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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Relações Brasil-EUA e mudanças de presidente Trump para Biden - Paulo Roberto de Almeida

 As eleições americanas e as relações do Brasil com os Estados Unidos: da subordinação a Trump a simulações sob uma presidência Biden  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

  

1. A relação Brasil-Estados Unidos: da busca de autonomia à subordinação a Trump

As interações entre os dois maiores países do hemisfério americano sempre foram marcadas por evidente assimetria, dada a magnitude do poder econômico e militar assumida pelos Estados Unidos, mas elas constituíram, de qualquer modo, a mais importante relação bilateral do Brasil desde o início do período republicano até a atualidade, nas várias interfaces nas quais se distribuem essa complexa interação (comercial, financeira, tecnológica, militar, educacional e científica, cultural, turística e, last but not the least, diplomática). 

Os Estados Unidos foram, aliás, o primeiro país – não considerando Buenos Aires – a reconhecer a independência do Brasil, em 1824, assim como os EUA estiveram entre os primeiros a reconhecer o novo regime republicano e se colocando ao seu lado em 1893, quando da revolta da Armada, por muitos considerada como uma tentativa de restauração monárquica. Essa relação já era relevante desde meados do século, já que os americanos se converteram nos principais importadores do principal produto brasileiro de exportação, o café. Mas foi a partir do início do século XX que eles se tornaram, também, financiadores competitivos, ao lado dos banqueiros britânicos, e, logo depois, em investidores diretos (a Ford montou uma montadora de seus veículos desde 1919). Essa relação foi reforçada por ocasião da Grande Depressão, quando Roosevelt busca evitar a ocupação de espaços na América Latina pelas potências nazifascistas, bem como no decorrer da Segunda Guerra Mundial e no seu imediato seguimento, quando ocorre certa “americanização do Brasil”, reforçada durante a primeira fase da Guerra Fria, mas sobretudo por ocasião do golpe militar de 1964. 

Acadêmicos costumam falar de “alinhamento automático” em relação a dois curtos períodos da diplomacia brasileira: nos anos Dutra (1946-50) e durante uma breve fase ao início dos anos 1960, por ocasião do primeiro governo dos generais. Não há consenso, porém, sobre o significado real desse tipo de conceituação, uma vez que nesses dois períodos o que o Brasil buscava, na verdade, era uma grande barganha, sempre enfatizando a necessidade de recursos para concretizar seus projetos de desenvolvimento, raramente contemplados na planilha geopolítica dos EUA, que se contentavam e recomendar abertura a investimentos estrangeiros e reformas internas.

Essa relação era definida, por FHC, como essencial e cooperativa: não obstante as boas relações políticas, mantinham-se os desacordos setoriais, a maior parte em questões de comércio e propriedade intelectual. Para Lula, igualmente, a relação era importante, mas nunca foi considerada essencial para o atingimento dos objetivos diplomáticos do seu governo, que na verdade passavam pelo afastamento do “império” do continente e pela criação de instituições sul-americanas, em substituição às hemisféricas. Seu governo não exibiu o antiamericanismo explícito da sua base esquerdista, embora houvesse uma nítida postura antiamericana em diversos setores do PT e da própria diplomacia. A despeito de diversas “caneladas” diplomáticas, Lula procurou manter uma relação de cordialidade com os presidentes dos EUA, o que foi mais evidente, paradoxalmente, com Bush Jr. do que com Obama; quanto à Dilma, ela não tinha nenhum apetite diplomático.

Antes mesmo da posse de Bolsonaro já se prometia e já se anunciava uma estreita política pró-americana, mas nunca se imaginou que tal proximidade se daria, no governo Bolsonaro, num plano de servilismo e de subordinação jamais visto, com qualquer outro país, em quase duzentos anos de exercício independente da diplomacia brasileira, em geral, e no plano bilateral em especial. A “submissão automática” como já se afirmou, não exatamente aos EUA, mas ao presidente Trump especificamente, alcançou níveis e dimensões inacreditáveis para qualquer observador das relações exteriores do Brasil. 

Essa servidão voluntária foi explicitada na famosa frase do presidente – I love you Trump – por ocasião do breve encontro na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2019, mas ela esteve explícita desde o primeiro dia, quando tanto o presidente como seu chanceler chegaram a dar assentimento à instalação de uma base militar americana no Brasil, no que foram imediatamente desmentidos e a ideia rechaçada pelos ministros militares. Mas essa sabujice, inaceitável para qualquer diplomata digno de respeito, foi reafirmada por diversas vezes, tanto por familiares do presidente, quanto por ele mesmo, assim como pelo chanceler, inclusive mediante notas oficiais (apoio às ações unilaterais dos EUA no Oriente Médio, ao “plano de paz” de Trump para a Palestina; ao candidato americano ao BID, etc.) e por declarações diversas ao longo de um ano e meio. 

