O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Academia.edu: mais acessados em janeiro 2024; Carta do ex-chanceler Celso Lafer em primeiro lugar - Paulo Roberto de Almeida

 Trabalhos mais acessados de Paulo Roberto de Almeida na plataforma Academia.edu em janeiro de 2024, com exceção do campeão de acessos e de leituras, que é a carta do ex-chanceler Celso Lafer: 

 

Title

30 Day Views

30 Day Uniques

30 Day Downloads

All-Time Views

Carta do ex-chanceler Celso Lafer ao Chanceler Mauro Vieira (11/01/2024)

306

231

91

312

3136) Presidencialismo vs. parlamentarismo: notas impressionistas (2017)

71

49

33

73

4565) Encontros com Roberto Campos, em meus próprios escritos (2024)

66

51

48

70

Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil: coleções documentais sobre o Brasil nos Estados Unidos (2010)

63

51

50

71

2784) Academia.edu: uma plataforma de informação e colaboração entre acadêmicos (2014)

38

35

1

1,575

Marxismo e Socialismo (2019)

26

21

11

3,057

A Constituicao Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos

23

20

12

5,564

14) O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (2006)

20

17

12

2,442

O Itamaraty na Cultura Brasileira (2001)

19

16

8

1,083

Jose Guilherme Merquior: um Intelectual Brasileiro (2021)

15

14

2

837

 

Brasil deve rever posição em relação à Venezuela - Rubens Barbosa (editorial do portal Interesse Nacional)

 

Rubens Barbosa: Brasil deve rever posição em relação à Venezuela


Governo Maduro descumpriu acordo por eleições livres, e EUA retomaram sanções contra o país, enquanto o governo Lula mantém silêncio. Para embaixador, chegou o momento de o Brasil assumir uma nova postura crítica em relação ao país, sendo coerente com a defesa da democracia na política interna.

' O governo americano declarou que a medida do Tribunal contradiz o acordo de Barbados e anunciou a retomada das sanções contra a Venezuela’
‘A decisão da Justiça eleva a tensão no cenário político interno na Venezuela’

'O governo Lula agora fica em posição delicada pois foi um dos que patrocinaram a negociação com a oposição em Barbados’

Por Rubens Barbosa*

O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela proibiu Maria Corina Machado e Henrique Caprilles de ocuparem cargos públicos pelos próximos 15 anos. Com essa decisão, Corina – que havia sido escolhida como candidata única da oposição – fica impedida de concorrer às eleições presidenciais que serão realizadas no segundo semestre do corrente ano. A decisão, que favorece Maduro, foi tomada por um tribunal nomeado e controlado pelo governo de Caracas.

A decisão do Tribunal Supremo de Justiça vai contra o que ficou decidido no Acordo de Barbados, que previa a suspensão das sanções econômicas contra a Venezuela na medida em que fossem tomadas medidas que permitissem que as eleições presidenciais do segundo semestre pudessem transcorrer de forma transparente e com a participação de todos os partidos, sem discriminação em relação aos opositores a Maduro, e monitoradas por organizações internacionais.

Em outubro, no acordo de Barbados, os EUA concordaram em suspender as sanções sobre as exportações de petróleo e gás. Algumas etapas já tinham sido cumpridas, como a libertação de prisioneiros dos dois lados. Com o anúncio da inelegibilidade de Maria Corina, o governo americano, por meio dos departamentos de Estado e do Tesouro, declarou que a medida do Tribunal contradiz o acordo de Barbados e, como consequência, anunciou a retomada das sanções contra a Venezuela e de operações com minérios venezuelanos. 

Na América Latina, a reação também foi imediata. Argentina, Uruguai, Equador, Paraguai, Panamá e Costa Rica criticaram a decisão judicial que excluiu a principal candidata da oposição das próximas eleições. EUA, Canadá, Reino Unido e França, entre outros países, também condenaram a decisão.

Além dessas reações, o grupo IDEA (Iniciativa Democrática da Espanha e das Americas), integrado por 37 ex-presidentes, condenou o veto a Corina.

A decisão da Justiça eleva a tensão no cenário político interno na Venezuela. Na semana passada, 36 pessoas foram presas sob a acusação de planejar a morte de Maduro. Tanto o governo quanto a oposição concordam que o acordo de Barbados ficou superado. Sem Corina na disputa presidencial, o nome cogitado pela oposição é de Manuel Rosales, governador do estado de Zulia, derrotado por Maduro nas eleições presidenciais de 2006.

O governo Lula normalizou a relação com Caracas, nomeou uma embaixadora, e agora fica em posição delicada pois foi, junto com a Noruega, um dos que patrocinaram a negociação com a oposição em Barbados. Sem falar no tratamento privilegiado concedido a Maduro em maio passado, quando da reunião de presidentes sul-americanos, no encontro da Celac e recentemente na mediação do conflito por território com a Guiana.

Até aqui, o governo Lula (assim como o do México e o da Colômbia) manteve seu apoio a Maduro e mantém silêncio sobre a decisão de tornar Corina inelegível, excluindo-a das próximas eleições. O Brasil tem restrições a Corina em função da percepção de que ela faria uma transição difícil, se ganhasse a eleição. O risco da atual política externa é a tendência ideológica prevalecer, e o Brasil evitar condenar o governo Maduro por mais este ato antidemocrático. Chegou o momento de o Brasil rever sua posição e assumir uma nova postura crítica em relação à Venezuela, coerente com a narrativa de Lula de defesa da democracia na política interna.

Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental

Leia mais editoriais de Rubens Barbosa

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/conheca-os-colunistas-do-portal-interesse-nacional/

Edital: Professor da Carreira do Magistério Superior Federal na Escola Superior de Defesa (ESD)

 Prezados associados e associadas,

 
A ABED divulga o EDITAL DE CHAMADA PÚBLICA Nº 1/2023-ESD/2023 de redistribuição de cargo de Professor da Carreira do Magistério Superior Federal na Escola Superior de Defesa (ESD) do Ministério da Defesa (MD), Brasília-DF.
 
