O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Quais foram os grandes intelectuais da diplomacia; quais foram os estadistas que quiseram reformar o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Convidado para uma entrevista com o antropólogo e escritor Antonio Risério, ele me sugeriu conversarmos sobre a política externa em geral, sobre a atual diplomacia em especial, mas, sobretudo, sobre o papel dos intelectuais na representação exterior do Brasil. Concordei de imediato, mas pensei primeiro, ou seja, antes de fazermos esta conversa, oferecer numa postagem algumas indicações de livros que tenham a ver com o assunto.



 Começo por esta publicação de 2001, do próprio Itamaraty, que fala dos seus grandes intelectuais, uma obra que tentei reeditar pouco antes (2018) da irrupção dos novos bárbaros na política e na diplomacia do Brasil, quatro anos de destruição. Fiz uma postagem e coloquei a obra à disposição dos interessados neste link: https://www.academia.edu/46849306/O_Itamaraty_na_Cultura_Brasileira_2001_

Apresentei os dados editoriais principais, inclusive a relação dos diplomatas contemplados numa postagem neste mesmo blog, como está neste link: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/o-itamaraty-na-cultura-brasileira.html


A 3a. edição tentativa dessa obra também está informada na postagem acima indicada. Mas, não tendo sido possível publicá-la em tempo, decidi fazer uma outra obra, inteiramente original, que ainda não está publicada, mas cujo índice figura abaixo: 

Intelectuais na diplomacia brasileira: a cultura a serviço da nação

Índice

 

Prefácio

 

Introdução: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia   

            Paulo Roberto de Almeida

     Nas origens da feliz interação entre o Itamaraty e a cultura brasileira

     Por que uma nova iniciativa juntando Itamaraty e cultura, muitos anos depois?

     Um novo projeto cobrindo outros intelectuais associados à diplomacia brasileira

 

Intelectuais na cultura e na diplomacia, no mundo e no Brasil 

            Paulo Roberto de Almeida

     O que é o intelectual? Qual o seu papel social?          Os intelectuais e o poder: relações sempre ambíguas

     Intelectuais no Brasil: papel político e institucional

     Intelectuais brasileiros na diplomacia: o que precede o que?

     A produção intelectual dos diplomatas: o mercado dos livros

     Da República das Letras aos ensaios econômicos e sociais

     Uma longa continuidade, na cultura e na diplomacia

 

Rui Barbosa e os fundamentos da diplomacia brasileira 

            Carlos Henrique Cardim

     Uma trajetória impecável de internacionalista

     Rui Barbosa defendendo o Brasil na Conferência da Haia de 1907

     O Incidente Martens

     A criação de um Tribunal Arbitral Permanente

     O último discurso na Haia: despedida em grande estilo

     A posição do Brasil: “moderada e circunspecta, mas firme e altiva”

     “O novo descobrimento da América”

     Outras questões de política externa e internacional tratadas por Rui Barbosa

     A força de uma nova mentalidade

     Os dois patronos

 

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista

        Sarah Venites     

    Não tão breve nota introdutória

     Uma formação cosmopolita

     A ciência, a educação e o Museu Nacional

     Política feminista, no Brasil e no mundo

     O legado de Bertha e considerações finais

 

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente

            Paulo Roberto de Almeida

     Um membro do patriciado mineiro, de uma família de estadistas e intelectuais

     Vida intelectual de Afonso Arinos, de uma família de escritores

     Um diplomata natural, chanceler num período atribulado

     A solução parlamentarista, sempre no horizonte...

     A crise brasileira e seu caráter permanente

     De volta ao planalto, como senador e constituinte

 

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa

            Marcílio Marques Moreira

     Marcos de uma vida intensa

     San Tiago Dantas e os apelos do autoritarismo

     A trajetória na luta democrática

     Uma fina sensibilidade cultural

     O ingresso na vida política

     San Tiago e a reforma do Itamaraty

     San Tiago, diplomata

     Uma visão original da política externa e da política internacional

     San Tiago, o pacifista

     Em busca de uma esquerda “positiva”: San Tiago e Merquior

 

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia

            Paulo Roberto de Almeida 

     Uma vida relativamente bem documentada, senão totalmente devassada

     O diplomata enquanto economista e, ocasionalmente, homem de Estado

     Além da economia: um observador sofisticado do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano

