quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Historiadores do futuro: confiem nos arquivos da NSA: sao fiaveis... - Augusto Nunes

Os papeis confidenciais americanos -- e isto é a constatação de quem já pesquisou em arquivos americanos, inclusive em papéis da CIA -- são extremamente objetivos e profissionais: descrevem meticulosamente o que acontece em cada país, desde os mais altos escalões de certos governos (hummm...) até os mais baixos escalões de certos movimentos "sociais" (que também podem ser sindicais, de juízes, professores, etc).
Ou seja, não tenho nenhuma dúvida de que se os historiadores quiserem reconstituir certos episódios de nossa diplomacia dentro de 10, 15 ou 25 anos (dependendo do grau de sigilo dos documentos), melhor fariam, ou farão, se confiarem mais nos documentos americanos -- que serão inevitavelmente liberados, em prazos certos -- do que em eventuais documentos da região.
Pelo que eu conheço da história do Mercosul, por exemplo, afirmo com todas as letras que seria impossível refazer a história dos processos decisórios que levaram a certos atos do bloco -- a Tarifa Externa Comum, entre outras -- com base em papéis argentinos, brasileiros, uruguaios ou paraguaios. E não porque eles estivessem contaminados pelo zelo conspiratório dos amigos do Foro de S.Paulo, pelo secretismo doentio dos stalinistas de Havana, ou por quaisquer outras deformações institucionais que passaram a ocorrer na república do nunca antes, mas pela bagunça mesmo, pela falta de registros, atas, minutas de reuniões, que possam ajudar na reconstituição de certos processos.
Confio mais nos papéis americanos, que cobrem tudo com um zelo missionário, informando tudo o que é relevante para seus patrões de Washington.
Quem quer tenha trabalhado em arquivos americanos, sabe do que estou falando.
Contentes, historiadores?
Paulo Roberto de Almeida

Augusto Nunes, 10/09/2013

No fim da tarde de 22 de junho de 2012, uma sexta-feira, o Senado paraguaio aprovou por 39 votos a 4 o afastamento do presidente Fernando Lugo. Graças a informações repassadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), a Casa Branca não se surpreendeu com o desfecho da crise política, escancarada por 23 tentativas de impeachment. Surpresos ficaram os governos do Brasil e da Venezuela, constataram os agentes da NSA incumbidos de vigiar também a movimentação dos vizinhos decididos a mandar às favas a soberania do Paraguai.
Inconformados com o despejo do reprodutor de batina, Dilma Rousseff e Hugo Chávez resolveram por telefone que o companheiro Lugo merecia continuar no emprego, que a ofensiva deveria começar de imediato e que seria conduzida pelos chanceleres dos dois países. Despachados para Assunção no meio da noite, o brasileiro Antonio Patriota apareceu sem aviso prévio no Senado paraguaio e o venezuelano Nicolás Maduro baixou sem ser convidado na sede do Poder Executivo.
O emissário de Dilma tentou anular a decisão quase unânime do Senado e reinstalar Fernando Lugo na presidência da República. O enviado de Chávez fez o que pôde para convencer os chefes das Forças Armadas a desfazer com um golpe de Estado o que fizera o Poder Legislativo. Ambos fracassaram miseravelmente. O vice-presidente Federico Franco assumiu sem sobressaltos o lugar do ex-bispo, que voltou a ter tempo de sobra para cuidar das ovelhas do rebanho.
A vingança dos parceiros trapalhões foi tramada com a ajuda da Argentina e do Uruguai: 150 anos depois da Guerra do Paraguai, a Tríplice Aliança reeditada por Dilma, Cristina Kirchner e Jose Mujica suspendeu do Mercosul o vizinho insubordinado e oficializou o ingresso da Venezuela, obstruído havia anos pelo mesmo Senado que afastara Fernando Lugo. Sorte do Paraguai: alheio ao assédio dos quatro patetas, que hoje imploram pela volta do país ao mais anêmico bloco econômico do planeta, o novo governo de Assunção prefere noivar com a Aliança do Pacífico e costurar acordos bilaterais muito mais vantajosos.
“Um dia, talvez, se conheça o histórico, as reflexões, os motivos e a atuação de cada um dos protagonistas brasileiros nesses episódios”, registrou o jornalista José Casado no artigo publicado pelo Globo em que divulgou essas informações. “Até lá, continuarão como segredos enterrados nos arquivos de um anexo virtual da Casa Branca: NSA”. O governo lulopetista não costuma deixar provas materiais das safadezas acumuladas pela política externa da cafajestagem (veja o post na seção Vale Reprise). Mas a documentação produzida pela espionagem ianque deixará de ser sigilosa daqui a alguns anos.

O pouco que vazou sobre o caso é suficiente para atestar que os americanos sabem detalhadamente o que Patriota e Maduro andaram fazendo em Assunção no inverno passado. E sabem muito sobre muitas outras coisas. Ainda bem. Deve-se sempre ressalvar que, em matéria de espionagem, o governo dos EUA tem ultrapassado com frequência os limites do tolerável. Mas certos efeitos colaterais são extraordinariamente positivos. Um deles: os documentos que pioraram o permanente mau humor de Dilma  ajudarão a contar a verdadeira história do Brasil.

Depois dos subinteliquituais, magistrados de miolo mole querem Justica sem dentes...