 
ÁREA TEMÁTICA: Segurança, Desenvolvimento e Defesa
 
CAMPOS: (1) Economia de Defesa, (2) Base Industrial/Indústria de Defesa, (3) Avaliação e Análise de Políticas Públicas, (4) Ciência, Tecnologia e Inovação em Defesa, (5) Segurança e Defesa no Sistema Internacional, (6) Planejamento e Gestão Estratégica em Defesa, (7) Pensamento Estratégico-Militar, (8) Desenvolvimento Econômico, (9) Modelos de Análise de Políticas Públicas, (10) Modelos de Análise de Processos Decisórios, (11) Teorias Políticas e de Relações Internacionais, (12) Polemologia, (13) Geopolítica e Defesa, (14) Diplomacia de Defesa, (15) Direito, Segurança e Defesa, (16) Cenários e Simulações em Segurança e Defesa (17) Medidas de compensação comercial, industrial e tecnológica (offsets).
 
NÚMERO DE VAGAS PARA A ÁREA TEMÁTICA: 1 (uma)
 
REGIME: Dedicação Exclusiva - DE
 
 
INSCRIÇÕES: as inscrições serão realizadas até 28 de março de 2024. 
 
Dúvidas deverão ser consultadas através do e-mail esd.protocolo@defesa.gov.br .
 
Atenciosamente,


Caso não esteja conseguindo visualizar esta mensagem,  clique aqui

Associação Brasileira de Estudos de Defesa
https://www.abedef.org/

Uma outra História do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Uma outra História do Brasil

Paulo Roberto de Almeida 

O Brasil poderia ser há muito tempo um país desenvolvido. 

O descaso com a educação de massa de qualidade, o nacionalismo e o protecionismo exacerbados o desvincularam da economia mundial; daí veio o atraso, que se estendeu desde o Império e se reforçou na República, mesmo com a industrialização. 

No Império e na Velha República crescemos mediocremente, bem menos do que o mundo. Crescemos mais do que o mundo durante 50 anos, dos anos 1930 a 1980, mas não por virtudes nossas, e sim pelas crises que atingiram os países avançados, mais afetados pela Grande Depressão e pelas guerras, e depois, nos anos 1950-70, pela impulsão dada pela retomada da economia mundial e pelos investimentos estrangeiros, depois cerceados pelo estatismo nacionalista da era militar (continuado mesmo na redemocratização).

A partir dos anos 1980 passamos a crescer menos do que o mundo, novamente, e até menos do que a região (e três vezes menos do que os emergentes dinâmicos da Ásia Pacífico).

Política externa equivocada fez o resto. Ainda é assim, aliás piorou, recentemente. O PT reproduz os mesmos erros da era militar e acrescenta outros, da sua lavra; equívocos em toda a linha, com um toque de anacronismo, de ingenuidade e de ignorância.

As supostas elites econômicas e politicas (estas muito menos) nunca conseguiram corrigir esses erros.

Vou relatar isso numa “outra História do Brasil”.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2/01/2024

A absurda postura diplomática de Amorim e Lula 3 sobre a guerra de agressão da Rússia à Ucrânia - Forum de Davos

 Começa pelo fato de que NÃO HÁ guerra de agressão, depois vai para ilusões sobre a Rússia (PRA): 


Em Davos, Brasil defende ponto de convergência entre Rússia e Ucrânia 

Na quarta reunião entre conselheiros de segurança, Celso Amorim propõe abertura de diálogo O governo brasileiro defendeu o diálogo na guerra entre Ucrânia e Rússia, sem partir para o confronto. Uma nova reunião entre os conselheiros de segurança nacional de todo mundo aconteceu, neste domingo (14), em Davos, na Suíça, com foco no projeto de paz para encerrar quase dois anos de guerra entre os dois países. Esta foi a quarta reunião - desta vez, o governo suíço marcou o encontro nos alpes suíços, um dia antes do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta segunda-feira e vai até sexta-feira. 

 O Brasil foi representado pelo embaixador Celso Amorim, atual assessor especial da presidência para assuntos internacionais. Ao Valor, Amorim afirmou que há uma diferença de percepção nas discussões dos países que negociam acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. O Brasil, alinhado à Índia, África do Sul e Arábia Saudita, defende a abertura de um espaço de negociação com a Rússia que poderia gerar um ponto de convergência entre os dois países em guerra. Um dos assuntos que poderiam ser debatidos é a troca de presos, além do tema da segurança alimentar. 

O governo ucraniano jogou luz sobre a questão das crianças raptadas e desaparecidas por conta desse conflito. Para o governo brasileiro, o caminho seria discutir parâmetros que possam convergir para um acordo. Sem desmerecer a Ucrânia, Amorim é a favor que o governo de Volodymyr Zelensky abra espaço para criar diálogo com a Rússia. Os russos não foram convidados para participar desse encontro, que terminou sem um caminho claro antes da chegada do presidente da Ucrânia em Davos. Zelensky está previsto para fazer um discurso na terça-feira (16) no Fórum Econômico Mundial. A Ucrânia tem buscado o apoio de países emergentes. A Ucrânia, com forte apoio dos seus aliados, tem afirmado consistentemente que não desistirá até que tenha recuperado cada pedaço de território que a Rússia tomou. 

Não está claro, no entanto, se os países do Sul Global concordam com esses termos como parte de uma fórmula de paz. 


Lula, PT, África do Sul, CIJ, diplomacia brasileira e a questão do "genocídio" de Israel em Gaza (matérias de imprensa)

 Os improvisos não são do Itamaraty, com certeza...

Posição do Brasil contra Israel, política e sem valor prático, traz efeitos internos e externos 


Há duas explicações sobre manifestação brasilieira: o massacre de palestino na reação de Israel aos atos terroristas e a posição ideológica do governo e do PT Por que, afinal, o presidente Lula decidiu atrair mais chuvas e trovoadas, dentro e fora do País, ao anunciar oficialmente apoio ao julgamento de Israel, por genocídio, na Corte Internacional de Justiça de Haia? Não precisava. 

Países não votam na Corte e não interferem no resultado. Bastava acompanhar de perto e ver no que daria, como fizeram China e Rússia, os dois principais integrantes dos Brics. A explicação nos bastidores, ou melhor, nos palácios, é a tragédia humanitária em Gaza, transformada num gigantesco cemitério de crianças depois que Israel reagiu ao ataque terrorista do Hamas despejando sua ira e sua força na faixa que abriga(va) os palestinos. Mas, fora dos gabinetes envidraçados de Oscar Niemeyer, a interpretação é outra: a posição ideológica de Lula e do PT contra Israel. 

