representantes chineses também disseram que as falas do deputado são "infundadas" e "indignas" com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e que os fatos comprovam que a China é "amiga e parceira do Brasil" e que a cooperação entre os dois países "impulsiona o progresso e traz benefícios para os dois povos".

 

A embaixada disse que o governo chinês incentiva empresas chinesas a operar com base em ciência, fatos e leis e se opõe a qualquer tipo de especulação e difamação injustificada contra empresas chinesas.

 

Para a representação diplomática da China, as declarações de Eduardo Bolsonaro não refletem o pensamento da maioria da população brasileira e prejudicam a imagem do Brasil.

 

“Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema-direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil”, diz o texto.