Que no Brasil existam juízes malucos, disso ninguém deve duvidar. Eu mesmo tenho lido coisas escritas por membros da tribo que me deixam pensando se habitamos o mesmo planeta.
Que também existam juízes sem qualquer noção de como funciona o mundo real, de como é feita a economia de um país, e que os seus salários só podem vir, não do Estado, mas da produção real de empresários e trabalhadores, disso eu também não tenho dúvidas. Noite e dia, até nas mais altas cortes, encontramos decisões que afrontam a simples realidade econômica, pois alguns deles pretendem fazer justiça com suas próprias mãos (às vezes com os pés também), ao arrepio das leis e num entendimento muito particular do que seja justiça.
Agora, que existam magistrado de má-fé, que distorcem o sentido dos processos apenas para abrigar uma causa política, disso não devemos tampouco duvidar; são os amigos dos companheiros, e muitos deles companheiros eles mesmos, exercendo sua visão distorcida do que seja justiça, do que seja punição.
Eles querem fazer toda a sociedade pagar pelos crimes de alguns, pois o que pretendem é a impunidade.
Por razões políticas, claro.
Vamos expor seu pensamento tortuoso e os seus nomes.
Está registrado mais um episódio lamentável da repúbliqueta dos companheiros, desta vez com alguns togados no meio.
Paulo Roberto de Almeida

CARTA AO STF ACUSA ERROS E “DINÂMICA CONDENATÓRIA”
10/09/2013

Juristas de todo o País assinam carta aberta marcada pela clareza, profundidade e objetividade; afirmam que corte estará ferindo "garantias constitucionais" se negar jurisprudência de 23 anos e derrubar embargos infringentes; para eles, "voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que é inadmissível"; temor é que repercussão de eventual negativa aos embargos, na "sessão histórica" desta quarta-feira 11, coroe "julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática"; apelo de nomes como Celso Bandeira de Mello é por votos "garantistas"

247 – Basta ler para entender. Com clareza, profundidade e objetividade, juristas e entidades de advogados, magistrados e jornalistas divulgaram no início da noite desta terça-feira 10 carta aberta em que são apontados os principais erros cometidos, até aqui, pelo plenário do STF no julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão.
Para nomes da expressão de Celso Bandeira de Mello, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, o tribunal agiu ao longo de 53 sessões numa "dinâmica condenatória" que atenta contra "garantias constitucionais" dos cidadãos.
O temor é que, em nome de dar uma sentença contra a corrupção, o Supremo passe por cima de 23 anos de jurisprudência ao negar, na "sessão histórica" da quarta 11, os embargos infringentes – aqueles que podem reduzir penas de réus condenados sem a unanimidade dos juízes.
"Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas", assinala o texto.
A carta registra que os signatários agem em "defesa da Constituição e do amplo direito de defesa" diante de um STF que deve agir como "garantista".
Íntegra:
Carta Aberta ao Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal, guardião secular da Justiça no Brasil, tem diante de si, na análise que fará sobre os embargos infringentes na Ação Penal 470, uma decisão histórica. Se negar a validade dos recursos, não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas sim por coroar um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática.
Já no ano passado, durante as 53 sessões que paralisaram a Corte durante mais de quatro meses, a condução do julgamento já havia nos causado profunda preocupação depois de se sobrepor a uma série de garantias constitucionais com o indisfarçável objetivo de alcançar as condenações desejadas no fim dos trabalhos.
Aos réus que não dispunham de foro privilegiado, fora negado o direito consagrado à dupla jurisdição. Em muitos dos casos analisados também se colocou em xeque a presunção da inocência. O ônus da prova quase sempre coube ao réus, por vezes condenados mesmo diante da apresentação de contraprovas.
No último mês, a apreciação dos embargos de declaração voltou a preocupar dando sinais de que a dinâmica condenatória ainda prevalece na vontade da maioria dos ministros. Embora tenha corrigido duas contradições evidentes do acórdão, outras deixaram de ser revistas, optando-se por perpetuar erros jurídicos em um julgamento em última instância.
Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas. Na sessão do dia 5 de setembro, o ministro Ricardo Lewandowski expôs de maneira transparente que a pena base desta condenação foi muito mais gravosa se comparada com os outros crimes. "Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime fechado. É a única explicação que eu encontro", afirmou o ministro. Ele e outros três ministros ficaram vencidos na divergência.
Na mesma sessão, outro sinal ainda mais grave: o presidente Joaquim Barbosa votou pela inadmissibilidade dos embargos infringentes, contrariando uma jurisprudência de 23 anos da Casa e negando até mesmo decisões tomadas por ele no mesmo tribunal ao analisar situações similares.
Desde que a Lei 8.038 passou a vigorar, em 1990, regulando a tramitação de processos e recursos em tribunais superiores, a sua compatibilidade perante o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal nunca foi apontada como impedimento para apreciação de embargos infringentes. Em todos os casos analisados em mais de duas décadas, prevaleceu a força de lei do Regimento em seu artigo 333, parágrafo único.
Outro ponto de aparente contradição entre a Lei 8.038 e o Regimento Interno do STF diz respeito à possibilidade de apresentação de agravos regimentais. Neste caso, assim como ocorrera com os infringentes nos últimos 23 anos, os ministros sempre deliberaram à luz de seu regimento, acolhendo a validade dos agravos.
A jurisprudência sobre os infringentes foi reconhecida e ressaltada em plenário pelo ministro Celso de Mello durante o julgamento da própria Ação Penal no dia 2 de agosto de 2012 e, posteriormente, registrada em seu voto no acórdão publicado em abril deste ano.
O voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que não é admissível sob qualquer argumento jurídico. Mudar o entendimento da Corte sobre a validade dos embargos infringentes referendaria a conclusão de que estamos diante de um julgamento de exceção.
Subescrevemos esta carta em nome da Constituição e do amplo direito de defesa. Reforçamos nosso pedido para que o Supremo Tribunal Federal aja de acordo com os princípios garantistas que sempre devem nortear o Estado Democrático de Direito.
Setembro de 2013
Antonio Fabrício - presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
Aroldo Camillo - advogado
Celso Bandeira de Mello - jurista, professor emérito da PUC-SP
Durval Angelo Andrade - presidente da comissão de Direitos Humanos da ALMG
Fernando Fernandes - advogado
Gabriel Ivo - advogado, procurador do estado em Alagoas e professor da Universidade Federal de Alagoas
Gabriel Lira, advogado
Lindomar Gomes - vice-presidente dos Advogados de Minas Gerais
Jarbas Vasconcelos - presidente da OAB-PA
Luiz Tarcisio Teixeira Ferreira - advogado
Marcio Sotelo Felippe - ex-procurador-geral do Estado de São Paulo
Pedro Serrano - advogado, membro da comissão de estudos constitucionais do CFOAB
Pierpaolo Bottini - advogado
Rafael Valim - advogado
Reynaldo Ximenes Carneiro - advogado
Roberto Auad - presidente do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Ronaldo Cramer - vice-presidente da OAB-RJ
Wadih Damous - presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
William Santos - presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG
Mais as entidades:

