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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Argentina: confirmando velhos preconceitos...

Simon Kuznetz parece ter dito -- sinto muito, mas estou reproduzindo de citações de terceiros -- que, no mundo, existiam quatro tipos de países: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina. Parece que ele também teria acrescentado -- continuo a citar de ouvido, daí eventuais diferenças com o original -- isto aqui: "existem coisas que a economia não explica: o desenvolvimento do Japão e a decadência da Argentina".
Enfim, tudo isso para introduzir o debate do momento, que é o resultado não de uma grande estratégia de desenvolvimento, mas de gestos políticos, unicamente, e eu até diria tresloucados.
Parece incrível reconhecer, mas nossos países, Brasil, Argentina, e outros na região, estão entregues a lideranças pouco preparadas, economicamente frágeis, politicamente oportunistas, administrativamente pouco competentes, quando não populistas, em alguns casos, ou claramente esquizofrênicos nos casos mais extremos. Pois é, a involução também acontece, por incrível que pareça.
Abaixo uma seleção de artigos sobre o tema do momento.
Paulo Roberto de Almeida 

Argentina contra Espanha

Infolatam
Madri, 22 de abril de 2012
Por CARLOS ALBERTO MONTANER
A Espanha não tem como conseguir que os argentinos compensem adequadamente a Repsol pela expropriação da empresa. É uma batalha perdida. Os argentinos pagarão o que tiverem vontade e quando tiverem vontade.  Há uma década declararam a falência da dívida soberana, algo bem mais grave,  e não aconteceu nada. Impunidade total. Borges opinava que os peronistas não eram nem bons nem maus. Eram incorrigíveis. Tinha razão. Este episódio demonstra isso.
É politicamente rentável ao governo de Cristina Fernández mostrar-se duro “contra a arrogante empresa estrangeira que levava os lucros e dilapidava os recursos nacionais”. Esse é um discurso que os argentinos escutam há setenta anos e a maior parte deles acredita nisso. Traz votos e gera simpatias. Inclusive, tem alguns partidários na Espanha. Aos comunistas espanhóis, parece muito bem que o estado nacionalize e estatize as empresas. É uma questão de princípios.
Já alguns políticos e servidores públicos argentinos advertiram em um tom ameaçador, deliberadamente ambíguo, que no país há outras grandes empresas espanholas que podem ser afetadas pela posição que a Espanha adotar. Entre as companhias reféns estão Telefônica e os bancos Santander e Bilbao Vizcaya. Ou Madri porta-se bem com Buenos Aires, ou elas pagam a estatização da Repsol. É muito fácil pressioná-las. Basta uma pinça entre o acosso sindical e os inspetores fiscais para que exploda o pânico.
Mas há mais. Fica a possibilidade de solicitar à Repsol milhares de milhões de dólares por danos ecológicos. Se no Equador a petroleira Chevron, apesar dos acordos assinados há vinte anos para pôr fim a qualquer irregularidade, um juiz local condenou a empresa a pagar 6 300 milhões de euros, ou 13 600 se não se desculpasse, é muito provável que a Repsol leve uma multa bem mais severa. No Equador, 30 000 assinaturas acompanharam a disputa. Na Argentina será muito fácil para a Dona Cristina recolher um milhão. O ambientalismo antiempresarial tem muitos adeptos no país. É muito popular.
Ninguém deve ser surpreendido por este episódio. Na Argentina os direitos de propriedade são muito frágeis. Se o governo é capaz de roubar as poupanças de seus próprios cidadãos, como sucedeu com o famoso “corralito”, ou de saquear o fundo de aposentadoria, e continuar ganhando as eleições, como pode ninguém duvidar que uma empresa estrangeira seja despojada de seus títulos ilegalmente se convém ao mandatário do país? Os clássicos apontam isso com um tom barroco: “o que com infante pernoita, castigado amanhece”.
Quando veio o período de privatizações na Argentina, em 1990, algumas empresas estrangeiras se beneficiaram do clima de corrupção com que aconteceram essas transações. Assim, fizeram grandes fortunas por cima e por baixo da mesa. Precedente que converte em hipocrisia qualquer invocação atual do Estado de Direito. A Argentina não é a Suécia. Nunca foi. Isso já se sabe.
Existem duas lições relacionadas ao direito que podem ser aprendidas de tudo isto. A primeira, é que resulta enormemente arriscado investir onde não existe segurança jurídica. O ganho fácil de hoje converte-se em uma perda colossal quando o cenário mudar. Há mais sentido em competir no difícil primeiro mundo, com regras claras e árbitros imparciais, ainda que a taxa de lucros seja menor, do que levar as poupanças para onde, da noite para o dia, todo o esforço empresarial desaparece pela conveniência dos políticos.
A segunda lição é que se nos dão alguma vantagem injusta para entrar em um mercado (e não me refiro à Repsol, pois suponho retitude e transparência), essa facilidade que hoje desfrutamos, amanhã outro a terá, graças às suas conexões, e por isso, também seremos injustiçados. Aquela frase de Groucho Marx, na qual expressava sua decisão de não pertencer a nenhuma associação ou clube tão degradado que fosse capaz de o aceitar, pode ser aplicada ao mundo empresarial: não vale a pena ganhar hoje fazendo armadilhas na mão do governo. Amanhã nos poderemos perder do mesmo modo. Quem faz a armadilha mata, mas também pode ser morto por ela.




