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quarta-feira, 5 de março de 2014

Venezuela: a conta do chavismo, mas apenas a sua parte visível...

A história não está completa, na forma como relatada aqui. A matéria se refere apenas aos custos visíveis do caos econômico venezuelano e seus efeitos sobre pagamentos a serviços prestados (ou, em outra vertente, não tratada na matéria, a produtos exportados e não pagos).
Um outro custo, não imediatamente visível, mas perceptível para especialistas, é o da credibilidade da interface externa do país, bastante afetada pela situação atual.
Um dia a história será contada integralmente.
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela deve US$ 2 bi a empreiteiras brasileiras
Por Fabio Murakawa | De Caracas
Valor Econômico, 05/03/2014

Um problema que já vinha afetando os exportadores brasileiros agora passa a preocupar também as empreiteiras do Brasil que atuam na Venezuela, onde elas possuem um portfólio estimado em US$ 20 bilhões em obras de infraestrutura e saneamento. Segundo fontes consultadas pelo Valor, os atrasos nos pagamentos pelos serviços prestados pelas construtoras no país vêm se agravando nos últimos meses, e a dívida do governo venezuelano com companhias do setor já soma entre US$ 2 bilhões e US$ 2,5 bilhões de dólares.

As dificuldades econômicas enfrentadas pela Venezuela, dizem as fontes, são apenas uma parte da explicação desse fenômeno. A outra questão, igualmente importante, está relacionada à articulação cada vez mais falha entre os dois países sob os governos de Nicolás Maduro e Dilma Rousseff, em comparação ao que ocorria quando Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva eram presidentes.

"Antes, o Lula era amigão do Chávez. Quando eles se encontravam, destravavam todos os problemas", diz uma fonte próxima ao tema, que, como as demais fontes, pediu para não ser identificada. "Agora, com pouco dinheiro em caixa, o governo venezuelano está mais pragmático. O 'amigão' é quem traz financiamento. Nesse sentido, estamos perdendo cada vez mais espaço para a China."

O Valor apurou que cerca de 70% do endividamento do governo venezuelano com as empreiteiras brasileiras corresponde a serviços prestados pela Odebrecht.

A maior construtora brasileira é também a que tem mais projetos no país. E tinha uma relação muito próxima com Chávez. Mas, segundo fontes, essa relação começou a azedar na eleição presidencial de outubro de 2012, a última disputada pelo líder bolivariano, quando chegou aos ouvidos dos serviços de inteligência venezuelanos que a empresa se aproximou também do opositor Henrique Capriles.

"Assim como o Brasil deixou de ser o parceiro prioritário da Venezuela, em detrimento da China, a Odebrecht deixou de ter prioridade nos projetos e nos pagamentos dos atrasados pelo governo venezuelano", diz uma segunda fonte.

O Valor apurou que, por conta dos atrasos e das incertezas econômicas e políticas que rondam o país - que viveu nas últimas semanas uma onda de protestos contra o governo -, a Odebrecht está diminuindo o ritmo de obras e demitindo funcionários. A empresa emprega cerca de 13 mil pessoas na Venezuela. Dentre seus principais projetos no país estão duas linhas do metrô de Caracas, uma nova pista do aeroporto de Maiquetía, que serve a capital, uma hidrelétrica e duas pontes. A favor da empresa, diz uma fonte, ainda pesa a boa fama de entregar os projetos, apesar dos atrasos, enquanto empresas de outros países simplesmente abandonam as obras.

As outras grandes empreiteiras brasileiras - Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez - também enfrentam um aumento nos atrasos. Mas o montante devido a elas, assim como sua presença no país, são bem menores.

Consultada, a Odebrecht minimizou o problema. "O atraso nos pagamentos é normal no negócio de infraestrutura. Não tenho nenhum problema aqui que eu não tenha em outros lugares", disse José Claudio Daltro, diretor administrativo e financeiro da Odebrecht na Venezuela. "Nós temos um compromisso com o país e não temos nenhuma intenção de paralisar nossos trabalhos. Nosso compromisso é entregar todas as obras que temos contratadas", afirmou Daltro. Ele disse desconhecer os números de endividamento apurados pelo Valor.

Os atrasos nos pagamentos, tanto de exportações como relativos à prestação de serviços, sempre ocorreram na Venezuela chavista. Mas eles começaram a se intensificar no ano passado, com a deterioração da economia e as turbulências políticas, já sob o governo de Nicolás Maduro.

A disparada no gasto público, em meio a duas eleições presidenciais, entre outubro de 2012 e abril do ano passado, ajudam a explicar os problemas de caixa enfrentados por Maduro. O país também vem recebendo cada vez menos dólares com as vendas de petróleo, responsável por 96% das exportações. Segundo dados da estatal PDVSA, cerca de 350 mil barris diários, de uma produção total de 2,7 milhões de barris, são destinados a honrar créditos de US$ 40 bilhões concedidos pela China. Outros 400 mil barris são vendidos a preços subsidiados a aliados, sobretudo Cuba.

As reservas internacionais caíram mais de 30% em 2013, para US$ 20,7 bilhões, o menor nível em nove anos. Com poucos dólares em caixa, o governo, que detém as divisas obtidas com as exportações petroleiras, passou a controlar ainda mais as importações, priorizando setores essenciais, como alimentos e medicamentos.

Os importadores venezuelanos devem hoje cerca de US$ 10 bilhões a fornecedores no exterior, porque não conseguem obter do Banco Central os dólares necessários para pagá-los. A dívida com os exportadores brasileiros chega a US$ 1,5 bilhão, segundo fontes. Internamente, o resultado disso foi um aumento do índice de escassez medido pelo próprio governo. Em janeiro, o indicador subiu de 22% a 28%. A inflação disparou, de 20,1% em 2012 para 56,2% em 2013.

É unanimidade na comunidade de negócios brasileira em Caracas que a fria relação entre Dilma e Maduro tem dificultado a solução de problemas das empresas do Brasil no país. Uma fonte nota que a Venezuela foi o país mais visitado por Lula durante sua gestão, entre 2003 e 2010, assim como o Brasil está no topo da lista de países visitados por Chávez no período. Enquanto presidente, Lula esteve na Venezuela em 16 ocasiões. Chávez fez 20 visitas ao Brasil.

Maduro só viajou a Brasília uma vez depois de eleito, em maio, enquanto Dilma esteve na Venezuela apenas três vezes. Na primeira, em dezembro de 2011, Chávez ainda governava. Ela voltou para o velório do líder bolivariano, em março do ano passado, e ficou apenas algumas horas no país. Foi embora antes do discurso de Maduro, para o espanto de diplomatas, empresários e outros chefes de Estado presentes. Em abril, voltou a Caracas para a posse de Maduro.

Fontes afirmam que, sentindo a falta de uma boa interlocução entre os governos, as construtoras brasileiras passaram a contar, informalmente, com a ajuda do ex-embaixador da Venezuela em Brasília Maximilien Arvelaíz para ter melhor acesso ao Miraflores. Na semana passada, porém, ele foi designado para assumir a Embaixada da Venezuela em Washington. No novo cargo, não deve ter a mesma disponibilidade para interceder pelas empresas do Brasil.

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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Potência dos Brics, Brasil agora é visto como um dos "cinco frágeis" - Valor Economico

Potência dos Brics, país agora é visto como um dos "cinco frágeis"
Mas o lugar do Brasil não é ao lado da Turquia e da Argentina ( do ponto de vista dos países com economias em crise), diz economista chefe do Credit Suisse
Tainara Machado | De São Paulo
Valor Econômico, 7/02/2014

Desde que o Federal Reserve, o Banco Central americano, sinalizou que começaria a retirar os estímulos monetários que inundaram o mundo com farta liquidez nos último anos, o Brasil tem sido colocado em más companhias na análise de alguns economistas e investidores estrangeiros.
De um Bric com elevado potencial de crescimento, o país agora é visto por alguns como um dos "cinco frágeis". Essa expressão, que reúne grupo composto por Indonésia, Índia, África do Sul e Turquia, além do Brasil, foi cunhada pelo Morgan Stanley em relatório divulgado em agosto do ano passado. No documento, o banco afirma que esses países têm em comum inflação elevada, altos déficits em conta corrente e crescimento menor como fraquezas que tendem a ser exacerbadas com a normalização da política monetária pelo Fed.

A inclusão do Brasil neste grupo, no entanto, é vista com alguma cautela por economistas ouvidos pelo Valor. O país tem alguns indicadores mais robustos do que a média dos emergentes "sob ataque", como maior relação entre investimento estrangeiro direto e déficit em conta corrente, o que diminui as chances de uma parada abrupta de fluxos de capitais para o país e permite financiamento mais suave do saldo negativo nas transações externas.
Lisa Schineller, diretora de ratings soberanos para América Latina da Standard & Poor's, afirma que a expressão reúne um mix de países, alguns com rating em nível especulativo, e reúne países com posições mais fracas que a do Brasil. Segundo Lisa, embora a S&P tenha destacado a deterioração fiscal recente como uma das razões para a perspectiva negativa, ela não foi dramática. "O Brasil tem indicadores ainda fortes em relação aos seus pares e mesmo na comparação com seu próprio histórico". A necessidade de financiamento externo em relação às reservas disponíveis, por exemplo, deve ter ficado em 67,4% em 2013, ante 89,9% em 2007, de acordo com projeções da S&P.
Ainda entre os pontos "mais fortes" listados, conta a favor o fato de que o Banco Central brasileiro começou antes desses países um ciclo de aperto monetário que já acumula aula de 3,25 pontos da taxa básica de juros desde abril. Com isso, a autoridade monetária nacional deve ter evitado uma alta abrupta e forte dos juros, como fez a Turquia recentemente para conter a desvalorização da lira.
No entanto, embora o país tenha indicadores externos mais robustos, isso não quer dizer que o país não tenha vulnerabilidades importante. Neil Shearing, economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, afirma que o Brasil pode enfrentar uma série de riscos no horizonte relevante, mas não considera que os "cinco frágeis" seja um bom termo. "Esses grupos podem formar boas expressões, mas não faz muito sentido reuni-los do ponto de vista econômico".
Em coluna publicada no Valor, o ex-ministro da Fazenda e professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Antonio Delfim Netto afirmou que cada um desses países "tem os seus próprios problemas, de forma que é, no mínimo, absurdo classificá-los num mesmo grupo".
"O que nos atrapalha não é a situação atual, mas a perspectiva de sua deterioração, que o governo precisa alterar com medidas tempestivas e não com promessas", escreveu Delfim.
Mesmo olhando o lado fiscal, diz José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o Brasil é "disparado o que tem indicadores mais fortes. O problema é que uma vez que se perde a credibilidade, não necessariamente é preciso ter indicadores piores para ser pressionado". Uma sinalização mais clara e transparente sobre a política fiscal ajudaria no processo de diferenciação do Brasil de outros emergentes, diz.
Por isso, aumenta a expectativa em torno do contingenciamento do Orçamento, que deve ser anunciado ainda na primeira quinzena de fevereiro. A S&P afirmou que "certamente" está olhando o corte de despesas e a sinalização da meta fiscal de 2014 para uma eventual decisão sobre o rating brasileiro.
O Barclays, em relatório recente, também informou que, apesar da deterioração das contas externas no ano passado, a fragilidade do Brasil nesse front tem sido de certa forma superestimada. O país, nota o banco, continua a ser credor externo líquido e as amortizações de dívida externa para 2014 somam US$ 91 bilhões, ou menos de um quarto do total de reservas.
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Lugar do Brasil não é ao lado de Turquia e Argentina, diz analista
Por Flavia Lima | De São Paulo