Associação dos perseguidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos políticos do Brasil
NAP - Núcleo de advogados do povo MG
RENAP- Rede Nacional de Advogados Populares MG
Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Sindicato dos Jornalistas Profissionais MG
Sindicato dos empregados em conselhos e ordens de fiscalização e do exercício profissional do Estado de Minas Gerais

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Por que gostamos de Historia? Jaime Pinsky

Jaime Pinsky - Por Que Gostamos de História
Julio Daio Borges

Digestivo Cultural, 5/09/2013




Jaime Pinsky é historiador com muito orgulho. Mas é, igualmente, o principal nome por trás da editora Contexto. Jaime Pinsky é, portanto, editor e empresário. Como passou de um extremo ao outro, sem deixar o historiador de lado, e conciliando, ainda, família e trabalho é assunto desta Entrevista. Desde o comércio de seus pais em Sorocaba, e sua ligação ancestral com os livros, passando pela História, e até pela fundação da editora da Unicamp, Jaime Pinsky nos fala de uma vida de realizações, até a Contexto, até seu mais novo livro: Por que Gostamos de História? Como se não bastasse, e sem esquecer seu lado articulista de jornal, nos brinda com impressões sobre as recorrentes "manifestações de junho"... ― JDB

Em Por que Gostamos de História, você conta um pouco da venda de seus pais, em Sorocaba. Como foi nascer um historiador filho de comerciantes? Como você chegou na História?

Mesmo que eu não fosse historiador profissional precisaria recorrer muito à História. Nasci e cresci em um bairro operário de Sorocaba, ao lado de várias indústrias. Os fregueses do meu pai eram, quase todos, trabalhadores têxteis ou das oficinas da então Estrada de Ferro Sorocabana. Apitos das fábricas regulavam meus dias, dias de pagamento dos operários determinavam o fluxo de caixa da loja do meu pai, feriados cristãos e festas judaicas, mais do que o registro dos meses, marcavam o ano para mim.

Compreender o que acontecera com a grande família dos meus pais na Europa (mais de 100 parentes foram trucidados pelos nazistas), entender as greves e os movimentos operários dos amigos do meu pai em Sorocaba, situar-me como ser histórico no meio disso tudo era fundamental. Seria estranho eu não ter me tornado historiador.

Depois, mais para frente, você monta e dirige a editora da Unicamp. Agora, gostaria de saber como o historiador foi se encaminhando para o trabalho editorial?

Quando, muito jovem, e defendi meu doutorado na USP, a Faculdade de Filosofia de Assis, onde eu trabalhava, decidiu publicar, entre outras teses, a minha. Uma gráfica de São Paulo foi encarregada de editar a obra. Foi quando me aproximei do trabalho editorial pela primeira vez (estou falando de livros; já havia colaborado em jornais de Sorocaba, escrito no jornal escolar e fundado um outro chamado A luta estudantil).

Depois disso colaborei com várias editoras como coordenador de coleções, selecionador de obras, conselheiro etc. Quando o reitor da Unicamp decidiu criar a editora da universidade e nomeou um conselho, fui escolhido pelos colegas para ser o diretor-executivo, cargo que exerci por quase 5 anos.

Mais adiante, você funda a sua própria editora, a Contexto. Então, desta vez, pergunto: como o historiador passou a editor e, finalmente, empresário do mercado editorial?

Com a mudança de reitor na Unicamp coloquei o cargo à disposição, permaneci (a pedido dele) mais alguns meses, mas já inoculado pelo vírus da atividade editorial, com um projeto claro na cabeça (aproximar os produtores do saber, principalmente na Universidade, do leitor; promover a circulação do saber) decidi colocar minhas economias no projeto de uma editora própria.

A ideia inicial era formar uma sociedade com colegas da Unicamp e da USP, mas estes preferiram não investir dinheiro ― trabalhando apenas como coordenadores de áreas.

Desta forma instalei a Contexto em minha própria casa, colocando uma máquina de composição em plena sala (em cujos cantos ficavam pilhas de livros recém-chegados da gráfica). Em nenhum momento tive medo, tinha certeza de que o projeto daria certo.

Hoje, como você se divide? Qual Jaime Pinsky prevalece? Sei que equilibrar trabalho intelectual com administração de uma empresa não é para qualquer um. Logo, qual é o seu segredo?

O mundo de hoje permite uma multiplicidade de identidades, desde que elas não sejam contraditórias.

Livre de atividades administrativas na universidade, sem obrigações de aulas, aos poucos deixei de participar de bancas de doutorado e parei de dar pareceres em projetos apresentados aos órgãos financiadores de pesquisa (isso toma muito tempo de quem leva essas tarefas a sério).