Folha de S. Paulo – 62% dos argentinos apoiam expropriação de petroleira

Mas 47% acreditam que a decisão vai afetar a imagem do país no exterior
Números do jornal "La Nación" mostram que adesão à medida cai na capital e entre opositores da gestão

DE SÃO PAULO - A decisão do governo Cristina Kirchner de expropriar 51% das ações da YPF, praticamente tirando do negócio a espanhola Repsol, é apoiada por 62% dos argentinos, contra 31% que são contrários à medida.
Os números são de uma pesquisa feita pelo instituto Poliarquía para o jornal argentino "La Nación". Foram ouvidas por telefone 1.115 pessoas, entre quinta-feira e sábado. A margem de erro é de 3 pontos percentuais.
A pesquisa revela ainda que para 49% dos argentinos a medida terá efeito positivo sobre a economia, ainda que 47% opine que a expropriação deve ter impacto negativo sobre a imagem da Argentina no exterior. Para 44% dos argentinos, porém, a culpa da baixa produção petroleira é do governo; 36% atribuem a crise energética às empresas privadas.
Os números mostram que 89% dos que votaram em Cristina aprovam a expropriação. O número cai a 51% entre os eleitores da oposição, embora opositores importantes tenham endossado a medida. A maior resistência à expropriação está em Buenos Aires, onde 45% são contra.

Folha de S. Paulo – A Argentina tem razão / Artigo / Luiz Carlos Bresser-Pereira

A Argentina se colocou novamente sob a mira do Norte, do "bom senso" que emana de Washington e Nova York, e decidiu retomar o controle do Estado sobre a YPF, a grande empresa petroleira do país que estava sob o controle de uma empresa espanhola. O governo espanhol está indignado, a empresa protesta, ambos juram que tomarão medidas jurídicas para defender seus interesses. O "Wall Street Journal" afirma que "a decisão vai prejudicar ainda mais a reputação da Argentina junto aos investidores internacionais". Mas, pergunto, o desenvolvimento da Argentina depende dos capitais internacionais, ou são os donos desses capitais que não se conformam quando um país defende seus interesses? E, no caso da indústria petroleira, é razoável que o Estado tenha o controle da principal empresa, ou deve deixar tudo sob o controle de multinacionais?
Em relação à segunda pergunta parece que hoje os países em desenvolvimento têm pouca dúvida.
Quase todos trataram de assumir esse controle; na América Latina, todos, exceto a Argentina.
Não faz sentido deixar sob controle de empresa estrangeira um setor estratégico para o desenvolvimento do país como é o petróleo, especialmente quando essa empresa, em vez de reinvestir seus lucros e aumentar a produção, os remetia para a matriz espanhola.
Além disso, já foi o tempo no qual, quando um país decidia nacionalizar a indústria do petróleo, acontecia o que aconteceu no Irã em 1957. O Reino Unido e a França imediatamente derrubaram o governo democrático que então havia no país e puseram no governo um xá que se pôs imediatamente a serviço das potências imperiais.
Mas o que vai acontecer com a Argentina devido à diminuição dos investimentos das empresas multinacionais? Não é isso um "mal maior"? É isso o que nos dizem todos os dias essas empresas, seus governos, seus economistas e seus jornalistas. Mas um país como a Argentina, que tem doença holandesa moderada (como a brasileira) não precisa, por definição, de capitais estrangeiros, ou seja, não precisa nem deve ter deficit em conta corrente; se tiver deficit é sinal que não neutralizou adequadamente a sobreapreciação crônica da moeda nacional que tem como uma das causas a doença holandesa.
A melhor prova do que estou afirmando é a China, que cresce com enormes superavits em conta corrente. Mas a Argentina é também um bom exemplo. Desde que, em 2002, depreciou o câmbio e reestruturou a dívida externa, teve superavits em conta corrente. E, graças a esses superavits, ou seja, a esse câmbio competitivo, cresceu muito mais que o Brasil. Enquanto, entre 2003 e 2011 o PIB brasileiro cresceu 41%, o PIB argentino cresceu 96%.
Os grandes interessados nos investimentos diretos em países em desenvolvimento são as próprias empresas multinacionais. São elas que capturam os mercados internos desses países sem oferecer em contrapartida seus próprios mercados internos. Para nós, investimentos de empresas multinacionais só interessam quando trazem tecnologia, e a repartem conosco. Não precisamos de seus capitais que, em vez de aumentarem os investimentos totais, apreciam a moeda local e aumentam o consumo. Interessariam se estivessem destinados à exportação, mas, como isso é raro, eles geralmente constituem apenas uma senhoriagem permanente sobre o mercado interno nacional.

O Estado de S. Paulo - Espanha pede a outros países que punam a Argentina

MADRI - O ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel García-Margallo, conclamou governantes da Europa e de outras partes do mundo a tomarem ações concretas contra a Argentina na tentativa de pressionar o país sul-americano a compensar a petrolífera Repsol pela expropriação da YPF.
Em declarações feitas na véspera de um encontro de chanceleres da União Europeia (UE) em Luxemburgo, García-Margallo disse que a Espanha pressionaria o bloco a retirar da Argentina o tratamento de parceiro comercial preferencial. A UE é o segundo mercado das exportações argentinas, atrás apenas do Mercosul.
García-Margallo afirmou ainda que a Espanha pediria a entidades multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) que pressionem o governo argentino a voltar a negociar. Segundo ele, a expropriação da YPF não é um problema apenas da Espanha. "Afeta todo mundo", disse.
"Os investimentos estrangeiros em um país não podem estar sujeitos aos caprichos emocionais de um líder de país", prosseguiu o chanceler espanhol, em crítica dirigida à presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner. As informações são da Dow Jones.

