segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Para a historiografia das ciencias no Brasil - Shozo Motoyama

Da extração de pau-brasil ao sequenciamento do genoma:
A lenta emergência de uma história das ciências e das tecnologias no Brasil

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

Quando se fizer a historiografia da história das ciências e das técnicas no Brasil, o nome de Shozo Motoyama certamente figurará em primeiro plano. Ele está presente, desde muitos anos e de forma muito ativa, em vários empreendimentos recapitulativos de nosso lento (e incerto) caminhar no aprendizado das técnicas e dos saberes com características especificamente nacionais. Hoje esse itinerário é menos lento e errático do que ele foi nos primeiros quatro séculos de nossa existência enquanto nação, ou nos quase dois séculos como Estado independente, e por isso mesmo passa a contar com uma literatura relativamente satisfatória, mesmo se não abundante, em face do vasto campo a ser coberto pelos historiadores.
A reconstituição de nosso aprendizado nessas áreas de pesquisa científica e o de sua aplicação ao mundo mais concreto da produção está sendo feita com competência invulgar por Shozo Motoyama em diversos livros. Dentre os mais recentes, dois merecem uma avaliação mais detalhada: 50 Anos do CNPq contados pelos seus presidentes (São Paulo: Fapesp, 2002, 717 p.) e Prelúdio para uma História: Ciência e Tecnologia no Brasil (São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004, 518 p.), ambos contando com o auxílio de colaboradores. Antes, contudo, de adentrar o conteúdo desses dois volumes, vale mencionar algumas obras mais antigas, paralelas ou complementares, que vêm contribuindo para o crescimento da bibliografia nesse campo especializado do conhecimento científico, que é a história da própria ciência brasileira e de suas aplicações práticas no mundo da produção.
O primeiro historiador das ciências no Brasil digno desse nome é, provavelmente, o educador Fernando de Azevedo, egresso do ambiente “transformista” dos anos vinte e trinta do século passado, autor principal do Manifesto dos pioneiros por uma nova educação (1932) e que já tinha elaborado, como peça maior desse desejo de mudança nas condições sociais do saber no Brasil, um grandioso estudo sobre a cultura (A cultura brasileira, 3 vols., Companhia Editora Nacional, 1943). Como resultado de seu trabalho em prol da elevação dos padrões de produção e disseminação das pesquisas científicas, emergiu o livro por ele coordenado As Ciências no Brasil, em dois volumes, publicado originalmente em 1955 (pela Melhoramentos, de São Paulo), com segunda edição em 1994 (pela Editora da UFRJ). A concepção e a organização dessa obra, dividida pelos distintos ramos das ciências praticadas no Brasil, estabeleceram um modelo que mais tarde seria seguido por Motoyama e colaboradores.
Entre 1979 e 1981, justamente, Motoyama coordenou, com o professor Mário Guimarães Ferri, do Instituto de Biociências da USP, a publicação dos três volumes da História das Ciências no Brasil (São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, Editora da USP e CNPq). Pela riqueza e abrangência do conteúdo (não estritamente das chamadas ciências duras, mas igualmente as humanas), assim como pela excelência, em seus temas, dos colaboradores convidados, cabe o registro dos capítulos e seus autores, uma vez que essa cobertura merece ser melhor divulgada aos potenciais interessados na reconstituição do desenvolvimento da cada uma das áreas contempladas nos três volumes.