Durante alguns anos administrei sozinho a Contexto, mas, com seu crescimento, comecei a procurar um sócio. Depois de cogitar de alguns nomes, decidi convidar, para fazer parte da empresa, meu filho Daniel, que tinha estudado administração de empresas. Ele cuida das áreas comercial e administrativa.

Com isso posso me dedicar mais à área editorial e de produção. Dividimos, é claro, as grandes decisões em todas as áreas.

Ora, a área editorial consiste, primordialmente, em selecionar textos, ler e escolher, sugerir alterações. A editora tem quase 1000 autores, grande parte da nata dos produtores de conhecimento (os que produzem, não os que ficam fazendo fofoca nos corredores das faculdades). É um privilégio trocar ideias com essa gente.

Ainda sou muito convidado para palestras (aceito poucas, sou um pouco preguiçoso), mas com a leitura que faço dos originais, de textos apresentados para tradução, com as conversas que tenho com os autores, acho que sou hoje melhor historiador do que quando estava na ativa dando aulas.

Uma coisa que eu, particularmente, admiro na Contexto é o espírito familiar. Como se fosse uma continuação daquele espírito dos seus pais, que te fizeram participar da loja deles. Gostaria de saber como os Pinsky hoje se distribuem na editora e como preservam a harmonia familiar?

Quando escolhi a carreira acadêmica sabia que se tratava de um trabalho pessoal, não o de um negócio de família. Não imaginava ter familiares ligados à minha atividade profissional. Circunstâncias fizeram com que familiares entrassem na editora.

Mirna, mãe dos meu filhos, participou do projeto inicial da editora, coordenando a área de literatura juvenil, que acabou sendo desativada por conta do nosso divórcio. Daniel, como já disse, me deixa tranquilo com sua capacidade de administrar e sua criatividade na área comercial. Luciana, minha caçula, depois de trabalhar em revistas e jornais relevantes, também optou por trabalhar comigo e agora faz parte da sociedade. Ela é a editora, coordena todo o trabalho operacional. Sua formação de jornalista e historiadora (pela USP) e sua preocupação com a língua, garantem a qualidade final dos textos publicados. E Carla, minha mulher há vinte anos, é uma editora muito eficiente, além de fazer parte do Conselho Editorial interno, que se reúne semanalmente.

A harmonia é resultado de uma postura de respeito mútuo. Sou pai, sou marido, sou avô, mas nas relações de trabalho respeito a opinião de todos, o que é fácil de dizer, mas difícil de fazer. É preciso ter a modéstia de não se achar o único dono da verdade. É muito frequente encontrar pais que se afastam de seus filhos quando estes ficam adultos por não conseguirem lidar com espíritos independentes. Eles perdem muito. Acho que uma das minhas qualidades femininas é ser agregador...

Muitos dos textos de Por que Gostamos de História enfocam atualidades, pois foram originalmente escritos para jornal. Assim, tenho a curiosidade de saber a opinião do historiador Jaime Pinsky sobre a recente onda de protestos que eclodiu no Brasil.

Após mais de quinhentos anos, dos quais apenas alguns em ambiente democrático, ainda presenciamos um divórcio total entre a Nação e o Estado, entre as "autoridades" e a sociedade. Esta deseja que Executivo, Legislativo e Judiciário de fato representem a Nação, o que não ocorre atualmente.

Convulsões como essa poderão ser mais frequentes e mais intensas se aqueles que ocupam o poder não se derem conta de que devem abrir mão de parte de suas vantagens materiais ou simbólicas.

Isto significa democratizar o poder. Isto significa também dialogar de verdade. Isto significa acabar com práticas inconcebíveis em uma democracia, desde o assalto explícito aos cofres públicos até a emissão de passaportes diplomáticos para familiares de políticos ― assim como administração mais transparente e fim de atribuição de cidadania de segunda e até terceira classe para os que não possuem amigos no poder.

A internet tem essa vocação de "biblioteca" ― apesar de, muitas vezes, se aproximar mais da "Biblioteca de Babel", de Borges. Enfim, lindando com a internet todos os dias, você acha que o interesse dos jovens pela História tende a aumentar?

O Ocidente não está mais considerando as religiões como explicadoras do mundo. Enquanto Adão e Eva resolviam o assunto, a História não era tão importante. Agora é necessário recorrer a ela para nos entendermos como seres reais: pessoas que falam determinada língua, têm certo padrão de comportamento, possuem um universo de valores e não outro, e por aí afora.

A internet para mim não significa nada em si. É como se me perguntassem: "E o papel?". Creio que, aos poucos (não sei quanto tempo isso vai levar), vai haver uma depuração e as pessoas não vão mais dizer, idiotamente, que acharam "na internet", mas qual a fonte. Pela rapidez ― e pela frequente leviandade ― com que as coisas são colocadas na internet, fica muito mais difícil selecionar notícias relevantes (e fidedignas) das irrelevantes (e não fidedignas). De resto, notícia não é fato histórico. Temos, portanto, um longo caminho pela frente.

Alguém uma vez disse que a política é a História no dia a dia. Continuando o assunto mais quente do momento, você tem esperança de que as novas ferramentas de comunicação e organização social possam renovar ou mesmo refundar nossa democracia participativa?

A agilidade das ferramentas de comunicação atuais facilita a comunicação, o encontro das pessoas, o questionamento das relações poder/sociedade, o desmascaramento de atitudes populistas de governantes, sem dúvida. Mas a reorganização da Nação tem que ser estruturada a partir de novas formas de diálogo organizado, além da democracia representativa que temos.

