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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

BRICS: minha opinião sobre o grupo em 2022, que reafirmo em 2024: uma GRANDE ILUSÃO

 Quase dois anos atrás, em maio de 2022, fui convidado para um debate sobre a posição do Brasil no Brics. Resolvi não só externar minha opinião, como também reunir os meus escritos ao longo dos anos, praticamente desde 2006, e colocá-los num livro, este abaixo. Transcrevo agora o seu sumário e o meu prefácio, tal qual ainda válidos, em minha opinião.


A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira

(Brasília: Diplomatizzando, 2022, 189 p.  ISBN: 978-65-00-46587-7; Kindkle edition)


Índice

  

Prefácio: Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo


1. O papel dos Brics na economia mundial 

O Bric e os Brics  

A Rússia, um “animal menos igual que os outros”

A China e a Índia  

E o Brasil nesse processo? 

 

2. A fascinação exercida pelo Brics nos meios acadêmicos 

Esse obscuro objeto de curiosidade 

O Brasil, como fica no retrato?

Russia e China: do comunismo a um capitalismo especial 

O fascínio é justificado?

O que os Brics podem oferecer ao mundo? 

 

3. Radiografia do Bric: indagações a partir do Brasil  

Introdução: a caminho da Briclândia

Radiografia dos Brics  

Ficha corrida dos personagens  

De onde vieram, para onde vão?  

New kids in the block  

Políticas domésticas  

Políticas econômicas externas  

Impacto dos Brics na economia mundial 

Impacto da economia mundial sobre os Brics 

Consequências geoestratégicas   

O Brasil e os Brics  

Alguma conclusão preventiva? 

 

4. A democracia nos Brics  

A democracia é um critério universal?  

Como se situam os Brics do ponto de vista do critério democrático?

Alguma chance de o critério democrático ser adotado no âmbito dos Brics?

 

5. Sobre a morte do G8 e a ascensão do Brics 

Sobre um funeral anunciado  

Qualificando o debate 

O que define o G7, e deveria definir também o Brics e o G20

Quais as funções do G7, que deveriam, também, ser cumpridas pelo G20?

 

6. O Bric e a substituição de hegemonias  

Introdução: por que o Bric e apenas o Bric?

Bric: uma nova categoria conceitual ou apenas um acrônimo apelativo?

O Bric na ordem global: um papel relevante, ou apenas uma instância formal?

O Bric e a economia política da nova ordem mundial: contrastes e confrontos 

Grandezas e misérias da substituição hegemônica: lições da História 

Conclusão: um acrônimo talvez invertido 

 

7. Os Brics na crise econômica mundial de 2008-2009

Existe um papel para os Brics na crise econômica?

Os Brics podem sustentar uma recuperação financeira europeia? 

A ascensão dos Brics tornaria o mundo mais multipolar e democrático?

 

8. O futuro econômico do Brics e dos Brics 

Das distinções necessárias 

O Brics representa uma proposta alternativa à ordem mundial do G7? 

O que teriam os Brics a oferecer de melhor para uma nova ordem mundial?

O futuro econômico do Brics (se existe um...)

Existe algum legado a ser deixado pelo Brics? 

 

9. O Brasil no Brics: a dialética de uma ambição 

O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar 

Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional 

A emergência econômica e a presença política internacional do Brasil

A política externa brasileira e sua atuação no âmbito do Brics 

O que busca o Brasil nos Brics? O que deveria, talvez, buscar? 

 

10. O lugar dos Brics na agenda externa do Brasil  

Uma sigla inventada por um economista de finanças 

Um novo animal no cenário diplomático mundial  

Existe um papel para o Brics na atual configuração de poder?

Vínculos e efeitos futuros: um exercício especulativo 

 

11. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria 

Introdução: o que é um relatório de minoria? 

O que é estratégico numa parceria? 

Quando o estratégico vira simplesmente tático 

Parcerias são sempre assimétricas, estrategicamente desiguais  

A experiência brasileira de parcerias: formuladas ex-ante  

A proliferação e o abuso de uma relação não assumida   

 

Posfácio: O Brics depois da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia 

Indicações bibliográficas     

Nota sobre o autor  


Prefácio

Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo 

 

Agrupamentos econômicos ou políticos geralmente partem de algum projeto intrínseco à lógica instrumental de seus proponentes originais e tendem a seguir os objetivos precípuos de seus principais países membros. Eles geralmente são constituídos a partir de alguma ruptura de continuidade na ordem normal das coisas, ou seja, no plano diplomático, no seguimento de um evento ou processo transformador das relações de força. Por exemplo, a Grande Guerra de 1914-18, o mais devastador dos conflitos globais até então conhecidos, produziu a Liga das Nações, uma tentativa de conjurar enfrentamentos bélicos daquela magnitude nos anos à frente: o proponente original, contudo, a ela não aderiu, e a primeira entidade multilateral dedicada à manutenção da paz entre os Estados membros se debateu nos projetos militaristas expansionistas dos fascismos do entre guerras, até soçobrar por completo nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Para Winston Churchill, os dois conflitos globais foram uma espécie de repetição daquilo que a Europa havia conhecido no século XVII, uma “segunda Guerra de Trinta Anos”. 

A tentativa seguinte começou com um exercício de conformação da ordem econômica do pós-guerra, realizado na reunião de Bretton Woods, em junho de 1944: ela partiu da constatação de que era preciso reconstruir as bases da interdependência econômica destruídas pela crise de 1929 e pela depressão da década seguinte, congregando quase todos os países que estavam então unidos pela ideia das “nações aliadas”, a maior parte em luta contra as potências do eixo nazifascista. A proposta foi relativamente bem-sucedida e resultou na criação do FMI e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, ainda que a União Soviética, presente ao encontro, tenha preferido não se juntar às demais economias de mercado que puseram em funcionamento as duas instituições a partir de 1946. 

Imediatamente após a conferência de San Francisco e a abertura dos trabalhos da ONU, seu Comitê Econômico e Social (Ecosoc) aprovou a constituição de comissões econômicas regionais, encarregadas de mapear e informar a nova organização multilateral sobre a situação econômica em cada grande região do planeta, sendo que a mais famosa delas, a Cepal, sob a direção de Raúl Prebisch, não se contentou em apenas coletar dados econômicos sobre os países latino-americanos e do Caribe; com sede em Santiago do Chile, ela logo virou uma verdadeira escola de pensamento econômico, com cursos e programas de estudo sobre os problemas estruturais do continente.

Da mesma forma, a primeira organização de coordenação econômica europeia, a OECE, predecessora, em 1948, da OCDE (1960), foi constituída para administrar o funcionamento do Plano Marshall, e deveria, em princípio, estender-se igualmente aos países da Europa central e oriental ainda ocupados pelo Exército Vermelho. O Secretário de Estado americano proponente da ideia, o próprio George Marshall, respirou aliviado quando Stalin vetou a participação de sua esfera de influência no esquema, pois que não haveria, provavelmente, recursos a serem distribuídos entre todos eles; o programa, coordenado a partir de Paris, ficou então restrito à Europa ocidental.