 Depois de notas do Instituto Brasil-Israel e da Confederação Israelita do Brasil (Conib), cobrando a tradição de “equilíbrio e moderação” da política externa brasileira, veio a carta, igualmente dura, mas em formato erudito, do ex-chanceler Celso Lafer, de família judia da Lituânia, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito Internacional. Endereçada ao chanceler Mauro Vieira, mas distribuída publicamente, a carta rebate à luz do direito a acusação de “genocídio” e acusa a África do Sul, autora da petição à Corte de Justiça, de tentar deslegitimar o Estado de Israel e aumentar o antissemitismo mundial, “em sintonia com os que almejam minar o direito à existência de Israel”. “É um deslize conceitual de má-fé valer-se da imputação de genocídio para discutir as controvérsias jurídicas relacionadas à aplicação do direito humanitário e aos problemas humanitários em Gaza”, ensina Lafer, acusando a posição do governo de falta de consistência, coerência e obediência às regras do Direito Internacional. 

 Na véspera, a ONG Human Rights Watch (HRW) divulgara seu relatório de 2023, criticando o Brasil por falhas no combate à violência policial e também em quatro conflitos internacionais: “declarações controversas” de Lula sobre a invasão da Rússia na Ucrânia, defesa de Nicolás Maduro na Venezuela e omissão em relação às violações na Nicarágua e aos crimes da China contra os Uigures. Não há, porém, referências ao Brasil em relação à Guerra de Israel. Talvez porque o foco da HRW, pelo óbvio, é em direitos humanos, não em política externa e direito formal internacional. Mas a HRW é uma ONG, o Brasil é um País. Uma coisa é a opinião de organizações independentes, outra é o posicionamento oficial de um Estado num conflito que, como sempre, tem dois lados. 



O apoio do governo Lula à acusação de genocídio contra Israel no tribunal de Haia deve ter lá algum cálculo, mas seja qual for, é equivocado. 

Ainda que o núcleo do Palácio possa estar convicto de que se trata de um genocídio em curso, o que é pelo menos discutível, a acusação é demasiadamente grave para ser proclamada em nome do Brasil assim da noite para o dia, em apoio a um jogo de cena de um país secundário como a África do Sul. Não há dúvida de que Netanyahu tem que ser expelido e que sua política é inaceitável. 

A reação ao ataque terrorista do Hamas ultrapassou todos os limites humanitários. O Brasil deve condenar, como tem condenado, a resposta indiscriminada que mata civis e crianças. A hipótese de crime de guerra tem fundamento, mas daí a sustentar a tese de genocídio e apregoá-la publicamente vai um caminho. Por "café com leite" que seja o tribunal, que não tem poder impositivo, a decisão rompe com a tradição de equilíbrio e discrição do Itamaraty. Tem ares de terceiro-mundismo juvenil animado pelas novas movimentações do Sul Global. A tese é escorregadiça do ponto de vista jurídico, instrumentaliza Haia como palanque anti-Israel e é uma atitude de confrontação. Se um país considera que outro pratica genocídio… o que mais falta para endossar uma guerra?

 O assustador é que a possibilidade de uma guerra de maiores proporções vem aumentando. O gesto brasileiro se inscreve nesse contexto. A ampliação do conflito para a região já é um fato. Como observou o jornal The New York Times, a questão não é mais saber se vai ser ampliado, mas como pode ser contido. O mundo, não custa repetir, caminha para um "turning point". Uma nova ordem mundial se anuncia. Velhas convicções e argumentos estão em crise. Relações de força se redefinem. São momentos perigosos em que de uma hora para outra tudo pode se precipitar. 

 No meio desse tiroteiro, o governo brasileiro abandona a sobriedade na articulação de soluções pacíficas e resolve esticar a corda. Faz isso quando os EUA, com seu ethos belicista, piora as coisas com bombardeios no Iêmen em companhia do Reino Unido. Lula tem sido um defensor da paz, mas desta vez preferiu acirrar os ânimos. A decisão além de tudo é um erro político no plano doméstico, que contribui para aprofundar cisões entre brasileiros. Nada tem a ver com o discurso marqueteiro do Papai Noel da conciliação. 



quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

BRICS: minha opinião sobre o grupo em 2022, que reafirmo em 2024: uma GRANDE ILUSÃO

 Quase dois anos atrás, em maio de 2022, fui convidado para um debate sobre a posição do Brasil no Brics. Resolvi não só externar minha opinião, como também reunir os meus escritos ao longo dos anos, praticamente desde 2006, e colocá-los num livro, este abaixo. Transcrevo agora o seu sumário e o meu prefácio, tal qual ainda válidos, em minha opinião.


A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira

(Brasília: Diplomatizzando, 2022, 189 p.  ISBN: 978-65-00-46587-7; Kindkle edition)


Índice

  

Prefácio: Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo


1. O papel dos Brics na economia mundial 

O Bric e os Brics  

A Rússia, um “animal menos igual que os outros”

A China e a Índia  

E o Brasil nesse processo? 

 

2. A fascinação exercida pelo Brics nos meios acadêmicos 

Esse obscuro objeto de curiosidade 

O Brasil, como fica no retrato?

Russia e China: do comunismo a um capitalismo especial 

O fascínio é justificado?

O que os Brics podem oferecer ao mundo? 

 

3. Radiografia do Bric: indagações a partir do Brasil  

Introdução: a caminho da Briclândia

Radiografia dos Brics  

Ficha corrida dos personagens  

De onde vieram, para onde vão?  

New kids in the block  

Políticas domésticas  

Políticas econômicas externas  

Impacto dos Brics na economia mundial 

Impacto da economia mundial sobre os Brics 

Consequências geoestratégicas   

O Brasil e os Brics  

Alguma conclusão preventiva? 

 

4. A democracia nos Brics  

A democracia é um critério universal?  

Como se situam os Brics do ponto de vista do critério democrático?

Alguma chance de o critério democrático ser adotado no âmbito dos Brics?

 

5. Sobre a morte do G8 e a ascensão do Brics 

Sobre um funeral anunciado  

Qualificando o debate 

O que define o G7, e deveria definir também o Brics e o G20

Quais as funções do G7, que deveriam, também, ser cumpridas pelo G20?

 

6. O Bric e a substituição de hegemonias  

Introdução: por que o Bric e apenas o Bric?