     Além da economia: o humanismo na sua versão irônica e política

     A premonição das catástrofes evitáveis, um fruto de sua racionalidade

     Um longo embate contra sua própria instituição

     A Weltanschauung evolutiva de Roberto Campos: do Estado ao indivíduo

 

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro 

            Ricardo Vélez-Rodríguez

     Breve síntese biográfica

     A crítica de Meira Penna ao Estado patrimonial

     O Brasil e o liberalismo

     Patrimonialismo, o mal latino

     Patrimonialismo e familismo clientelista

     Patrimonialismo e formalismo cartorial

     Patrimonialismo e estatismo burocrático

     Patrimonialismo e mercantilismo

     Patrimonialismo e corrupção

     Alternativas ao Patrimonialismo

     Um Tocqueville brasileiro

 

Lauro Escorel: um crítico engajado

            Rogério de Souza Farias

Esperançosa inteligência

Retórica militante

Escolástico inútil

Cultura da política

 

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira

            Rubens Ricupero

       Colocar o Estado a serviço da cultura

       As origens e os episódios latino-americanos

       A história de Wladimir é um romance de aventuras

       As marcas de Murtinho na cultura do Brasil

       Brasília como nova capital da cultura brasileira

       O legado de Wladimir Murtinho em Brasília e para o Brasil

 

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível 

            Mary Del Priore

       Uma infância carioca

       Como se fabrica um escritor e musicólogo?

       Itinerários na diplomacia: Porto e Belgrado

       De volta à América Latina e novos desafios diplomáticos

       A obsessão pela música

       Um longevo diplomata-escritor

       Vasco: demasiadamente humano

 

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais                          281

            Gelson Fonseca Jr. 

       O intelectual e o diplomata

       Encontros com Merquior

       Os textos sobre questões diplomáticas

       O intelectual antes do diplomata

 

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet

            João Almino

       Diplomacia

       Literatura

       Filosofia

       Iluminismo e universalismo

       Universalismo e etnocentrismo

       Relativismo e particularismos

       Civilização ou barbárie

       A permanência da obra

 

Apêndices:

Sumário da obra O Itamaraty na cultura brasileira (2001)

Sobre os intelectuais

Sobre os autores 

                        ============



  Por outro lado, e para comemorar os 200 anos da independência brasileira, eu pesquisei sobre os projetos elaborados por intelectuais para reformar e melhorar o Brasil. Este é o livro que produzi, publicado em 2022: 


Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior


Prefácio

       Arnaldo Godoy

Apresentação

   Nos ombros dos verdadeiros estadistas

      Paulo Roberto de Almeida

 

Introdução 

     Da construção do Estado à construção da Democracia 

 

Primeira parte: a construção do Estado

     O Estado antes da Ordem e da própria Nação

1.  As vantagens comparativas de José da Silva Lisboa (Cairu)

2.  Por uma monarquia constitucional liberal: Hipólito da Costa 

3.  Civilizar os índios, eliminar o tráfico: José Bonifácio de Andrada e Silva

4.  Um Memorial para reformar a nação: Francisco Adolfo de Varnhagen

 

Segunda parte: a construção da Ordem

     Uma Ordem patrimonialista e oligárquica 

5.  Os liberais conservadores: Bernardo, Paulino e Paranhos

6.  Um aristocrata radical: Joaquim Nabuco

7.  Bases conceituais da diplomacia: o paradigma Rio Branco

8.  O defensor do Estado de Direito: Rui Barbosa 

 

Terceira parte: a construção do Progresso

     O Progresso pelo Estado, com o Estado, para o Estado 

9.  Um empreendedor liberal numa terra de estatistas: Mauá 

10. Um inglês imaginário e o nacionalista do petróleo: Monteiro Lobato

11. O revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha

12. Duas almas pouco gêmeas: Roberto Simonsen e Eugenio Gudin

 

Quarta parte: a construção da Democracia

     A Democracia carente de união nacional

13. Em busca de uma esquerda democrática: San Tiago Dantas

14. O militante do parlamentarismo: Afonso Arinos de Melo Franco

15. As oportunidades perdidas do Brasil: Roberto Campos

16. O liberalismo social de José Guilherme Merquior 

 

A construção da Nação: um itinerário de 200 anos de história 

 

Posfácio

O que a intelligentsia brasileira construiu em dois séculos de ideias e ações?