Nos anos 1950 e no início da década seguinte, os países em desenvolvimento, em grande medida impulsionados pelo Brasil e demais latino-americanos, constataram que os arranjos econômicos feitos no âmbito de Bretton Woods e das reuniões preparatórias em Genebra à conferência da ONU sobre comércio e emprego de Havana, das quais resultaram, preliminarmente, o Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas Aduaneiras (Gatt, 1947), não tinham resolvido o problema básico das diferenças estruturais entre as economias avançadas e as “subdesenvolvidas”, como então eram chamados os países pobres, logo em seguida batizados conjuntamente de “Terceiro Mundo”. Levantou-se, então, um imenso clamor em torno dessa distinção julgada indesejável entre o Norte e o Sul do planeta, do qual resultou a convocação, pelo Ecosoc, da primeira conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento (Unctad, 1964), da qual resultou não só a criação do G77, o grupo dos países em desenvolvimento, mas um secretariado em Genebra, que passou a organizar reuniões quadrienais, das quais alguns dos resultados foram acordos sobre produtos de base e a criação de um Sistema Geral de Preferências, abolindo, na prática, o princípio da reciprocidade inscrito nos primeiros acordos comerciais, uma das cláusulas básicas do sistema do Gatt.

Quando, no seguimento da denúncia americana da primeira versão de Bretton Woods, feita pelo presidente Nixon em agosto de 1971, se instalou um “não-sistema financeiro mundial”, as principais economias de mercado avançadas estabeleceram um esquema informal de consultas entre elas para tentar conter a volatilidade dos mercados cambiais, o que deu origem ao G5 e, mais adiante, ao G7. Esse agrupamento perdura até hoje, com uma fase de G8 – não exatamente econômica, mas bem mais política –, com a inclusão da Rússia pós-soviética no esquema, situação que perdurou até a invasão da península da Crimeia, amputando-a da Ucrânia, em 2014. 

Paralelamente às reuniões anuais do G7, foi criada uma entidade privada, o Fórum Econômico Mundial, com encontros em Davos, na Suíça, com esse mesmo objetivo primário, de oferecer um espaço de discussões sobre a economia global, mais reunindo líderes de países e empreendedores privados; daquelas tertúlias nos Alpes suíços resultaram algumas boas iniciativas depois incorporadas às agendas de trabalho das principais organizações do multilateralismo econômico, primeiro o Gatt, depois a OMC, mas também as entidades de Bretton Woods, assim como as de várias agências especializadas da ONU; delas também participavam muitas ONGs de todo o mundo, a passo que, num sentido manifestamente oposto aos objetivos de Davos, começou a reunir-se, por breve tempo, o Fórum Social Mundial, um convescote anual das tribos confusas de antiglobalizadores – ou altermundialistas, como proferiam os franceses –, já com clara orientação anticapitalista.

De forma algo similar, no contexto das crises financeiras das economias emergentes, no final dos anos 1990, foi criado, no âmbito do FMI, um Fórum de Estabilidade Global, que, impulsionado por nova crise financeira, desta vez dos países avançados, em 2008, resultou na institucionalização do G20, reunindo as maiores economias do planeta. As reuniões anuais do G20 ingressaram numa repetitiva rotina de trabalho dos dirigentes desses países (incluindo a União Europeia e organizações pertinentes), relativamente satisfatórias no plano das proposições, mas que eram bem menos exitosas no terreno das realizações concretas, dada a diversidade natural de orientações de política econômica (e de postura política) entre seus membros, o que parece natural, uma vez que o G20 carece da unidade de propósitos que caracteriza, por exemplo, a OCDE. Alguns grupos informais, para meio ambiente, por exemplo, ou para outros temas globais, foram sendo instituídos, ao sabor das urgências de cada momento, sem exibir, contudo, o formalismo institucional de grupos estruturados em torno de um tema específico, com objetivos bem determinados. Estes são, grosso modo, os exemplos mais conspícuos – descurando a multiplicidade e a diversidade dos acordos e arranjos regionais ou plurilaterais que congregam interesses setoriais ou regionais, geralmente sob a forma de arranjos de liberalização do comércio ou organizações de escopo político, ou militar, como a OTAN, no caso –, de agrupamentos surgidos a partir de um entendimento comum sobre objetivos compartilhados, que podem, ou não, evoluir para formatos institucionais, ou mais refinados, de agregação de valores e dotados de metas claramente definidas. 

Este não parece ser o caso do Bric-Brics, entidade híbrida, no universo dos agrupamentos conhecidos, sem um formato preciso quanto à sua institucionalidade e desprovido de metas objetivamente fixadas de acordo a um entendimento comum sobre seus objetivos básicos, ou seja, os elementos capazes de definir esse agrupamento em sua essência fundamental. Ele parece ter sido mais formado em oposição ao suposto “hegemonismo” do G7 do que em torno de propostas próprias sobre a ordem econômica e política mundial, com base em uma agenda de trabalho formalizada. Mas atenção, e aqui reside uma diferença relevante com respeito a todas as entidades mencionadas acima, ele não resultou de uma necessidade detectada internamente aos integrantes de seu primeiro formato, o Bric, mas se constitui a partir de uma sugestão totalmente alheia ao trabalho diplomático, ou de coordenação econômica entre países postulando objetivos comuns, com uma “inspiração” externa e estranha ao grupo, apenas para “aproveitar” a aproximação feita por um funcionário de uma entidade dedicada a finanças e investimentos, o economista Jim O’Neill, do Goldman Sachs. Por essa razão precisa, sempre o considerei um personagem anômalo, no universo de nossas tradições diplomáticas, mas basicamente em função de uma composição heterogênea, sem um foco preciso no leque dos interesses nacionais do Brasil no plano externo.

Este livro foi composto a partir de uma seleção de uma dezena, tão somente, de trabalhos, dentre uma lista de mais de duas dúzias de ensaios e artigos que escrevi explicitamente sobre o Brics – à exclusão, portanto, de diversos outros textos que pudessem igualmente abordar secundariamente esse grupo de países reunidos por uma ambição diplomática –, a partir de uma simples proposta econômica, e que se manteve navegando, entre ventos e marés, desde meados da primeira década do século, e que segue existindo mais como ideia do que como realidade. Os primeiros trabalhos nessa categoria foram escritos antes mesmo da constituição formal do grupo e se estenderam por mais de uma década, sobretudo durante a vigência do lulopetismo diplomático. A despeito de algo defasados no tempo, o que se reflete em alguns dados conjunturais, eles revelam uma preocupação fundamental do autor com a coerência da diplomacia brasileira – nem sempre respeitada em todos os governos – e com uma noção muito bem refletida sobre os chamados interesses nacionais – nem sempre bem interpretados por todos os governos –, o que fiz invariavelmente desde minha formação superior, nos campos da sociologia histórica e da economia política. A partir do momento em que passei a exercer-me na carreira de diplomata, nunca deixei de aplicar minhas leituras, minhas pesquisas, as experiências adquiridas em prolongadas estadas no exterior, em todos os regimes políticos e sistemas econômicos imagináveis, com exceção talvez de uma pura tirania ao velho estilo do despotismo oriental, ou o stalinismo do seu período mais sombrio. Percorri muitos países, ao longo de uma vida de estudos e de missões diplomáticas, sempre recolhendo impressões sobre suas formas de organização política e suas modalidades de organização econômica, o que me permitiu escrever centenas de artigos, duas dúzias de livros e incontáveis notas em cadernos, que se transformavam em trabalhos uma vez definido um objeto preciso de análise.