O aspecto provavelmente mais sensível do “protetorado” exercido pelo governo Trump sobre a chancelaria bolsolavista tem se concentrado na questão da escolha da tecnologia para o sistema 5G, em relação à qual a administração americana vem exercendo inédita pressão para que a empresa chinesa Huawei – já fornecedora desde muitos anos de equipamentos de comunicações a provedores brasileiros do setor – seja excluída da qualificação para o leilão, que será postergado (em detrimento dos interesses nacionais nesse terreno). Outras questões, como a relação do Brasil com a China, de modo geral, mas também a da presença da China na região sul-americana, sobretudo na área econômica e comercial, vão continuar marcando as relações bilaterais nos anos à frente, independentemente de quem seja o presidente eleito em novembro de 2020. 

 

2. Da subordinação a Trump a possíveis desenvolvimentos sob Joe Biden

Existem muitas questões nas relações bilaterais, portanto, uma seleção é inevitável, considerando que em diplomacia uma parte passa pelo setor privado – investimentos diretos, comércio, licenças de marcas e patentes, alianças empresarias, fluxos de capitais, etc. –, mas o essencial é feito entre governos, o que depende muito dos presidentes nos dois regimes. A tabela a seguir identifica esses aspectos principais em função da transição presidencial.

 

Relações Brasil-Estados Unidos sob dois presidentes

Trump

Biden

Relações políticas de modo geral

Alegada relação pessoal não recebeu, no entanto, qualquer benesse especial; ao contrário: restrições a produtos, extração de concessões no etanol, pressão sobre China.

Não teria intenção de retaliar o Brasil, mas não haveria nenhuma empatia para com um presidente que apoiou ostensivamente seu adversário; relações cordiais, mas frias.

Comércio bilateral, possibilidade de acordo de livre comércio

Déficit comercial  continuou, fluxos diminuíram; um simples acordo de facilitação, sem impacto real no volume.

Se as possibilidades de qualquer tipo de acordo comercial eram diminutas, com os Democratas elas desaparecem por completo.

Meio Ambiente

Total convergência de opinião e posturas, inclusive na rejeição ao Acordo de Paris,  mas Bolsonaro não consumou retirada.

Biden é um ambientalista e já se pronunciou sobre a destruição na Amazônia; provocou reação em Bolsonaro; pressão continuará.

Multilateralismo

O antiglobalismo é doutrina oficial na Casa Branca e foi totalmente adotada pelo chanceler acidental, com fervor.

O Brasil ainda não se retirou da Unesco e da OMS, como Trump faz, mas se retirou do Pacto Global das Migrações. 

OCDE

OS EUA enganaram Bolsonaro e só o apoiaram depois que a Argentina virou peronista; não farão esforços por isso. 

O “apoio” americano foi anunciado com estardalhaço, mas não existe muita chance de o Brasil lograr agora esse objetivo.

OMC

Trump sabotou a OMC, deixando paralisado o seu sistema de solução de controvérsias. Não haverá nova rodada negociadora. O DG do Brasil pode ter saído por este fator.

Biden talvez restabeleça o funcionamento do órgão, concordando com novos juízes, o que é do interesse do Brasil. A política comercial do Brasil pode ficar paralisada.

China

Trump deslanchou uma guerra contra a China, mas que é apoiada não só pelos generais paranoicos, mas também por acadêmicos distinguidos. Brasil seguiu.

Biden não mudará muito a postura, pois tem preocupações similares, menos de espírito guerreiro e mais por preocupações de tipo econômico (questão do 5G).

América Latina, BID

A maior parte era considerada como sendo shithole countries, inclusive o Brasil; Venezuela era apenas questão eleitoral.

O servilismo diplomático foi o mais exacerbado na região, deixando o Brasil completamente isolado, inclusive no BID.

Terrorismo

A despeito da luta continuar, Trump quer retirar soldados do OM; assassinou um comandante iraniano no Iraque.

Biden adotará uma abordagem menos agressiva em relação ao Irã, o que dispensará o Brasil de seguir os EUA. 

Relações com a Europa, EU

Trump hostilizou os europeus, com pleno apoio de Bolsonaro e do chanceler; UE está aliviada com sua derrota.

Não é provável, mas pode ocorrer, que Biden retome projeto de acordo comercial do Atlântico Norte; Mercosul recua.

Missões de Paz da ONU

Nem se cogitou de qualquer envolvimento americano; unilateralismo absoluto.

O antimultilateralismo do chanceler colocou o Brasil nas antípodas da missão na ONU.

Temas sociais, religiosos, culturais

Agenda da direita conservadora recebeu pleno apoio de Bolsonaro, que até exacerbou no militantismo religioso.

Biden retornará a uma agenda politicamente correta, o que deixará o Brasil de Bolsonaro isolado em diversos foros mundiais. 

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3790, 6 novembro de 2020

Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44480368/3790_As_eleicoes_americanas_e_as_relacoes_do_Brasil_com_os_Estados_Unidos_da_subordinacao_a_Trump_a_simulacoes_sob_uma_presidencia_Biden_2020_). 

 

 

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