O primeiro volume de História das Ciências no Brasil (São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, Editora da USP, 1979, 390 p.), apresenta os seguintes capítulos: 1. Trajetória da Filosofia no Brasil (Antonio Paim, Universidade Gama Filho); 2. Ciências Matemáticas (Chaim S. Hönig e Elza F. Gomide, Instituto de Matemática e Estatística, USP); 3. A Física no Brasil (Shozo Motoyama, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP); 4. Evolução da Química no Brasil (Simão Mathias, Instituto de Química, USP); 5. A Bioquímica no Brasil (J. Leal Prado, Instituto de Química da USP); 6. Alguns Aspectos da Evolução da Fisiologia no Brasil (José Ribeiro do Valle, Escola Paulista de Medicina); 7. A Farmacologia no Brasil (Escola Paulista de Medicina); 8. A Medicina no Brasil (Lycurgo de Castro Santos Filho, Faculdade de Medicina, Unicamp); 9. Genética Vegetal (Ernesto Paterniani, Dep. de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP); 10. Estudo sobre a Evolução Biológica no Brasil (Francisco M. Salzano, Instituto de Biociências, UFRGS); 11. A História no Brasil (Francisco Iglésias, Faculdade de Ciências Econômicas, UFMG); 12. Geografia Humana (Pasquale Petrone, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP); 13. A Tecnologia no Brasil (Milton Vargas, Escola Politécnica, USP).
O segundo volume de História das Ciências no Brasil (São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, Editora da USP, CNPq, 1979-1980, 468 p.), apresenta, por sua vez, os seguintes trabalhos: 1. Microbiologia (J. Reis, Instituto Biológico de São Paulo); 2. História da Botânica no Brasil no Brasil (Mário Guimarães Ferri, Instituto de Biociências, USP); 3. A Zoologia no Brasil (Walter Narchi, Dep. de Zoologia do Instituto de Biociências, USP); 4. Geociências (Aziz Nacib Ab’Saber, Instituto de Geografia, USP; Antônio Christofeletti, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp); 5. A Etnologia no Brasil (Egon Schaden, Escola de Comunicações e Artes, USP); 6. A Genética Humana no Brasil (Bernardo Beiguelman, Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp); 7. História da Ecologia no Brasil (Mário Guimarães Ferri, Instituto de Biociências, USP); 8. Institutos de Pesquisa Científica no Brasil (Maria Amélia Mascarenhas Dantes, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP); 9. O Desenvolvimento da História da Ciência no Brasil (João Carlos V. Garcia, Escola Brasileira de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas; José Carlos de Oliveira, Escola de Engenharia, UFRJ; Shozo Motoyama, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP); 10. A Astronomia no Brasil (Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Dep. de Astronomia, Observatório Nacional).
O terceiro volume, finalmente, (mesmos editores, 1981, 468 p.), contou com os seguintes trabalhos: 1. A Mineralogia e a Petrologia no Brasil (Rui Ribeiro Franco, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares); 2. A Pesquisa Paleontológica no Brasil (Josué Camargo Mendes, Instituto de Geociências, UERJ); 3. História da Pedologia no Brasil (Antonio Carlos Moniz, Instituto Agronômico, Campinas); 4. As Ciências Agrícolas no Brasil (Eurípedes Malavolta, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP); 5. Contribuição à História da Técnica no Brasil (Ruy Gama, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP); 6. A Sociologia no Brasil (Oracy Nogueira, Faculdade de Economia e Administração, USP); 7. A Psicologia no Brasil (Samuel Pfromm Netto, Instituto de Psicologia, USP); 8. A Educação no Brasil (Lena Castello Branco Ferreira Costa, Instituto de Ciências Humanas e Letras, UFG); 9. A História da Ciência Econômica no Brasil (Dorival Teixeira Vieira, Faculdade de Economia e Administração, USP); 10. A Pesquisa Espacial no Brasil (Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Dep. de Astronomia, Observatório Nacional); 11. Aspectos da Lógica Matemática no Brasil (Elias Humberto Alves, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp); 12. A Filosofia da Ciência no Brasil (Shozo Motoyama, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP).
Tratou-se, portanto, de um enorme empreendimento, que talvez devesse merecer uma segunda edição, ampliada (em quatro ou mais volumes, com novas áreas do conhecimento e outras técnicas não adequadamente ou suficientemente cobertas nos três primeiros), e possivelmente dotada de iconografia pertinente (fotos, mapas, fac-símiles, documentos) e de uma bibliografia exaustiva (remetendo, aliás, aos diversos bancos de dados setoriais já consolidados nesta nossa era eletrônica e da internet, o que ainda não estava disponível quando concebida esta coleção dirigida por Motoyama e Ferri). Eles advertem, em cada um dos prefácios, que não trabalharam como editores, isto