O Bric-Brics foi um desses animais estranhos na paisagem diplomática, ao qual apliquei o meu bisturi analítico, de forma bastante crítica como se poderá constatar pela leitura dos trabalhos selecionados e aqui compilados, o que obviamente se situava contrariamente à postura do Brasil em política externa nos anos do lulopetismo diplomático. Nunca fui de aderir a modismos de ocasião, nem me intimidei com os olhares estranhos que me eram dirigidos cada vez que eu me pronunciava com o meu olhar crítico sobre esse novo animal na paisagem de nossas relações exteriores. Sempre considerei que a atividade diplomática não pode ser dominada por esses princípios que só podem vigorar nas casernas, ou melhor, em situações de combate: a hierarquia e a disciplina. Acredito que um soldado não pode interromper as operações no terreno para ir discutir os fundamentos da paz kantiana com o seu comandante de pelotão, mas um diplomata tem, sim, o dever, de questionar, e de argumentar, sobre cada “novidade” que se apresenta na agenda das relações exteriores do Brasil. 

Como nunca me dobrei ao argumento da autoridade, sempre busquei invocar a autoridade do argumento ao discutir a rationale desse animal bizarro no cenário de nossas atividades, o que não foi bem recebido pelo grupo no poder. Não obstante estar privado de cargos na Secretaria de Estado, durante mais de uma década, continuei analisando criticamente as principais opções de nossas relações exteriores, aliás em todos os governos, desde a era militar até o arremedo de autoritarismo castrense a partir de 2019, o que se refletiu, precisamente, em todos os livros que publiquei desde 1993 (sendo os dois primeiros sobre o Mercosul) e em dezenas de artigos de corte acadêmico redigidos desde o período da ditadura militar. O último artigo desta coletânea, não tem a ver diretamente com a questão do Brics, mas se refere precisamente a essa postura de “minoria” contra certas posições dominantes, que nunca hesitei em proclamar, com base num estudo aprofundado de nossas relações internacionais. 

Esta compilação de artigos e ensaios tem por objetivo, assim, demonstrar na prática como se pode fazer diplomacia – ou, no caso, história diplomática – sem necessariamente rezar a missa pelo credo oficial. Ela demonstra, pelo menos para mim, que o dever do diplomata não é o de se curvar disciplinadamente às inovações que vêm de cima, mas o de questionar, com base num exame detido de cada questão, sua adequação a uma certa concepção do interesse nacional. A radiografia que aqui se faz do Brics tem por objetivo apresentar os dados da questão, examinar o interesse da ideia para o interesse nacional – com o objetivo do desenvolvimento econômico e social sempre em pauta – e de questionar o que deve ser questionado a partir de certos equívocos de posicionamento externo que podem discrepar daquele objetivo. Manterei minha opção de oferecer relatórios de minoria cada vez que a ocasião se apresentar. No momento, a intenção foi a de coletar trabalhos resultando uma década e meia de reflexões sobre o que eu chamei de “grande ilusão” de uma diplomacia paralela, que ainda exerce influência sobre nossas opções externas. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4166: 6 maio 2022, 5 p.

 

O país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos - Sergio Florencio (Interesse Nacional)

 O país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos.

 

Sergio Florencio, Interesse Nacional, 29/01/2024

 

O ciclo virtuoso da transição civilizada

Nos últimos trinta anos o Brasil tem sido o país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos. No início do século XXI soubemos aproveitar uma grande oportunidade. Vivemos o virtuoso reformismo econômico e social assegurado pela “transição civilizada” FHC-Lula. O tripé macroeconômico de FHC ( lei de responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante) assegurou estabilidade e modernização da economia, seguidas pelo aprofundamento de políticas sociais exitosas do primeiro mandato de Lula ( Bolsa Família). 


O desvirtuamento do bom caminho 

Esse ciclo virtuoso começou a se desvirtuar no meio do segundo mandato de Lula e se rompeu definitivamente com Dilma. Foi a primeira grande oportunidade perdida dos últimos trinta anos.  Mantega estendeu, para muito além do razoável, a política contracíclica, destinada a enfrentar, a curto prazo, a crise econômica internacional de 2008. O consequente descontrole das contas públicas e a turbulenta relação com o Congresso terminaram por cobrar seu preço político (impeachment) e econômico (violenta  queda de 7% do PIB no biênio 2015-2016). 

As energias desperdiçadas e os erros esquecidos. A Petrobrás endividada.

Além das oportunidades perdidas, o Brasil das últimas três décadas foi também o país das energias desperdiçadas e  dos erros esquecidos. O setor de petróleo e gás é revelador dessa trajetória. Em 1979, ano da Revolução Iraniana e do segundo choque do petróleo, o Brasil produzia apenas 15% da demanda doméstica de petróleo. Mas importantes investimentos no setor ao longo das décadas de 80 e 90 fizeram com que em 2006 o país alcançasse a autossuficiência em petróleo. Para isso, contribuíram de forma significativa as reformas realizadas no governo FHC: o fim do monopólio da Petrobrás; a abertura do setor; e a internacionalização da empresa, com o lançamento de ações na bolsa de valores de Nova York.  

Essa modernização ocorreu tendo como marco regulatório o modelo exploratório de concessão. Entretanto, em 2006, com o anúncio da descoberta das reservas extraordinárias do pré-sal, o governo Lula iniciou a transição para o modelo de partilha. No regime de concessão, a empresa concessionária é dona de todo o petróleo que produz, enquanto na partilha o dono é o Estado. 

O primeiro problema da mudança do modelo foi a inércia. Entre o anúncio da descoberta do pré-sal e o primeiro leilão, no campo de Libra, em 2013, se passaram longos sete anos, com elevado prejuízo para o país. Além disso, no novo marco regulatório, a Petrobrás assumiu a condição de única operadora do pré-sal, o que desestimulou a participação de empresas estrangeiras nos leilões e obrigou a Petrobrás a explorar campos com menor rentabilidade. 

 Dois outros fatores contribuíram para agravar os vultosos prejuízos da Petrobrás: o congelamento de preços dos combustíveis, destinado a conter a inflação; e os desastrosos projetos de construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ.  

As perdas resultantes da política de congelamento dos preços da gasolina agigantaram a dívida da Petrobrás, que atingiu seu pico de R$ 507 bilhões no terceiro trimestre de 2015. A título comparativo, a empresa registrou oficialmente perdas resultantes de corrupção no valor de R$6,19 bilhões, no período 2004-2012.

O COMPERJ, apesar de gastos elevados, praticamente nada avançou e o desperdício com a refinaria Abreu e Lima foi exponencial. Sua construção foi orçada em US$ 2,3 bilhões em 2005. Quatro anos depois esse valor se elevou para US$ 13 bilhões, e em 2015 o custo se aproximava de US$ 20 bilhões, quando as obras foram interrompidas, tendo sido concluída apenas metade da refinaria. 