Não há como transformar o Brasil em uma imensa ágora, como se estivéssemos vivendo em Atenas, há 25 séculos, em uma sociedade com escravos, cujo trabalho permitia que os cidadãos (só os homens) ficassem vários dias deliberando em praça pública. Mas é possível reforçar e valorizar Conselhos Municipais, organizações de bairro, redefinir o papel do Judiciário e do Legislativo, transformar essa democracia formal que temos em uma democracia real.

Por fim, gostaria que você endereçasse algumas palavras àqueles que nos lêem e que, muito provavelmente, se sentiram inspirados pela sua trajetória. O que dizer ao jovem historiador brasileiro? E ao jovem editor? E ao jovem empresário?

Todos gostam de História, como diz o título do meu livro ― só não gostam os que não tiveram bons professores.

Lembro-me de uma senhora, esposa de um médico famoso, que foi me procurar no intervalo de um concerto no antigo Teatro Cultura Artística. Ela dizia que seu filho desejava fazer faculdade de História e, "ser um Jaime Pinsky". "Queria lhe pedir", disse ela, "que o dissuadisse dessa intenção, pois isso não dá dinheiro", ela acrescentou. Eu indiquei a ela a plateia, cheia de empresários, economistas, administradores, todos profissionais bem sucedidos e lhe disse: "Peça isso a qualquer um, qualquer pessoa da plateia, menos a mim. Eu nunca dissuadiria ninguém de querer ser historiador."

Há dois meses um jornalista de importante órgão de imprensa me entrevistou. No final da entrevista disse estar fazendo doutorado em História. Era, por incrível coincidência (ou não) o filho daquela senhora...

Vivemos o fim da era de Gutemberg. Novas mídias solicitam novos editores. Mas não adianta muito ser um técnico. Conhecer, de modo organizado e coerente, parte do patrimônio cultural da humanidade é fundamental para um editor, cuja função é estruturar e passar adiante esse patrimônio. Saber selecionar, fazer escolhas, adequar é quase um trabalho de professor, estabelecer conexão entre o que a humanidade já produziu e o que o aluno (ou o leitor) conhece.

Quem ficar apenas com a tecnologia poderá ganhar dinheiro, mas não terá nenhuma importância como editor. E editor desimportante é editor dispensável.

Para ir além
Por que Gostamos de História

Julio Daio Borges
São Paulo, 5/8/2013

Um debate sobre a política externa companheira: academicos e diplomatas...

O tema é sempre presente: como diplomatas e como acadêmicos encaram a política externa governamental. Os diplomatas, por sinal, não encaram, simplesmente aceitam...
Os acadêmicos podem discutir, mais livremente, ou pelo menos se supõe que o façam.
Isto a propósito de um comentário ligeiro que fiz a um artigo do professor Guilherme Casarões, neste post

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

e recebi comentários, devidamente postados, embora com algum atraso, em função de trabalho, o que pode ter dado a impressão de censura. Não era o caso, obviamente.
Como o assunto é importante, permito-me retomar o assunto sob a forma de postagem, mais visível, e não como comentários, que se assemelham a  essas notas de final de livro, que eu detesto, pois dá muita preguiça buscar a cada momento (os editores deveriam ser processados por isso).
Vou colocar primeiro a minha crítica ao artigo do professor, e depois os seus três comentários enviados, e já postados, mas aqui elevados, e levados ao conhecimento de todos.
Se eu tiver tempo eu comento, o que nem sempre é possível...
Meu único comentário inicial seria este: conceitos funcionam relativamente bem na academia, menos bem na vida real, ou na atividade dos diplomatas...
Paulo Roberto de Almeida 

1) Meus comentários, inicial e secundário, ao artigo em questão: 
O autor tece considerações genéricas sobre a diplomacia brasileira, sem mencionar o fato de que os problemas apontados não se devem ao Itamaraty, e sim a fatores externos, que ele ignora por completo.
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Depois eu disse, mas infelizmente pela via indevida, que "a origem de todos esses problemas" era conhecida, e que era "preciso apontá-los e talvez denunciá-los."
Acrescentei apenas isto: 
O artigo consegue acusar o Itamaraty de vários pequenos pecados e em NENHUM momento toca em duas coisas fundamentais: partido e partidarização da política externa, e a existência de um conselheiro partidário no Planalto, usualmente chamado de “chanceler para a América do Sul” (mas vai muito além disso). Como explicar esse amor desmedido do Brasil por várias pequenas e grandes ditaduras, como explicar essas alianças estratégicas com regimes de duvidosa reputação na área da democracia e dos direitos humanos, como explicar a brutal diferença de tratamento entre o caso do “golpe” em Honduras e o abrigo de um palanqueiro na Embaixada do Brasil naquela capital, e o tratamento da questão boliviana, como explicar a rispidez no caso do Paraguai e a leniência, a conivência e a tolerância demonstradas em casos bem mais graves de ataques à democracia e à liberdade de expressão? Como explicar tudo isso pela ação do Itamaraty?
Gostaria de ver o professor se explicando em todos esses casos.
Paulo Roberto de Almeida
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2) Recebo agora estes comentários seguidos do professor: 

(1) Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Agradeço o comentário e a possibilidade de esclarecer os pontos levantados. Em primeiro lugar, não acuso o Itamaraty de nenhum pecado, pequeno ou grande. A crítica à natureza da diplomacia pode até ser uma via argumentativa para jogar luz sobre a suposta “crise” que se instaurou, mas não é a minha linha de raciocínio. O que sustento – inequivocamente – é que o Itamaraty foi jogado às margens da formulação das prioridades externas do Brasil no governo Dilma, muito em parte pela incompatibilidade de visões de mundo entre a presidente e o corpo diplomático. Não creio que o Itamaraty seja o origem da paralisia que se observou nos últimos dois anos e meio, embora o debate a respeito disso esteja em aberto.