é, não interferiram no trabalho de cada colaborador, mas que agiram como coordenadores, respeitando as características e estilo próprios de cada um dos autores convidados, grande parte deles associada à USP (o que é em grande medida explicado pelo fato de essa universidade abrigar um Centro Interunidades de História da Ciência e da Tecnologia, na qual militam Shozo Motoyama, Milton Vargas e muitos outros). Essa trilogia cobriu, portanto, 35 ramos das ciências, tomadas em seu sentido amplo, com a exceção das ciências jurídicas, ramo que eles mesmo lembram como dotado de grande tradição no Brasil e que mereceria, possivelmente, um volume especialmente dedicado a essa área.
Antes e depois da divulgação dessa primeira e memorável trilogia de história das ciências no Brasil outros estudos e pesquisas com características de síntese cobriram esse campo do ponto de vista da história. Podem ser citados: Nancy Stepan, Beginnings of Brazilian Science: Oswaldo Cruz, medical research and policy, 1890-1920 (New York: Science History Publications, 1975; ed. bras.: Gênese e Evolução da Ciência Brasileira: Oswaldo Cruz e a política de investigação científica e médica. Rio de Janeiro: Artenova, 1976); Vanya M. Sant’Anna, Ciência e Sociedade no Brasil (São Paulo: Símbolo, 1978) e Simon Schwartzman, Formação da Comunidade Científica no Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979; publicado em inglês, em 1991, pela Pennsylvania State University Press, sob o título de A Space for Science: The Development of the Scientific Community in Brazil; republicado pelo MCT, em 2001, sob o título Um Espaço para a Ciência: Formação da Comunidade Científica no Brasil).
No terreno das técnicas, vale mencionar uma outra coletânea dirigida por Shozo Motoyama, Tecnologia e Industrialização no Brasil: uma perspectiva histórica (São Paulo: Edunesp/Ceeteps, 1994), bem como a compilação organizada por Milton Vargas, História da Técnica e da Tecnologia no Brasil (São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, 1994, 414 p.).
Pela importância desta última coletânea, vale a pena transcrever seu índice, uma vez que ele é revelador da extrema riqueza de conteúdo desta coleção, muito bem introduzida pelo seu organizador, Milton Vargas: Parte I – Da Técnica à Engenharia na Colônia e no Império; 1. Técnicas indígenas (Maria Luiza Rodrigues Souza); 2. História da Técnica no Brasil Colonial (Ruy Gama); 3. Sistemas construtivos coloniais (Júlio Roberto Katinsky); 4. Notas sobre a mineração no Brasil Colonial (Júlio Roberto Katinsky); 5. Notas sobre a História da Metalurgia no Brasil, 1500-1850 (Fernando José G. Landgraf, André P. Tshiptschin, Hélio Goldenstein); 6. Engenharia e técnicas de construções ferroviárias e portuárias no Império (Marilda Nagamini); 7. Engenharia Militar (Potiguara Pereira); 8. Eletrotécnica (Aderbal de Arruda Penteado Júnior, José Augusto Dias Júnior); Parte II – A Engenharia da República Velha até o após-guerra; 1. Engenharia Civil na República Velha (Milton Vargas); 2. O início da pesquisa tecnológica no Brasil (Milton Vargas); 3. A Tecnologia na Engenharia Civil (Milton Vargas); 4. Energia elétrica (Aderbal de Arruda Penteado Júnior, José Augusto Dias Júnior); 5. Projetos dominantes de siderurgia e mineração, símbolos e pilares da modernização e progresso, Brasil, 1889-1945 (José Jerônimo Alencar Alves); Parte III – A tecnologia no período após-guerra; 1. Tecnologia militar (Potiguara Pereira); 2. A indústria de armamentos no Brasil (Wagner Costa Ribeiro); 3. Telecomunicações (Gildo Magalhães); 4. Energia e Tecnologia (Gildo Magalhães); 5. Informática no Brasil: Apontamentos para o estudo de sua história (Shozo Motoyama, Paulo Q. Marques); 6. A História da Tecnologia Nuclear Brasileira: Um festival de equívocos  (Shozo Motoyama, Paulo Q. Marques).