Os projetos fracassados da refinaria de Abreu e Lima e do COMPERJ deverão ser retomados no atual governo, numa demonstração de que, além das oportunidades perdidas, o Brasil é também o país dos erros esquecidos.

 

O anunciado governo da união e da reconstrução perde seu rumo

 Com a vitória da extrema direita bolsonarista em 2018, o país despertou da ilusão generalizada de ter instituições sólidas e de ser uma democracia consolidada. Ao contrário, essa estava ameaçada como em 1964, mas  com uma engenharia de desconstrução política distinta. Dispensava os tanques na rua, os militares no primeiro plano e, por meio da falência dos órgãos vitais das instituições, planejava a morte da  democracia. Mas Bolsonaro não foi reeleito, a democracia se salvou, e a vitória de Lula se dava de forma distinta dos pleitos anteriores.  Repetia o apoio tradicional das regiões mais pobres (Nordeste e Norte), mas resultava  da combinação de dois ingredientes inéditos: o anti- bolsonarismo resultante da polarização/calcificação política; e o apoio de variadas correntes liberais democratas, temerosas da morte da democracia. 

Esses dois ingredientes na vitória de Lula criavam a  oportunidade de uma união nacional, destinada a superar a divisão entre  a extrema direita bolsonarista e a esquerda lulista.  Essa união nacional resultaria da aproximação entre a esquerda intervencionista e o centro liberal democrata. Esse cenário, obviamente difícil, parecia interessar não só ao centro – órfão político com o virtual desaparecimento do PSDB- mas também à esquerda, que precisava ampliar seus apoios, uma vez que a vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro  foi inferior a 2%. 

Mas esse cenário virtuoso de união nacional foi jogado fora. Mais uma vez, o Brasil se revelou o país das oportunidades perdidas. Logo após a eleição, Lula anunciou seu projeto de união e reconstrução do país, mas seguiu caminhos distantes de tal propósito. Em lugar de se aproximar do centro – decisivo na sua apertada vitória sobre Bolsonaro - Lula preferiu privilegiar o PT raiz. A retórica e a prática do novo governo o distanciaram do centro, com base na premissa de que a polarização beneficiaria o PT, porque repetiria o confronto lulismo  versus bolsonarismo(mesmo com Bolsonaro inelegível). Nessa ótica equivocada, qualquer gesto em direção ao centro deveria ser evitado, pois era visto como jogo de soma zero – o ganho para o centro equivaleria a perda  da esquerda. 

 

A política externa virtuosa de Lula I e II em contraste com os excessos de Lula III

A política externa é outro exemplo de oportunidades perdidas. A atuação internacional de Bolsonaro foi uma desastrosa sucessão de graves equívocos que aproximaram o país da condição de pária no mundo. O propósito declarado era desconstruir princípios e paradigmas que orientaram a diplomacia brasileira. Nesse contexto caótico, a eleição de Lula provocou profundo alívio e grandes esperanças no mundo.  Lula assumiu sob signo “O Brasil está de volta”. Apesar desse ambiente de calorosa receptividade, justificado pelo capital de credibilidade internacional construído ao longo dos dois mandatos anteriores de Lula, a política externa do atual governo vem contrastando com o padrão histórico de defesa profissional dos interesses nacionais.  

O Brasil é uma potência regional com interesses globais. Temos condições de influenciar os rumos de nossa região, mas não dispomos de capacidade militar, de poder político, nem de peso econômico capaz de mudar os grandes acontecimentos globais. Avaliar com realismo o lugar do Brasil no mundo é condição necessária para uma política externa destinada à defesa do interesse nacional e não à busca de protagonismo internacional. 

O atual governo está falhando nesse processo. As declarações de Lula sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia apoiaram, de forma irrefletida e contrária ao direito internacional, a agressão russa ao território ucraniano. Com hesitação, tentamos corrigir esse erro, sempre com a aspiração de influir num conflito que vai muito além de nossas forças. Repetiu o Presidente esse erro de avaliação na guerra Hamas-Israel, ao buscar repatriar os brasileiros na Faixa de Gaza recorrendo ao Presidente Raizi do Irã, em óbvio erro tático. 

A barbárie do Hamas ao invadir kibutzes em território israelenses, executar com requintes de crueldade 1200 cidadãos mereceu ampla condenação internacional. A barbárie israelense, mais devastadora ainda, com a tragédia humanitária do saldo de mais de 20 mil palestinos, cerca de 1% da população da Faixa de Gaza, e 70% da infraestrutura, merece condenação mais veemente ainda. A diplomacia brasileira, na presidência do CSNU agiu de forma equilibrada e coerente com princípios e paradigmas de nossa política externa. Entretanto, uma vez mais, a retórica presidencial, ao atribuir aos bárbaros crimes de guerra israelenses a controvertida classificação de genocídio, desvirtua nossa tradição diplomática. 

Na nossa região, onde temos um histórico de equilíbrio construtivo no convívio com mais de dez vizinhos, o saldo do atual governo é muito negativo, por apoiar de forma recorrente os regimes autoritários de Maduro e Daniel Ortega, e ao criticar, com arrogância, Daniel Boric, o representante de uma esquerda moderna na região. 

No plano global, nosso alinhamento quase automático a posturas e aspirações da China no âmbito do BRICS ampliado, composto em sua maioria por regimes antidemocráticos, nos distancia dos países que defendem  a democracia liberal. Nossa postura reflete um antiamericanismo pouco compatível com os interesses nacionais. 

Em síntese, os últimos trinta anos de nossa história revelam, na economia, na política e nas relações internacionais, o padrão de uma nação com enormes potencialidades. Mas, ao mesmo tempo, o país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos. 

 

Sergio Abreu e Lima Florencio

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2024. 


Uma palavra de caução diplomática, acima da simplificação política-ideológica - Paulo Roberto de Almeida sobre a PEI

 Uma palavra de caução diplomática, acima da simplificação política-ideológica

Paulo Roberto de Almeida

A morte de Samuel Pinheiro Guimarães, um grande diplomata que ingressou no Itamaraty sob a PEI, trabalhou metade da carreira sob a ditadura militar e que depois foi protagonista de certa inflexão na política externa sob influência do PT, deu vezo a um tipo de aproximação ou analogia com os tempos passados da PEI e a uma comparação indevida com sua suposta deformação “neoliberal” pela postura externa do Brasil dos anos 1980 e 90 como sendo “submissa” a Washington ou contrária ao tipo de nacionalismo econômico que teria vigorado nos anos 1961-64.

O problema dos rótulos diplomáticos — muito em vigor na própria era militar — é que eles são simplistas e auto atribuídos, dificultando uma análise séria das especificidades contextuais em cada uma das épocas, pois os países dominam apenas uma parte da agenda diplomática, o resto vindo de fora, ao que cada governo tem de reagir, responder, aproveitar as oportunidades externas para alcançar certos beneficios internos.

Creio que tanto a PEI original quanto seu suposto renascimento sob o lulopetismo diplomático estão sendo oversold, com base apenas no slogan, sem que se faça um exame circunstanciado de cada contexto e da própria substância de cada uma das políticas efetivas. 