O Estado de S. Paulo - Como confiscar uma companhia petrolífera / Artigo / Joshua E. Keating

JORNALISTA, EDITOR ASSOCIADO DA REVISTA FOREIGN POLICY E EDITOR DO BLOG PASSPORT

O caso YPF é mais um episódio na história de estatizações no setor de petróleo, do Oriente Médio à América Latina
A indústria petrolífera global está em polvorosa desde que, na terça-feira, a presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, anunciou que seu governo pretendia se apoderar de uma participação majoritária da YPF, a maior petrolífera do país. O governo espanhol ameaçou com represálias - a gigante espanhola Repsol é atualmente a maior acionista da YPF -, e a decisão que é considerada a maior nacionalização de petróleo desde que o governo russo assumiu o controle da Yukos, de Mikhail Khodorkovsky, em 2003. No mesmo dia, as ações da Repsol caíram 7,2%.
Embora a incorporação hostil de uma companhia de US$ 7,7 bilhões esteja agitando o mercado mundial, esse tipo de nacionalização tem precedentes, particularmente na América Latina. Atualmente, as estatais petrolíferas controladas pelos governos, muitos dos quais adquiriram esses patrimônios mediante estatizações unilaterais como a da Argentina, controlam 85% das reservas petrolíferas mundiais e 55% da produção.
A seguir, uma rápida visão da anatomia do take over realizado por um governo:
Primeiro passo: Escolher o momento propício. Pesquisas mostraram que as nacionalizações de companhias petrolíferas costumam acontecer quando os preços do produto estão em alta e as instituições políticas são fracas. As nacionalizações, ocorridas em países como o Iraque e a Líbia, eram relativamente comuns na década de 70, quase deixaram de ocorrer na de 80 e na de 90. Depois, voltaram com tudo na década passada, com grandes confiscos na Bolívia, Equador, Venezuela e Rússia.
O petróleo nunca foi apenas uma commodity; ele é um bem estratégico e as nacionalizações forçadas são tão antigas quanto a própria indústria petrolífera. Em 1938, o governo mexicano expropriou ativos petrolíferos estrangeiros no valor de US$ 500 mil quando as companhias não chegaram a um acordo com os sindicatos a respeito das condições de trabalho. O confisco provocou uma batalha verbal com a Standard Oil e muitos países optaram por boicotar os derivados de petróleo do México. Mesmo assim, o governo foi irredutível, e criou o monopólio estatal Pemex, a segunda maior empresa do mundo não listada em bolsa, depois da Saudi Aramco.
Muitos confiscos de empresas petrolíferas pós-soviéticos e latino-americanos ocorridos nos últimos tempos na realidade foram "renacionalizações", ou seja, incorporações de recursos energéticos privatizados durante as reformas de livre mercado da década de 90. Isso inclui a YPF, originalmente um monopólio estatal privatizado em 1993.
Segundo passo: Preparar alguma justificativa. Em geral, é prudente preparar algum tipo de arcabouço legal antes de começar a confiscar propriedades privadas. Em 2001, dois anos antes de tomar o poder, o presidente venezuelano Hugo Chávez sancionou uma nova lei de petróleo e gás que aumentava a quantidade de royalties a ser pagos pelas companhias petrolíferas estrangeiras e aumentava o controle direto do Estado sobre a estatal PDVSA, que vinha operando como entidade relativamente independente.
Nos anos seguintes, Chávez montou sua justificativa retórica contra as estatais petrolíferas estrangeiras, até que finalmente começou a confiscar seus bens em 2007. Como ele afirmou na época: "A Deus o que é de Deus, e a César o que é de César... Hoje dizemos também: ao povo o que é do povo!".
Cristina Kirchner apresentou o takeover da YPF em termos semelhantes: "Somos o único país da América Latina, e eu diria praticamente do mundo inteiro, que não administra seus próprios recursos naturais".
Terceiro passo: Apresentar uma proposta "irrecusável". A maior parte das nacionalizações de empresas petrolíferas não constitui sempre um confisco - os governos pelo menos fingem que indenizarão os donos anteriores pelos bens perdidos.
Surpreendentemente, a ONU se manifestou a respeito da questão da indenização: uma Resolução aprovada em 1962 determina que nos casos de nacionalização realizada "sob a alegação ou por razões de utilidade pública, de segurança ou de interesse nacional (...), o proprietário deverá ser ressarcido com uma indenização adequada, de acordo com as normas em vigor no País que adota tais medidas no exercício de sua soberania e de acordo com o direito internacional".
Evidentemente, ninguém presta atenção à ONU, e existe em geral discordância quanto ao valor da participação do proprietário anterior.
A Repsol calcula que o valor da sua participação de 57% na YPF é de aproximadamente US$ 18 bilhões. O governo argentino é obrigado por lei a compensá-la, mas o montante exato será determinado por um tribunal internacional, que poderá levar anos para chegar a uma sentença, e com toda probabilidade esta será consideravelmente menor do que a quantia que a companhia considera que lhe seja devida.
Além das consequências legais do fato de pôr simplesmente para fora os donos, às vezes pode ser útil permitir que eles continuem desempenhando alguma função na indústria petrolífera do país - afinal, eles provavelmente sabem o que estão fazendo. Depois que a estatal PDVSA da Venezuela se apossou em 2007 de projetos de vários bilhões de dólares no cinturão do Rio Orenoco, rico em petróleo, Chevron, BP, Total e Statoil assinaram acordos que lhes permitiam continuar operando na região como acionistas minoritárias. A Conoco Phillips e a Exxon Mobil se recusaram a trilhar o mesmo caminho.
Após a nacionalização ordenada por Chávez, a produtividade do setor despencou quase 25%.
Quarto passo: Abrandar a postura. É sempre preferível solucionar essas questões com um aperto de mão na sala do conselho, mas às vezes é necessária uma mão mais firme. Em 2009, Chávez mobilizou as tropas para garantir o confisco de 60 companhias de serviços petrolíferos no seu plano de confisco gradativo da indústria petrolífera.
Em 2006, o presidente boliviano Evo Morales ordenou às companhias petrolíferas estrangeiras - entre elas a Repsol - que renegociassem os seus contratos com o governo no prazo de seis meses ou deixassem o país. Só para deixar claro o que pretendia, enviou as tropas para ocupar 56 poços de petróleo e gás em todo o país.
A Argentina não perdeu tempo. Na terça-feira, o representante do governo no conselho da YPF chegou cedo para o trabalho, com uma lista de executivos espanhóis que haviam sido proibidos de entrar na sede da companhia.
Quarto passo (b): O método de Putin. Outro método de nacionalização, mais barato, é abrir um processo criminal contra a equipe que gerencia uma companhia petrolífera e desmontá-la, parte por parte. No caso do processo do Kremlin contra Mikhail Khodorkovsky, ex-CEO da Yukos, isso teve a vantagem adicional de eliminar um perigoso adversário político.
A Yukos foi a primeira companhia petrolífera totalmente privatizada na Rússia da era pós-soviética. Mas depois de várias disputas entre Khodorkovsky e o Kremlin - a respeito do controle estatal do setor de oleodutos, a venda planejada de grandes participações de companhias petrolíferas americanas, bem como as ambições políticas do antigo dono - ele foi preso e condenado por sonegação fiscal em 2003. Nos dois anos seguintes, a Yukos foi obrigada a pagar bilhões de dólares em impostos atrasados, o que a levou à falência.
O último dos seus ativos foi confiscado em 2005 e foi adquirido indiretamente pelo monopólio estatal Gazprom.
Quinto passo: Não se deixe derrubar. O confisco de empresas internacionais pode proporcionar pontos populistas com o eleitorado, mas também gerar muitos inimigos.
Dois anos depois de o Irã nacionalizar a Anglo-Iranian Oil Company, o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh foi derrubado em um golpe patrocinado pela CIA, que repôs o Xá Mohammed Reza Pahlevi no poder. Em 1954, o governo do Xá pagou à Anglo-Iranian uma indenização de US$ 70 milhões. Hugo Chávez sobreviveu a uma tentativa de golpe meses depois da aprovação de sua controvertida lei sobre petróleo e gás.
A nacionalização da YPF de Cristina Kirchner é o mais recente de uma série de gestos provocadores no cenário internacional, inclusive sua tentativa de reafirmar o controle sobre as Ilhas Malvinas. Embora esteja claramente explorando os benefícios políticos dessas medidas audaciosas em relação à negativa reação internacional, Cristina está enveredando por um terreno muito perigoso.