A pesquisa histórica sobre as ciências e as tecnologias no Brasil ainda está longe de ter conseguido acumular especialistas globais e pesquisadores setoriais capazes de constituir empreendimentos comparáveis ao da memorável coleção (em cinco volumes) concebida em 1949 e dirigida por Charles Singer (e vários outros), History of Technology (Londres: Oxford University Press, 1954-1958), e do qual resultou o volume de síntese sob a responsabilidade de dois dos seus editores, T. K. Derry e Trevor I. Williams, A Short History of Technology from the earliest times to A.D. 1900 (1960; republicado em 1993: Nova York: Dover Publications). De forma similar, o centro interdisciplinar da USP é ainda um modesto empreendimento, se comparado, por exemplo, ao SHOT, a Society for the History of Technology, formada em 1958 para estimular o estudo do desenvolvimento da tecnologia e de suas relações com a sociedade e a cultura. Essa associação interdisciplinar conecta, aliás, mais de mil instituições em todo o mundo, formada não apenas por historiadores interessados nas técnicas materiais e nos processos tecnológicos e suas relações com as ciências e as mudanças sociais, mas também por curadores de museus de tecnologia, cientistas práticos e engenheiros da ativa, assim como antropólogos, cientistas políticos e economistas.
Esse mesmo espírito anima a equipe coordenada por Shozo Motoyama, que tem oferecido uma contribuição inestimável ao desenvolvimento da pesquisa histórica sobre as ciências no Brasil, começando pela sua própria casa, isto é, pela USP e pela Fapesp. Prevista na Constituição paulista de 1947, a Fapesp conseguiu, finalmente, ser constituída em 1962, graças à iniciativa de um dos representantes da “burguesia ilustrada” de São Paulo, o governador Carvalho Pinto (que também foi ministro da Fazenda em um dos gabinetes parlamentaristas dessa época tumultuada). Um pouco da história exemplar da Fapesp, que serviu de modelo para a criação de muitas outras FAPs estaduais – sobretudo a partir da segunda conferência nacional de ciência e tecnologia, em 2001 –, está contado nos dois volumes coordenados por ele e sua equipe, a saber: Shozo Motoyama (org.), Fapesp: Uma história de política científica e tecnológica, (São Paulo: Fapesp, 1999, 300 p.); Shozo Motoyama, Amélia Império Hamburger e Marilda Nagamini (orgs.), Para uma história da Fapesp: Marcos documentais (São Paulo: Fapesp, 1999, 250 p.).
Mas, a história da pesquisa científica no Brasil é obviamente indissociável da trajetória do CNPq, o antigo Conselho Nacional de Pesquisa, criado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1951, e atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Sua história, seguida através dos mandatos de cada um de seus presidentes nos seus primeiros cinqüenta anos de vida, está apresentada no livro 50 Anos do CNPq contados pelos seus presidentes, editado justamente por Motoyama, auxiliado por uma equipe de pesquisadores, por iniciativa da Fapesp. São vinte presidentes do Conselho, entre 1951 e 2001, que, em um volume de mais de 700 páginas, discorrem sobre sua formação, a carreira profissional, as iniciativas tomadas à frente da instituição, bem como as dificuldades e sucessos nessa trajetória. Motoyama e sua equipe, formada por três pesquisadores do Centro Interunidade da História da Ciência da USP Edson Emanoel Simões, Marilda Nagamini e Renato Teixeira Vargas conseguiram entrevistar 15 dos presidentes, recolhendo centenas de horas de gravação e documentos relativos à gestão dos demais (anais do Conselho, discursos de posse, memorandos de trabalhos, comunicações, entrevistas anteriores e papéis diversos).
Não se trata, contudo, de uma simples “história biográfica” individualizada, isto é, fracionada entre essa vintena de presidentes e suas “reminiscências pessoais”, e sim de um verdadeiro racconto storico sobre a evolução da pesquisa científica e tecnológica no Brasil, no meio século concluído em 2001. O projeto tinha sido concebido vinte anos antes, mas foi preciso esperar que a Fapesp o encampasse para concretizar as pesquisas e entrevistas que levaram à sua elaboração (aliás, surpreendentemente rápida). Na verdade, o livro cobre mais do que o período de existência do CNPq, uma vez que a história remonta à participação do almirante Álvaro Alberto, seu primeiro presidente, na Comissão de Energia Atômica da ONU, em 1946.