Segundo: não sou adepto da tese de que o Itamaraty transformou-se em quartel-general do Partido dos Trabalhadores nos últimos dez anos. Partidarização, há; em todo governo, aliás. Didaticamente, acredito que seja necessária uma distinção entre o que pertence ao governo e o que pertence ao Estado. O chamado “interesse nacional”, a despeito de toda mutação que possa ter sofrido ao longo das décadas, é atribuído aos homens de Estado e suas práticas. No plano conceitual, alguns autores que se debruçaram sobre isso acabaram chegando à conclusão de que a busca pela autonomia (a partir de um corte realista, que nos foi legado pelo Barão do Rio Branco) é, por excelência, nosso maior objetivo nacional.

(2) Estratégias variam de governo a governo. São dinâmicas e, por isso mesmo, adaptam-se mais facilmente aos tempos. Não vejo o governo Lula, por exemplo, abrindo mão dos objetivos nacionais (como quer que os definam) em prol de uma política externa “partidária” ou “ideológica”, que satisfaça a caciques políticos, sindicalistas pelegos ou líderes bolivaristas. Se as estratégias envolveram uma aproximação com certos regimes, independentemente de inclinação ideológica ou gosto por valores democráticos, devemos, como analistas, nos perguntar por quê. Acredito que, por uma tendência de expansão econômica e crescente importância estratégica, a decisão de diversificar parcerias no chamado “Sul global” foi, em geral, absolutamente pragmática. Trouxe benefícios econômicos, ainda que moderados, e logrou ao Brasil uma projeção política inédita, e muitas vezes positiva. Geisel fez coisa parecida, em outros tempos, e até hoje seu “pragmatismo responsável” é paradigmático de uma condução bem-sucedida de política exterior.

Quando o governo Fernando Henrique decidiu levar adiante as negociações da ALCA, várias vozes na sociedade acusaram-no, muitas vezes de forma agressiva, de estar subordinando o “interesse nacional” às vontades da superpotência. Quando Collor aproximou o Brasil dos Estados Unidos, pressionado pela dívida crescente e pelos entraves impostos pelo nosso próprio protecionismo, muitos – dentro e fora do Itamaraty – chamaram-no, pejorativamente, de neoliberal. Por que o governo Lula detém, nessa leitura bastante maniqueísta que predomina no debate público, o monopólio da partidarização da política externa?

Veja que não estou julgando o mérito do que foi feito. Como analista de Relações Internacionais, fui treinado a pensar os fenômenos a partir de critérios minimamente objetivos, sem me render a bandeiras ideológicas. Partindo-se do pressuposto de que a leitura diplomática brasileira sobre os conceitos de soberania e não-intervenção, por exemplo, manteve-se constante ao longo do último século, relacionar-se com ditaduras não me parece ser um problema intransponível, na medida em que o Brasil não se vê na posição de julgar o que ocorre dentro de tais países. Isso não significa, por um lado, que o Estado brasileiro (ou o governo do momento) não preze pelos direitos humanos – afinal de contas, trata-se de campo que evoluiu, a olhos vistos, nos últimos vinte anos. Por outro lado, não quer dizer que o Brasil subscreva às violações de direitos humanos cometidas por certos regimes. Sabemos muito bem que política pragmática do “business is business” muitas vezes gera contradições no discurso democrático, inclusive na maior potência do mundo – que, no aprofundamento da crise síria, vê na Arábia Saudita um de seus melhores aliados.

Não quero defender o governo Lula, nem é minha intenção justificar erros ou enaltecer acertos. Só ofereço uma interpretação (a meu entender, plausível) que matiza esse suposto “amor por ditaduras” atribuído ao presidente, ou a seu partido.


(3) Terceiro: a política externa para a América do Sul/América Latina é, de fato, uma fonte inesgotável de controvérsias. Acho importante fazer uma distinção de saída. Lula e Dilma comportaram-se de maneiras bastante distintas, o que creio reforçar o próprio argumento do meu artigo. Entendo a política exterior brasileira para a América do Sul um tema delicadíssimo, em que o Brasil vive um dilema permanente: se cresce demais, desperta suspeitas e reações negativas dos vizinhos; se cede em excesso, cria uma imagem de fraqueza – para o público doméstico e entre seus pares. Tudo que o Brasil menos deseja é instabilidade política ou tensões em suas próprias fronteiras – até para poder levar adiante o seu projeto de inserção global. Creio que Lula tenha tentado equacionar essas dificuldades, fazendo concessões pontuais (devidamente amplificadas pela oposição ao governo) para evitar perdas maiores. Num contexto de crescente polarização, para usar um termo de Jorge Castañeda, entre a “má esquerda” (representada por Venezuela e os amigos da ALBA) e a “boa esquerda”, a política brasileira da boa vizinhança foi uma resposta sábia a provocações, como os casos de Bolívia e Equador, que tinham o potencial para escalar rapidamente.

Isso, aliás, me parece uma reação completamente compatível com o que se formula no seio do Itamaraty.


Com relação a Honduras, tenho a impressão de que se tratou de uma interpretação brasileira (também amparada pela tradição da Casa) sobre como reagir a um golpe – que poderia se desdobrar em intervenção. Claro que, nesse caso, parece ter havido a motivação adicional da possibilidade de se marcar presença num espaço geopolítico que tradicionalmente não nos interessou, ferindo os brios dos Estados Unidos e afirmando certos pontos de vista brasileiros (que, novamente, estão ligados à ideia de “interesse nacional”).