Em um cenário em que o México ocupa o espaço que outrora foi do Brasil entre os emergentes, o economista-chefe global do Credit Suisse, Neal Soss, diverge do consenso ao avaliar que o lugar do Brasil não é onde foi colocado pelos mercados. "Não estou certo que o Brasil mereça estar na mesma categoria que alguns países, certamente não na mesma categoria que Argentina, Turquia ou África do Sul."
O México é avaliado positivamente pelas reformas estruturais que empreendeu, sendo o símbolo delas as "mudanças no setor energético", diz o economista que falou com exclusividade ao Valor por telefone. Para ele, o Brasil também deveria se preocupar em enviar uma mensagem para a comunidade global de que se prepara para um cenário em que os desenvolvidos terão desempenho econômico melhor e, por conseguinte, juros mais altos. Para ele, um aperto orçamentário seria um bom recado.
Soss, contudo, não acredita que o país esteja parado. A decisão de começar a subir sua taxa de juros já no ano passado foi um sinal importante de "que o Brasil não quer depender de fluxos de capital estrangeiro do jeito que já dependeu no passado" e de que entende que esse cenário está se aproximando e não quer ser deixado para trás.
Para Soss, as dificuldades dos emergentes são resultado de situações específicas, como as apresentadas por economias com grandes déficits em conta corrente e que, por isso, sofrem pressões - e para Soss, o Brasil não está nesse grupo. "Turquia, África do Sul e talvez a Argentina são os verdadeiros centros das tensões que estamos vendo". Soss afasta a possibilidade do momento atual guardar semelhanças com a década de 1980 - em que o Brasil e outros países da América Latina enfrentaram uma forte crise da dívida externa - ou com a crise financeira asiática, na década seguinte. "Essa não é uma crise geral de mercados emergentes", diz Soss, que esteve pela primeira vez no Brasil em 1983.
Para ele, a chave para entender o mau humor com relação ao Brasil está no PIB. "Sou um investidor estrangeiro e acho que a questão para entender o país é o crescimento que, mais recentemente, não tem sido tão bom. As pessoas pensam nos emergentes como países que têm muito crescimento e quando isso não acontece mudam as avaliações". O Credit Suisse espera alta média de 2,75% a 3% para o PIB da América Latina, o que, segundo Soss, é "baixo para emergentes".
Diferentemente de alguns analistas, que debitam os problemas econômicos do Brasil a erros internos, Soss avalia que boa parte do baixo crescimento brasileiro se deve à recessão pela qual passou a Europa e à desaceleração da economia chinesa. "Quando os seus clientes ficam mais lentos é muito difícil continuar crescendo rapidamente", disse em referência à queda das exportações brasileiras às regiões. Para Soss, a recuperação europeia - cuja atividade deve crescer até 1,5% em 2014 revertendo baixa registrada no ano passado - será um dos gatilhos para o Brasil. Para a China, a expectativa é de expansão entre 7% ou 7,25%.
Soss avalia ainda que a economia americana tem melhoras importantes - a projeção é de alta de 3% ante 2% em 2013 -, ainda que problemas estruturais, como o investimento produtivo, continuem presentes. Mas para Soss, que o resto do mundo não se engane: o Federal Reserve toma medidas em benefício dos americanos. "O trabalho do Fed é manter a estabilidade de preços e amparar o mercado de trabalho americano." Não há, porém, indícios de que os juros devam subir antes de 2015, "talvez até além disso". "E, quando começarem, será em um ritmo lento."
Após alguns anos de experiência no Fed de Nova York e também no governo daquele Estado, na década de 80, Soss diz que a lição que tirou dos anos de vida pública foi que os desequilíbrios devem ser evitados, porque as correções são, quase por definição, muito dolorosas. Quando estava no governo, conta, Nova York passava por uma grande crise financeira e os bancos pararam de emprestar. A lição é que não se deve emprestar tão livremente quando as coisas vão bem, porque, uma vez na crise, vai ser preciso fazer coisas horríveis, como aumentar juros ou cortar gastos públicos. "Parecido com a crise dos emergentes, não?".

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Brasil: o Estado como principal fora-da-lei, o grande contraventor da ordem legal...

Populismo no debate dos planos econômicos
Por Cristiano Romero
Valor Econômico, 04/12/2013

Há uma dose considerável de populismo e maniqueísmo no tratamento dado ao tema da correção monetária nos planos econômicos. O caso está sendo analisado, erradamente, como se os bancos tivessem tungado os poupadores.

Na verdade, os bancos cumpriram as leis da época e, se por um lado obtiveram ganhos ao aplicar um redutor na correção dos saldos da caderneta de poupança, por outro sofreram perdas em seus ativos - na correção dos empréstimos imobiliários, concedidos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com recursos da caderneta.

Se alguém é passível de questionamento na Justiça, é o Estado brasileiro, responsável pelas leis que puseram os planos econômicos de pé. Tentar obrigar as instituições financeiras a bancar uma conta que não é sua cria um precedente perigoso. Os cidadãos passarão a recorrer à Justiça contra empresas toda vez que considerarem que seus interesses foram contrariados, mesmo sabendo que as firmas não criaram as regras, mas apenas as cumpriram.

Responsável por regras dos planos foi o Estado e não os bancos

A caderneta de poupança é um produto financeiro totalmente regulado pelo governo. A correção é fixa e a aplicação dos recursos, idem. O crédito gerado a partir de seus recursos é direcionado: só pode ser destinado a financiamentos habitacionais e da agricultura.

"No caso específico da caderneta de poupança, os bancos realmente não têm nada a ver com isso. Eles recebem do governo ordens claras com relação ao que podem cobrar na captação e na aplicação desses recursos no SFH", diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. "[Os bancos] atuaram de forma casada: ativos e passivos sofreram o mesmo efeito da regra imposta pelo governo."

O argumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que os bancos devem pagar a conta porque já lucraram demais, é despropositado. Baseia-se num preconceito bem brasileiro, segundo o qual, os bancos são entidades diabólicas, sempre prontas a surrupiar dinheiro dos pobres clientes e, o que dirá, dos poupadores. Não deveria ser o raciocínio que se espera de um magistrado da principal corte do país.

"Esse argumento de que não há um problema porque os bancos têm condições de arcar com os custos não me parece ser algo de natureza constitucional", assinala Armínio.

É curioso que não passem pela cabeça dos maniqueístas dois fatos relativos aos bancos: eles são regulados pelo Banco Central e obtêm lucros fabulosos, em grande medida, graças ao desequilíbrio fiscal do Estado.

Os planos econômicos cometeram, de fato, arbitrariedades na tentativa de debelar a inflação crônica que prevaleceu no Brasil nos anos 80 e até meados dos 90 do século passado. Talvez, o mais opressivo de todos tenha sido o Plano Collor 1, que confiscou não só a poupança, mas também as contas correntes e tudo onde havia recursos lastreados em papéis da dívida pública.

"Muitos desses planos econômicos não foram realmente brilhantes, mas o fato é que a questão era bastante complicada. Os governantes têm que tomar providências e, com frequência, tomam decisões sob condições de imensa incerteza e muita pressão e essas decisões têm consequência", observa Armínio, hoje sócio da Gávea Investimentos. "Avaliar tudo com base nas consequências me parece um extremo. Isso vai engessar demais o governo daqui para frente."

O ex-presidente do BC reconhece que dar carta branca ao governo para fazer qualquer coisa e prejudicar o cidadão e não arcar com os custos também é "algo grave". O Brasil deveria tirar lições do passado. Não se deve esquecer, por exemplo, que o STF aprovou o confisco.

"Penso que, a longo prazo, é bom também que o governo tenha que se submeter a uma disciplina e a honrar contratos. É saudável que o Brasil seja um país onde se possa processar o governo, ganhar e receber e não ser perseguido por isso. Em vários dos países emergentes, isso é impensável. Na China e na Rússia, por exemplo", diz Armínio.

O STF adiou o julgamento dos planos econômicos para 2014. O ânimo predominante no tribunal é por dar ganho de causa aos poupadores, mas é provável que, dadas as consequências desastrosas dessa decisão não só para os bancos mas para o país como um todo, opte-se ou por um ganho parcial, limitado a um plano econômico e não a todos, ou por uma solução negociada com o governo, resultando na transferência da conta à Viúva. Em qualquer uma dessas opções, perde o país e ganham uma minoria e seus advogados.

A decisão do governo de não dar à Petrobras uma regra que lhe permita corrigir o preço dos combustíveis de acordo com a flutuação dos preços internacionais está sendo encarada, por investidores pesos-pesados, como o sinal definitivo de que a presidente Dilma Rousseff não pretende voltar atrás em seu modelo de gestão, nem mesmo confrontada com as consequências da deterioração fiscal (com efeitos perversos sobre as taxas de juros cobradas de consumidores e empresas), do baixo crescimento do PIB, do encolhimento do investimento, do aumento da vulnerabilidade externa provocada pela elevação do déficit em transações correntes, da retomada da contabilidade criativa (revelada pela repórter Leandra Peres, do Valor).

A contradição do governo no caso Petrobras é gritante. Foi Brasília quem aumentou as atribuições da estatal ao torná-la monopolista na operação do pré-sal e ao obrigá-la a ter, no mínimo, 30% do capital de cada consórcio. Para fazer frente à nova realidade, a companhia elaborou, para os próximos anos, o que muitos chamam de "maior plano de investimento de uma empresa no mundo". Garroteada pelo controle dos preços dos combustíveis, não gera recursos suficientes para bancar esse plano e pode ter dificuldade para captá-los no mercado.

A decisão contrária à Petrobras tem pelo menos dois significados que vão além do petróleo. Mostra que o governo pretende continuar controlando a inflação por outros meios que não a taxa de juros e o controle dos gastos públicos e enfraquece a presidente da estatal, Graça Foster, que vinha fazendo um elogiado trabalho de saneamento desde que assumiu o posto, em fevereiro de 2012. Para muitos, se a situação não se inverter, Graça não terá condições de permanecer à frente do cargo.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Politica Externa Brasileira - Entrevista com o novo Chanceler (Valor)