O reforço do CNPq e do sistema nacional de pesquisa científica e tecnológica em seu conjunto se deu, essencialmente, durante o regime militar. Em 1967 foi instituída a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), seguida, em 1969, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), destinado a financiar projetos prioritários. Na redemocratização, de modo contraditório, o CNPq e seus programas sofreram constrangimentos, sobretudo em função da erosão inflacionária de seus orçamentos, de disputas burocráticas entre agências públicas e de alguma influência política na escolha dos seus responsáveis. Hoje, o sistema nacional de pesquisa científica está consolidado e conta com mais de doze mil grupos de pesquisas e cerca de 50 mil pesquisadores engajados em número aproximadamente igual de linhas de investigação, nas mais diversas áreas de conhecimento. A plataforma Lattes, criada em 1999 e parte fundamental no processo de conexão dos diversos centros de pesquisa, vem sendo inclusive exportada para outros países. Em 2000, a pesquisa científica estava tão avançada a ponto de o Brasil possuir um projeto de genoma nacional e de participar, em igualdade de condições com os centros mais desenvolvidos, de redes de seqüenciamento de DNA.
Foi, assim, uma longa trajetória de avanços graduais e, na maior parte do tempo, erráticos, desde as primeiras explorações de pau-brasil nas costas brasileiras, passando ainda pelas tentativas iniciais de produção metalúrgica, até as mais modernas técnicas de exploração petrolífera off-shore e de construção aeronáutica. Uma cronologia histórica completa esse volume único na literatura da história oral da ciência tecnologia no Brasil. Muito útil para seguir os passos institucionais da pesquisa científica, e centrada nas atividades do CNPq, a cronologia vai de 1946, quando se coloca na Constituição federal que “o amparo à cultura é dever do Estado”, até 2001, quando se realiza a conferência nacional de ciência tecnologia e inovação e se cria o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), instituído para administrar os fundos setoriais de apoio à ciência e à tecnologia formados nesses anos.
Depois de 700 páginas de CNPq, mais 500 de ciência e tecnologia no Brasil como um todo, neste Prelúdio para uma História. Shozo Motoyama assina, em primeiro lugar, uma longa introdução, “Ciência e Tecnologia no Brasil: Para Onde?” (p. 15-58), na qual desfaz alguns mitos sobre a inconsistência nacional nesses campos e enumera os avanços recentes da ciência, bem como os progressos tecnológicos das últimas décadas. De fato, casos de sucesso não faltam, desde Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, até o seqüenciamento da Xylella fastidiosa, relatada nas páginas da revista americana Science (288, 5467: 800) como um “genome Cinderella story”.
Apesar de apresentar, com modéstia, um dos trabalhos mais completos sobre a ciência e a tecnologia no Brasil, Motoyama diz que “não foi possível fazer um estudo completo e detalhado sobre o tema. Apenas esboçamos uma visão panorâmica do conjunto, ao longo de sua história, realçando, na medida do possível, alguns eventos marcantes do ângulo da relação da pesquisa científica e tecnológica com os outros atores da sociedade brasileira” (p. 57).
O próprio Motoyama assina um longo primeiro capítulo: 1. Período Colonial: o Cruzeiro do Sul na Terra do Pau-brasil (p. 59-117). Depois comparece a professora Marilda Nagamini, responsável por outros dois longos capítulos substantivos, do Império à Velha República, respectivamente: 2. 1808-1889: Ciência e Técnica na Trilha da Liberdade (p. 135-183), e 3. 1889-1930: Ciência e Tecnologia nos Processos de Urbanização e Industrialização (p. 185-231). Motoyama retoma o fio da meada, ao tratar, no capítulo 4, do período desenvolvimentista, de 1930 a 1964 (p. 249-316). Em seguida, a densidade da produção científica e tecnológica acumulada desde então passa a exigir o trabalho de toda uma equipe para sua recapitulação. Trata-se do capítulo 5: 1964-1985: Sob o Signo do Desenvolvimentismo (p. 317-385), sob a responsabilidade de Motoyama, do professor Francisco Assis de Queiroz (da Universidade de Londrina e pesquisador do CHC-USP) e do já conhecido Milton Vargas (professor emérito da Escola Politécnica da USP). Finalmente, o sexto e último capítulo leva a história até nossos dias: 1985-2000: A Nova República (p. 387-452), escrito por Motoyama e por Francisco Assis de Queiroz.