Valor Econômico - "Argentina busca inimigo externo", afirma Espanha / Artigo/  Ilan Brat

The Wall Street Journal, de Madri
O ministro das Relações Exteriores da Espanha exortou no domingo os líderes europeus e mundiais a impor sanções concretas contra a Argentina, numa tentativa de pressionar o país sul-americano a indenizar plenamente a petrolífera espanhola Repsol YPF SA pela expropriação da sua subsidiária argentina, na semana passada.
Falando antes de uma reunião em Luxemburgo a se realizar hoje com outros ministros do Exterior da União Europeia, José Manuel García-Margallo disse ao "The Wall Street Journal" em seu apartamento no centro de Madri que a Espanha vai pressionar a Europa para impor sanções sobre a Argentina, incluindo o cancelamento do tratamento preferencial no comércio externo. A UE é o segundo maior mercado de exportação da Argentina, atrás do Mercosul.
García-Margallo também disse que a Espanha iria procurar ajuda de organismos multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) para pressionar a Argentina para retomar as negociações com a Repsol, a maior petrolífera espanhola, relativas a uma indenização adequada por tomar, à força, o controle da YPF, a maior empresa de petróleo e gás da Argentina.
A intervenção na YPF "não é um problema apenas para a Espanha", disse García-Margallo. "Ela afeta a todos."
A Europa representa mais de 50% do investimento estrangeiro na Argentina, e segundo ele, "o investimento estrangeiro em um país não pode estar sujeito aos caprichos emocionais dos líderes políticos do país."
Os comentários de García-Margallo ocorrem em um momento em que a Espanha se esforça para mobilizar pressão internacional contra a Argentina, depois que a ex-colônia espanhola, sob a presidência de Cristina Kirchner, divulgou planos na semana passada para expropriar 51% da YPF. Ma medida deixou a Repsol com uma participação de 6,4% na empresa.
A Argentina insiste que tem o direito de exercer o controle soberano sobre seus recursos energéticos, mas a Espanha e outros líderes disseram que tal ato é ilegal e exigiram que a Argentina dê uma indenização adequada pela expropriação. Autoridades do governo argentino não responderam de imediato a pedidos de comentário. Cristina já havia insistido que não vai ceder à pressão espanhola, e que está agindo para garantir o suprimento energético da Argentina. Pesquisas de opinião indicam que a maioria dos argentinos apoia a estatização da YPF.
Apesar de não dar detalhes específicos, García-Margallo disse que outras represálias unilaterais poderiam se seguir à decisão da Espanha, tomada na sexta-feira, de restringir efetivamente as importações de biodiesel argentino, avaliado em cerca de 750 milhões de euros (US$ 990 milhões) em 2011, segundo a Associação dos Produtores de Energia Renovável da Espanha.
Em paralelo, disse García-Margallo, a Espanha continuaria tentando trazer a Argentina de volta à mesa de negociações com a Repsol. A Espanha procurou em vão uma solução negociada bem antes dessa decisão do governo argentino, acrescentou ele. Não houve mais contatos entre os dois países desde que a YPF foi tomada e os executivos espanhóis da YPF, expulsos da sede da firma em Buenos Aires na semana passada, disse.
"Já negociamos até a exaustão", afirmou García-Margallo. As represálias "não significam que os novos conquistadores estão impondo certas decisões".
Mesmo assim, a capacidade da Espanha de forçar a Argentina a voltar à mesa de negociações pode ser limitada. A Argentina tem mais processos pendentes no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos do Banco Mundial do que qualquer outro país, com 25 processos de um total de 147. No entanto, mesmo nos casos em que a Argentina perdeu, nenhuma empresa ainda conseguiu receber indenizações.
Devido ao seu forte comércio com a Argentina, a UE pode ter maior influência. Autoridades do bloco disseram a altos funcionários argentinos que o caso da YPF pode comprometer todas as relações de comércio e investimento com o país sul-americano. Na sexta-feira, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução visando a suspender parcialmente o tratamento preferencial para as exportações argentinas.
García-Margallo também disse que está satisfeito com a resposta internacional à ação da Argentina na semana passada, que incluiu condenações dos Estados Unidos e de países da Ásia, Europa e América Latina.
Ele culpou problemas econômicos, incluindo a fuga de capitais da Argentina, assim como a necessidade de importar energia do exterior a altos preços, pelo ataque contra a Repsol.
"Quando um regime está em apuros, sempre procura um inimigo estrangeiro", disse ele.
(Colaborou Matt Moffett)