(4) Quarto, e finalmente: acredito que a política externa dos anos Lula, para usar um jargão consagrado, “acertou no atacado e errou no varejo”. O desdobramento dos eventos em Honduras foi realmente problemático; assim como certos cortejos a Cuba foram, pra dizer o mínimo, dispensáveis. Aí entra a figura do Marco Aurélio Garcia, que certamente causou ruídos na condução de certos episódios da política externa para a região, contrariando, ou sobrepondo-se pura e simplesmente, à maneira como o Itamaraty conduzia suas relações com os vizinhos. Acredito, contudo, que o papel deletério que frequentemente se atribui ao “Chanceler do B” é superestimado; sua interferência direta reduz-se a relações bilaterais pontuais (que, confesso, ganharam uma centralidade enorme com os últimos episódios) e circunscritas geograficamente, além do fato de que, ao contrário do que muito se diz, essa figura do Assessor para Assuntos Internacionais encontra correspondência histórica. Não teria sido Augusto Schmidt, poeta e amigo pessoal de Kubitschek, a criar projetos grandiosos (e não menos fugazes) como a Operação Pan-Americana?

Em todo caso, o que vejo, hoje, é a total perda de controle sobre os episódios recentes envolvendo nossos vizinhos. Isso, a meu ver – e é um dos pontos centrais do artigo –, está relacionado ao progressivo esvaziamento a que o Itamaraty vem sendo submetido nos últimos tempos. É possível que os interesses partidários, corporificados por Garcia, tenham perdido seu contrapeso natural – a tradição diplomática – em casos como o da Bolívia. Com relação à questão paraguaia, quando do episódio da suspensão do Paraguai e concomitante entrada venezuelana, todo mundo saiu na foto, menos o Patriota! Foi o Advogado-Geral da União, aliás, que fez as vezes de chanceler na defesa pública (estampada na Folha de São Paulo) do ingresso da Venezuela no Mercosul. Estou seguro de que não foi por indisposição do então chanceler, mas, talvez, pelos constrangimentos impostos pela própria lógica governamental do momento.

Enfim: o meu texto é uma defesa, bastante conservadora, do Itamaraty e da política externa praticada por seus homens de Estado. Não entro – e nem haveria motivos para entrar – em discussões sobre partidarização ou ideologização, por mais importantes que sejam, porque este não era o objetivo do debate que propus. Atribuo às recentes reviravoltas de nossa diplomacia um (pesado) dedo governamental, que nada ou pouco tem a ver com partido ou ideologia, mas sim com visões de mundo, de maneira muito profunda.

Perdão pela longa resposta, mas que julguei necessária diante dos questionamentos.

Um abraço,


Guilherme Casarões 

========

Retomo, agora, para não retomar, isto é: não tenho tempo, neste momento para comentar cada um dos argumentos expressos acima.
Eu o farei no devido tempo, assim que puder.
Mas tenho apenas duas observações:

A pergunta central me parece ser esta: 
1) o Itamaraty é responsável por todas as escolhas que se fazem em política externa?
A resposta, obviamente, parece ser não, um não rotundo, redondo, indisfarçável.
A pergunta seguinte parece ser: 
2) essas escolhas são condizentes, compatíveis, adequadas a um país como o Brasil?
As respostas estão em aberto.

Creio que todos podem escrever sobre isso...

O debate continua...

Paulo Roberto de Almeida
10/09/2013

Reflexoes ao leu: a diplomacia brasileira e o Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões léu: sobre a diplomacia brasileira e o Itamaraty
Algumas opiniões pessoais

Paulo Roberto de Almeida

1. O Brasil, como Estado soberano na comunidade internacional, deve pautar sua política externa exclusivamente baseado no direito internacional, materializado nos tratados internacionais (Carta da ONU, por exemplo) e nos atos bilaterais ou plurilaterais (integração regional no Mercosul, entre outros) que assinou e ratificou. Nenhuma outra consideração de natureza política circunstancial, governamental ou partidária, poderia determinar seu afastamento dessas balizas absolutamente essenciais para sua conduta na comunidade das nações.

2. O Estado brasileiro, como instituição política básica que interage com outros Estados soberanos no pleno respeito das normas que regem suas relações recíprocas, deve relacionar-se com essas outras entidades por meio exclusivamente de suas chancelarias, e mesmo a chamada diplomacia presidencial deveria ser conduzida por canais exclusivamente diplomáticos.

3. O Governo brasileiro, como representante político, ainda que temporário, do Estado brasileiro junto a outros governos, também se obriga a respeitar a legalidade constitucional do país e os diversos princípios do direito internacional que daí decorrem, como, entre outros, a não-ingerência nos assuntos internos dos demais governos e Estados, e o pleno respeito dos atos internacionais e bilaterais que os obrigam reciprocamente. Os tratados internacionais ratificados e em vigor entre eles devem ser escrupulosamente respeitados e preservados em sua integridade, salvo mudanças previamente anunciadas e devidamente negociadas.

4. O Ministério das Relações Exteriores, como agente primordial das relações exteriores do Brasil, deve poder exercer suas funções institucionais de maneira uniforme e homogênea, pautado nos princípios e valores, de natureza interna e internacional, assegurando unicidade e coerência nas posições e opções assumidas, sem qualquer interferência não institucional quer seja no seu processo decisório, quer seja na implementação das políticas determinadas pelo chefe de Estado.

5. A hierarquia e a disciplina são vetores inquestionáveis da atuação institucional do MRE, respeitados os princípios e valores inscritos na Constituição, que obrigam seus agentes oficiais, mas também os governantes políticos que ocupam cargos no Estado. Nenhuma consideração de natureza partidária deveria poder incidir sobre a condução da diplomacia e sobre a atuação de seus agentes oficiais.