Trata-se de uma longa história de 500 anos, com muitos nomes conhecidos – como Einstein, Mario Schenberg, Maurício Rocha e Silva, Cesar Lattes e Leite Lopes – e outros menos conhecidos, mas que ainda assim deram sua contribuição para a lenta acumulação dos saberes e das técnicas no Brasil. O seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa volta com destaque na última parte do livro, uma vez que ela representa a consagração da pesquisa genética brasileira, em igualdade de condições com os centros reconhecidos de produção de ciência no plano mundial. É uma história de lutas, de sucessos e frustrações, ainda sem algum prêmio Nobel, mas já respeitada e respeitável pela excelência da pesquisa conduzida em laboratórios brasileiros. O fato de a maior parte desses pesquisadores estarem trabalhando em centros universitários, e não em laboratórios de empresas, explica o fato de ser tão lenta e precária a transposição dessas pesquisas para o terreno da tecnologia e dos processos produtivos, mas esse tipo de disfunção tende certamente a ser superado.
Finalmente, como registro de uma dessas histórias de sucesso na combinação da pesquisa de ponta com sua aplicação prática, vale a pena conferir o livro de J. Irineu Cabral, Sol da Manhã: Memória da Embrapa (Brasília: Unesco, 2005, 344 p.). O autor dirigiu importantes centros de pesquisa como o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, o Comitê Interamericano de Desenvolvimento Agrícola e o Departamento de Projetos Agrícolas do BID. O “sol” do título se refere à variedade de milho BRS, criada pela Embrapa em 1998, após um trabalho de catorze anos de pesquisa participativa, envolvendo trezentas comunidades de agricultores, em seis estados brasileiros, com quinze mil famílias de produtores. Numa era em que o agronegócio parece dominar todos os espaços da moderna agricultura de mercado, a Embrapa continua a fazer pesquisas voltadas para as necessidades de todos os setores envolvidos na agricultura capitalista brasileira, inclusive o pequeno produtor em regime familiar. O livro é prefaciado por Luiz Fernando Cirne Lima que, como ministro da agricultura em 1973, em plena revolução verde no mundo, criou a Embrapa, deitando portanto a semente que iria frutificar na mais possante agricultura competitiva em plena zona tropical menos de vinte anos depois.
A Embrapa, hoje, é uma possante rede de pesquisas nos mais diversos campos da atividade agropecuária (inclusive da instrumentação), com mais de quarenta unidades espalhadas em todo o território brasileiro, mandando ainda pesquisadores se aperfeiçoar no exterior, mas basicamente produzindo ela mesma a tecnologia de ponta de que o Brasil necessita, e também fornecendo a outros países em desenvolvimento, em especial na África e na América Latina, técnicas de manejo e pacotes tecnológicos perfeitamente adaptados às condições ecológicas desenvolvidas sob as mesmas latitudes. Como bem salientou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, em destaque no livro: “Nenhum outro setor da economia brasileira possui um núcleo de produção de ciência e tecnologia equivalente ao fôlego acumulado pela Embrapa. O Brasil tem a mais importante instituição de pesquisa agropecuária dos trópicos. Ela garante ao país a margem de manobra indispensável para fazer da agricultura e do espaço rural uma poderosa turbina de expansão econômica do século XXI”.
E pensar que cinqüenta anos atrás, quando estava surgindo o CNPq, falar do Brasil como “país essencialmente agrícola” representava sinônimo de atraso e de subdesenvolvimento. A agricultura brasileira, nas condições atuais de pesquisa e de desenvolvimento científico e tecnológico e de métodos produtivos já acumulados pela comunidade de trabalhadores de laboratório e de engenheiros de terreno, constitui, provavelmente, uma das chaves essenciais para nossa inserção competitiva nos circuitos da interdependência econômica contemporânea. Os progressos científicos e tecnológicos são reais: resta agora disseminá-los ao conjunto da sociedade.