Referências Bibliográficas para os Construtores da Nação

Nota sobre o autor 

 

Coloquei Prefácio, apresentação e outros materiais neste link deste meu blog: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/05/construtores-da-nacao-projetos-para-o.html


                ==============


Depois o roteiro preparado pelo antropólogo Antonio Risério e minhas notas em torno das suas questões.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8 de setembro de 2023

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Procurando o proximo salvador da patria? - Luiz Felipe D'Avila

Concordo com o articulista em que o Brasil precisa de estadistas, mas se estamos procurando o proximo salvador da Patria, então nada poderá ser feito, sem os principais interessados na matéria.
Sinto dizer, mas não é o povo brasileiro, e sim os empresários. Enquanto estes não perceberem o que está errado e o que precisa ser feito, nada dará certo.
Paulo Roberto de Almeida 

Procura-se um estadista

O cientista político e especialista em gestão pública diz que o Brasil precisa de um líder capaz de fazer as reformas institucionais sem as quais estamos condenados à mediocridade
O Brasil precisa de uma nova safra de estadistas dispostos a arriscar o seu capital político em defesa de reformas capazes de retirar o país da atual trajetória decepcionante. A análise é do cientista político Luiz Felipe D’Ávila, presidente do Centro de Liderança Pública, entidade dedicada à preparação de administradores empenhados em aprimorar a eficácia na gestão da máquina governamental. “Se o país continuar no piloto automático, como estamos há mais de uma década, caminharemos para uma mediocridade terrível”, adverte.
Em seu mais recente livro, “Caráter e Liderança”, lançado no fim do ano passado, D’Ávila, de 50 anos, trata do papel essencial exercido pelos estadistas nos avanços institucionais. Inspirado no critério do cientista político americano Joseph Nye, para o qual os objetivos, os meios e as consequências das ações dos governantes devem ser avaliados do ponto de vista ético e da eficácia de suas políticas, D’Ávila escolheu os nove maiores estadistas brasileiros: José Bonifácio de Andrada e Silva, pela defesa da Independência; Joaquim Nabuco, a maior voz contra a escravidão; dom Pedro II, pela promoção das liberdades; Prudente de Morais, Campos Salles e Rodrigues Alves, os três primeiros presidentes civis, pela consolidação da República; Oswaldo Aranha, defensor da democracia nos anos da ditadura Vargas; Ulysses Guimarães, líder das Diretas Já; e Fernando Henrique Cardoso, pela estabilização da economia.
Veja: Como o senhor chegou aos nomes dos maiores estadistas da história brasileira?
Luiz Felipe D’Ávila: Os estadistas entendem quais são as travas ao desenvolvimento e ao fortalecimento das instituições democráticas. Apenas instituições sólidas asseguram a tríade da prosperidade: a confiança no país; a previsibilidade política e econômica; e a continuidade das boas ações públicas. A ascensão da burguesia, nas sociedades modernas, delimitou o fim da arbitrariedade dos monarcas e ensejou a transferência de poder para as demais instituições. Quanto mais sólidas as instituições, maiores a confiança e a previsibilidade. Aumenta o número de empreendedores dispostos a assumir riscos e a fazer investimentos. Na minha avaliação, esses nove estadistas foram essenciais para o fortalecimento das instituições democráticas, promovendo a superação de valores retrógrados.
Veja: Alguns analistas acham que basta a alternância de poder para depurar o sistema e promover as reformas necessárias. Nesse cenário os estadistas seriam desnecessários. O senhor concorda?
Luiz Felipe D’Ávila: As grandes reformas estruturais da história contemporânea sempre foram lideradas por estadistas. A liderança faz falta hoje ao mundo, e não apenas ao Brasil, diante da crescente complexidade dos problemas. Como disse o ex-primeiro-ministro de Luxemburgo Jean-Claude Juncker: “Todos sabemos como superar a crise europeia; apenas não sabemos como fazer isso e ganhar a próxima eleição”. Esse parece ser, tristemente, o espírito do tempo atual na política. As pessoas esclarecidas sabem o que deve ser feito, mas ninguém parece disposto a comprar a briga política. Daí a necessidade do verdadeiro estadista. No Brasil, precisamos hoje de um novo Joaquim Nabuco para promover a urgente revolução na educação — ou na saúde, ou na segurança.