6. O Brasil, através do Ministério das Relações Exteriores, tem o dever de conduzir as relações com os demais Estados, pelos canais oficiais mutuamente reconhecidos, sem o recurso a instâncias paralelas desprovidas da legitimidade institucional intrínseca que está associada às suas respectivas chancelarias.


Hartford, 28/08/2013

O Itamaraty em perigo - Rubens Antonio Barbosa (Estadao)

INSTITUIÇÃO EM PERIGO
Rubens Antonio Barbosa
O Estado de S.Paulo, 10/09/2013
 No momento em que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) é levado a uma das crises mais graves de sua história, não se pode deixar de manifestar preocupação com o que ocorre hoje com uma instituição que, pela qualidade de seus membros e pela coerência de sua atuação externa, sempre soube colocar o Brasil em posição de relevo no contexto internacional.
         O Itamaraty é um dos símbolos do Estado brasileiro. Trata-se de uma instituição dedicada ao serviço dos interesses permanentes do País. Serve a eles cumprindo as diretrizes e prioridades de política externa emanadas do governo livremente eleito pelo povo.
O MRE é um órgão respeitado em todo o mundo. A qualidade da atuação internacional do Brasil tem sido, ao longo dos anos, associada em boa medida à solidez institucional da Instituição, à rigorosa seleção e boa formação de seus quadros, à sua vocação suprapartidária, à capacidade de combinar continuidade e mudança. A diplomacia não é algo que possa sofrer guinadas de 180 graus a cada mudança de governo. Os interesses do Brasil no mundo não são reinventados a cada 4 anos.
         Os integrantes da carreira diplomática são servidores do Estado por excelência. Não se vinculam a partidos, nem procuram transferir para o processo de formulação e execução da política externa os embates normais e saudáveis da competição política democrática. Nessa característica – além do rigor na seleção e treinamento, bem como em políticas administrativas que valorizam a promoção por merecimento e nomeação somente de funcionários de seus quadros para funções n Brasil e no exterior – residem alguns de seus principais atributos.
O Itamaraty, nos últimos anos, deixou de gozar da unanimidade nacional, em função de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios. 
 A perda da vitalidade do pensamento independente em todos os escalões, pela extrema centralização das decisões, a discriminação ideológica contra vários de seus funcionários, greves - que nunca haviam ocorrido - arranhões no princípio hierárquico e problemas de preconceito racial e assédio e até o questionamento do nível dos salários no exterior não ajudam a recuperar a  imagem de um serviço diplomático até aqui considerado um dos mais eficientes do mundo. A retirada do inglês como língua eliminatória nos exames de admissão ao Instituto Rio Branco, em boa hora re-introduzida diante do clamor de protesto então observado, e a obrigatoriedade de leituras politicamente dirigidas para  os diplomatas que voltavam para Brasília foram exemplos recentes que também contribuíram para desgastar a imagem da instituição, mas que podem ser consideradas relativamente inofensivas se revertidas a tempo. Outro traço recorrente da gestão do Itamaraty é a tomada de decisões de caráter administrativo movida mais por voluntarismo do que para acompanhar as prioridades da politica externa brasileira, deixando de sopesar, por uma análise criteriosa, os custos e benefícios para a Instituição. Quase nada é pensado no sentido do aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, da melhora da política de pessoal ou da modernização de suas estruturas.
O esvaziamento da instituição e a fragmentação externamente induzida nas suas posturas e no seu modo de operar decepcionam a sociedade brasileira.
O MRE enfraqueceu-se substantivamente e perdeu a função de ser o primeiro formulador e coordenador  em matéria de  projeção internacional do país. Estão sendo retiradas da Chancelaria áreas de sua competência e são crescentes as dificuldades para a alocação de recursos compatíveis com as novas demandas externas e proporcionais à presença ampliada do Brasil no mundo.
O Itamaraty, como executor primordial das relações exteriores do Brasil, deve poder exercer suas funções institucionais de maneira uniforme e homogênea, pautado nos princípios e valores, de natureza interna e internacional, que sempre asseguraram unicidade e coerência nas posições e opções assumidas, sem qualquer interferência não institucional, quer seja no seu processo decisório, quer seja na implementação das políticas determinadas pelo chefe de Estado.
A hierarquia e a disciplina são vetores inquestionáveis da atuação institucional do MRE, sempre que respeitados os princípios e valores inscritos na Constituição, que obrigam seus funcionários, mas também os  agentes políticos que ocupam temporariamente cargos no Estado.
A política externa brasileira nunca deixou de ser uma política de Estado e foram extremamente raros os momentos de nossa história  em que predominou qualquer tipo de vontade partidária , nem sempre coerente com o interesse permanente do país. Nenhuma consideração de natureza partidária deveria, assim, incidir sobre a condução da diplomacia e sobre a atuação de seus profissionais, ou funcionários.
O Barão do Rio Branco, ao assumir a chefia do Itamaraty deixou uma lição que deveria servir como princípio básico para a sua atuação permanente: "a pasta das Relações exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna. Não venho servir a um partido politico: venho servir ao Brasil”.
 Para voltar a desempenhar o papel de relevo que sempre teve, o Itamaraty terá de adequar a politica externa aos novos desafios internos e externos com dinamismo e inovação. Ao renovar-se e atualizar-se atendendo `as demandas dos novos tempos, terá de deixar para trás formalismos, posturas defensivas e  tendências burocrático-ideológicas,  que estão acarretando a perda de influência do Brasil na região e seu isolamento em um mundo em crescente transformação.
Servir ao Brasil e defender o interesse nacional é o que se deveria esperar do Itamaraty, acima de quaisquer outros interesses.


Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e Londres.

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