Um encontro com o novo chanceler
Rosângela Bittar *
Valor Econômico, 20/11/2013

A política externa com iniciativa e não reativa, como parece. Com definição de rumos para atualizar as relações do Brasil com o mundo - com a China, com a União Europeia, com os Estados Unidos, com os andinos, com os países da África. Que agregue os temas novos da sociedade brasileira e não se limite aos clássicos e permanentes. Há o mundo novo do século 21 a explorar: os direitos humanos, as questões sociais, o racismo, o grupo LGBT, a inclusão, a internet, atualidades que precisam ser contempladas na política externa, sem abandonar a tradicional agenda da paz e da segurança, da cooperação regional, de integração, do comércio exterior. E a criação de instâncias de pensamento e debate na estrutura do Itamaraty, abrindo a casa para que perca a má fama de caixa preta do governo e se apresente à sociedade civil, aos empresários, às organizações sociais, à academia.
São princípios percebidos com clareza em uma conversa, na véspera do último feriado, com o novo chanceler do Brasil que assumiu o cargo no fim de agosto, Luiz Alberto Figueiredo. O ministro não concorda com decepções do respeitável público, ou de sua interlocutora, que veem o governo brasileiro se arrastar em uma política externa ditada pelos presidentes populistas da sudamérica, pelos africanos, pelos ditadores árabes, por quem der mais, seja em comércio, seja em afinidade ideológica. Luiz Alberto Figueiredo recusa a ideia de que o Brasil está fazendo a política externa exclusivamente na reação aos acidentes diplomáticos.
O Mais Médicos é uma medida de política externa pela via da política interna, uma iniciativa para disfarçar ajuda a fundo perdido a Cuba? "Não, é um programa fundamental interno, uma necessidade da população brasileira", responde a isso como responde a tudo com naturalidade.
"Espionagem à parte, precisamos nos debruçar no estudo e no debate sobre a questão da Internet", afirma, citando de passagem e indiretamente o grande contencioso mais recente com os Estados Unidos para introduzir os novos temas que pretende abrigar na política externa.
Sobre o que se fez com o embaixador americano Thomas Shannon que, segundo relato da "Folha de S. Paulo", saiu do Brasil escorraçado, hostilizado pelo governo, Figueiredo deixa passar o comentário sem comentários, meio a outros acidentes citados à sua consideração sobre a política reativa do Brasil. De que é exemplo, também, o episódio que o levou ao governo Dilma com a demissão do antecessor: o translado do senador boliviano asilado na embaixada brasileira em La Paz. "O caso do senador boliviano está sendo examinado pelo Conare, o conselho de refugiados, e o do diplomata Eduardo Saboia, que respondia pela embaixada à época da concessão do asilo, por uma comissão do Itamaraty", relata. Sem entrar em méritos, completa: "Isso está tendo seu curso normal, vai durar o tempo que a defesa quiser que dure".
Os laços que unem o Brasil de maneira preponderante aos interesses de Evo Morales, Nicolás Maduro, Raul Castro, Rafael Correia, Cristina Kirchner, não se confundem com uma inédita e intensa partidarização da política externa? "Eu não tenho partido", diz o ministro, que informa já ter servido como diplomata a vários governos, de diferentes orientações. "Mas é natural que a política externa reflita as orientações do governo", completa, com outra de suas assertivas.
Luiz Alberto Figueiredo seguiu esta semana para uma série de viagens para reuniões bilaterais com Moscou, Haiti, Noruega, passará na Polônia, onde transcorre a Conferência do Clima, para marcar posição política do governo brasileiro de apoio às negociações,. De lá, Figueiredo tem uma pausa de um dia e segue para Bali, rumo às negociações, que se esperam duríssimas, da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No início de dezembro, participa dos entendimentos Mercosul-União Europeia. "Como isto está num processo bastante adiantado, nossa perspectiva é, até o fim do ano, por volta do dia 15, nós e os europeus trocarmos as ofertas para começar uma negociação", informou.
Uma política em curso, uma nova em formulação por duas instâncias criadas pelo novo ministro para debater a política externa. Luiz Alberto Figueiredo determinou a elaboração do livro branco da política externa em que, por escrito, se vai afirmar qual é a política que se quer ver debatida pela sociedade.
Um dos grupos estará na Secretaria de Planejamento Diplomático, que mudará seu nome para Planejamento de Política Externa. O outro é um Conselho com integrantes do governo e da sociedade.
O ministro está levando à chancelaria um especialista, profundo conhecedor de China, que estava na Embaixada do Brasil naquele país, além de experts nos novos temas que pretende incluir nos papers e manuais, como as questões sociais.
Figueiredo quer chegar a uma política externa que olhe para a frente e, sobre ela, quer conversar com todos, que enumera: academia, sociedade civil, empresariado, movimentos sociais. "Queremos ouvir e explicar o que estamos fazendo e porque estamos fazendo. A prestação de contas faz parte da minha função", afirma.
O Brasil está sendo empurrado às transformações até pelo interesse dos outros países pela forma como algumas questões avançaram por aqui. "Os presidentes que vêm se interessam pelas tecnologias sociais do Brasil. Como o Brasil conseguiu superar o dogma econômico da década de 80, o de crescer e tirar gente da pobreza ao mesmo tempo. Isso tem que entrar na política externa".
Foi para isto que reestruturou suas unidades de pensamento político, mudanças que atingirão, também, o Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas, com a criação de novas disciplinas e muita conferência sobre as questões de hoje que interessam a todos. O chanceler não se furta a dirimir um falso antagonismo que tem sido colocado como exigência da presidente da República. Dilma gostaria de ter "mais política externa e menos diplomacia", é o que se diz. A diplomacia, explica Figueiredo, é o instrumento, os diplomatas aprendem a manejá-lo. O que é necessário é ter uma política externa para a diplomacia trabalhar.

* Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Itamaraty e o poder - Monica Gugliano (Valor)

Sob nova direção
Monica Gugliano
Para o Valor, de Brasília, 11/10/2013

Ao substituir Antonio Patriota por Luiz Alberto Figueiredo, Dilma decidiu que havia chegado a hora de mudar, mas não apenas o titular do Ministério
Na Esplanada dos Ministérios, a Casa do Barão do Rio Branco, tão conhecida pela eloquência, está em silêncio. Não é a primeira vez nem será a última em que divergências afetam as relações entre quem deve formular a política externa, no caso a presidente da República, e aqueles que devem executá-la, os diplomatas. "Ela não aprecia as tradições, os protocolos, os hábitos. Não demonstra paciência para as longas conversas. Detesta tanta pompa e tanta cautela. Há uma intransponível incompatibilidade de gênios entre a presidente e o Itamaraty", explica um auxiliar da presidente. Se o temperamento de Dilma não se casa com os costumes da diplomacia, servidores reclamam de sua impaciência e das cobranças ríspidas. "A sensação é de que os diplomatas são um estorvo e que a diplomacia não serve para nada", queixa-se um graduado diplomata, servindo no exterior.
Ao demitir, há pouco mais de dois meses, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, Dilma decidiu que havia chegado a hora de mudar. Mas não apenas o titular da pasta, substituído imediatamente pelo embaixador Luiz Alberto Figueiredo. A presidente, segundo interlocutores, quer arejar o estilo e as práticas de uma das mais antigas instituições brasileiras. Até mesmo o Instituto Rio Branco, a escola que forma os diplomatas, deverá ser atingida. Na última formatura, Dilma perguntou a um assessor: "Quantos são engenheiros?" Nenhum era. Engenheiros, acredita a presidente, teriam uma visão mais objetiva e direta para solucionar os problemas e desafios apresentados por um mundo tão complexo como o do século XXI. Mas a carreira desperta maior interesse entre formados em áreas humanas, como filosofia, história, direito, sociologia, relações internacionais e outras afins. Isso, porém, não significa que profissionais das ciências exatas sejam inexistentes no Itamaraty. O atual diretor- geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Roberto Azevedo, formou-se em engenharia elétrica pela Universidade de Brasília (UNB).
O Brasil tem 141 representações no exterior e o Instituto Rio Branco abre uma média de 30 vagas por ano para o curso de diplomata. Depois de dois anos, os aprovados estão aptos a começar a carreira como terceiro-secretário, recebendo um salário de pouco mais de R$ 13.000. Dali em diante, seguirão galgando postos e promoções de acordo com seus méritos e suas boas relações. Podem levar mais de 20 anos para chegar a embaixador. Muitos nem chegarão. Assim como poucos também chegam ao posto máximo (general, almirante ou brigadeiro de quatro estrelas) nas Forças Armadas. As carreiras têm semelhanças, a começar pela rígida hierarquia.

O concursos para o Instituto Rio Branco é um dos mais difíceis exames de ingresso para uma função pública no país. Há uma média de 260 candidatos por vaga. As provas são rigorosas, exigem conhecimentos sólidos de história, relações internacionais, inglês avançado, francês e espanhol razoável. Mas agora, se depender da vontade da presidente, exames e curso terão mais exigências. Ela acha que os futuros representantes do país no exterior devem aprender e saber expressar-se em árabe, mandarim e russo, além dos imprescindíveis inglês, francês e espanhol. A presidente defende também que os jovens estudantes intensifiquem o conhecimento de relações comerciais e negócios e que reforcem o domínio do uso das redes sociais. É provável que as novas qualificações requeridas, no entanto, não afastem os candidatos.
Mas a presidente quer outras mudanças, que vão atingir a carreira naquilo que ela tem de mais estereotipado: o glamour. Dilma mandou cortar os orçamentos das representações no exterior destinados a almoços, jantares, coquetéis, aluguéis de carros. Ela, dizem seus assessores, acha que esses eventos são desperdício de tempo. Os diplomatas discordam e afirmam que os eventos constroem relações que resultam em negócios e oportunidades. "O Itamaraty sempre fez isso. É uma das chancelarias mais profissionais do mundo. A diplomacia é uma carreira de Estado. A presidente, é claro, pode promover mudanças. Mas elas não vão alterar os alicerces do que fazemos há um século, quase", afirma um embaixador.
Os alicerces das relações internacionais estão consolidados na Constituição, que acaba de completar 25 anos. O artigo 4º diz que o Brasil segue os princípios da independência nacional, dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, da não intervenção e da igualdade entre os Estados. Assim como o Barão do Rio Branco traçou parte das fronteiras nacionais optando pelo caminho do diálogo, o Brasil prega e defende a solução pacífica dos conflitos, repudia o terrorismo e o racismo. Por último, num parágrafo único está dito que o país buscará formar uma comunidade latino-americana de nações, por meio da integração econômica, social e cultural dos povos da região.

Se os princípios estão na Constituição, a maneira de interpretá-los e até de implementar as ações é muito particular de cada chefe de Estado. Nos últimos tempos, dois temas disputam a atenção de diplomatas e acadêmicos. Um deles é o de que a presidente Dilma gosta da política externa, mas não da diplomacia. O diplomata inglês Harold Nicolson, autor de um clássico sobre o tema, diz que a diplomacia é o meio pelo qual se executa a política externa. Portanto, seriam indissociáveis. "A presidente Dilma tem uma visão estreita do dia a dia da diplomacia. É por isso que os diplomatas atualmente se sentem tão marginalizados. Ela não entende que é impossível separar diplomacia e política externa. Ela não entende que os tempos das ações são diferentes. Não há comparação entre erguer um prédio e construir uma boa relação entre Estados", afirma o embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero.
Outro tema é que os partidos políticos têm usado a política externa para colher dividendos eleitorais internamente. É a chamada partidarização da política externa. "Isso é um assunto de Estado. A política externa é de Estado. O presidente da República conduz a política externa e dará ênfase aos assuntos que considerar mais importantes. Mas essa política não pode ser resumida aos objetivos de um partido", observa Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores do governo de Fernando Henrique Cardoso.
O cientista político e superintendente executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, diz que a política externa dos governos do PT incorporou o que há de pior no conceito da partidarização. "O petismo percebeu que a política externa passou a pagar dividendos internos e soube trabalhar esse tema. Lula, principalmente, passou a usar slogans que cabem muito mais numa campanha eleitoral do que numa política que se supõe de Estado e de longo prazo", critica Fausto. O slogan ao qual se refere é "uma política altiva e ativa", cunhado durante a gestão do ministro das Relações Exteriores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o embaixador Celso Amorim. A frase era uma crítica direta a Celso Lafer, que concordara em tirar os sapatos para submeter-se a uma revista em um aeroporto americano.
Lafer fala do assunto até hoje com naturalidade. "Tirei os sapatos, sim. Achei que não cabia criar caso e dar carteirada", conta. Fausto é mais duro. "Essa ideia é uma bobagem. É como se tudo que não fosse a tal política altiva e ativa fosse submissão aos interesses externos. E não é verdade. Ou vamos dizer que Fernando Henrique foi um presidente submisso?"