Veja: Esses temas são sempre apontados como prioridade pelos políticos brasileiros. O que tem sido feito não basta?
Luiz Felipe D’Ávila: Os avanços graduais, lentos, dos últimos anos, não respondem plenamente às necessidades do país, diante do atraso de décadas e décadas. A importância da educação, lamentavelmente, parece ainda não ter sido devidamente compreendida. Não precisamos mais de mudanças graduais, mas de uma verdadeira revolução. Estamos sempre atrasados. O Brasil gasta 6% do PIB com educação, um porcentual superior ao do Japão e semelhante ao da Suíça. Mas o gasto efetivo por aluno no Brasil fica em 3.000 dólares, enquanto no Japão ele é de 10.000 dólares e na Suíça, de 15.000 dólares. O dinheiro brasileiro se perde na máquina e não chega ao aluno. O enorme custo do governo, sustentado por uma carga de impostos elevadíssima, e os recursos que não chegam aos que mais precisam — eis aí a grande reforma a ser feita no país.
Veja: Como escapar da “maldição de Juncker” quando fala em fazer o que é preciso e não perder votos?
Luiz Felipe D’Ávila: As pessoas, de fato, temem reformas. Para elas, reforma significa perder algo — e ninguém quer perder nada. Ninguém aceita perder privilégios, benefícios, subsídios. É preciso criar uma narrativa e mostrar os ganhos futuros para a maior parte da população. No Brasil falta uma narrativa que convença as pessoas a se envolver com as mudanças necessárias. As pessoas só estarão dispostas a fazer certo sacrifício se for criada essa narrativa. Daí a necessidade de um estadista. Existem os líderes que usam o poder apenas para fortalecer o mando pessoal, e existem aqueles que buscam reformar e fortalecer as instituições. Vivemos, hoje, de reformas feitas no passado. As instituições, porém, não suportam desaforos por muitas décadas. Precisamos de uma nova safra de estadistas virtuosos para dar sequência às reformas. Estamos há mais de uma década sem nenhuma grande reforma institucional no país. Estamos consumindo um capital importante que vai faltar. Fica evidente o descrédito das instituições, algo muito ruim, porque corrói os valores da democracia.
Veja: Qual o cenário para o país, caso não haja uma mudança de rota?
Luiz Felipe D’Ávila: Se o Brasil continuar no piloto automático, como estamos há mais de uma década, caminharemos para uma mediocridade terrível. Deixaremos para os nossos filhos um país com a educação falida. A evasão escolar entre os jovens de 15 a 17 anos é de 16%. Serão jovens sem condições de trabalhar nas profissões do futuro — e portanto veremos a desigualdade aumentar. Teremos uma previdência quebrada, com uma demografia negativa a partir de 2030. Vamos deixar para os nossos filhos um país sem as condições de sustentar os benefícios atuais e sem o preparo para a nova economia.
Veja: Qual é essa nova narrativa a ser apresentada aos eleitores?
Luiz Felipe D’Ávila: Haveria três objetivos centrais, na minha avaliação. Em primeiro lugar, estabelecer como meta dobrar a renda per capita em vinte anos. Se dobrássemos a renda em vinte anos, e depois a dobrássemos novamente no período seguinte, nossos filhos atingiriam uma renda quatro vezes maior que a atual, e os nossos netos teriam uma renda equivalente a dez vezes a nossa. O crescimento, quando mantido ao longo do tempo, tem efeito exponencial. É factual. Isso significa manter um crescimento médio de 4,5% ao ano. Uma vez estabelecido esse objetivo, é preciso saber quais as reformas e também os sacrifícios a ser feitos para chegarmos lá. O segundo objetivo seria colocar o país entre os dez primeiros no exame Pisa, de avaliação internacional de ensino. O terceiro objetivo seria atrair 4 trilhões de dólares em investimentos na infraestrutura. Só assim, alinhando essas três metas, o Brasil conseguirá escapar da barreira que o condena a ser, atualmente, um país de renda média.
Veja: Os objetivos da presidente Dilma Rousseff, no início de seu mandato, não eram muito diferentes desses. O que deu errado?