Bric: uma nova categoria conceitual ou apenas um acrônimo apelativo?

O Bric na ordem global: um papel relevante, ou apenas uma instância formal?

O Bric e a economia política da nova ordem mundial: contrastes e confrontos 

Grandezas e misérias da substituição hegemônica: lições da História 

Conclusão: um acrônimo talvez invertido 

 

7. Os Brics na crise econômica mundial de 2008-2009

Existe um papel para os Brics na crise econômica?

Os Brics podem sustentar uma recuperação financeira europeia? 

A ascensão dos Brics tornaria o mundo mais multipolar e democrático?

 

8. O futuro econômico do Brics e dos Brics 

Das distinções necessárias 

O Brics representa uma proposta alternativa à ordem mundial do G7? 

O que teriam os Brics a oferecer de melhor para uma nova ordem mundial?

O futuro econômico do Brics (se existe um...)

Existe algum legado a ser deixado pelo Brics? 

 

9. O Brasil no Brics: a dialética de uma ambição 

O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar 

Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional 

A emergência econômica e a presença política internacional do Brasil

A política externa brasileira e sua atuação no âmbito do Brics 

O que busca o Brasil nos Brics? O que deveria, talvez, buscar? 

 

10. O lugar dos Brics na agenda externa do Brasil  

Uma sigla inventada por um economista de finanças 

Um novo animal no cenário diplomático mundial  

Existe um papel para o Brics na atual configuração de poder?

Vínculos e efeitos futuros: um exercício especulativo 

 

11. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria 

Introdução: o que é um relatório de minoria? 

O que é estratégico numa parceria? 

Quando o estratégico vira simplesmente tático 

Parcerias são sempre assimétricas, estrategicamente desiguais  

A experiência brasileira de parcerias: formuladas ex-ante  

A proliferação e o abuso de uma relação não assumida   

 

Posfácio: O Brics depois da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia 

Indicações bibliográficas     

Nota sobre o autor  


Prefácio

Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo 

 

Agrupamentos econômicos ou políticos geralmente partem de algum projeto intrínseco à lógica instrumental de seus proponentes originais e tendem a seguir os objetivos precípuos de seus principais países membros. Eles geralmente são constituídos a partir de alguma ruptura de continuidade na ordem normal das coisas, ou seja, no plano diplomático, no seguimento de um evento ou processo transformador das relações de força. Por exemplo, a Grande Guerra de 1914-18, o mais devastador dos conflitos globais até então conhecidos, produziu a Liga das Nações, uma tentativa de conjurar enfrentamentos bélicos daquela magnitude nos anos à frente: o proponente original, contudo, a ela não aderiu, e a primeira entidade multilateral dedicada à manutenção da paz entre os Estados membros se debateu nos projetos militaristas expansionistas dos fascismos do entre guerras, até soçobrar por completo nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Para Winston Churchill, os dois conflitos globais foram uma espécie de repetição daquilo que a Europa havia conhecido no século XVII, uma “segunda Guerra de Trinta Anos”. 

A tentativa seguinte começou com um exercício de conformação da ordem econômica do pós-guerra, realizado na reunião de Bretton Woods, em junho de 1944: ela partiu da constatação de que era preciso reconstruir as bases da interdependência econômica destruídas pela crise de 1929 e pela depressão da década seguinte, congregando quase todos os países que estavam então unidos pela ideia das “nações aliadas”, a maior parte em luta contra as potências do eixo nazifascista. A proposta foi relativamente bem-sucedida e resultou na criação do FMI e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, ainda que a União Soviética, presente ao encontro, tenha preferido não se juntar às demais economias de mercado que puseram em funcionamento as duas instituições a partir de 1946. 

Imediatamente após a conferência de San Francisco e a abertura dos trabalhos da ONU, seu Comitê Econômico e Social (Ecosoc) aprovou a constituição de comissões econômicas regionais, encarregadas de mapear e informar a nova organização multilateral sobre a situação econômica em cada grande região do planeta, sendo que a mais famosa delas, a Cepal, sob a direção de Raúl Prebisch, não se contentou em apenas coletar dados econômicos sobre os países latino-americanos e do Caribe; com sede em Santiago do Chile, ela logo virou uma verdadeira escola de pensamento econômico, com cursos e programas de estudo sobre os problemas estruturais do continente.

Da mesma forma, a primeira organização de coordenação econômica europeia, a OECE, predecessora, em 1948, da OCDE (1960), foi constituída para administrar o funcionamento do Plano Marshall, e deveria, em princípio, estender-se igualmente aos países da Europa central e oriental ainda ocupados pelo Exército Vermelho. O Secretário de Estado americano proponente da ideia, o próprio George Marshall, respirou aliviado quando Stalin vetou a participação de sua esfera de influência no esquema, pois que não haveria, provavelmente, recursos a serem distribuídos entre todos eles; o programa, coordenado a partir de Paris, ficou então restrito à Europa ocidental.

Nos anos 1950 e no início da década seguinte, os países em desenvolvimento, em grande medida impulsionados pelo Brasil e demais latino-americanos, constataram que os arranjos econômicos feitos no âmbito de Bretton Woods e das reuniões preparatórias em Genebra à conferência da ONU sobre comércio e emprego de Havana, das quais resultaram, preliminarmente, o Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas Aduaneiras (Gatt, 1947), não tinham resolvido o problema básico das diferenças estruturais entre as economias avançadas e as “subdesenvolvidas”, como então eram chamados os países pobres, logo em seguida batizados conjuntamente de “Terceiro Mundo”. Levantou-se, então, um imenso clamor em torno dessa distinção julgada indesejável entre o Norte e o Sul do planeta, do qual resultou a convocação, pelo Ecosoc, da primeira conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento (Unctad, 1964), da qual resultou não só a criação do G77, o grupo dos países em desenvolvimento, mas um secretariado em Genebra, que passou a organizar reuniões quadrienais, das quais alguns dos resultados foram acordos sobre produtos de base e a criação de um Sistema Geral de Preferências, abolindo, na prática, o princípio da reciprocidade inscrito nos primeiros acordos comerciais, uma das cláusulas básicas do sistema do Gatt.