Há um fato, porém, que mesmo entre opositores políticos, é incontestável. A rara afinidade que existiu entre o ex-presidente Lula e o ministro Amorim fez o Itamaraty viver uma "era de ouro e prestígio" e, do chanceler, o estrategista dos grandes objetivos da política externa de Lula: a mobilização por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU; a inserção e a busca de voz ativa para o Brasil nos mais importantes organismos internacionais e, também, a ênfase no papel de liderança do Brasil na América Latina. Sem esquecer, é claro, de ações como a polêmica intermediação do diálogo entre Irã e Turquia, que acabou derrubada pelos Estados Unidos.
"Os partidos tendem a exagerar as diferenças", diz a professora do Instituto de Relações Internacionais da USP Maria Hermínia Tavares de Almeida. Ela coordenou uma equipe, composta também pelos professores Janina Onuki, Leandro Piquet Carneiro e Feliciano de Sá Guimarães, que realizou a pesquisa "O Brasil, as Américas e o Mundo - Opinião Pública e Política Externa". O estudo mostra que 85% dos pesquisados consideram que o país conseguiu firmar uma imagem de independência perante o mundo. Mais de 90% acreditam que o Brasil terá um papel mais importante nos próximos anos. A maior parte dos entrevistados é de um público considerado informado e interessado pelo tema. "Em regimes democráticos, existem pontos de vista diferentes sobre como chegar a determinados objetivos. Mas, sejam quais forem os dos políticos brasileiros, é inegável que nossos governantes buscam um papel de destaque para o Brasil na comunidade internacional, buscam o protagonismo", explica a professora.
Uma linha do tempo traçada a partir da redemocratização do Brasil permitirá perceber essa busca em maior ou menor dimensão. José Sarney, apesar de envolvido em consolidar a frágil democracia brasileira e consumido pela hiperinflação, ainda assim teria começado a plantar as primeiras sementes do Mercosul; Fernando Collor, apesar de ter vivido parte de seu mandato encurralado pelas denúncias que o levaram ao impeachment, iniciou a abertura do país ao mundo. Itamar Franco teve pouco tempo e menos gosto ainda para tratar da política externa. Assim, coube a Fernando Henrique Cardoso, chanceler dele próprio, como se costumava dizer em Brasília, retomar o gosto e a importância pela diplomacia e pelas relações internacionais. E Lula, aproveitando ventos favoráveis no mundo e na estabilidade herdada de seu antecessor, consolidou conquistas. A grande diferença entre Fernando Henrique e Lula, dizem os analistas, é que, enquanto o primeiro deu muita ênfase ao aspecto comercial das relações, o segundo teria priorizado a política. Esses mesmos analistas citam como exemplo o Mercosul. Fernando Henrique teria visto o grupo como uma forma de fortalecer o continente em negociações comerciais diante de outros blocos. Lula teria buscado a unificação por aspectos políticos.

De acordo com a professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ e coordenadora do Observatório Político Sul Americano, Maria Regina Soares de Lima, a politização ou partidarização da política externa é, muitas vezes, interpretada como algo negativo. "A ideia é que essa característica afastaria a política externa das orientações, princípios e normas emanados de um suposto interesse nacional", diz, e acrescenta: "É uma das políticas de qualquer governo. A oposição também usa o tema partidariamente, ao criticar a atual condução que se dá ao tema".
Em julho deste ano, durante a Conferência Nacional "2002-2013", promovida pela Universidade Federal do ABC e pelo Grupo de Reflexão de Relações Internacionais, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, abriu sua palestra tocando exatamente nesse ponto. Ao observar que o debate acontecia 34

numa sala batizada com o nome do ex-ministro San Tiago Dantas, considerado um dos criadores da chamada política externa independente - ao lado de Afonso Arinos e João Augusto de Araújo Castro - Marco Aurélio reafirmou sua convicção de que a política externa tem, sim, muito a ver com política interna. "Diz-se que, nos últimos dez anos, o governo petista introduziu a cizânia na política externa brasileira. Falam, também, que ideias antes consensuais passaram a dividir o Brasil. Isso é uma mentira. A política externa sempre dividiu. E todos que conduziram o assunto com independência sofreram pesadas críticas dos antecessores dos governos de Lula e Dilma. Se a política externa não dividisse e todos concordassem, isso seria o totalitarismo."

Em artigo com o título "A politização da política externa - Fazer Política externa lá fora é fácil, o difícil é fazê-la aqui dentro", a professora Maria Regina recorda que o embaixador Ítalo Zappa, um dos principais construtores da política para a África do governo Geisel, costumava dizer que a politização da política externa era a demonstração de que as decisões, ainda que tomadas em relação a outros Estados, não eram o fruto de uma vontade única. Zappa referia-se à negociação política interna que Geisel conduzira para convencer e persuadir a chamada "linha dura" do regime militar de que era necessário reconhecer o governo socialista de Angola, em 1975.
Em longa entrevista ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, organizada por Maria Celina D'Araújo e Celso de Castro, o ex-presidente Geisel expressou um pensamento sobre os diplomatas semelhante ao que se atribui à presidente Dilma: " A diplomacia é muito sutil. Nem sempre concordei com os diplomatas". Um dos temas em que ele mais discordava era também a relação entre Brasil e Estados Unidos. Geisel, assinala Octávio Amorim Neto, cientista político e professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), rompeu o paradigma que vigorara até o governo Médici, de convergência com os americanos.

No livro "De Dutra a Lula - A Condução e os Determinantes da Política Externa Brasileira", Amorim Neto pesquisa as relações entre Estados Unidos e Brasil. Utilizando as votações nas Nações Unidas para medir a convergência entre os dois países, o professor mostra que o Brasil mais divergiu do que concordou com a potência mundial. E isso não é recente. É uma postura que vem desde a metade do século passado, quando, após a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, os governantes perceberam que o fato de haver mandado tropas à Europa não garantiria aos brasileiros um tratamento diferenciado no continente. "Mas é bom assinalar que nossa trajetória com os americanos quase sempre teve um padrão marcado por decepções mútuas.

Agora, com a última crise, [as relações] não são hostis. Mas se tornaram completamente frias", assinala o professor.
Com o cancelamento da visita de Estado que a presidente Dilma faria este mês a Washington, as relações bilaterais praticamente congelaram. Para a presidente, não há explicação que justifique a espionagem americana aos seus documentos pessoais, aos de empresas e órgãos brasileiros. Uma visita de Estado, simploriamente, poderia ser comparada a um baile de gala entre países. É recheada de simbolismos, embora nem sempre traga resultados concretos como aqueles tão prezados pela presidente. Basicamente, o encontro sela um grau de amizade, de proximidade. O último presidente brasileiro a fazer uma visita com esse status aos Estados Unidos foi Fernando Henrique Cardoso, recebido por Bill Clinton. Talvez, Dilma, entre outros tantos argumentos que discutiu com seus assessores ao decidir cancelar a viagem, tenha lembrado de uma das fotos em que Fernando Henrique e dona Ruth, em trajes de gala, posavam ao lado do casal Clinton na Casa Branca, para dizer que, em meio às notícias da espionagem, não se prestaria a posar para retratos festivos com os Obama.

No Palácio do Itamaraty, o prédio de linhas espetaculares projetado por Oscar Niemeyer, repleto de obras de arte, tapetes e antiguidades, os diplomatas esperam que a gestão do embaixador Luiz Alberto Figueiredo traga dias menos tumultuados. Mas, enquanto ele vai tomando pé da situação e tenta implementar as primeiras mudanças ordenadas por Dilma, servidores da casa, em tom de brincadeira, gostam de contar a seguinte história, para explicar qual seria a diplomacia ideal: "A rainha Vitória soubera que o embaixador britânico fora humilhado publicamente pelo então ditador boliviano Mariano Melgarejo. O episódio, que teria acontecido por volta de 1870, enfureceu a soberana. Convencida de que deveria reagir sem piedade, ela mandou que lhe mostrassem o mapa-múndi. Viu que a Bolívia, cercada por Chile e Peru de um lado e pelo Brasil de outro, era inatingível pelo mar. A não ser que ordenasse um ataque por terra - uma guerra longa e caríssima - a reação pretendida seria impossível. Vitória resolveu o problema com um gesto simples: riscou a Bolívia do mapa das Américas. O país não mais existiria".

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Economia brasileira e eleicoes: a conta da gastanca chegou - Cristiano Romero (Valor)

Tinha de chegar, um dia. Essa coisa de viver da bonança do crédito fácil e da demanda internacional um dia tinha de acabar. Acabou. Duras realidades para nossos keynesianos de botequim: vão ter agora de aplicar as mesmas políticas que antes criticavam nos seus "adversários" políticos, que na verdade consideravam como seus inimigos e inimigos do Brasil. Nunca antes a inconsciência foi tão grande; nunca antes tantos erros foram cometidos por tantos em tão pouco tempo. Nunca antes saímos de boas perspectivas, para afundar na mesmice da estagnação, ou talvez sim.
Como diria o Roberto Campos, o Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades.
Paulo Roberto de Almeida


A conta chegou


Cristiano Romero
Valor Econômico, 12/06/2013
O nervosismo do mercado nos últimos dias, com reflexos nos segmentos de juros, câmbio e ações, mostra que chegou ao fim, pelo menos para os países emergentes, a era de experimentalismos em matéria de política econômica. Começa a se fechar a janela de oportunidade, propiciada pelo excesso de liquidez no mundo, para realização de reformas estruturais. O Brasil está saindo do ciclo internacional de liquidez com inflação mais alta, crescimento menor, baixa taxa de investimento, déficit externo crescente, deterioração das contas públicas e credibilidade abalada.
Nos últimos dois anos, o governo Dilma Rousseff abandonou o tripé de política econômica que regia o país havia 12 anos, sob a justificativa de que a crise nas economias avançadas teria efeito desinflacionário no restante do planeta e abriria, assim, uma oportunidade para o Brasil mudar seu equilíbrio macroeconômico. O país substituiria o binômio juro alto-câmbio apreciado por um bem mais vantajoso: juro baixo-câmbio competitivo.
Numa apresentação feita em novembro de 2011 e intitulada "Além do Consenso de Washington", o então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, deu a senha das mudanças. Segundo ele, "uma política pró-crescimento é consistente com a estabilidade macro, desde que se evitem escolhas extremas". Por escolhas extremas, ele denominava aquelas que prevaleceram durante a maior parte do governo Lula, a quem também serviu - em livro publicado pela Fundação Perseu Abramo em 2010, Barbosa tachara a gestão Antonio Palocci na Fazenda (2003-2006) de "neoliberal".
Sem reforço fiscal, ajuste recairá sobre consumo das famílias
O fato é que o secretário, gozando então de grande prestígio junto à presidente Dilma, disse que, dali em diante, o tripé funcionaria da seguinte maneira: "Metas de inflação com redução na taxa real de juro e aceleração do crescimento; câmbio flutuante com acumulação de reservas internacionais e regulação dos fluxos de capital; metas fiscais com aumento nas transferências de renda e no investimento público".
A rigor, a taxa de câmbio passou a ser administrada, a conta de capitais foi parcialmente fechada, o superávit primário foi reduzido drasticamente e o Copom perdeu autonomia para fixar a taxa de juro, passando a viver sob forte cerco da Fazenda e do Palácio do Planalto. A primeira perna do tripé flexibilizado já mostrava que se tratava de um manifesto político, mais do que de uma decisão econômica, afinal, quem não quer reduzir juros e acelerar o PIB?
À medida que o "novo" equilíbrio macroeconômico foi resultando inútil do ponto de vista do crescimento econômico - o PIB médio anual do período Dilma é o menor desde a gestão Collor (1990-1992) -, o governo passou a adotar uma série de medidas pontuais para estimular o consumo. Mais uma vez, os estímulos não funcionaram. Diante da alta da inflação e da perda de credibilidade e previsibilidade da política, sem dúvida um desincentivo ao investimento privado, a Fazenda lançou mão de um sem-número de medidas fiscais para segurar os preços - o objetivo era impedir que o BC elevasse os juros.
Essa gestão macro contaminou o que o governo Dilma tem de melhor: uma agenda para estimular o setor privado a liderar os investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Em que pese uma clara má vontade dos mercados em relação aos propósitos da presidente nessas áreas, além das idas e vindas do governo na definição das regras do jogo, trata-se de algo inédito - Dilma reconheceu, contra a vontade de seu partido, a incapacidade do Estado de tocar investimentos em infraestrutura e anunciou que o país não será socialmente justo se não tiver uma economia competitiva.
É impressionante como esse ímpeto liberalizante não combina com a gestão macroeconômica. Esta tem sido marcada por improvisos, pacotes a toda hora, malabarismos contábeis, desorganização do que estava organizado (o controle do endividamento dos entes federativos, por exemplo). Claramente, a presidente não teve sangue-frio para implantar sua agenda micro, cujos efeitos vão se dar no médio e longo prazo, enquanto assistia a um período, provavelmente temporário, de crescimento mais baixo da economia.
A conta chegou e veio puxada pela expectativa de investidores nacionais e estrangeiros de que o banco central americano acabará, antes do esperado, com a política de afrouxamento monetário iniciada em 2008. Ao respaldar o início de um novo ciclo de alta dos juros e a decisão do BC de deixar o câmbio flutuar, o governo Dilma reconheceu que o momento é difícil e que suas políticas precisavam de correção de rumo. É o que está ocorrendo.
Falta, agora, colocar de pé uma política fiscal que dê respaldo às políticas cambial e monetária. Não faz sentido o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentar a taxa básica de juros (Selic), enquanto o governo segue expandindo os gastos públicos. A dúvida está posta: o Comitê está subindo os juros para frear a demanda agregada ou apenas o consumo das famílias?
Em entrevista ao Valor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo não aumentará os juros dos empréstimos com fundos públicos. Isto significa que o BC terá que aplicar uma dose mais forte de juros para conter o consumo das famílias e das pequenas e médias empresas, que têm acesso reduzido ao dinheiro subsidiado do BNDES. Para realizar a tarefa, portanto, o Copom terá que gerar mais desemprego para que as famílias consumam menos. É isso o que a presidente quer?
As últimas pesquisas de opinião mostram que Dilma já está começando a pagar, com perda de popularidade, a conta dos equívocos da política econômica. Com mais de 50% de aprovação, ela ainda é favorita à reeleição em 2014. Mas seu eleitorado está começando a encolher.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