Luiz Felipe D’Ávila: A presidente acreditou que atingiria essas metas sem fazer nenhuma reforma. Houve uma melhora recentemente, com o governo sendo mais pragmático nas privatizações, mas ainda é pouco. Não adianta ir a Davos e dizer que o Brasil está aberto a investimentos. Os investidores estrangeiros sabem avaliar as perspectivas reais para a economia. E muito ruim quando o Brasil apresenta um resultado desastroso, como foi o caso nas notas do exame Pisa divulgadas recentemente, e o governo tenta enxergar melhoras que, na verdade, foram insignificantes. Trata-se de um caso de ausência de liderança, porque vai no sentido contrário ao de criar o necessário senso de urgência. A perda de credibilidade é rápida e a reconquista é lenta. Dilma agora luta para recuperar a confiança. Conseguirá isso apenas com ações concretas, não com discursos. Quando não existe uma visão maior, clara, voltamos para a política miúda da barganha de cargos e verbas.
Veja: Poderá haver uma mudança significativa a favor das reformas, caso algum dos candidatos de oposição saia vitorioso?
Luiz Felipe D’Ávila: Não consigo antever, hoje, uma grande mudança política mesmo com a vitória da oposição. Eduardo Campos e Aécio Neves passaram pelo governo estadual, deverão ser mais pragmáticos, e, por isso, deverão dar mais eficiência à administração da máquina pública. Mas não os vejo comprometidos com as reformas mais profundas. Falta a eles convicção. Parecem incapazes de mobilizar a opinião pública para defender a aprovação das reformas. Acredito que o Brasil terá uma mudança geracional importante a partir das eleições de 2018.
Veja:Por quê?
Luiz Felipe D’Ávila: Existe uma geração de políticos que descobriu que boa gestão dá voto. Um bom ex-prefeito será um deputado mais consciente. Serão políticos mais dispostos a correr riscos. Alguns governadores e prefeitos têm se mostrado mais pragmáticos para resolver problemas, deixando questões ideológicas e partidárias de lado. Minas Gerais, por exemplo, conseguiu avanços na educação depois de implementar critérios baseados na meritocracia, superando a resistência da máquina pública. A prefeitura do Rio de Janeiro seguiu no mesmo caminho. O prefeito precisou enfrentar a greve dos professores contrários à reforma com base no mérito. Canoas, no Rio Grande do Sul, praticamente acabou com as filas de atendimento médico. Graças a um sistema informatizado, foram marcadas 600 mil consultas por telefone. Existem bons exemplos que podem e devem ser replicados. Votuporanga, no interior paulista, é outro caso de sucesso na melhoria da educação — e por pouco não foi punida por isso.
Veja: O que ocorreu?
Luiz Felipe D’Ávila: O Ministério da Educação ameaçou cortar os recursos para o financiamento do programa por causa do bom desempenho da rede municipal no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A prefeitura ficou desesperada. Chegou-se até a pensar em importar maus alunos de municípios vizinhos para baixar a média e assim preservar os recursos. Mas acabou havendo um acordo com outros municípios da região, e a verba do programa foi mantida.
Veja: Getúlio Vargas costuma encabeçar todas as listas feitas sobre os maiores brasileiros do século XX. Muitos o apontam como o maior estadista da história do país. Por que ele não mereceu um lugar na sua lista de grandes estadistas?
Luiz Felipe D’Ávila: Não adianta apenas os objetivos serem louváveis. Getúlio fez as reformas trabalhistas, ampliou os direitos sociais, incentivou a industrialização. Mas não podemos perder de vista como isso foi feito. Não podemos esquecer também as conseqüências. Getúlio conduziu a revolução de 30 com a bandeira de fortalecer as instituições brasileiras. Mas fez o contrário. Usou o poder para enfraquecer as instituições democráticas e implementar a ditadura do Estado Novo. Getúlio fez tudo a seu alcance para enfraquecer a democracia. Ele rejeitava a alternância de poder.
Veja: Lula não se mostrou um verdadeiro estadista, ao manter a política econômica de FHC e recusar um terceiro mandato?
Luiz Felipe D’Ávila: Sem dúvida, Lula teve seu momento de estadista com a divulgação da Carta ao Povo Brasileiro, na campanha eleitoral de 2002. Nela, ele se compromete a manter a política econômica de Fernando Henrique e respeitar os contratos. Ao assumir a presidência, porém, a busca incessante — e quase narcisística — pela popularidade o fez deixar de lado as reformas. Então, na minha avaliação, ele não pode ser considerado um grande estadista. Se os políticos pensarem sempre na próxima eleição, se tiverem o receio de correr riscos em benefício da próxima geração, nunca vão fazer ou liderar as reformas estruturais. Foi o que aconteceu com Lula. Ele tinha capital político para fazê-las, mas foi avaro e optou por investir apenas na própria popularidade.
Fonte: Veja (Edição de 5 de fevereiro de 2014)