Quando, no seguimento da denúncia americana da primeira versão de Bretton Woods, feita pelo presidente Nixon em agosto de 1971, se instalou um “não-sistema financeiro mundial”, as principais economias de mercado avançadas estabeleceram um esquema informal de consultas entre elas para tentar conter a volatilidade dos mercados cambiais, o que deu origem ao G5 e, mais adiante, ao G7. Esse agrupamento perdura até hoje, com uma fase de G8 – não exatamente econômica, mas bem mais política –, com a inclusão da Rússia pós-soviética no esquema, situação que perdurou até a invasão da península da Crimeia, amputando-a da Ucrânia, em 2014. 

Paralelamente às reuniões anuais do G7, foi criada uma entidade privada, o Fórum Econômico Mundial, com encontros em Davos, na Suíça, com esse mesmo objetivo primário, de oferecer um espaço de discussões sobre a economia global, mais reunindo líderes de países e empreendedores privados; daquelas tertúlias nos Alpes suíços resultaram algumas boas iniciativas depois incorporadas às agendas de trabalho das principais organizações do multilateralismo econômico, primeiro o Gatt, depois a OMC, mas também as entidades de Bretton Woods, assim como as de várias agências especializadas da ONU; delas também participavam muitas ONGs de todo o mundo, a passo que, num sentido manifestamente oposto aos objetivos de Davos, começou a reunir-se, por breve tempo, o Fórum Social Mundial, um convescote anual das tribos confusas de antiglobalizadores – ou altermundialistas, como proferiam os franceses –, já com clara orientação anticapitalista.

De forma algo similar, no contexto das crises financeiras das economias emergentes, no final dos anos 1990, foi criado, no âmbito do FMI, um Fórum de Estabilidade Global, que, impulsionado por nova crise financeira, desta vez dos países avançados, em 2008, resultou na institucionalização do G20, reunindo as maiores economias do planeta. As reuniões anuais do G20 ingressaram numa repetitiva rotina de trabalho dos dirigentes desses países (incluindo a União Europeia e organizações pertinentes), relativamente satisfatórias no plano das proposições, mas que eram bem menos exitosas no terreno das realizações concretas, dada a diversidade natural de orientações de política econômica (e de postura política) entre seus membros, o que parece natural, uma vez que o G20 carece da unidade de propósitos que caracteriza, por exemplo, a OCDE. Alguns grupos informais, para meio ambiente, por exemplo, ou para outros temas globais, foram sendo instituídos, ao sabor das urgências de cada momento, sem exibir, contudo, o formalismo institucional de grupos estruturados em torno de um tema específico, com objetivos bem determinados. Estes são, grosso modo, os exemplos mais conspícuos – descurando a multiplicidade e a diversidade dos acordos e arranjos regionais ou plurilaterais que congregam interesses setoriais ou regionais, geralmente sob a forma de arranjos de liberalização do comércio ou organizações de escopo político, ou militar, como a OTAN, no caso –, de agrupamentos surgidos a partir de um entendimento comum sobre objetivos compartilhados, que podem, ou não, evoluir para formatos institucionais, ou mais refinados, de agregação de valores e dotados de metas claramente definidas. 

Este não parece ser o caso do Bric-Brics, entidade híbrida, no universo dos agrupamentos conhecidos, sem um formato preciso quanto à sua institucionalidade e desprovido de metas objetivamente fixadas de acordo a um entendimento comum sobre seus objetivos básicos, ou seja, os elementos capazes de definir esse agrupamento em sua essência fundamental. Ele parece ter sido mais formado em oposição ao suposto “hegemonismo” do G7 do que em torno de propostas próprias sobre a ordem econômica e política mundial, com base em uma agenda de trabalho formalizada. Mas atenção, e aqui reside uma diferença relevante com respeito a todas as entidades mencionadas acima, ele não resultou de uma necessidade detectada internamente aos integrantes de seu primeiro formato, o Bric, mas se constitui a partir de uma sugestão totalmente alheia ao trabalho diplomático, ou de coordenação econômica entre países postulando objetivos comuns, com uma “inspiração” externa e estranha ao grupo, apenas para “aproveitar” a aproximação feita por um funcionário de uma entidade dedicada a finanças e investimentos, o economista Jim O’Neill, do Goldman Sachs. Por essa razão precisa, sempre o considerei um personagem anômalo, no universo de nossas tradições diplomáticas, mas basicamente em função de uma composição heterogênea, sem um foco preciso no leque dos interesses nacionais do Brasil no plano externo.

Este livro foi composto a partir de uma seleção de uma dezena, tão somente, de trabalhos, dentre uma lista de mais de duas dúzias de ensaios e artigos que escrevi explicitamente sobre o Brics – à exclusão, portanto, de diversos outros textos que pudessem igualmente abordar secundariamente esse grupo de países reunidos por uma ambição diplomática –, a partir de uma simples proposta econômica, e que se manteve navegando, entre ventos e marés, desde meados da primeira década do século, e que segue existindo mais como ideia do que como realidade. Os primeiros trabalhos nessa categoria foram escritos antes mesmo da constituição formal do grupo e se estenderam por mais de uma década, sobretudo durante a vigência do lulopetismo diplomático. A despeito de algo defasados no tempo, o que se reflete em alguns dados conjunturais, eles revelam uma preocupação fundamental do autor com a coerência da diplomacia brasileira – nem sempre respeitada em todos os governos – e com uma noção muito bem refletida sobre os chamados interesses nacionais – nem sempre bem interpretados por todos os governos –, o que fiz invariavelmente desde minha formação superior, nos campos da sociologia histórica e da economia política. A partir do momento em que passei a exercer-me na carreira de diplomata, nunca deixei de aplicar minhas leituras, minhas pesquisas, as experiências adquiridas em prolongadas estadas no exterior, em todos os regimes políticos e sistemas econômicos imagináveis, com exceção talvez de uma pura tirania ao velho estilo do despotismo oriental, ou o stalinismo do seu período mais sombrio. Percorri muitos países, ao longo de uma vida de estudos e de missões diplomáticas, sempre recolhendo impressões sobre suas formas de organização política e suas modalidades de organização econômica, o que me permitiu escrever centenas de artigos, duas dúzias de livros e incontáveis notas em cadernos, que se transformavam em trabalhos uma vez definido um objeto preciso de análise.