terça-feira, 28 de maio de 2013

Roberto Civita, um outro retrato empresarial e humano - Cynthia Malta (Valor)


ROBERTO CIVITA (1936-2013)

Morre Roberto Civita, aos 76 anos

Por Cynthia Malta em 28/05/2013 na edição 748
Reproduzido do Valor Econômico, 27/5/2013; título original “Morre Roberto Civita, controlador do Grupo Abril, aos 76 anos”, intertítulos do OI
Roberto Civita, dono da maior editora de revistas da América Latina, morreu ontem em São Paulo, aos 76 anos. O controlador do Grupo Abril estava hospitalizado nos últimos três meses no Sírio Libanês, por complicações decorrentes de cirurgia para a colocação de stent abdominal. Seu filho Giancarlo Civita, vice-presidente do conselho de administração do grupo, ocupava interinamente as funções de Roberto, que presidia o conselho.
Criador e editor-chefe de Veja desde o seu lançamento em 1968, Roberto Civita assumiu a presidência da Abril em 1990. Nasceu em Milão, em 1936. É formado em Jornalismo e em Economia pela Wharton School, da Universidade da Pensilvânia e tem pós-graduação em Sociologia pela Universidade de Colúmbia. Sua família controla, por meio de uma holding, a Abrilpar, a Abril S.A. e a Abril Educação S.A, além de uma série de outros empreendimentos. A Abril Educação, no início de 2010, passou a atuar separadamente da Abril S.A. por meio de uma reorganização societária, sendo uma empresa de capital aberto
Roberto Civita deixou a Itália com 2 anos e meio. O pai, Victor Civita, fundador do grupo Abril, nasceu em Nova York e a mãe, Sylvana, em Roma. “Ela era mais forte do que ele. Sotaque italiano muito forte e, quando perguntavam 'a senhora é italiana?', respondia: 'No. Romana'“, contou Roberto ao Valor, em uma entrevista concedida em março do ano passado.
Ele morou em Nova York até os 12 anos, mas passou a adolescência no Brasil, onde se formou na Graded School, na zona sul de São Paulo. O adolescente bom de matemática ganhou uma bolsa para estudar física no Texas. Sua turma era de 400 alunos. Nos primeiros exames, ficou em segundo lugar: “Um cara fantástico, em primeiro lugar; um cara bom, eu; e o resto, que não ia ser físico nunca!”
Projeto problemático
Ele mesmo não ficou muito tempo na física. Olhando para trás, achava que poderia ter sido cientista, mas não seria “muito bom nem feliz”. O jovem Roberto perguntou-se o que sabia fazer bem. “Sei escrever bem. Fui diretor do jornal da Graded, trabalhei no jornal da universidade. Gostava de teatro, lia vorazmente. Pensei: 'Pare de lutar contra, vá a favor'.”
Seu pai, nessa época, já havia fundado a Editora Abril. Publicava revistas da Disney, como O Pato Donald, e fotonovelas.
Roberto Civita foi fazer, então, economia na Wharton Business School e jornalismo – os dois cursos, simultaneamente. Terminadas as duas faculdades, no fim dos anos 1950, foi selecionado, ao lado de cinco jovens em meio a dois mil candidatos, para estagiar na revista Time, então no auge de seu prestígio. Concluído o estágio, passou a ganhar “salário de gente”, três vezes maior do que o de trainee, e foi convidado a ser o número dois daTime na região do Pacífico. Mas o pai tinha outros projetos para ele. Mandou passagem para um encontro em São Paulo.
Victor perguntou o que Roberto queria fazer na vida. “Ah, mudar o mundo, claro, né?”. O pai ponderou: “Você já se deu conta de que aqui teria mais alavancagem? No Hemisfério Norte está cheio de jovens inteligentes, bem preparados. Aqui tem pouca gente inteligente, bem preparada.”
Roberto disse que queria fazer uma revista de informação semanal, como a Time, uma revista de negócios como aFortune e uma revista como a Playboy. O pai prometeu que prepararia a empresa. Roberto acabou concordando. “Foi o encontro mais importante que tive com meu pai... Eu me lembro dele todos os dias.”
Para Civita, conhecido nos corredores da Abril como Doutor Roberto ou pela sigla RC, o pai, que usava a sigla VC, era um homem carinhoso e exigente. “A expectativa dele era alta. Dele e a da minha mãe. E põe alta nisso.”
O pai o proibiu de dirigir, nos anos 80, quando Roberto já tinha mais de 40. Distraído, conversando ou lendo, ele se perdia na cidade ou batia no carro da frente.
Sob seu comando, a Abril lançou as revistas Quatro RodasClaudiaExame e Realidade. Depois desta, a Veja, que demorou a dar lucro. “Nos primeiros quatro anos, a revista perdia todo o dinheiro que a Abril ganhava. Tudo o que fazíamos de um lado sumia no ralo do outro”, lembrou Roberto. Hoje vende 1,1 milhão de exemplares e responde por cerca de 50% da publicidade vendida pela Editora Abril.
O fracasso inicial de Veja não foi o único projeto problemático da Abril. Civita reconhecia que foi um erro ter investido simultaneamente em TV por cabo (TVA), por satélite (DirecTV) e no sistema MMDS (micro-ondas): “Ninguém conseguiu na história do mundo fazer as três coisas... Alguém tinha que ter chegado e falado: você enlouqueceu? Não pode fazer isso!”
Investimento em educação
Quando não estava trabalhando, gostava de ver filmes em seu sítio, em São Lourenço da Serra, a cerca de 50 km de São Paulo. Mas nada de violência ou correria. “Odeio filme idiota. Se tem alguém com revólver apontando, com carro explodindo ou cara correndo, essa coisa adolescente, eu 'tô' fora. E a vida é muito curta. Prefiro ver filmes bons de 20, 30, 50 anos atrás... a ver filmes ruins de agora”. Seu preferido era Cidadão Kane, clássico de Orson Welles que, nas palavras de Civita, retrata muito bem “a vida, as dúvidas, os obstáculos e desafios de uma das grandes figuras da história da imprensa” – o magnata das comunicações William Randolph Hearst.
Na Abril, o xodó era a Veja, uma revista que provoca reações fortes, positivas e negativas. “Se você não está gerando reações fortes, está fazendo algo errado. Não acredito em imprensa que quer agradar a todo mundo.”
O leitor ideal, dizia, é aquele que toma partido e se indentifica com a publicação. “Eu gosto, é comigo, eu concordo. Esta [revista] aqui fala o que eu penso. Eu não quero um monte de leitores que dizem.... é, por um lado, mas se por um lado, e o outro lado... Não quero [...]. Que comprem outra coisa. Não preciso agradar a todo mundo.”
Acreditava na livre-iniciativa. Era contra “a estatização, a socialização, que não funciona”.
A mais recente reorganização do grupo, em setembro de 2011, colocou Fábio Barbosa, ex-presidente do banco Santander no Brasil, no comando da Abril S.A., em substituição a Giancarlo Civita. No ano passado, a companhia, com negócios nas áreas de mídia, gráfica, logística e distribuição, teve receita líquida de R$ 2,98 bilhões.
Na Abril Educação, onde a família Civita controla operação que engloba editoras de livros didáticos, apostilas e escolas de idiomas e cursos técnicos, a previsão é que o faturamento chegue a R$ 1 bilhão em 2013. No ano passado foi de R$ 883 milhões.
Civita deixa a mulher Maria Antônia, três filhos – Giancarlo, Victor e Roberta – e seis netos.
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Cynthia Malta, do Valor Econômico

sábado, 9 de fevereiro de 2013

"Debate" de ideias: miseria do jornalismo (Reinaldo Azevedo)

Não que eu concorde com tudo o que está dito nesta postagem desse jornalista conhecido, como já esclareci várias vezes. Na verdade, o que me interessa não é tanto a pessoa, o jornalista em si, ou suas posições, no argumento exato que ele defende, e sim as questões que ele coloca, os problemas reais que eu vejo no Brasil atualmente, e que resumo de modo muito simples: contemplo, atualmente, uma erosão da qualidade do debate público, se debate existe (dai as aspas do título), e constato uma crescente mediocrização dos meios de comunicação, da academia, dos meios políticos, da sociedade em geral, o que certamente é fruto da perda de qualidade da educação brasileira nos últimos anos, e também o resultado da conquista de posições de poder pela mesma turma de "gramscianos" de botequim (ou seja, que nunca leram Gramsci, mas que apenas refletem uma vulgata mal passada de alguns ensinamentos simplificados a partir de suas posições).
Volto a dizer: o que me interessa são as ideias, e o que se pode fazer com elas. Infelizmente, o Brasil tornou-se vítima de um conjunto de militantes de uma mesma causa -- chamemo-los, apenas como sugestão, de distributivistas vingativos -- o que empobrece o debate público de ideias, e atrasa nosso país, já que as "soluções" propostas provavelmente vão deixá-lo mais pobre intelectualmente, e vão também atrasá-lo no plano econômico e material.
O que mais me assusta, também, é constatar a mediocridade crescente da academia, gente que não estuda, que não lê, mas que não acha nada de errado em assistir, na TV, um programa, por exemplo, como Big Brother, uma das maiores mediocridades vulgares que já pude contemplar em minha existência de algumas décadas. Definitivamente, estou engajado no debate de ideias, mas encontro poucos motivos para me satisfazer com o que leio na imprensa. Raras vezes se pode assistir, ou ler, um verdadeiro debate de ideias.
Apenas por isto vou transcrever duas grandes matérias aqui.
Aqui vai a primeira.
Paulo Roberto de Almeida 