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SOBRE LUIZ FELIPE D´ÁVILA


Luiz Felipe D´Ávila

É formado em ciências políticas pela Universidade Americana em Paris e mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School. Preside o Centro de Liderança Pública (CLP). É sócio-fundador da SYKUE Bioenergya e da ACCION Microfinanças - instituição sem fins lucrativos, especializada em microcrédito, que atua na região norte do Brasil. Fundou a Editora D’Avila, que lançou as revistas “República” e “BRAVO!”. Escreveu editoriais de política para os jornais “Gazeta Mercantil” e “O Estado de S. Paulo”. Foi comentarista político das TVs "Manchete" e "Record" e da rádio "Trianon". É membro do Conselho Consultivo do Grupo Pão de Açúcar (CBD) e “Member at Large” do Conselho do Human Rights Watch. Foi diretor do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e membro do Conselho da Associação de Apoio ao Programa Comunidade Solidária. É autor dos livros: "O crepúsculo de uma era" (Maakron Books,1995), “Dona Veridiana: a trajetória de uma dinastia paulista" (A Girafa, 2004), “Os virtuosos” (A Girafa, 2006) e “Cosimo de Médici” (Ediouro, 2008); “Memórias de um líder renascentista” (Ediouro, 2008).

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

FHC e Pedro Malan reconhecidos como lideres de estatura mundial - Wall Street Journal

Uma justa homenagem a quem teve visão de estadista, contrariamente à obra de falsificação histórica que tantos militantes de causas fracassadas insistem em tentar colar nos dois brasileiros responsáveis maiores pela estabilização macroeconômica de que nos beneficiamos todos atualmente (e que vem sendo ameaçada por políticas irresponsáveis desde 2003).
Paulo Roberto de Almeida

Lições do Brasil e EUA para a crise na Europa
DAVID WESSEL
WALL STREET JOURNAL, AUGUST 18, 2011
Os europeus às vezes agem como se a única história que importa é a deles: Grécia e Roma, as tensões do período de paz depois da Primeira Guerra Mundial e a recuperação da devastação causada pela Segunda Guerra, a queda do muro de Berlim e o atual boom das exportações da Alemanha.
Mas algumas lições relevantes para a Europa podem ser encontradas do outro lado do Atlântico, na América do século 18 e no Brasil do século 20.
Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan (Associated Press)