Valor Econômico - Ineficiência marca estatizações argentinas

Natacha Pisarenko
A YPF se somou a um conjunto de outras sete empresas reestatizadas desde a posse de Nestor Kirchner como presidente da Argentina, em 2003. Em relação às anteriores, de porte muito menor que a empresa petroleira, há um histórico de pouca transparência, processos internacionais e suspeitas de corrupção. O tema levanta poucas resistências no país porque todas as empresas que foram objeto da ação do governo estavam em estado falimentar ou com índices mínimos de operação, que melhoraram depois da retomada do controle estatal.
O caso mais recente antes da YPF era o da empresa aérea Aerolineas Argentinas, citada no Senado pelo vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, como um modelo a ser seguido pela petroleira. A companhia de aviação foi expropriada em julho de 2008 da espanhola Marsans, em um momento em que a empresa estava afetada por greves, com salários e pagamentos a fornecedores em atraso. A expropriação ainda tramita na justiça e em fóruns internacionais como o Tribunal Arbitral do Banco Mundial, CIADI.
Uma avaliação apresentada pela Marsans e feita pelo banco Credit Suisse estimava em no mínimo US$ 350 milhões o total a ser pago pelo governo argentino. Mas o Tribunal de Taxações da Nação, o mesmo que irá arbitrar o valor a ser pago à espanhola Repsol pela YPF, decidiu que deveria ser pago apenas um peso, ao avaliar que a empresa tinha patrimônio negativo de quase US$ 1 bilhão, segundo o uruguaio Raul Vallarino, autor do livro "El caso Aerolineas Argentinas". O problema faz com que a titularidade da empresa, até hoje, seja formalmente da Marsans.
A empresa teve a gestão politizada e é conduzida por Mariano Recalde, filho de Hector Recalde, advogado da central sindical CGT. Mariano é um dos expoentes da agrupação peronista "La Campora", comandada pelo filho da presidente Cristina Kirchner, Máximo Kirchner. Desde que foi reestatizada, a Aerolineas não apresentou balanço. O último número público é de 2008. Autora do livro "La Campora" e setorista de aviação do jornal "La Nación", a jornalista Laura di Marco estima o déficit em US$ 2 milhões por dia. A se confirmar o número, seria a segunda empresa aérea com maior prejuízo no mundo, atrás apenas da Air India, de acordo com a revista especializada " Air Transport World".
Dois episódios constrangedores marcaram a gestão de Recalde. O menos grave foi um voo para aliados e amigos da casa para assistir a partida contra o Uruguai pelas eliminatórias da Copa da Africa, em 2010. O mais sério foi a operação de busca e apreensão de documentos realizadas na sede para investigar o suposto superfaturamento na compra de 20 aviões da Embraer, uma operação feita pelo seu antecessor, o atual ministro da Justiça, Julio Alak. A investigação, sob sigilo, está em curso na Justiça argentina. A Aerolineas e a Embraer negaram, à época, a existência de sobrepreço.
De acordo com um levantamento da ONG Associação Argentina de Orçamento e Administração Pública (Asap), no primeiro trimestre deste ano a Aerolineas representou uma despesa de 921,9 milhões de pesos argentinos, ou cerca de US$ 210 milhões, em subsídios do poder público, um aumento de 52% em relação ao mesmo período do ano passado. É uma variação que torna modesto o aumento de 4 % nos subsídios pagos à AYSA, a empresa de água e saneamento criada em 2006 para substituir a Aguas Argentinas. A AYSA teria recebido 869,6 milhões de pesos argentinos, de acordo com a ONG.
A Aguas Argentinas era controlada por um consórcio liderado pela francesa Suez, que teve a concessão cassada em março de 2006, seis meses depois de a empresa europeia avisar que não tinha mais interesse em prosseguir com a concessão e iniciar uma negociação para a rescisão. Não houve acordo e a francesa está demandando o governo argentino no CIADI em US$ 1,7 bilhão.
AYSA tem conseguido realizar obras de porte nos últimos anos. Já foi executado, por exemplo, 65% do contrato de US$ 700 milhões que a estatal tem com a brasileira Odebrecht para a construção da estação de tratamento de Tigre, no norte da região metropolitana da capital. Metade do dinheiro saiu de um financiamento do BNDES, em troca da importação de bens e serviços do Brasil.
Além da lista das reestatizadas, que ainda inclui a Correos Argentinos, que era controlada pela família do atual prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, ainda existem as estatais criadas pelas duas gestões. Uma delas, a Enarsa, surgiu em 2004 para atuar em todos os ramos da energia. Seu presidente, Exequiel Espinosa, foi nomeado diretor da YPF depois da expropriação. A principal atividade da Enarsa tem sido a compra e venda de gás natural do exterior, sobretudo da Bolívia e do Qatar.
A empresa recebeu 2 bilhões de pesos argentinos, ou US$ 458 milhões, apenas nos três primeiros meses do ano, segundo a ASAP. É uma soma 53% superior à paga no ano passado.

