'Brasil está metendo os pés pelas mãos' com a China, diz ex-embaixador em Pequim após nova polêmica de Eduardo Bolsonaro
BBC News Brasil | Mariana Schreiber | 26/11/2020, 5h38
A mais nova crise provocada por uma nova fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (Republicanos-SP) atacando a China pode trazer "graves danos" ao Brasil caso a potência asiática adote barreiras comerciais contra produtos brasileiros e busque outros fornecedores de commodities, disse à BBC News Brasil o diplomata aposentado Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim (1989 a 1993) e nos Estados Unidos (2004 a 2006).
Embora muitos no Brasil considerem a China dependente das importações brasileiras de itens como soja, carne, minério de ferro, açúcar e celulose, Abdenur alerta que o governo de Xi Jinping tem buscado novos fornecedores e já adotou este ano retaliações econômicas contra outro importante parceiro comercial, a Austrália, reagindo a críticas de autoridades australianas que pediram uma investigação internacional sobre a origem do coronavírus.
Em reação, Pequim elevou barreiras parciais sobre a carne australiana, taxou em 80% a importação de cevada do país e desencorajou chineses a estudarem ou fazerem turismo na Austrália, devido a "numerosos casos de discriminação contra asiáticos".
Segundo dados do Banco Mundial, a Austrália é o sexto maior exportador para China, à frente do Brasil, que aparece em sétimo.
"O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente. Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China", afirmou Abdenur.
"É ilusão acharmos que a China vai continuar dependendo eternamente das nossas importações. Há outros países no mundo. A China está financiando projetos agrícolas importantes na África, em regiões que têm um clima e solo parecidos com o Brasil, está em entendimentos também para aumentar a produção de soja na Rússia e na Ucrânia", exemplificou.
Limitar atuação da China no 5G pode dificultar parcerias e investimentos, alertam empresários
UOL | Lisandra Paraguassu | 26/11/2020, 12h03
Uma limitação à atuação da Huawei nas redes de 5G no Brasil poderia diminuir a atração de investimentos no país e dificultar parcerias com a China em diversas áreas, avalia o Conselho Empresarial Brasil-China, organismo que reúne empresários e diplomatas com interesses no país asiático.
O documento "Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China", preparado pela diplomata Tatiana Rosito e divulgado hoje pelo CEBC, apontada que não apenas a China caminha para se tornar uma potência digital como esta é uma das principais metas do país para os próximos anos.
"A China está a caminho de tornar-se uma potência tecnológica e digital e deve ser do interesse brasileiro potencializar as oportunidades para que o Brasil possa se beneficiar das transformações chinesas nas mais diversas áreas, como economia digital (5G, computação em nuvem, internet das coisas), inteligência artificial, e-commerce", diz o estudo.
A limitação de investimento estrangeiro com base em questões de segurança nacional, alerta o CECB, pode ser feito com limitações em áreas sensíveis sem discriminar nacionalidades. De acordo com a autora do estudo, a legislação brasileira é aberta a investimentos estrangeiros e não prevê mecanismos de 'screening', como acontece nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, para limitar esses investimentos a alguns parceiros. Bastaria uma atuação ativa das agências reguladoras para garantir o cuidado em relação a questões de segurança nacional, sem necessidade de discriminar determinados países.
"Tudo leva a crer que limites à atuação chinesa em certos setores não somente extrapolariam posições brasileiras tradicionais de não discriminação e tratamento nacional, mas também criariam insegurança jurídica e poderiam reduzir a atratividade dos investimentos no Brasil num momento em que o País precisará contar com a poupança externa para ultrapassar seus gargalos, sobretudo em infraestrutura", diz o documento.
A avaliação do CEBC é que possíveis parcerias com a China em diversas áreas podem ser dificultadas no caso de se estabelecer restrições à participação do país no 5G. "Para a China, o mais importante é evitar atitudes discriminatórias", avalia o documento.
O governo brasileiro ainda não definiu os parâmetros para o leilão da infraestrutura de 5G no país, previsto para ocorrer até o final do primeiro semestre de 2021. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro, em mais de uma ocasião, disse que a decisão de vetar ou não a Huawei seria sua e, acompanhando a posição do presidente americano Donald Trump, analisava a possibilidade de vetar a participação da empresa chinesa no Brasil.
No entanto, a pressão das empresas brasileiras de telecomunicações tem sido forte. A Huawei já atua no Brasil há vários anos como fornecedora de equipamentos e, até o momento, oferece o melhor preço para as redes 5G.
Nos últimos meses, o governo norte-americano aumentou a pressão sobre o Brasil para tentar barrar a entrada de chineses no mercado 5G brasileiro, com diversas visitas de secretários e assessores do governo Trump, oferta de financiamento para as empresas brasileiras e ameaças de retaliação.
Apesar da derrota de Trump nas eleições, o atual governo tenta passar a ideia de que a posição norte-americana não irá mudar com o democrata Joe Biden. Há duas semanas, em visita ao Brasil, o subsecretário de Estado dos EUA para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente, Keith Krach. insistiu, em conversas com jornalistas e autoridades brasileiras, que há um consenso entre Democratas e Republicanos na posição sobre a China.
O que pode mudar é a posição de Jair Bolsonaro em relação aos Estados Unidos. Fã de Trump, de quem se diz amigo, Bolsonaro tendia a seguir o presidente norte-americano. Já a relação com os EUA em uma presidência de Joe Biden pode mudar. Bolsonaro até agora não cumprimentou o Democrata pela eleição e, durante a eleição - mesmo depois da apuração já indicar uma derrota de Trump -, a preferência pelo Republicano.
Durante a visita de Krach o governo brasileiro anunciou o apoio à iniciativa norte-americana Rede Limpa, que tenta estabelecer critérios para as redes mundiais mirando especificamente a exclusão da China. No entanto, apesar dos norte-americanos comemorarem a adesão, o Itamaraty declarou apenas "apoio aos princípios" da iniciativa, sem uma adesão formal.
Ao mesmo tempo, os atritos com o governo chinês são uma constante no governo Bolsonaro. A mais recente, uma publicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em que comemorava a suposta adesão brasileira ao Rede Limpa e em que falava de evitar a "espionagem da China".
Eduardo apagou a publicação em seguida, mas foi o suficiente para resposta dura do governo chinês. Em nota, a embaixada em Brasília chamou as declarações de infames e afirmou que a manutenção da "retórica da extrema-direita americana" poderia trazer "consequências negativas" para a relação entre Brasil e China.
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