Caça às bruxas salta o muro dos blogs sujos e paraestatais e chega ao “Valor”; editor de livros mete um triângulo no uniforme de alguns jornalistas e deixa claro: “Conservador bom é conservador morto”. Lá do além, dou um pé no traseiro do fascistinha. Ou: Na era da “Infraestrutura & Negócios”
Reinaldo Azevedo, 8/02/2013

O “Valor Econômico” é, de longe, o veículo mais petista do Brasil. Não dá para saber se o é por convicção ou por oportunidade. Os blogs sujos não têm como competir porque a turma do jornal é, ao menos, alfabetizada. Se, um dia, o PT deixar o governo federal (com a oposição que está aí, é difícil), saberemos se é crença ou oportunismo. Talvez seja uma mistura das duas coisas. Empreendimento dos grupos Folha e Globo, começou a circular no ano 2000, com o objetivo, cumprido, de ocupar o lugar da Gazeta Mercantil, então em fase terminal por méritos próprios. Seria um jornal especializado em economia, sem se descuidar da política. Os outros grandes, como sabemos, invertem os termos dessa equação. Demora um tempo até que se ache um caminho. O jornal claudicou no começo. Empresário gosta da verdade, claro!, mas ela não pode se confundir com pessimismo. Acidez em excesso faz mal no café da manhã. O Valor achou o tom, que deve considerar o ideal, sendo uma espécie de porta-voz inteligente da verdade oficial. Sim, há opiniões dissonantes aqui e ali, mas o que interessa é o produto como um todo. No melhor de sua forma, confere ares de economia política aos improvisos do Planalto.

Esse negócio de governismo estratégico — ou tático — é coisa complicada. Vicia. Sempre pede mais. Embates intelectuais são parte da natureza dessa atividade. Quando se adota uma causa, no entanto, o horizonte não é mais o confronto de ideias, mas a eliminação do outro, como numa guerra. Nesta sexta, dia 8 de fevereiro de 2013, um rapaz chamado Flávio Moura, editor de livros da Companhia das Letras, escreve um texto em que decreta a obsolescência — tudo bem lido, a morte mesmo! — de um grupo de jornalistas e colunistas. Além de mim, são vítimas da chacina promovida por Flavinho VE Diogo Mainardi, Mario Sabino, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé — os dois últimos, colunistas da Folha. A íntegra do texto está aqui. Talvez o artigo marque uma nova fase do Valor. Teria chegado a hora de caçar as bruxas. Não, Flavinho VE não é agressivo na aparência, como esses pistoleiros dos blogs sujos financiados por estatais. O trabalho que ele faz — e, em certa medida, como veremos, também o Valor, é mais limpinho. Já chego à questão maior. Antes, falo mais um pouco da menor: o texto de Flávio.

Metade de seu artigo, talvez um pouco mais, é dedicada a falar de Daniel Piza, que morreu no dia 30 de dezembro de 2011. O texto marca, assim, a passagem de um ano, um mês e nove dias de sua morte. É o gancho. Ele conta que não gostava muito daquele jornalista, não. Confessional, revela que, quando mais jovem, tinha invejinha do outro. Malvado, diz não entender por que Piza informara, em um artigo escrito no ano 2000, tomar água Perrier em taça de cristal. Em 2002, conta, ele o entrevistou para um trabalho escolar. Não expôs ao entrevistado a sua curiosidade. Agora que Piza está morto, Flávio relembra o episódio da água Perrier. Trata-se de um detalhe que ajudaria, creio, a desenhar o perfil do outro. Talvez esnobe, um tanto autocentrado, tendente a se distanciar da raia-miúda.

Há suspeitas de patologia no artigo. Nota-se que ele tenta, aqui e ali, emular o texto do morto. Ao desdém, somam-se também elogios. Piza, discípulo de Paulo Francis, conta Flávio, também era culto, polêmico, mais para conservador do que para progressista etc. e tal. Mas morreu. E, com ele, este é o espírito do texto, teria morrido um “tempo do jornalismo cultural”. Ele permite que se entrevejam algumas suspeitas de lamento, mas nada excessivo que o deixe mal com os muitos detratores que Piza também tinha. E onde é que entram Diogo Mainardi, Mario Sabino, Reinaldo Azevedo, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé nessa história?

A exemplo de Piza, mas, tudo indica, abaixo dele, seríamos todos tentativas frustradas de ser Paulo Francis — até parece que essa crítica é novidade… Teríamos ganhado relevo com a chegada do PT ao poder. Ninguém, ele deixa claro, tão profundo como Piza (aquele que ele retratou com uma taça de Perrier na mão só para demonstrar o seu apreço pelo morto). Escreve Flávio:

“Diogo Mainardi virou a estrela dos colunistas da “Veja”. Reinaldo Azevedo transferiu-se para as hostes da mesma revista. Na “Folha de S. Paulo”, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé ganharam colunas e começaram a exercitar um tipo de provocação cultural e política que passou a repercutir. Revistas de ensaios de corte liberal e católico ganharam voz e apoio de arautos em posição de destaque.
Claro que não formavam um bloco homogêneo. Mainardi era o mais estridente e ferino, com a vantagem de que caprichava na autoironia. Azevedo assumiu a linha de frente da indignação moral com a corrupção. Coutinho trouxe leituras de liberais ingleses e afetava uma superioridade dândi capaz de irritar os leitores mais serenos. Pondé veio com sua teologia à moda antiga temperada por Dostoiévski e citações de filósofos de prestígio.”


Notaram? Eu “me transferi” para a VEJA, como se isso fizesse parte de uma estratégia maligna de enfrentamento do lulismo, assumindo “a linha de frente da indignação moral com a corrupção”. Pelo visto, Flávio não aprecia quem se indigna moralmente com a corrupção, o que revela, é evidente, uma escolha moral! Eu adoraria ver esse rapaz opor a sua “teologia à moda moderna” à “teologia à moda antiga” de Pondé. Na verdade, eu ignorava a existência de modas e modos teológicos. Mas posso aprender com Flávio.

O salto
Aí Flávio dá um salto, e é nesse ponto que começo a juntar, mas ainda vai demorar um pouco até a conclusão, o conteúdo de seu texto ao fato de ele ter sido publicado no Valor Econômico. Ele passa, então, a fazer o elenco das vitórias dos governos petistas, de suas inequívocas conquistas. Isso tudo teria nos liquidado. Escreve o rapaz:
“A saída de Lula do centro do poder dissolveu o grupo. A competição para lançar petardos ao mandatário e ao que ele representava perdeu sentido. A resistência do Brasil à crise de 2008 e a queda nos índices de desigualdade social se tornaram trunfos fortes. E a entrada em cena na “nova classe C” trouxe um elemento aos quais os dirigentes da imprensa não podiam ficar indiferentes.
Com o fim do governo Lula, Mainardi deixou sua coluna na “Veja”. O jornalista Mario Sabino, que ao lado dele e de Azevedo, imprimia o tom ácido da revista, também abandonou a publicação. Coutinho e Pondé continuam em seus postos, mas suas colunas não repercutem como naquele período.”


Pela ordem
Começo corrigindo a informação factual — existe “Erramos” no Valor? Sabino não saiu da VEJA. É correspondente da revista em Paris. Diogo deixou a coluna porque estava empenhado em escrever “A Queda”, com os desdobramentos conhecidos, não só no Brasil. O que diz sobre a repercussão das colunas de Pondé e Coutinho é mera opinião, sei lá com base em que dados objetivos. Quem precisa disso? No que me diz respeito, como atestam os números, o blog nunca foi tão lido. É grande a chance de que eu tenha mais leitores do que o Valor Econômico — a relação custo/repercussão certamente me é favorável.

Diogo e Mario são meus amigos, sim, felizmente. Com Coutinho, estive uma única vez, num jantar que reuniu um grupo grande. Jamais conversei com Pondé. Certamente estou perdendo bastante. O que nunca foi um grupo jamais poderia se dissolver. Não sei se Piza reivindicava a herança de Francis. Sei que os outros, o que me inclui, definitivamente não! Francis riria do meu catolicismo e das considerações teológicas e doutas de Pondé, por exemplo. Consideraria, sem sombra de dúvidas, excesso de otimismo o liberalismo de Coutinho. Recomendaria a Diogo e a Mario que cuidassem de suas respectivas carreiras literárias e deixassem de lado a política. Diogo fez isso parcialmente. Mas não porque o PT venceu. Em certa medida, é o contrário: é porque o PT perdeu. Quando começou no colunismo, já era um escritor consagrado. Hoje, mais do que antes — e aí está a derrota petista.

Quer refletir, Flavinho VE? Ao“Valor” de quarta-feira!
Flavinho VE tem ambições de pensador da cultura. Ele sugere que nós, os críticos do petismo (“Credo, que nojo!”) tentávamos negar as conquistas do governo, mas acabamos “dissolvidos” pelos “dirigentes da imprensa”, que não podiam ficar indiferentes. A exemplo do parajornalismo financiado por estatais, o articulista que escreve para o Valor também acha que a “mídia” (da qual ele, claro!, não faz parte) está de um lado, e o povo, de outro. Pois é… Flávio, ele sim, é sintoma de um tempo, e não dos mais felizes.

O artigo de Moura me obrigou a voltar à edição de quarta-feira do Valor. Tinha me destinado a escrever a respeito, mas depois desisti, tocado por outras urgências. Mas, agora, o caso virou primeiro da fila. A exemplo de Flavinho VE, que chacina jornalistas de direita (afinal, seja no caso de Piza, seja no nosso, direitista bom é direitista morto…), eu também gosto de refletir sobre os tempos. Adiante.

Na terça, o governo Dilma anunciou mudança das regras de concessão para as obras de infraestrutura. Essa já é a terceira versão, como demonstrei no blog. Na minha página, os insucessos de Guido Mantega são chamados de insucessos; nas do Valor, com a exceção da pena de alguns colunistas, seus fracassos são um sucesso. Cada um na sua. Quem quer controlar a imprensa e decretar a morte dos adversários são Flávio e seus amigos do governo, não eu. Convivo bem com a diferença — sem abrir mão de dizer o que penso.

Muito bem! Na terça, o governo divulgou o seu novo “pacote”. No próprio dia, os veículos eletrônicos divulgaram as medidas gerais, reproduzidas nos jornais impressos no dia seguinte, com o detalhamento possível — que não era tanto assim. Não havia tempo hábil para um trabalho mais detido. Não foi o caso do Valor. Com riqueza de detalhes, estava tudo explicitado num suplemento especial intitulado “Infraestrutura & Negócios”. A foto de quase meia página é de Mantega. Quem conhece como se faz jornalismo impresso sabe que aquilo é coisa demorada. O jornal teve acesso às medidas antes dos demais veículos, certo como dois e dois são quatro.