Valor Econômico - Expropriação da Repsol YPF Gás afeta empresas de capital aberto

Cláudia Schüffner e Cesar Felício
A inclusão da Repsol YPF Gás no decreto de nacionalização da YPF afeta várias empresas de capital aberto com operações na Argentina e que eram sócias dos espanhóis. O movimento respinga na britânica BG, em negócios da americana Dow Chemical e também da brasileira Petrobras nas áreas de distribuição de gás, petroquímica e refino. Para a BG, é um péssimo momento. Ela tenta se capitalizar para investir no pré-sal vendendo a Comgás para a Cosan em um negócio avaliado em aproximadamente US$ 2 bilhões, e agora ganhou o governo argentino como sócio na problemática MetroGas, maior distribuidora da América Latina e que hoje é controlada pela BG através de 55% da GASA, uma joint venture.
A MetroGas é uma empresa que fatura dez vezes menos para o Grupo BG do que a Comgás, mesmo comercializando cerca de 70% a mais de gás. A distribuidora de São Paulo teve em 2011 uma receita bruta de R$ 5,1 bilhões ou cerca de 11 bilhões de pesos argentinos. Comercializou 4,9 bilhões de metros cúbicos de gás. A MetroGas conseguiu 1,1 bilhão de pesos argentinos no mesmo período vendendo cerca de 7,7 bilhões de metros cúbicos de gás.
A MetroGas está sob regime de intervenção desde 2010 por causa de um default que hoje soma US$ 307 milhões. O governo já era acionista minoritário e agora ampliou sua participação ao ficar com a fatia da YPF, que tinha 45% da GASA. A expectativa no mercado é que o governo promova uma capitalização na empresa, o que pode diluir a participação da BG, caso ela não acompanhe o movimento.
Com a expropriação da YPF, a própria Petrobras tornou-se sócia do governo em duas companhias onde tem participação societária, sem deter o controle: Refinería del Norte (Refinor), da qual tem 28,5% e Companhia Mega, em Bahía Blanca, da qual tem 34% junto com YPF (38%) e Dow Chemical (28%).
O conjunto de ativos da Petrobras na Argentina também inclui duas petroquímicas, a hidrelétrica Pichi Picun Leufu - que em 2010 foi responsável por 0,76% da geração total do país - a térmica Genelba, movida a gás, e uma participação na Transportadora Gás del Sur (TGS), entre outras heranças da Perez Companc.
Contudo, quem encabeça a lista de preocupações da Petrobras na Argentina são as problemáticas TGS, Mega e Edesur. Nas duas últimas, a Petrobras tem dado sua "contribuição social", como pode ser resumido um conjunto de subsídios e preços tabelados que ajuda a explicar o lucro da brasileira na Argentina, equivalente a US$ 170,5 milhões em 2011, um pouco melhor que os US$ 156 milhões de 2010, mas nem perto do lucro de US$ 460,6 milhões em 2006.
Nenhuma dessas empresas foi mencionada na reunião da presidente da Petrobras, Graça Foster, e do diretor internacional da estatal, Jorge Zelada, com o ministro do Planejamento argentino, Julio De Vido, que trouxe também o secretário de Energia, Daniel Cameron. No atual plano estratégico da Petrobras, em revisão, estão previstos investimentos de US$ 1,8 bilhão na Argentina no período 2011-2015. No ano passado, a empresa investiu no país US$ 460 milhões e outros US$ 500 milhões já estavam programados para este ano, mas uma parte seria destinada à perfuração de novos poços no bloco Veta Escondida, cuja concessão foi cancelada pelo governo da província de Neuquén, o que De Vido promete reverter. Em 2014 e 2015 estão previstos mais US$ 250 milhões por ano.
Na reunião em Brasília, Graça demonstrou boa vontade sem assumir compromissos explícitos, avaliou uma fonte a par do assunto. E deixou claro que a Petrobras não vai investir mais sem estabilidade regulatória.
Apesar de ter desmontado parte de sua estrutura na Argentina, a brasileira ainda tem negócios problemáticos naquele país. Uma das maiores dores de cabeça é a Edesur, uma distribuidora de energia elétrica que ela está tentando vender faz tempo. A Petrobras Energía tem uma participação de 27,33% na Edesur através da Distrilec Inversora, da qual a estatal tem 48,5% em associação com a espanhola Endesa, hoje controlada pela Enel, da Itália. Nos últimos seis anos, a Edesur só deu lucro três vezes. Fechou 2011 com um prejuízo de US$ 111,68 milhões, número nove vezes superior ao prejuízo registrado em 2010. E o resultado de 2012 não deve trazer alegrias.
A razão para os problemas da Edesur, assim como para todas as empresas concessionárias, começa em 2002. Quando houve o fim da conversibilidade, foi feita uma pesificação das receitas e despesas até então dolarizadas, dentro da lei de emergência econômica baixada pelo presidente Eduardo Duhalde em 7 de janeiro de 2002. Por essa lei, os custos das empresas foram pesificados ao nível de mercado e a receita, convertida em peso pela cotação oficial, ou seja, de 1,4 para cada dólar. Isso fez com que todo o setor desequilibrasse.
Ao assumir o cargo, em 2003, Nestor Kirchner começou a renegociar uma recomposição tarifária. Pelas regras propostas à época, seria criada uma tarifa de transição, desde que as empresas constituíssem um fundo, onde a diferença seria depositada, para investimentos em infraestrutura. Algumas empresas chegaram a constituir este fundo, mas o aumento tarifário não entrou em vigor.
As empresas estão com tarifas congeladas há dez anos, em um país onde a inflação real está em torno de 20%. A sobrevivência das concessionárias só se tornou possível porque o governo ampliou o pagamento de subsídios ao consumo. O pagamento de subsídios na Argentina já chega a 4% do PIB.
A remuneração das empresas está abaixo do mercado. No caso do gás natural, por exemplo, é de cerca de US$ 2,7 o milhão de BTU. Ainda que os preços internacionais estejam baixando, por conta da entrada de gás não convencional no mercado americano, mesmo assim é um número abaixo dos contratos praticados nos países vizinhos. De acordo com levantamento do consultor Daniel Montamat, no primeiro trimestre de 2012 os preços dos produtos de energia na Argentina eram em média 58% inferiores a uma comparação com padrões internacionais. No caso dos derivados de óleo, a defasagem é de 33%. No caso dos de energia elétrica, de 68%.
O caso mais grave é o do gás natural, onde a defasagem chegava a 78%. O levantamento compara os preços da Argentina com os do Chile, Uruguai, Peru, Colômbia e Brasil. É essa circunstância que explica o estado de quebra a que chegou a MetroGas.