Análise de PExt tem certos requerimento que ultrapassam os rótulos. Vamos fugir da superfície autodeclarada e examinar o conteúdo de cada proposta. Do contrário é triunfalismo autoproclamado.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 1/02/2024

O encolhimento da diplomacia brasileira - André Lajst, Sabrina Abreu (FSP)

 O encolhimento da diplomacia brasileira 

Apoio à acusação da África do Sul de que Israel comete genocídio é lamentável 


 André Lajst, Cientista político, é presidente-executivo da StandWithUs Brasil e doutorando em ciências políticas e sociais com foco no processo de paz palestino-israelense (Universidade de Córdoba, Espanha) 
Sabrina Abreu, Diretora de Comunicação e Cultura da StandWithUs Brasil 

O Brasil sempre se orgulhou da sua diplomacia, sendo respeitado e admirado por todo o mundo. O nosso país tem relações internacionais com praticamente todos os Estados reconhecidos, e nossos diplomatas sempre foram considerados alguns dos mais bem treinados. Essa imagem histórica, porém, está sendo questionada. Nos últimos anos, temos visto um crescimento alarmante da polarização política e da ascensão de políticos populistas e antidemocráticos que têm dividido sociedades inteiras. 

Nesse contexto, o mundo livre tem a obrigação, como muitos países já o fazem, de escolher o lado da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. O governo Lula, contudo, tem ido na contramão ao fazer declarações desastrosas e comparações inapropriadas, atraindo para si uma avalanche de críticas de setores da esquerda moderada e de grande parte da mídia, seja em relação à Ucrânia ou à Venezuela. E, mais recentemente, ao apoiar a acusação infundada e frágil da África do Sul na Corte Internacional de Justiça de que Israel comete genocídio contra os palestinos. O termo "genocídio" foi usado pela primeira vez em 1944 por Raphael Lemkin, um judeu polonês que participou da resistência aos nazistas e buscava um termo que fosse capaz de descrever os horrores da "solução final", que tentou exterminar toda a população judaica da Europa. Nesse sentido, tentar atribuir falsamente an Israel o crime de genocídio é algo cruel e uma verdadeira inversão de valores, pois visa transformar vítimas em algozes. 

Isso justamente no momento em que o Estado judeu busca se defender do Hamas, o grupo terrorista responsável pelo massacre de 7 de outubro (a maior matança de judeus desde o Holocausto) e que diz que repetirá inúmeras vezes o atentado. Ademais, vale mencionar o quão hipócrita, além de mentirosa e ignóbil, é a acusação feita pela África do Sul, tendo em vista seu extenso histórico de amizade com ditadores e criminosos de guerra. Em 2014, seu governo se recusou a prender o então ditador do Sudão, Omar al-Bashir, este sim condenado pelo genocídio de centenas de milhares de pessoas em Darfur. O Tribunal Penal Internacional condenou o país por essa razão. 

 Não é de se espantar, portanto, que a África do Sul mantenha relações tão próximas com o Hamas, tendo recebido uma delegação oficial do grupo em Pretória, em 2015, e negando-se a reconhecê-lo como terrorista. Isso apesar de a carta de fundação do Hamas conter elementos abertamente genocidas, como a destruição total de Israel e a luta contra os judeus. Mesmo após as atrocidades cometidas no 7/10, o país esperou dez dias para condenar os atentados e, pouco após fazê-lo, a chanceler sul-africana falou ao telefone com nada menos que Ismail Haniyeh, um dos lideres máximos do Hamas. 

 É interessante observar que a maioria dos Estados que apoiaram a denúncia que o Brasil decidiu endossar são ditaduras com histórico de violação aos direitos humanos. Em vez de se juntar às democracias do mundo livre, Lula escolhe aderir ao clube de países que apoiam o terrorismo, junto a alguns poucos governos latino-americanos, como o da Bolívia —que apoiou a invasão russa à Ucrânia e é aliada de Putin e do regime iraniano, que financia e apoia o Hamas, o Hezbollah e outros grupos terroristas—, e das ditaduras nicaraguense e venezuelana, que dispensam apresentações ao leitor. É escandaloso que o Brasil, ao mesmo tempo em que afirma defender a solução de "dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel", esteja contribuindo justamente para o oposto disso ao apoiar esta falsa denuncia, que só beneficia os que, como o Hamas, são radicalmente contra a solução de dois Estados.

 É um abandono claro da tradição brasileira de equidistância e contribui ainda mais para o enfraquecimento das instituições internacionais e a banalização do genocídio. Ao agir desse modo, o país isola-se das principais democracias do mundo e aproxima-se justamente daqueles que ameaçam os valores mais caros que afirmamos defender.  


La mort d'un grand diplomate algérien, Messaoud Ait-Chaalal, combattant de l'indépendance, représentant diplomatique de l'Algérie

 Mon grand ami, Amine Ait-Chaalal, professeur à l'Université de Louvain La Neuve, m'envoye une triste nouvelle, mais source d'orgueil et de reconnaissance, son père décedé à 94 ans, après une vie entière dediée à la diplomatie d'un peuple fier et valeureux. Tous mes respects, et étonnement, de voir comment s'est déroulée cette vie depuis les temps coloniaux.



quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Sanções econômicas como arma de guerra - Palestra de Paulo Roberto de Almeida, a convite de Vladimir Aras (2022)

Sanções econômicas como arma de guerra

Palestra de Paulo Roberto de Almeida, a convite de Vladimir Aras

Os acasos das repostagens, por terceiras pessoas, que por vezes cruzam o meu "caminho", me levaram a um Instagram de quase dois anos atrás, sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, a convite do meu ex-aluno de Doutorado Vladimir Aras, que mantém um foro de debates em Direito:
Live com o professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida sobre as consequências econômicas da guerra da Ucrânia. O professor PRA deu uma aula de história, geopolítica, direito internacional e diplomacia.

Eis o texto citado na minha alocução: 

4131. “Consequências econômicas da guerra da Ucrânia”, Brasília, 19 abril 2022, 18 p. Notas para desenvolvimento oral em palestra-debate promovida no canal Instagram do Instituto Direito e Inovação (prof. Vladimir Aras), no dia 21/04/22. Nova versão reformatada e acrescida do trabalho 4132, sob o título “A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais”, com sumário, anexo e bibliografia. Divulgado preliminarmente na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/77013457/AguerradaUcrâniaeassançõeseconômicasmultilaterais2022) e anunciado no blog Diplomatizzando (20/04/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/04/a-guerra-da-ucrania-e-as-sancoes.html). Transmissão via Instagram (21/04/2022; 16:00-17:06; link: https://www.instagram.com/tv/CcoEemiljnq/?igshid=YmMyMTA2M2Y=); (Instagram: https://www.instagram.com/p/CcoEemiljnq/).