“Até aí, vantagem dos espertos, né? Vai ver os jornalistas do Valor têm mais fontes…” É, vai ver… O suplemento de dez páginas traz um anúncio de página dupla, central, do governo Dilma exaltando justamente a infraestrutura. Título: “O Brasil constrói caminhos para crescer ainda mais”. Na página 9, a Caixa Econômica Federal anuncia o seu apreço pelas empresas etc. e tal. Em Dois Córregos, a gente chama isso de “juntar a fome com a vontade de comer”. O clima do caderno, bastante informativo, sem dúvida, é de “agora vai”, festivo mesmo! A pegada um pouco crítica, lembrando que o pacote de agora é evidência do insucesso das duas jornadas anteriores, ficou para a “Folha” e o “Globo”. No “Valor”, só o amor constrói, como cantariam Dom e Ravel, no tempo de uma ditadura que Flavinho VE não pôde combater. Ele se empenha agora em exaltar uma outra, de um novo consenso.

Mas ainda não esgotei os elementos para a reflexão desse valente. Na página A9 do mesmo jornal, lê-se a manchete: “Lula cogita Mantega para disputar SP” — o Mantega, no caso, era aquele mesmo herói do suplemento de infraestrutura, com anúncio de página dupla do governo federal e de página inteira da CEF. O texto é de Raymundo Costa, e não estou sugerindo que ele participe de algum conluio. Aliás, eu não estou acusando conluio nenhum. Não lido com essas categorias. Estou apenas refletindo, como faz Flávio — só que com fatos, não com opiniões —, sobre os novos tempos do jornalismo e seu espírito: o Zeitgeist! Nota à margem: eu, que torço para que o PT seja derrotado em São Paulo, torço, então, para que o candidato seja mesmo Mantega, o Fortão do Bairro Peixoto da Infraestrutura. Torço, mas sei que não será ele. É uma pena!

Caminhando para a conclusão
O que estou demonstrando é que o texto de um rapaz que decreta a morte de um grupo de jornalistas (porque, diz, o petismo ganhou a batalha, e a gente nota que ele não está infeliz; está do lado dos supostos vitoriosos) não é fruto só de um arroubo individual. Estamos diante do produto de uma cultura interna e, sem dúvida, de um modo de fazer jornalismo.

O texto desse rapaz tem mais importância do que ele mesmo se dá conta. Ele tentou nos matar, mas eu o promovo, se me permitem o chiste, no degrau da degradação intelectual de setores importantes da imprensa. Com esse artigo, a linguagem da caça às bruxas salta o muro do parajoralismo, também financiado por estatais, e chega ao que já foi chamado de “grande imprensa”.

Certa feita, um dos blogueiros de Lula sugeriu uma pauta ao jornalismo brasileiro: identificar onde estavam e quem eram aqueles 3% ou 4% que achavam seu governo “ruim ou péssimo”: ele queria os nomes, saber onde moravam, o que pensavam. Fazia de conta que sua pegada persecutória era mera curiosidade intelectual. Com uns dois uísques a mais, sugeriria que fossem devidamente chipados e marcados com um triângulo — a cor seria definida por uma enquete na Internet para evidenciar o caráter democrático da coisa.

Eis aí. Um editor de livros, da Companhia das Letras, acaba de explicar no “Valor Econômico” por que aquele grupo de jornalistas merece um triângulo. Dois deles — a rigor, três, porque Diogo está no Manhattan Connection, da Globo Nes, que é do grupo Globo — produzem conteúdo (como se diz hoje em dia) para os controladores do Valor: Folha e Globo. “Que bom! Evidência de democracia interna…” Nada disso! Ele não disse o que há de errado com o pensamento dessas pessoas, contestando-o. Ele tentou excluí-las do mundo, como um bom fascistinha que é, disfarçado de pensador delicado. Pelo visto, chegou a hora da guerra interna também.

E depois aquela canalha fica cobrando “controle da mídia”. Controlar o quê e para quê? Já temos Flavinho VE e o caderno “Infraestrutura & Negócios”. Mais negócios do que infraestrutura.

PS – Eu estou morto, e Flavinho VE é muito vivo. Agora ele vai ver o que é, de fato, repercussão. Acabo de criar mais um herói do nariz marrom para a rede petralha. Bom proveito entre os de sua estirpe, rapaz!
*
Leia o texto “Ah, entendi: o Moura é editor da Companhia das Letras, não do Valor; o que muda e o que não muda

08/02/2013
às 20:55

Ah, entendi: o Moura é editor da Companhia das Letras, não do Valor; o que muda e o que não muda

Leitores dizem que Flávio Moura (o cara que decretou a minha morte e a de outros no Valor) não é editor de livros do jornal, mas editor de livros da Companhia das Letras. Vou ao Google. É verdade. Então é preciso corrigir o pé biográfico dele. Está assim: “Flávio Moura é jornalista, editor de livros e doutor em sociologia pela USP”. Tem de dizer de onde. André Gide também era “editor de livros” e não era Flávio Moura.
Vou fazer as devidas correções nos outros textos. Não muda uma vírgula do que eu disse sobre o Valor, mas requalifica a crítica que fiz a Moura e a que ele me fez — e a outros jornalistas e colunistas. Editor da Companhia das Letras, é? Entendo. Já bati boca com o patrão dele, Luiz Schwarcz, que decidiu me atacar em artigo de jornal. Como se vê, eles sempre tomam a iniciativa, intolerantes que são. Eu reajo. É claro que respondi. Agora vem o empregadinho. Pelo menos não erra ao usar o modo subjuntivo…
O ódio, está explicado, ainda é desdobramento do caso Jabuti, lembram-se? É aquele prêmio literário que, na forma anterior, poderia ser dado a qualquer um, desde que o Chico Buarque não estivesse concorrendo. Sim, fui eu quem primeiro botou a boca no trombone. Estou morto, como diz o empregadinho, mas o fato é que as regras do Jabuti foram alteradas. Schwarcz, que edita Chico Buarque, não gostou e me acusou de criticá-las porque sou um autor da Editora Record. Huuummm… O tal Moura, na folha de pagamentos dele, me ataca agora porque é um homem independente, com ideias próprias, certo?
Sim, houve um tempo em que era uma espécie de suicídio intelectual, cultura e moral confrontar os “Schwarczen” e os “Chicos” da vida, dada a influência, poder mesmo!, que essa gente tinha e ainda tem nos tais “segundos cadernos”. Tentaram liquidar “O País dos Petralhas II” sem nem o trabalho de lê-lo. Inútil. O livro vai chegar fácil aos 50 mil exemplares vendidos. Eu não dependo desses bacanas para absolutamente nada! Escrevo o que quero, penso o que quero e não tenho de me ajoelhar para as suas igrejinhas influentes.
À época, eu até lancei um desafio, incitando a turma a escrever ensaios demonstrando por que o Chico é um grande romancista, o mais laureado do Brasil. Ninguém topou. Ele é o melhor porque dizem que ele é o melhor. Pra mim, é pouco. Certo! O Moura não é do Valor. O jornal o contratou para essa chacina em particular…
Por Reinaldo Azevedo
08/02/2013
às 21:55

O fascismo de esquerda, Merquior, Piza e os que “infelizmente estão vivos”

O fascismo de esquerda não muda. A tática é sempre é mesma. Flávio Moura, o tal “editor de livros” da Companhia das Letras que chacina jornalistas e colunistas com a conivência do “Valor” — aquele do caderno “Infraestrutura & Negócios” —, repete um mantra velho, de incrível vigarice intelectual. Quem leu seu artigo (ver posts abaixo) percebeu que ele resolveu salvar a alma de Daniel Piza do que imagina ser o inferno. Agora Piza, que era alvo da maledicência, sim, de muitos quando vivo — o próprio Moura confessa a sua inveja —, foi para o mesmo lugar no Paraíso em que está, por exemplo, José Guilherme Merquior.
Em vida, Merquior tomava mais chutes do que cão sarnento que tenta invadir restaurante. “Reacionário, direitista, fascista, defensor da ditadura…” Essas eram apenas algumas das palavras com que o mimoseavam. E olhem que ele não estava tão distante assim de certa esquerda francesa mais ilustrada… Mas não era um comunista, isso é certo. Caiu definitivamente em desgraça quando, ao ler o livro “Cultura & Democracia”, de Marilena Chaui (ela também usava o “&”, como o Valor…), encontrou algumas dezenas de páginas iguaizinhas às que o francês Claude Lefort, amigão da sedizente filósofa, havia escrito bem antes. Podiam mesmo ser consideradas traduções.
Marilena despontava, então, como o furacão esquerdista da USP, dona de um pensamento supostamente original e coisa e tal.
Sabem quem começou a apanhar nos jornais? Ainda não havia internet e redes sociais. Não foi a plagiadora, não! Merquior só não foi chamado de santo. “Intelectuais” e cantores de MPB decidiram fazer um abaixo-assinado contra ele. O próprio Lefort veio a público para afirmar que o plágio de sua amigona plágio não era. Tentaram esfregar a negativa na cara de Merquior: “Viu, o autor diz que não é…” — ainda que as palavras provassem o contrário.
Merquior morreu cedo, aos 50 anos, em 1991. Morto, resolveram reabilitá-lo, mas não por bons propósitos. Ele sempre é citado como expressão de um tempo em que “a direita tinha qualidade”, sabia pensar. “Ah, Merquior, sim! Não esses de agora”. Até a publicação do texto de Moura, os jornalistas cujo fim ele decreta éramos, então, comparados a Merquior, com a conclusão inevitável: “Ele era profundo; a ‘direita’ de agora não é de nada”. Nota: foram também eles que decretaram que somos expressão do pensamento de direita. No que me diz respeito, não recuso porque não vejo crime nenhum nisso.
Estava claro: Merquior havia se transformado num “bom”, entre outros motivos, porque morto. Enquanto Piza estava vivo, inveja e ressentimento se misturavam contra ele. Não que o seu trabalho, a exemplo do meu ou do de qualquer outro, estivesse acima de qualquer crítica. Isso não existe. Piza agora virou santo. Porque o amam? Não! Para que possam continuar a secretar seu ódio contra os vivos.
Conheci Piza. Ele foi colaborador das revistas República e BRAVO!, das quais fui redator-chefe, no fim dos anos 90. Tínhamos uma relação cordial, mas não de amizade. Nas vezes em que conversamos, convergências e divergências se equilibravam em quantidades idênticas. E o mesmo vale para este outro grupo de jornalistas. Uma das características disso a que chamam “jornalismo da direita” — uma redução estúpida — é não formamos uma quadrilha de pensamento. Quem compareceu a um debate com a comunidade judaica, em São Paulo, no passado, viu  Diogo e eu divergirmos vivamente sobre a Primavera Árabe, por exemplo. Já discordei de Coutinho por escrito. Nenhum de nós entende a voz dissonante como ameaça.
Com os fascistas de esquerda, as coisas não são assim. Essa gente até poderia nos dar uma colher de chá algum dia. Mas, antes, exige que façamos companhia a Merquior e Piza. O que pensamos — e pensamos coisas tão diferentes! — incomoda menos do que o fato de estarmos vivos.
Por Reinaldo Azevedo
09/02/2013
às 2:35

Eu sou a melhor proteção da cabeça de quem quer me mandar para a guilhotina. Ou: Os novos bárbaros