Por meses, a Europa tem sido paralisada pelo que um observador temporário da economia mundial descreve como as três "nenhumas":
- Nenhuma desvalorização: nem a Grécia nem Portugal poderiam deixar o euro para depreciar suas moedas e voltar a ganhar competitividade.
- Nenhuma moratória: detentores de títulos do governo precisam receber o pagamento total.
- Nenhuma transferência: contribuintes em países ricos como Alemanha e França não podem financiar os rombos fiscais do sul europeu.
Nas últimas semanas, a Europa diluiu o segundo e o terceiro princípios para proteger o primeiro. Isso é compreensível. Se qualquer país da zona do euro quebrasse os grilhões da moeda única, o experimento europeu estaria ameaçado. A união monetária é o laço mais forte entre as economias europeias e o Banco Central Europeu, uma das poucas instituições pan-europeias que ainda funcionam.
Mas as tensões entre o compartilhamento de uma moeda e um banco central, em meio à busca de políticas fiscais nacionais independentes, agora são dolorosamente evidentes. Alexander Hamilton entendeu isso. Assim como Fernando Henrique Cardoso, que foi presidente do Brasil entre 1995 e 2002.
Uma lição de história para a Europa: Em 1790, o governo americano devia US$ 54 milhões e a dívida dos 13 estados individuais somava outros US$ 25 milhões. A dívida combinada era equivalente a 42% do produto interno bruto da nação. Hamilton, então secretário do Tesouro, propôs que o governo nacional assumisse as dívidas dos estados originárias da Guerra de Independência. Seria, disse ele, "uma medida de política sólida e de justiça substancial" e contribuiria para "uma acordo satisfatório, estável e ordenado das finanças nacionais."
"Admitindo... que uma provisão deva ser feita, de uma forma ou de outra, para a dívida total", disse Hamilton ao Congresso em seu primeiro Relatório sobre Crédito, "como consequência, nenhum aumento de receita será necessário, seja a provisão feita totalmente ou parcialmente pelos Estados Unidos, e parcialmente pelos estados separadamente."
James Madison e Thomas Jefferson foram contra Hamilton. Entre as questões: o Estado deles, a Virginia, tinha pagado uma parcela maior da sua dívida que outros estados. Mas Madison e Jefferson acabaram cedendo com a condição de que a capital do país fosse transferida de Nova York, Estado adotivo de Hamilton, para Washington. O resultado foi um governo central mais forte, o nascimento do que se tornou o maior mercado de bônus do mundo, e com um crédito sólido o suficiente para que os EUA financiassem a compra da Louisiana, que pertencia à França.
Depois de 200 anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso, com o Brasil ofuscado pelas crises financeiras do México, da Argentina e da Ásia, confrontou os governos estaduais que emprestavam mais do que suas receitas fiscais seriam jamais capazes de pagar. "O governo federal se convenceu de que teria de assumir um papel ativo na reforma fiscal dos Estados para impedir uma crise sistêmica", de acordo com um relato dos economistas Fábio Giambiagi e Márcio Ronci, publicado pelo Fundo Monetário Internacional em 2004.
Fernando Henrique levou cinco anos para fechar um acordo com os Estados e principais municípios, mas o governo federal acabou refinanciando as dívidas em troca de mudanças nas práticas tributárias, de contabilidade e gastos no nível estadual. O Brasil teve seus altos e baixos desde então, e essa não foi a única alteração significativa na política econômica, mas a medida de fato ajudou o país a suportar melhor a crise financeira de 2008 do que muitos outros.
Em ambos os casos, o governo central usou a reestruturação das dívidas dos Estados para impor uma medida de disciplina fiscal e para aumentar o poder federal. Para a Europa, o preço da continuação de uma união monetária será uma aliança fiscal mais forte. No final das contas, o dinheiro sairá do mais forte para o mais fraco de alguma forma, seja diretamente ou pelo resgate de bancos de países ricos que emprestaram para governos de países mais frágeis. No final das contas, a autonomia fiscal dos países-membros será restringida.
Europeus conscientes sabem disso. Jon Hilsenrath, do Wall Street Journal, publicou uma reportagem este ano dizendo que o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, estava lendo a biografia de Hamilton, escrita por Ron Chernow.
E agora Angela Merkel, da Alemanha, e Nicolas Sarkozy, da França, falam sobre a necessidade de um centro europeu mais forte, apesar de que eles não estão indo muito rápido na direção de títulos da zona do euro, ou de outros aspectos de tal mudança.
Em meio a tantos problemas, a Europa tem um ponto forte. Como um todo, sua "aritmética fiscal é positiva", segundo um relatório recente de economistas do J.P. Morgan Chase. A dívida pública dos governos da zona do euro totaliza cerca de 85% do produto interno bruto. Como grupo, o continente tem um superávit fiscal (excluindo juros) que responde por 3,2% do PIB, um nível mais saudável do que o dos EUA ou o do Reino Unido.
O problema, claro, é político.
Ao contrário dos EUA e do Brasil, a Europa não tem — ainda — um governo central que funcione ou Estados prontos para criar um.
Nem tem outro ingrediente vital — um líder do século 21 com a coragem e a sagacidade de Alexander Hamilton ou de Fernando Henrique Cardoso.