Concurso do Itamaraty acusado de irregularidades

 Banca do concurso do Itamaraty anula correção de provas e cria cenário de incertezas  

Contratada com dispensa de licitação desde primeiro ano de governo Bolsonaro, banca IADES volta a incorrer em erro e macula concurso mais tradicional do país

Anulação de correção de provas discursivas, novas correções, mudanças abruptas de classificação, erros de soma de notas e publicações erradas no Diário Oficial da União, essa é a rotina dos candidatos do concurso de admissão à carreira diplomática (CACD) desde novembro 2023, quando a banca examinadora (Instituto americano de desenvolvimento – IADES) decidiu anular as segunda e terceira fases por erro cometido pelo próprio instituto. Nova correção promoveu dança das cadeiras: 3o colocado da primeira correção caiu para 41o da segunda correção, enquanto o 97o subiu para 4o. Parentes de diplomatas são os principais beneficiados.  

A três dias da divulgação do resultado final do concorrido concurso do Itamaraty, candidatos foram surpreendidos pela decisão do IADES de recorrigir as provas, anulando resultado provisório, “devido à constatação de intercorrências relacionadas ao sistema de identificação de candidatos nos espelhos de prova referentes à Segunda e à Terceira Fases”, segundo o próprio órgão. Na realidade, o IADES incorreu em mesmo erro que cometera em 2019, primeiro ano em que realizou o concurso: parte do número de inscrição dos candidatos foi colocado pela banca nas folhas de respostas das provas.  

A nova correção, que deveria sanar o vício de forma, criou nova incerteza quanto à qualidade e isonomia das correções. Mesmo as provas discursivas tendo uma grade padrão de correção, as novas notas apresentaram discrepância significativa em relação às primeiras, levantando questionamentos se houve erros ou corrupção com a primeira ou com a segunda banca corretora.  

Sucessão de erros cria suspeição
Além das alterações substantivas de notas e de classificação, o concurso de 2023 apresentou uma sucessão de equívocos da banca examinadora. Ainda na Segunda Fase, o IADES divulgou um gabarito afirmando que a “declaração de guerra é um ato diplomático legítimo”. Horas depois, alterou o gabarito e o retirou do site.  

Já após a recorreção, o Instituto computou de modo errado a nota dos candidatos, erro que deixou de fora da nova lista de aprovados dois candidatos, os quais pediram administrativamente que o erro fosse desfeito. Para surpresa desses candidatos, a banca, após ter acatado recursos contra a correção e ter aumentado suas notas, decidiu voltar atrás, reduzindo a nota final do candidatos, deixando-os de fora da classificação final. Fica a pergunta: por que não poderiam ser aprovados? 

Enquanto candidatos classificados entre as primeiras notas da primeira correção tiveram suas provas recorrigidas de modo gravoso, outros que estavam mal colocados foram alçados aos primeiros lugares. Familiares de diplomatas saíram da 97a posição para a 4a e da 74a para 26a.  

Além dessas inconsistências, os candidatos queixam-se de falta de transparência. O IADES não divulga quem foram os examinadores nem da primeira nem da segunda correção, ao contrário do que é praxe nos concursos públicos. Tampouco se sabe quantos examinadores corrigem cada prova e se há sistema de auditoria.   

O IADES e a dispensa de licitação   
Em 2019, o Ministério das Relações Exteriores substituiu sem licitação a banca organizadora do concurso de ingresso para o Instituto Rio Branco, substituindo o Cebraspe/UnB, que organizava a prova desde 1993. A escolha foi polêmica e por determinação do então ministro Ernesto Araújo. O IADES tinha pouca experiência e já era alvo de denúncias em 2019 no processo seletivo da PM do Distrito Federal.  

Em 2023, além da repetição do erro que já havia cometido no concurso do Itamaraty, a banca voltou a ser alvo de denúncia. O Ministério Público de Contas do DF, por intermédio do Procurador-Geral Marcos Felipe Pinheiro Lima, ofertou denúncia ao TJDF, questionando irregularidades envolvendo provável violação ao ordenamento jurídico.  

Como funciona o CACD?  
O concurso de admissão à carreira diplomática tem três fases. A primeira é chamada de Teste de Pré-Seleção (TPS), etapa de prova objetivas, em que os candidatos devem julgar as assertivas verdadeiras ou falsas. A segunda fase inclui provas discursivas de inglês e português, enquanto a terceira fase exige que os candidatos realizem provas de história do Brasil, geografia, política internacional, economia, direito internacional, francês e espanhol. 

Mesmo as provas discursivas têm critérios objetivos de correção. A banca examinadora divulga um padrão de reposta com 10 quesitos para cada questão. Na recorreção de 2023, candidatos que haviam gabaritado questões, perderam pontos, enquanto outros que haviam recebido notas medianas passaram a ter a totalidade das notas, o que gerou a dança das cadeiras mencionada.   

Em 2023, o concurso ofereceu 50 vagas: 37 na ampla concorrência, 10 para cotas para pessoas negras e 3 para pessoas com deficiência. O concurso atesta a aprovação de 100 candidatos, mas somente são convidados a tomar posse aqueles que preencheram as 50 primeiras vagas, conforme descrito acima.  

Os candidatos autodeclarados negros são submetidos à avaliação de uma banca de heteroidentificação. Nesse ano, dois candidatos não foram considerados negros nesse procedimento, em razão de não apresentarem fenótipo visível de pessoa negra, mas um deles, por ter sido aprovado com nota suficiente para ampla concorrência, não foi eliminado e poderá tomar posse como diplomata.  

 Solução salomônica 
Parte dos candidatos aprovados defende convocação dos 100 aprovados no CACD 2023, para colocar fim às eventuais injustiças da recorreção e por razões de economia orçamentária.  

Existem 158 cargos vagos de terceiro secretário conforme da Secretaria de Gestão Administrativa (SGAD) do Ministério das Relações Exteriores, e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos já autorizou novo concurso para o Itamaraty a ser realizado em 2024.  

A decisão de convocação de todos os aprovados no CACD 2023 significaria economia de R$1.500.000,00.

500 Camões (que se está a perder) - Afonso Reis Cabral (JN, Portugal)

Em 2022, o Brasil não comemorou, devidamente, o seu bicentenário da Independência. Portugal está a perder os 500 anos de Camões, segundo este descendente de Eça de Queiroz. (PRA)


500 Camões

JN (Portugal), 30 de janeiro de 2024

https://www.jn.pt/1201519401/500-camoes/

Em 2024, Camões faz quinhentos anos - essa meia-idade dos eternos -, mas nós esquecemo-nos de lhe organizar uma festa. Talvez à última hora alguém consiga desenrascar o bolo, as velas, e cantar-lhe uma canção triste e embaraçosa.

Somos peritos em canções tristes e embaraçosas. Em desencantar uma qualquer coisa que apresentamos como melhor do que coisa nenhuma.

Em Maio de 2021, diz o “Público”, o Conselho de Ministros nomeou uma comissária para as comemorações do quinto centenário e prometeu criar uma Comissão de Honra, um Conselho Consultivo e uma estrutura de missão. Esta parafernália devia ter apresentado um programa de comemorações no final de 2022.

Porém, a bem dizer, uma parafernália inexistente não pode parafernaliar. Em Dezembro de 2023, a comissária disse que nenhuma destas instâncias tinha sido de facto constituída. Esperar pelo Camões, para a comissária, foi esperar por Godot. Depois da denúncia, o Governo criou um “comissariado consultivo” ao qual cabe agora apresentar um programa até Maio, começando as celebrações logo em Junho.