O Bric-Brics foi um desses animais estranhos na paisagem diplomática, ao qual apliquei o meu bisturi analítico, de forma bastante crítica como se poderá constatar pela leitura dos trabalhos selecionados e aqui compilados, o que obviamente se situava contrariamente à postura do Brasil em política externa nos anos do lulopetismo diplomático. Nunca fui de aderir a modismos de ocasião, nem me intimidei com os olhares estranhos que me eram dirigidos cada vez que eu me pronunciava com o meu olhar crítico sobre esse novo animal na paisagem de nossas relações exteriores. Sempre considerei que a atividade diplomática não pode ser dominada por esses princípios que só podem vigorar nas casernas, ou melhor, em situações de combate: a hierarquia e a disciplina. Acredito que um soldado não pode interromper as operações no terreno para ir discutir os fundamentos da paz kantiana com o seu comandante de pelotão, mas um diplomata tem, sim, o dever, de questionar, e de argumentar, sobre cada “novidade” que se apresenta na agenda das relações exteriores do Brasil. 

Como nunca me dobrei ao argumento da autoridade, sempre busquei invocar a autoridade do argumento ao discutir a rationale desse animal bizarro no cenário de nossas atividades, o que não foi bem recebido pelo grupo no poder. Não obstante estar privado de cargos na Secretaria de Estado, durante mais de uma década, continuei analisando criticamente as principais opções de nossas relações exteriores, aliás em todos os governos, desde a era militar até o arremedo de autoritarismo castrense a partir de 2019, o que se refletiu, precisamente, em todos os livros que publiquei desde 1993 (sendo os dois primeiros sobre o Mercosul) e em dezenas de artigos de corte acadêmico redigidos desde o período da ditadura militar. O último artigo desta coletânea, não tem a ver diretamente com a questão do Brics, mas se refere precisamente a essa postura de “minoria” contra certas posições dominantes, que nunca hesitei em proclamar, com base num estudo aprofundado de nossas relações internacionais. 

Esta compilação de artigos e ensaios tem por objetivo, assim, demonstrar na prática como se pode fazer diplomacia – ou, no caso, história diplomática – sem necessariamente rezar a missa pelo credo oficial. Ela demonstra, pelo menos para mim, que o dever do diplomata não é o de se curvar disciplinadamente às inovações que vêm de cima, mas o de questionar, com base num exame detido de cada questão, sua adequação a uma certa concepção do interesse nacional. A radiografia que aqui se faz do Brics tem por objetivo apresentar os dados da questão, examinar o interesse da ideia para o interesse nacional – com o objetivo do desenvolvimento econômico e social sempre em pauta – e de questionar o que deve ser questionado a partir de certos equívocos de posicionamento externo que podem discrepar daquele objetivo. Manterei minha opção de oferecer relatórios de minoria cada vez que a ocasião se apresentar. No momento, a intenção foi a de coletar trabalhos resultando uma década e meia de reflexões sobre o que eu chamei de “grande ilusão” de uma diplomacia paralela, que ainda exerce influência sobre nossas opções externas. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4166: 6 maio 2022, 5 p.

 

O país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos - Sergio Florencio (Interesse Nacional)

 O país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos.

 

Sergio Florencio, Interesse Nacional, 29/01/2024

 

O ciclo virtuoso da transição civilizada

Nos últimos trinta anos o Brasil tem sido o país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos. No início do século XXI soubemos aproveitar uma grande oportunidade. Vivemos o virtuoso reformismo econômico e social assegurado pela “transição civilizada” FHC-Lula. O tripé macroeconômico de FHC ( lei de responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante) assegurou estabilidade e modernização da economia, seguidas pelo aprofundamento de políticas sociais exitosas do primeiro mandato de Lula ( Bolsa Família). 


O desvirtuamento do bom caminho 

Esse ciclo virtuoso começou a se desvirtuar no meio do segundo mandato de Lula e se rompeu definitivamente com Dilma. Foi a primeira grande oportunidade perdida dos últimos trinta anos.  Mantega estendeu, para muito além do razoável, a política contracíclica, destinada a enfrentar, a curto prazo, a crise econômica internacional de 2008. O consequente descontrole das contas públicas e a turbulenta relação com o Congresso terminaram por cobrar seu preço político (impeachment) e econômico (violenta  queda de 7% do PIB no biênio 2015-2016). 

As energias desperdiçadas e os erros esquecidos. A Petrobrás endividada.

Além das oportunidades perdidas, o Brasil das últimas três décadas foi também o país das energias desperdiçadas e  dos erros esquecidos. O setor de petróleo e gás é revelador dessa trajetória. Em 1979, ano da Revolução Iraniana e do segundo choque do petróleo, o Brasil produzia apenas 15% da demanda doméstica de petróleo. Mas importantes investimentos no setor ao longo das décadas de 80 e 90 fizeram com que em 2006 o país alcançasse a autossuficiência em petróleo. Para isso, contribuíram de forma significativa as reformas realizadas no governo FHC: o fim do monopólio da Petrobrás; a abertura do setor; e a internacionalização da empresa, com o lançamento de ações na bolsa de valores de Nova York.  

Essa modernização ocorreu tendo como marco regulatório o modelo exploratório de concessão. Entretanto, em 2006, com o anúncio da descoberta das reservas extraordinárias do pré-sal, o governo Lula iniciou a transição para o modelo de partilha. No regime de concessão, a empresa concessionária é dona de todo o petróleo que produz, enquanto na partilha o dono é o Estado. 

O primeiro problema da mudança do modelo foi a inércia. Entre o anúncio da descoberta do pré-sal e o primeiro leilão, no campo de Libra, em 2013, se passaram longos sete anos, com elevado prejuízo para o país. Além disso, no novo marco regulatório, a Petrobrás assumiu a condição de única operadora do pré-sal, o que desestimulou a participação de empresas estrangeiras nos leilões e obrigou a Petrobrás a explorar campos com menor rentabilidade. 

 Dois outros fatores contribuíram para agravar os vultosos prejuízos da Petrobrás: o congelamento de preços dos combustíveis, destinado a conter a inflação; e os desastrosos projetos de construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ.  

As perdas resultantes da política de congelamento dos preços da gasolina agigantaram a dívida da Petrobrás, que atingiu seu pico de R$ 507 bilhões no terceiro trimestre de 2015. A título comparativo, a empresa registrou oficialmente perdas resultantes de corrupção no valor de R$6,19 bilhões, no período 2004-2012.