sábado, 11 de junho de 2011

Governo (des)controla ingresso de capital estrangeiro...

E vai continuar tentando...
Incrível esse governo: ele precisa de dinheiro, já que gasta mais do que arrecada.
Para isso paga juros mais elevados do que os existentes no mercado, em qualquer mercado, em qualquer lugar do mundo.
Depois ele reclama que está entrando dinheiro demais.
Para reduzir um pouco o ingresso desse dinheiro "estrangeiro" -- mas muito pode ser dinheiro brasileiro depositado no exterior, também -- ele introduziu (esse é o termo) um imposto de 6% de IOF sobre os capitais de curto prazo, mas isentou o IED (investimento estrangeiro direto), pois se trata de um capital a rigor bem vindo, já que dirigido aos setores produtivos.
Agora o governo descobre que parte desse IED pode não ser IED e sim "capital especulativo".
Não seria mais fácil o governo reduzir os juros?
Os empresários parariam de reclamar, e os investidores externos viriam em menor número, só IED mesmo, pois os capitais "especulativos" procurariam paragens mais benéficas.
Por que o governo não reduz os juros?
Ah, vão dizer que com juros mais baixos, ele não conseguiria se financiar no mercado e aí ficaria sem dinheiro para pagar suas obrigações.
Ué, uai, por que o governo não reduz os seus gastos?
Não seria tudo mais simples se o governo fizesse como cada um de nós? Quando estamos sem dinheiro, deixamos de ir a restaurantes, trocar de carro, comprar roupas, sapatos, bolsas, etc...
Por que o governo não faz o mesmo?
Essa é a pergunta de UM MILHÃO DE DÓLARES...
A resposta não vale um centavo de dólar...
Paulo Roberto de Almeida

Governo faz pente-fino sobre aplicação externa
O Estado de S. Paulo, 11 de junho de 2011

SÃO PAULO - O governo resolveu olhar com lupa o ingresso de investimentos estrangeiros diretos (IED) diante das suspeitas de que investidores poderiam estar usando essa porta de entrada para fazer outras aplicações e fugir do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

A preocupação já existia desde o início do ano, quando a alíquota do tributo foi elevada. Mas a equipe econômica resolveu desenvolver mecanismos mais fortes de rastreamento, para saber para onde, efetivamente, o dinheiro está indo.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, está empenhado em acompanhar esses movimentos de perto para fechar as brechas para ingresso de capitais de curto prazo, segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo. Para isso, ele escalou alguns técnicos para olharem com muita atenção os dados do IED.

A Receita Federal e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) devem participar do esforço. A avaliação interna é que as portas de entrada de capital especulativo estão diminuindo, mas o mercado acaba criando mecanismos para burlar a tributação. "O jogo é esse. Vamos continuar fechando as brechas. Ninguém está dormindo", disse uma fonte do governo.

Embora o Banco Central (BC) negue publicamente que tenha identificado que a conta de IED esteja sendo usada para fazer investimento em renda fixa e variável, a área técnica do banco também está reforçando os controles e o monitoramento.

domingo, 29 de agosto de 2010

Investimentos diretos do Brasil na America do Sul

Transcrevendo:

O investimento externo direto do Brasil na América do Sul: o Brasil no World Investment Report 2010 da UNCTAD
Rodrigo Maschion Alves
Mundorama, 12 Aug 2010

Os primeiros impactos da crise financeira internacional na América Latina (termo usado constantemente pela UNCTAD) já apareceram no relatório sobre os investimentos externos diretos. Segundo o World Investment Report 2010 da UNCTAD, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a América Latina sofreu perdas, em 2009, de 36% nos fluxos de investimentos entrantes quando comparados com três anos anteriores de crescimento. Os números _ quantidade em milhões de dólares americanos _ dos fluxos aplicados, ou seja, os recursos investidos pelos países da região na própria América Latina ou em outros espaços geográficos do mundo caíram 42%.