Acresce que o Orçamento do Estado para 2024 não tem verbas para as comemorações, escreve o “Sol”, e entretanto caiu o Governo e portanto, com ele, o Carmo e a Trindade: um novo Governo impossivelmente fará seja o que for a tempo.

Camões não se queixa, e até dispensa homenagens oficiais. Nós é que nos queixamos. Nós é que não dispensamos homenageá-lo. Nós, os maravilhados com a épica que não se contém numa única leitura; nós, os encantados com a lírica, cujos sonetos toda a língua portuguesa sabe de cor; nós, os que queremos agradecer-lhe o legado, ainda que nos falte engenho e a arte.

Nisto perdeu-se a oportunidade óptima para ler Camões no século XXI, isto é, a oportunidade para promovermos leituras diversas da obra, de lhe darmos um fôlego nosso.

Poetry slams com temática camoniana, peças de teatro, edições especiais, declamações de memória e em jeito de desafio, um site com o contributo de gente variada, envolver as comunidades de língua portuguesa por onde Camões andou, mas sempre com um oi ao Brasil, enfim. Haveria tanto para fazer, sobretudo apresentar aos estudantes um Camões diverso, complexo, um Camões sem manias de academismo ou instrumento da gramática, essa coisa detestável que ainda se pratica nas escolas. 
Veja-se a lírica e o que fez com ela Eugénio de Andrade. Dizia ele que o melhor livro da literatura em língua portuguesa seria uma antologia sua dos sonetos de Camões. E tinha razão: a antologia, que hoje se encontra publicada pela Assírio & Alvim, é breve e maravilhosa, profunda e única. Não sei porquê, gostaria de ver adolescentes desesperados de amor a lerem aqueles poemas uns aos outros, em busca de conquistar o coração alheio.

Decerto algo se fará. Somos peritos em fazer algo. Mas uma homenagem séria agora já é coisa de ficção. 

*O autor escreve segundo a antiga ortografia 


O impasse na Ucrânia: poucas armas, poucos avanços nas frentes de batalha: O Ocidente perdeu a vontade? - Ishaan Tharoor, Sammy Westfall (WP)

 

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Falecimento do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães: Seu depoimento na série Percursos Diplomáticos, em 2018 - Paulo Roberto de Almeida

Minha mensagem à ADB:

Falecimento do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães: Seu depoimento na série Percursos Diplomáticos, em 2018


A despeito de não ter servido no Itamaraty durante todos os mandatos do PT no poder, sempre tive no embaixador Samuel Pinheiro Guimarães um interlocutor de alta qualidade, totalmente sincero e aberto às controvérsias, no debate sobre os rumos de nossas políticas econômicas e da nossa política externa e diplomacia. 
Receber o embaixador ex-SG Samuel Pinheiro Guimaraes foi uma bonita experiência minha na direção do IPRI, na série dos Percursos Diplomáticos, na qual fiz questão de incluí-lo com destaque, mesmo sob um governo que supostamente se teria beneficiado de um “golpe” para terminar em pleno quarto mandato do partido vencedor das eleições de 2014.
Quando ele foi ingloriamente demitido do IPRI por expressar sua opinião sobre a Alca, fiz questão, desde Washington, de expressar-lhe minha solidariedade. Ele fez o mesmo quando alguns meses mais tarde fui censurado e admoestado, por motivos similares, pela famigerada Lei da Mordaça. 
 Fiz questão de registrar o respeito que eu tinha por suas posições numa mensagem inicial à sua palestra, neste vídeo:

https://youtu.be/MchU9jRwJTw?feature=shared 

Meu texto completo está referido abaixo:

3319. “Percursos Diplomáticos: uma reflexão necessária”, Brasília, 12-24 agosto 2018, 5 p. Introdução ao depoimento do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, no quadro da série de depoimentos de diplomatas aposentados, que se acrescentam ao anteriores (link: http://www.funag.gov.br/index.php/pt-br/2015-02-12-19-38-42/2784-palestra-percursos-diplomaticos-com-o-embaixador-samuel-pinheiro-guimaraes). Revisto e lido em 24 de agosto de 2018, no auditório do Instituto Rio Branco. Divulgado no blog Diplomatizzando (24/08/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/08/percursos-diplomaticos-samuel-pinheiro_24.html); Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/2066487373414702). Link para o vídeo no YouTube (pronunciamento pessoal nos primeiros 15 minutos do vídeo; link: https://youtu.be/6gPTjMtlfqE ou https://www.youtube.com/watch?v=6gPTjMtlfqE&feature=youtu.be).

Minha total solidariedade e os mais profundos sentimentos a seus familiares. Vou escrever sobre sua obra.
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Paulo Robert de Almeida
Diretor de Relações Internacionais  do IHG-DF
pralmeida@me.com
www.pralmeida.org
diplomatizzando.blogspot.com
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128
https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida
https://www.researchgate.net/profile/Paulo_Almeida2

Desenvolvimento industrial requer Estado, mas isso não significa subsídio - Dan Ioschpe (FSP)

 Desenvolvimento industrial requer Estado, mas isso não significa subsídio, diz empresário Líder do B20 


Brasil vê oportunidade em fórum empresarial para levar discussões de interesse nacional ao topo da agenda global BRASÍLIA No movimento global de retomada à política industrial, o segredo será desenhar propostas "qualificadas" e "mensuráveis", sem abandonar a ideia de ter uma macroeconomia ajustada. Essa é a avaliação de Dan Ioschpe, líder do fórum empresarial que dialoga com o G20. "Desenvolvimento industrial, sim, requer ênfase do Estado em determinadas áreas para que ocorra ao longo do tempo. Isso não significa subsídios, significa diretriz", diz o empresário em entrevista à Folha. Para Ioschpe, o país terá a oportunidade de inserir temas de interesse nacional no topo da agenda global.

 A ideia é entregar as recomendações do setor privado às lideranças do G20 Brasil em julho. Sob o comando da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o B20 Brasil fará seu primeiro ato oficial nesta segunda-feira (29), no Rio de Janeiro. Como será o trabalho do B20? O B20 tenta organizar a visão das empresas e do mundo dos negócios para influenciar de forma positiva e propositiva o G20. É uma oportunidade para que o Brasil traga pautas de interesse do país para an arena global. Nós temos sete forças-tarefa e um oitavo grupo, que vai tratar da questão das mulheres e da diversidade. 

Cada um desses grupos precisa, entre fevereiro e julho, fechar um conjunto de recomendações. Concluído esse ciclo, vamos poder entregar nossas recomendações às lideranças do G20 Brasil. O que trouxeram como diferencial do Brasil ao B20? Geramos cinco eixos horizontais. São a promoção do crescimento inclusivo e combate à fome, à pobreza e às desigualdades; o aumento da produtividade por meio da inovação; a promoção da resiliência das cadeias globais de valor. O quarto eixo é promover uma transição justa para zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa, então, estamos falando da transição energética e do desenvolvimento sustentável, e, por último, a valorização do capital humano. Haverá alguma recomendação concreta? Estamos propondo essencialmente as cinco linhas horizontais, e a redução dos itens que vão ser propostos cabe às forças-tarefa. É um esforço muito grande de consenso, é um trabalho "diplomático" realizado por pessoas do mundo dos negócios. A gente tem também que deixar espaço para que surjam de baixo para cima essas proposições. É claro que cada país traz a sua ênfase. 