O COMPERJ, apesar de gastos elevados, praticamente nada avançou e o desperdício com a refinaria Abreu e Lima foi exponencial. Sua construção foi orçada em US$ 2,3 bilhões em 2005. Quatro anos depois esse valor se elevou para US$ 13 bilhões, e em 2015 o custo se aproximava de US$ 20 bilhões, quando as obras foram interrompidas, tendo sido concluída apenas metade da refinaria. 

Os projetos fracassados da refinaria de Abreu e Lima e do COMPERJ deverão ser retomados no atual governo, numa demonstração de que, além das oportunidades perdidas, o Brasil é também o país dos erros esquecidos.

 

O anunciado governo da união e da reconstrução perde seu rumo

 Com a vitória da extrema direita bolsonarista em 2018, o país despertou da ilusão generalizada de ter instituições sólidas e de ser uma democracia consolidada. Ao contrário, essa estava ameaçada como em 1964, mas  com uma engenharia de desconstrução política distinta. Dispensava os tanques na rua, os militares no primeiro plano e, por meio da falência dos órgãos vitais das instituições, planejava a morte da  democracia. Mas Bolsonaro não foi reeleito, a democracia se salvou, e a vitória de Lula se dava de forma distinta dos pleitos anteriores.  Repetia o apoio tradicional das regiões mais pobres (Nordeste e Norte), mas resultava  da combinação de dois ingredientes inéditos: o anti- bolsonarismo resultante da polarização/calcificação política; e o apoio de variadas correntes liberais democratas, temerosas da morte da democracia. 

Esses dois ingredientes na vitória de Lula criavam a  oportunidade de uma união nacional, destinada a superar a divisão entre  a extrema direita bolsonarista e a esquerda lulista.  Essa união nacional resultaria da aproximação entre a esquerda intervencionista e o centro liberal democrata. Esse cenário, obviamente difícil, parecia interessar não só ao centro – órfão político com o virtual desaparecimento do PSDB- mas também à esquerda, que precisava ampliar seus apoios, uma vez que a vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro  foi inferior a 2%. 

Mas esse cenário virtuoso de união nacional foi jogado fora. Mais uma vez, o Brasil se revelou o país das oportunidades perdidas. Logo após a eleição, Lula anunciou seu projeto de união e reconstrução do país, mas seguiu caminhos distantes de tal propósito. Em lugar de se aproximar do centro – decisivo na sua apertada vitória sobre Bolsonaro - Lula preferiu privilegiar o PT raiz. A retórica e a prática do novo governo o distanciaram do centro, com base na premissa de que a polarização beneficiaria o PT, porque repetiria o confronto lulismo  versus bolsonarismo(mesmo com Bolsonaro inelegível). Nessa ótica equivocada, qualquer gesto em direção ao centro deveria ser evitado, pois era visto como jogo de soma zero – o ganho para o centro equivaleria a perda  da esquerda. 

 

A política externa virtuosa de Lula I e II em contraste com os excessos de Lula III

A política externa é outro exemplo de oportunidades perdidas. A atuação internacional de Bolsonaro foi uma desastrosa sucessão de graves equívocos que aproximaram o país da condição de pária no mundo. O propósito declarado era desconstruir princípios e paradigmas que orientaram a diplomacia brasileira. Nesse contexto caótico, a eleição de Lula provocou profundo alívio e grandes esperanças no mundo.  Lula assumiu sob signo “O Brasil está de volta”. Apesar desse ambiente de calorosa receptividade, justificado pelo capital de credibilidade internacional construído ao longo dos dois mandatos anteriores de Lula, a política externa do atual governo vem contrastando com o padrão histórico de defesa profissional dos interesses nacionais.  

O Brasil é uma potência regional com interesses globais. Temos condições de influenciar os rumos de nossa região, mas não dispomos de capacidade militar, de poder político, nem de peso econômico capaz de mudar os grandes acontecimentos globais. Avaliar com realismo o lugar do Brasil no mundo é condição necessária para uma política externa destinada à defesa do interesse nacional e não à busca de protagonismo internacional. 

O atual governo está falhando nesse processo. As declarações de Lula sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia apoiaram, de forma irrefletida e contrária ao direito internacional, a agressão russa ao território ucraniano. Com hesitação, tentamos corrigir esse erro, sempre com a aspiração de influir num conflito que vai muito além de nossas forças. Repetiu o Presidente esse erro de avaliação na guerra Hamas-Israel, ao buscar repatriar os brasileiros na Faixa de Gaza recorrendo ao Presidente Raizi do Irã, em óbvio erro tático. 

A barbárie do Hamas ao invadir kibutzes em território israelenses, executar com requintes de crueldade 1200 cidadãos mereceu ampla condenação internacional. A barbárie israelense, mais devastadora ainda, com a tragédia humanitária do saldo de mais de 20 mil palestinos, cerca de 1% da população da Faixa de Gaza, e 70% da infraestrutura, merece condenação mais veemente ainda. A diplomacia brasileira, na presidência do CSNU agiu de forma equilibrada e coerente com princípios e paradigmas de nossa política externa. Entretanto, uma vez mais, a retórica presidencial, ao atribuir aos bárbaros crimes de guerra israelenses a controvertida classificação de genocídio, desvirtua nossa tradição diplomática. 

Na nossa região, onde temos um histórico de equilíbrio construtivo no convívio com mais de dez vizinhos, o saldo do atual governo é muito negativo, por apoiar de forma recorrente os regimes autoritários de Maduro e Daniel Ortega, e ao criticar, com arrogância, Daniel Boric, o representante de uma esquerda moderna na região. 

No plano global, nosso alinhamento quase automático a posturas e aspirações da China no âmbito do BRICS ampliado, composto em sua maioria por regimes antidemocráticos, nos distancia dos países que defendem  a democracia liberal. Nossa postura reflete um antiamericanismo pouco compatível com os interesses nacionais. 

Em síntese, os últimos trinta anos de nossa história revelam, na economia, na política e nas relações internacionais, o padrão de uma nação com enormes potencialidades. Mas, ao mesmo tempo, o país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos. 

 

Sergio Abreu e Lima Florencio

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2024. 