Escrevi ontem alguns posts (às 16h10, 18h58, 20h, 20h55 e 21h55) sobre um texto escrito por um tal Flávio Moura, editor da Companhia das Letras, no jornal Valor Econômico. Ele decidiu decretar a morte de um grupo de jornalistas e articulistas, que teriam sido, ele afirma com visível satisfação, vencidos pelas supostas conquistas sociais do petismo. Sugere quer formávamos uma espécie de frente antipatriótica para resistir ao PT, mas que a qualidade do governo dos companheiros nos nocauteou. Ao se referir ao destino de cada um dos que ele decidiu fuzilar (além de mim, Diogo Mainardi, Mario Sabino, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé), mistura opinião banal com informação errada, vai metendo os pés pelas mãos, sugerindo, contra os fatos, que essa turma quebrou a cara. Sei menos de Pondé e Coutinho, que me parecem muito bem. Meu blog e meus livros nunca tiveram tantos leitores; Diogo escreveu um livro sem rivais em muitas décadas e em vários idiomas, e Mario está sendo martirizado em Paris… “Mas o grupo se dissolveu”, esganiça Flavinho. Que grupo? Nunca houve um grupo! Não emulamos as comunidades petralhas. Neste texto, quero abordar um outro aspecto desse tema. Como é que se chega a esse ponto? Como é que um “editor de livros” e “doutor em sociologia”, segundo seu pé biográfico, chega a se sentir à vontade para decretar a morte das pessoas de quem discorda? Já demonstrei no post das 18h58 como esse espírito persecutório se casa com a era da “infraestrutura & negócios”. Mas também isso é consequência de algo maior, de natureza institucional.
Cumpre apelar aqui um pouco à memória. Tenho sido, ao longo do tempo, menos esperto do que alguns contemporâneos. Fui um crítico bastante severo do governo FHC, embora seu principal adversário, o PT, não me agradasse. Mas, como editor de site e revista, preferia, mesmo quando atuei no extinto jornalismo cultural, voltar a minha pontaria contra o governo. Gosto da ideia — na verdade, este talvez seja um dos pilares do meu pensamento — de que governos são necessários, mas que nossa tarefa é vigiá-los, criticá-los. Quando o PT chegou ao poder, continuei na oposição. Os mais espertos do que eu ganhavam dinheiro sendo governistas no tucanato e continuaram a ganhar dinheiro sendo governistas no petismo. Mesmo na era da Internet, que facilita a pesquisa, a coerência não tem sido a característica mais visível da profissão. É evidente que as pessoas podem mudar de ideia ao longo dos anos se chegam à conclusão de que estavam erradas. Mas desconfio de quem conclui que esteve errado sempre em consonância com o governo de turno. Será que um dia vou concluir que o PT era bom? Quem sabe quando — e se — o partido voltar a ser oposição…
Na verdade, antes como agora, não me pergunto se o que penso é contra o governo ou a favor dele. Penso o que penso. Às vezes, coincide com a política oficial; frequentemente, não. De toda sorte, textos como o de Flávio Moura seriam impensáveis na imprensa brasileira de há 10, 15, 20 ou mesmo 30 anos. O começo da década de 1980, diga-se, estava fortemente pautado pela chamada abertura, a ditadura estava moribunda, e muitos militantes estudantis tinham ido parar nas redações de jornal. Vivia-se até uma certa algazarra libertária. Isso acabou.
O que antes era alternativa agora é poder. O que antes se calava pela força bruta agora se busca silenciar por intermédio do falso consenso. Enquanto estiveram na oposição — até dezembro de 2002 —, as esquerdas seguiram o que é, de fato, seu padrão histórico: usaram a causa da liberdade de imprensa e de crítica a seu favor. Ocorre, e isto também é de sua natureza (e foi uma das causas de eu ter passado a repudiá-las), que não se veem como um pensamento possível entre outros. Ao contrário: os “companheiros” de hoje não abandonaram a tara dos “camaradas” de ontem e se entendem como uma etapa posterior e superior da civilização. Não é por acaso que Flávio Moura define o pensamento de Luiz Felipe Pondé como “teologia à moda antiga”. Devemos concluir que há uma “teologia à moda moderna”. As esquerdas, mesmo na sua expressão mais grotesca, caricatural e primitiva, como é o tal Moura, continuam partidárias do fim da história — que é uma tese hegeliana, não do Fukuyama, como sugeriu outro dia no Jornal da Globo o Arnaldo Jabor. Vencidos, então, os adversários, aí se trataria de cuidar das pendengas lá deles, das contradições existente num lado só. Não passa pela cabeça dessa gente, acreditem, perder eleições porque isso significaria um retrocesso, uma volta ao período em que ainda havia história…
Textos como o de Moura não seriam publicados há 10, 20 ou mesmo 30 anos porque as forças capazes de fazer esse juízo ainda não estavam no poder e não eram donas do novo consenso. Ao contrário. Era necessário fingir-se de plural para chegar ao que diziam ser o “horizonte socialista”. Os que defendíamos a diversidade de pensamento éramos obviamente úteis àqueles que tinham na diversidade apenas uma etapa da conquista do estado. Em outros tempos, as revoluções devoravam seus filhos de maneira cruenta, como o Saturno no quadro de Goya. Nos novos tempos, busca-se desqualificar a divergência e provar a sua obsolescência. Em qualquer dos casos, antes e agora, os altos interesses do povo e as conquistas sociais servem de maquiagem para a eliminação do adversário. Um texto como o de Moura sai num jornal como o Valor porque também o Valor está interessado, como Deng Xiaoping, em gatos que cacem ratos, pouco importando a sua cor.
Se, nessas décadas passadas, alguém se atrevesse a pedir o banimento de um pensamento considerado divergente, haveria, por certo, protestos. O texto nem seria publicado. A direita liberal jamais o faria porque, de fato, não é de sua natureza — muito pelo contrário; e as esquerdas, mesmo as autoritárias, não eram tolas de entregar o serviço. Já demonstrei aqui que a “anistia ampla, geral e irrestrita”, por exemplo, era uma reivindicação delas (à época, posso dizer “nossa”). É também é delas a reivindicação de hoje para rever a Lei da Anistia. Antes, a causa servia à proteção de seus assassinos. Agora que estão a salvo, querem dar um jeito de pegar os assassinos “do outro lado”. Por quê? Porque um esquerdista sempre acha que mata por bons propósitos. Leiam, continua atualíssimo, recomendo de novo, “O Zero e O Infinito”, de Arthur Koestler, que foi, vamos dizer assim, bem mais esquerdista do que eu na juventude.
A questão política
E há, claro, a questão política propriamente. Mesmo quando minoritárias no Parlamento, as esquerdas sempre foram, do processo de redemocratização a esta data, muito mobilizadas, contando, antes como agora, com forte apoio da imprensa. Em muitos aspectos, já tratei do assunto aqui, foi o jornalismo que inventou Lula — antes até que ele inventasse a si mesmo. Ao menor sinal de “retrocesso”, lá estavam os valentes a botar a boca no trombone.
Nestes tempos, esses jornalistas que Flávio Moura decidiu fuzilar — e há outros tantos que ele não citou, talvez por ignorância — acabaram se sobressaindo, o que é um absurdo, como “a oposição” do Brasil pela simples, óbvia e até macabra razão de que não há oposição no Brasil — não como voz institucional e alternativa viável de poder federal. É claro que há valorosos parlamentares que se opõem ao governo. Reitero: refiro-me a uma força organizada e viável como alternativa de poder.
Moura segue a trilha aberta pelos blogs sujos e decide demonizar pessoas, mas o que está em pauta, de fato, é a imprensa independente, aquela que faz o seu trabalho e chama desmando de “desmando”, roubalheira de “roubalheira”. Como inexiste, então, a força organizada para obrigar o governo a se explicar, o que é próprio das democracias, o jornalismo que cumpre a tarefa de informar e o colunismo que não está alinhado com o poder acabam sendo tomados, lembrando o presidente do PT, Rui Falcão, como a “verdadeira oposição”, só que não organizada em partido. Eu duvido que o tal Moura seja um interlocutor de Falcão. Eu duvido que o rapaz obedeça diretamente às ordens do partido. Os dois falam a mesma coisa porque o que os une não é uma relação de hierarquia, mas o espírito de um tempo. O que Moura tentou fazer é demonstrar que estamos sozinhos na crítica, que aquela abordagem, com aqueles valores, perdeu sentido porque vencida pela história. Como, com efeito, expressamos pontos de vista que não se ouvem nem no governismo nem na oposição, então fica fácil apontar o dedo e gritar, como a Rainha de Copas: “Cortem-lhes a cabeça!”
Não estou pedindo nem apoio nem penico para as oposições. Em primeiro lugar, porque, de fato, isso não é necessário. Em segundo lugar, porque seria inútil. A imprensa independente e os cabras marcados por Moura para morrer jamais poderão fazer pelas oposições o que os blogs sujos fazem pelo petismo. Nesse caso, uns entendem de comprar, e o outros entendem de vender. Deste outro lado, não sei se haveria gente disposta a comprar; o que sei é que NÃO há gente disposta a vender. Até por uma questão de lógica elementar. Se for para “entregar a mercadoria” no balcão do “jornalismo & negócios”, mister é fazer a transação com o poder, que certamente pode pagar mais, não é mesmo? Entre ser mercenário em favor do vitorioso e sê-lo em favor dos derrotados, as duas opções são igualmente imorais, mas ua é mais estúpida do que a outra. Convenham: ninguém é crítico de governos por pragmatismo.
Finalmente
Eu não tenho a ambição de que Moura me leia. As considerações ligeiras e idiotas que faz a meu respeito, diga-se, provam que não me lê. Segundo escreve, “Azevedo assumiu a linha de frente da indignação moral com a corrupção.” Não que a corrupção, com efeito, não me indigne — sim, e muito! —, mas os milhares de leitores desta página sabem que esse nem é o tema mais frequente dos meus textos. Os posts que tratam de ilegalidades cometidas por políticos, no mais das vezes, fazem parte do clipping do noticiário.
As 800 e poucas páginas de “O País dos Petralhas I e II” debatem outros temas. Se Moura tivesse dito que assumi a linha de frente do debate — ou do embate — ideológico, aí estaria falando a verdade. O segundo volume do livro, por exemplo, passa longe da roubalheira, petista ou não. Ele tem todo o direito de não ler o meu o meu blog e os meus livros, mas tem o compromisso de falar a verdade para aqueles que eventualmente o leem. Ocorre que esse espírito persecutório parece ser também preguiçoso. Ouviu dizer isso a meu respeito por aí e repete sem ao menos verificar se essa opinião coincide com os fatos. Eu não me importaria nem um pouco em ser uma espécie de archote da “indignação moral com a corrupção”, só que o meu trabalho e o meu texto têm outro objeto.
Eu não acho que um dia o Brasil ficará livre dos Mouras como ele crê que possa ficar livre dos Reinaldos. Aliás, espero que não ocorra nem uma coisa nem outra. O paraíso dos iguais pelo qual ele parece ansiar seria, pra mim, a experiência viva do inferno. A única razão de ser de um embate intelectual é a existência do adversário. A minha ética, se posso chamar assim, é a de uma guerra sem vencidos. “Ah, mas, então, o mundo não sai do lugar”. Sai, sim. É que o jogo não tem fim. Eles é querem sair babando a sua vitória, saqueando e incendiando casas, violando as virgens, sacrificando as crianças. Para quê? Para que possam gritar: “Venceeemos!” E depois? Tudo saindo conforme o esperado — não sairá —, começariam a se matar em seguida. Os Mouras seriam os primeiros da fila. No mundo pelo qual ele luta, não há lugar para editores de livros. Enquanto existirem os Reinaldos, os Diogos, os Sabinos, os Pondés e os Coutinhos, gente como Moura pode nos odiar que estaremos a proteger o seu nobre pescocinho.
É isto: a “direita liberal”, no fim das contas, protege esses babacas de suas próprias utopias. Ou terminariam todos com uma picareta enfiada no crânio ou no paredão, para onde seriam enviados pelos próprios ex-companheiros. Entendeu, Moura, ou agora quer que o Tio Rei desenhe?
Por Reinaldo Azevedo