Em países do Norte-Norte, a questão do crescimento inclusivo, combate à fome, à pobreza e às desigualdades está muito mais bem resolvida. Mas, na medida em que a gente tem um crescimento econômico e uma melhor distribuição da renda e do equilíbrio social, toda a economia global avançará. O sr. teme que questões geopolíticas acabem desviando a pauta do B20? A gente deve fazer um esforço para considerar e respeitar o ambiente geopolítico, mas gerar proposições exequíveis, escaláveis, mensuráveis. O que a gente não deveria ter é uma paralisia do lado das proposições em razão do evento geopolítico. O B20 não será palco da resolução dos conflitos, mas a gente pode fazer proposições para melhor conviver com o ambiente geopolítico mais conturbado. Para não ficar em ideias vagas, essa questão da resiliência das cadeias de valor é a expressão concreta. A gente vai precisar caminhar em uma direção de maior equilíbrio entre an agenda geopolítica, a globalização e a concentração. Como o setor privado vai tratar no B20 a discussão sobre uma transição mais inclusiva para um mundo mais sustentável? Um exemplo: a ideia do crédito de carbono pensado de uma forma global pode ser uma ferramenta muito útil para que a justeza do modelo apareça. 

Se você tem países que contribuíram pouco para a carbonização e podem contribuir muito para a descarbonização, eventualmente eles deveriam encontrar o valor para fazer esse aporte, da mesma forma em que se gerou um grande valor no desenvolvimento socioeconômico de países que eventualmente geraram a carbonização. Você encontrou nos países desenvolvidos um avanço socioeconômico importante e houve um custo eventualmente social, ambiental que precisa ser enfrentado. De outro lado, a solução está eventualmente em países que não encontraram esse desenvolvimento socioeconômico ao longo do tempo. Como você vai globalizar a discussão do crédito de carbono. Se houver um bom mecanismo de ganhos e perdas global, pode ser uma dessas formas de encontrar a justeza.

 O Brasil se coloca na liderança global na agenda sustentável, mas algumas políticas vão na contramão disso. Como lidar com essas contradições no B20? Você vai ter eventualmente mais facilidade em alguns países não desenvolvidos, o Brasil é um bom exemplo de enorme geração de fontes renováveis [de energia]. Suponho que a task force [força-tarefa] de Financiamento e Infraestrutura vai acabar cruzando esse tema. Se você quer fazer um grande desenvolvimento de hidrogênio em locais adequados, vai precisar de infraestrutura, de financiamento, de ferramentas, de alternativas. Pensando no escopo global, que caminhos a gente pode dar para acelerar essa geração de energia limpa nos lugares mais adequados? Para dar um grau da complexidade da discussão, você mistura isso com resiliência de cadeias de valor. Eu deveria avançar na cadeia de valor a partir dessa energia limpa e distribuir melhor a produção global, evitando crises de suprimento nas cadeias de valor e melhor alocando as fontes de suprimento? Isso conversa com a ideia da neoindustrialização no caso brasileiro. Se tivermos propostas que sejam aderentes à visão global e que possam apoiar uma visão importante do Brasil, estamos chegando ao ponto ideal das discussões. 

 O que eu estou vendo em outros lugares do mundo é que o desenvolvimento industrial, sim, requer ênfase do Estado em determinadas áreas para que ocorra ao longo do tempo. Exemplo: geração de energias renováveis. Isso não significa subsídios, significa diretriz Dan Ioschpe líder do B20 Brasil e presidente do conselho de administração da Iochpe-Maxion Como avalia a política industrial atual [ainda não havia sido lançado o novo plano do governo Lula (PT) para o setor]? A principal questão, que é global, é que há um retorno à ideia de política industrial. Isso está muito conectado com uma frustração com o crescimento geral da economia. O segredo vai estar em contemplar dois mundos, em que você desenha políticas industriais qualificadas, inteligentes, mensuráveis, com marco temporal, sem abandonar a ideia de uma macroeconomia ajustada. O Brasil, de certa forma, não atingiu nenhum dos dois mundos. Nós temos uma macroeconomia ainda muito complexa e que gera um juro real muito caro e saímos do ambiente de política industrial por achar que o debate só na macroeconomia resolveria.

 O que eu estou vendo em outros lugares do mundo é que o desenvolvimento industrial, sim, requer ênfase do Estado em determinadas áreas para que ocorra ao longo do tempo. Exemplo: geração de energias renováveis. Isso não significa subsídios, significa diretriz. O fato é que a gente, sim, vai precisar de uma direção de preferência de médio e longo prazo para que essas atividades ocorram aqui, não apenas em outros lugares. Especialistas apontam desaceleração de investimentos e produtividade baixa no Brasil. Como vê esse cenário? A indústria é um exemplo de uma área de menor avanço no Brasil. O produto agregado não tem avançado de uma forma razoável. Como que o Brasil vai melhorar essa trajetória, nos parece que a contribuição da indústria vai precisar crescer na participação do PIB. 

O PIB da indústria precisa avançar. Olhando os últimos 40 anos do Brasil, não é por acaso que numa trajetória de crescimento da economia como um todo relativamente medíocre, no sentido de média para baixo, é o momento em que a indústria declina na sua participação no PIB. Competitividade e produtividade são questões-chave. Quando você vai olhar da porta para fora, cai no chamado custo Brasil. A primeira questão é a tributação, que envolve a complexidade e a carga desproporcional entre setores da atividade econômica. Por isso, a grande relevância de uma reforma tributária. Com os seus altos e baixos, a reforma tributária aprovada deverá, quando estiver totalmente implantada, ajudar bastante nessa resolução. O segundo grande aspecto é o custo de capital brasileiro. Nós precisamos de uma maior tranquilidade macroeconômica, de instrumentos de financiamento mais adequados. A reforma tributária aprovada pode provocar um impacto positivo menor do que o esperado pela indústria? Supor que a gente teria uma reforma dos sonhos ou mais dirigida a uma determinada visão, não me parece razoável. A gente tem que aplaudir e comemorar que se fez um grande avanço. 

As questões que eventualmente ao longo do tempo se mostrarem pouco eficientes, vamos ter que trabalhar para que se vá melhorando. O principal ponto de atenção é a regulamentação, para que essa legislação não perca os atributos positivos e essenciais da reforma tributária. Vamos ter um esforço de médio e longo prazo para que a implantação da reforma tributária, de fato, entregue o que se espera dela, que é a não retenção de valores, uma melhor proporcionalidade entre os setores e simplificação e maior segurança jurídica em relação à tributação. Dan Ioschpe, 58 Chair do B20 Brasil. É presidente do conselho de administração da Iochpe-Maxion e membro do conselho de administração das empresas WEG, Marcopolo, Embraer e Cosan. É um dos vice-presidentes da Fiesp e membro do conselho deliberativo do Sindipeças. É formado em comunicação social pela UFRGS.