Uma palavra de caução diplomática, acima da simplificação política-ideológica - Paulo Roberto de Almeida sobre a PEI

 Uma palavra de caução diplomática, acima da simplificação política-ideológica

Paulo Roberto de Almeida

A morte de Samuel Pinheiro Guimarães, um grande diplomata que ingressou no Itamaraty sob a PEI, trabalhou metade da carreira sob a ditadura militar e que depois foi protagonista de certa inflexão na política externa sob influência do PT, deu vezo a um tipo de aproximação ou analogia com os tempos passados da PEI e a uma comparação indevida com sua suposta deformação “neoliberal” pela postura externa do Brasil dos anos 1980 e 90 como sendo “submissa” a Washington ou contrária ao tipo de nacionalismo econômico que teria vigorado nos anos 1961-64.

O problema dos rótulos diplomáticos — muito em vigor na própria era militar — é que eles são simplistas e auto atribuídos, dificultando uma análise séria das especificidades contextuais em cada uma das épocas, pois os países dominam apenas uma parte da agenda diplomática, o resto vindo de fora, ao que cada governo tem de reagir, responder, aproveitar as oportunidades externas para alcançar certos beneficios internos.

Creio que tanto a PEI original quanto seu suposto renascimento sob o lulopetismo diplomático estão sendo oversold, com base apenas no slogan, sem que se faça um exame circunstanciado de cada contexto e da própria substância de cada uma das políticas efetivas. 

Análise de PExt tem certos requerimento que ultrapassam os rótulos. Vamos fugir da superfície autodeclarada e examinar o conteúdo de cada proposta. Do contrário é triunfalismo autoproclamado.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 1/02/2024

O encolhimento da diplomacia brasileira - André Lajst, Sabrina Abreu (FSP)

 O encolhimento da diplomacia brasileira 

Apoio à acusação da África do Sul de que Israel comete genocídio é lamentável 


 André Lajst, Cientista político, é presidente-executivo da StandWithUs Brasil e doutorando em ciências políticas e sociais com foco no processo de paz palestino-israelense (Universidade de Córdoba, Espanha) 
Sabrina Abreu, Diretora de Comunicação e Cultura da StandWithUs Brasil 

O Brasil sempre se orgulhou da sua diplomacia, sendo respeitado e admirado por todo o mundo. O nosso país tem relações internacionais com praticamente todos os Estados reconhecidos, e nossos diplomatas sempre foram considerados alguns dos mais bem treinados. Essa imagem histórica, porém, está sendo questionada. Nos últimos anos, temos visto um crescimento alarmante da polarização política e da ascensão de políticos populistas e antidemocráticos que têm dividido sociedades inteiras. 

Nesse contexto, o mundo livre tem a obrigação, como muitos países já o fazem, de escolher o lado da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. O governo Lula, contudo, tem ido na contramão ao fazer declarações desastrosas e comparações inapropriadas, atraindo para si uma avalanche de críticas de setores da esquerda moderada e de grande parte da mídia, seja em relação à Ucrânia ou à Venezuela. E, mais recentemente, ao apoiar a acusação infundada e frágil da África do Sul na Corte Internacional de Justiça de que Israel comete genocídio contra os palestinos. O termo "genocídio" foi usado pela primeira vez em 1944 por Raphael Lemkin, um judeu polonês que participou da resistência aos nazistas e buscava um termo que fosse capaz de descrever os horrores da "solução final", que tentou exterminar toda a população judaica da Europa. Nesse sentido, tentar atribuir falsamente an Israel o crime de genocídio é algo cruel e uma verdadeira inversão de valores, pois visa transformar vítimas em algozes. 

Isso justamente no momento em que o Estado judeu busca se defender do Hamas, o grupo terrorista responsável pelo massacre de 7 de outubro (a maior matança de judeus desde o Holocausto) e que diz que repetirá inúmeras vezes o atentado. Ademais, vale mencionar o quão hipócrita, além de mentirosa e ignóbil, é a acusação feita pela África do Sul, tendo em vista seu extenso histórico de amizade com ditadores e criminosos de guerra. Em 2014, seu governo se recusou a prender o então ditador do Sudão, Omar al-Bashir, este sim condenado pelo genocídio de centenas de milhares de pessoas em Darfur. O Tribunal Penal Internacional condenou o país por essa razão. 

 Não é de se espantar, portanto, que a África do Sul mantenha relações tão próximas com o Hamas, tendo recebido uma delegação oficial do grupo em Pretória, em 2015, e negando-se a reconhecê-lo como terrorista. Isso apesar de a carta de fundação do Hamas conter elementos abertamente genocidas, como a destruição total de Israel e a luta contra os judeus. Mesmo após as atrocidades cometidas no 7/10, o país esperou dez dias para condenar os atentados e, pouco após fazê-lo, a chanceler sul-africana falou ao telefone com nada menos que Ismail Haniyeh, um dos lideres máximos do Hamas. 

 É interessante observar que a maioria dos Estados que apoiaram a denúncia que o Brasil decidiu endossar são ditaduras com histórico de violação aos direitos humanos. Em vez de se juntar às democracias do mundo livre, Lula escolhe aderir ao clube de países que apoiam o terrorismo, junto a alguns poucos governos latino-americanos, como o da Bolívia —que apoiou a invasão russa à Ucrânia e é aliada de Putin e do regime iraniano, que financia e apoia o Hamas, o Hezbollah e outros grupos terroristas—, e das ditaduras nicaraguense e venezuelana, que dispensam apresentações ao leitor. É escandaloso que o Brasil, ao mesmo tempo em que afirma defender a solução de "dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel", esteja contribuindo justamente para o oposto disso ao apoiar esta falsa denuncia, que só beneficia os que, como o Hamas, são radicalmente contra a solução de dois Estados.

 É um abandono claro da tradição brasileira de equidistância e contribui ainda mais para o enfraquecimento das instituições internacionais e a banalização do genocídio. Ao agir desse modo, o país isola-se das principais democracias do mundo e aproxima-se justamente daqueles que ameaçam os valores mais caros que afirmamos defender.  


La mort d'un grand diplomate algérien, Messaoud Ait-Chaalal, combattant de l'indépendance, représentant diplomatique de l'Algérie

 Mon grand ami, Amine Ait-Chaalal, professeur à l'Université de Louvain La Neuve, m'envoye une triste nouvelle, mais source d'orgueil et de reconnaissance, son père décedé à 94 ans, après une vie entière dediée à la diplomatie d'un peuple fier et valeureux. Tous mes respects, et étonnement, de voir comment s'est déroulée cette vie depuis les temps coloniaux.