Essa queda deveu-se, principalmente, ao comportamento retraído das transnacionais brasileiras. Apesar dos dados negativos para o ano de 2009, o ano de 2010 já apresenta uma tendência de recuperação promovida pelo cenário de crescimento no Brasil, no México e na Argentina: a recuperação iniciou-se no último quarto de 2009 com fluxos recebidos acrescidos de 24% em relação ao segundo quadrimestre de 2009; o primeiro quadrimestre de 2010 já representou um acréscimo de 19% ante o último quarto de 2009. No entanto, os cinco primeiros meses de 2010 já demonstraram uma inflexão positiva para a aplicação de investimentos externos por parte do Brasil. Segundo o referido documento, os investimentos externos do país já totalizaram 7,9 bilhões de dólares para os cinco primeiros meses do ano; trata-se do maior valor já registrado para esta fase dos anos.

Os dados da UNCTAD direcionados para a América do Sul demonstrará ao pesquisador a crescente importância adquirida pelo Brasil e suas transnacionais desde o ano de 2004 neste espaço. Em outros termos, na região, cada vez mais os dados de cada país sobre os investimentos externos diretos entrantes serão influenciados pelos recursos oriundos da economia brasileira. O documento demonstra, também, que a origem da maior presença de companhias do país no espaço sul-americano deveu-se as privatizações dos anos 90 e ao apoio governamental às empresas com atividades internacionais. Para o último, faz-se importante citar a relevância do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento de aquisições por empresas brasileiras de grupos em outros países da região. Caso pioneiro foi a compra da empresa argentina Swift pela brasileira JBS Friboi na ordem de US$ 200 milhões em 2005. O relatório demonstra que o BNDES já concedeu créditos de 8 bilhões de dólares para empresas brasileiras intensificarem suas ações internacionais, em especial nos setores de construção civil, energia, mineração, bens de capital e agronegócio.

Nesse sentido, boa parte dos investimentos externos diretos realizados pelo Brasil no espaço da América do Sul deve-se aos esforços de incentivo realizados no âmbito do aparelho estatal brasileiro com foco em políticas industriais e comerciais. Ademais, devemos salientar que, a partir do ano de 2003, com o início do governo Lula da Silva e sua priorização da integração sul-americana, promoveu-se o fortalecimento dos laços integradores de aspecto financeiro, o que resultou na intensificação das relações comerciais do Brasil na região. Dentre os esforços do governo Lula, podemos destacar a elevação do Brasil junto à Corporação Andina de Fomento (CAF) de sócio acionista série C para acionista série A, no ano de 2007. Esse é o mesmo patamar dos Estados fundadores da CAF, que são os países da Comunidade Andina (CAN). Outro instrumento regional de intensificação dos laços financeiros e comerciais em que o Brasil reviu sua atuação e que colaborou com maior presença comercial brasileira nos países da região foi o sistema de pagamentos e créditos recíprocos da ALADI, o chamado Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR). Muitas obras de infra-estrutura no subcontinente têm seus créditos e pagamentos cursados por esta caixa de compensação. Porém, cabe frisar que a presença das empresas do Brasil na região depende, na sua maior parte, de recursos e ações das companhias.

O relatório de 2010 da UNCTAD indica que, apesar de alguns impactos negativos nos fluxos de investimentos externos recebidos e aplicados na América do Sul, a região já apresenta condições otimistas de recuperação. Ainda de acordo com o relatório, tal recuperação seguirá a tendência positiva dos países em desenvolvimento. Esse conjunto de Estados tornou-se, na primeira década do século XXI, o maior receptor de investimentos do mundo. Na página 47 do relatório encontramos o diagnóstico de que as presenças comercial e econômica das transnacionais brasileiras na América do Sul continuam a colaborar para a recuperação dos investimentos. Quanto à posição do Brasil nos fluxos de investimentos, pode-se averiguar que no ano de 2010 o total dos investimentos externos recebido foi superado pelo aplicado. O fluxo, até julho de 2010, soma 11,2 bilhões de US$ para os investimentos aplicados pelo Brasil e 10,7 bilhões de dólares para aqueles recebidos pelo país. Quais outros fatores explicariam este fenômeno? A UNCTAD salienta que a valorização do real e a perda de valor das empresas estrangeiras possibilitaram boas oportunidades para o empresário brasileiro em suas atividades internacionais de aquisição de companhias. A instituição ainda destaca que a melhora macroeconômica interna do país possibilitou o acesso privilegiado aos créditos que fomentam a internacionalização da atividade econômica do Brasil. O relatório conclui que as possibilidades comerciais que a região apresenta em termos de mercado consumidor, de custo favorável de mão de obra e de insumos também são fatores pertinentes para a internacionalização das empresas brasileiras no subcontinente.

Em vista dos dados apresentados pelo World Investment Report 2010 da UNCTAD, sinalizamos a conclusão de que é maior a importância das presenças econômica e comercial do Brasil na América do Sul a partir dos anos 2000, presenças essas que impactam diretamente nos fluxos e nos estoques de investimentos direcionados para o subcontinente. Como relação causal direta, o Balanço de Pagamentos dos países receptores do investimento externo direto brasileiro são cada vez mais afetados por esses recursos. Isso sinaliza o crescente impacto que a estrutura produtiva e econômica do Brasil exerce na região. Os dados são, também, suficientes para indicar o crescente peso político do Brasil enquanto ator regional capaz de definir parte dos contornos diplomáticos sul-americanos. Portanto, sinalizamos que a área em destaque converteu-se em importante plataforma de inserção e de expansão internacional para a economia brasileira.

Bibliografia:
UNCTAD (2010). World Investment Report: Investing in a low-carbon economy. New York, Genebra: United Nations.

Rodrigo Maschion Alves é pesquisador assistente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.