Paulo Roberto de Almeida é doutor em ciência sociais e mestre em planejamento econômico, e diplomata de carreira.
Brasília, 9 de outubro de 2005 

Um indignado com as revelacoes do livro de Romeu Tuma Jr - Percival Puggina

Ainda não li o livro, mas já estou indignado há muito tempo...
Nunca tive ilusões sobre os maiores representantes da nossa máfia sindical.
Eles são, como diria, exatamente como o meio os faz, já indicado acima.
Sempre tenho a sensação de que estejamos com uma turma similar àquela que pululava na Alemanha no decorrer dos anos 1930...
Paulo Roberto de Almeida

LULA, UM PERFEITO CANALHA
Percival Puggina, 5/012014

"COISAS QUE NÃO CONSIGO ENTENDER" 
Percival Puggina

"Estou lendo o livro de Romeu Tuma Junior, "Assassinato de Reputações", que apenas anteontem consegui receber da Saraiva. Do pouco que já li não entendo como Lula, até agora, se manteve calado como se o livro não existisse.

Não imagino que alguém no Brasil, qualquer que seja seu nível de formação e informação, ainda tenha ilusões sobre o caráter de Lula. Mas o livro conta que a nação vem sendo iludida e que o país acabou presidido por um perfeito canalha. Canalha desde sempre, desde moço, para quem o passar dos anos não fez mais do que alargar os círculos nos quais aplica, com destreza, o conjunto de seus defeitos morais.

Um livro desses, cem anos atrás, acabaria em duelo. Hoje, não tem como não acabar em indignada entrevista (à imprensa) ou em demolidora audiência (na Justiça). O silêncio de Lula quando flagrado em suas estripulias é costumeiro. Que o digam Rose e Maria Letícia. Mas o silêncio de Lula, também perante o livro do Tuminha, precisa ser gritado à nação. Talvez com força suficiente para despertá-la." 

domingo, 5 de janeiro de 2014

O Brasil dos companheiros: sem reformas - Jose Alexandre Scheinkman

"É preciso mudar a mentalidade", abandonar as velhas ideias, diz o economista José Alexandre Scheinkman em entrevista à revista Veja. Não há regras claras e estáveis para investimentos. Nem haverá - embora ele não o diga - com o lulopetismo no poder. Com Dilma, teremos mais fechamento, mais intervenção do Estado:


Um dos mais influentes economistas da atualidade diz que o Brasil deve se despir de velhas ideias e encarar de uma vez por todas as reformas para alcançar um novo patamar

Há mais de quatro décadas nos Estados Unidos, o carioca José Alexandre Scheinkman, de 65 anos, construiu uma carreira acadêmica brilhante como professor, com passagens pelas universidades de Chicago, Princeton e, agora, Colúmbia, em Nova York. Ao longo de sua trajetória, foi parceiro em estudos de ganhadores de prêmios Nobel e de xerifes da economia, como o presidente do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke. Autor e analista renomado, tornou-se uma voz influente nas altas esferas das decisões econômicas, mas nunca deixou de lançar um olhar especialmente perspicaz sobre o Brasil, que visita com frequência. Em sua mais recente passagem por São Paulo, ele falou a VEJA sobre como a falta de regras claras e estáveis para investimentos e a permanência de focos de protecionismo continuam emperrando os avanços e mantendo o país na rabeira do bloco de nações mais promissoras.

Por que a economia brasileira patinou em 2013?

O fraco desempenho do PIB é um retrato de erros do governo em questões cruciais para o avanço da economia. Ele foi excessivo de um lado, ao promover o protecionismo e interferir no livre mercado, e ausente de outro, já que deixou de criar as condições para que o Brasil melhorasse sua produtividade. Ao se abster de enfrentar as reformas necessárias, precisou recorrer a ajustes pontuais que, como se sabe, não funcionam a longo prazo.

Falo do congelamento do preço de combustíveis e energia para conter a inflação — mais um remendo que não traz crescimento sustentável. Enquanto o país teve um ano medíocre, é bom que se lembre, a economia mundial se recuperou, impulsionada pela indústria de tecnologia e pela novidade energética do gás de xisto, nos Estados Unidos, pelas boas perspectivas do Japão e ainda pela China, que não desacelerou tanto quanto se temia.

O Brasil pode reverter a situação em 2014?

Só haverá avanços reais se o governo encarar as reformas pendentes, desonerando a produção e elevando a competitividade. O problema é que essas medidas costumam ter custo imediato e benefícios a longo prazo — justamente o avesso do que os políticos buscam em ano eleitoral. O mais provável é que elas fiquem para o próximo mandato. Torçamos para que não.

Mesmo com todos os problemas, o Brasil era até recentemente o país onde o mundo queria investir. O que fizemos de tão errado a ponto de espantar o capital estrangeiro?

A verdade é que nem a economia brasileira estava tão bem nos tempos de euforia nem está tão ruim agora, apesar de tudo. Houve, isto sim, um otimismo exagerado, próprio de um momento em que as economias avançadas deixavam de ser atraentes. Quem tinha dinheiro sobrando começou a prospectar oportunidades em novos lugares e setores. Bastava dizer "infraestrutura" e "Brasil" e os cofres se abriam. Os investidores mais otimistas queriam injetar capital aqui de qualquer maneira, mesmo que os projetos não estivessem muito bem fundamentados.

E olhe que não era gente desinformada: os maiores fundos americanos, aqueles que todo o mercado considera mais espertos e agressivos, investiram muito em negócios brasileiros.

Parece o cenário típico de bolha. A euforia com o Brasil foi isso, uma bolha?

Exato. As bolhas tendem a aparecer no rastro de grandes novidades, como ocorreu no caso da internet. Há uns anos o Brasil era essa novidade, um país que colhia os frutos de vinte anos de melhorias institucionais e um eficiente produtor de commodities. Em paralelo à bolha Brasil — e totalmente conectada a ela —, desenvolveu-se outra, a do Eike Batista. Eike surgiu como exemplo de sucesso que muitos políticos exploraram em proveito próprio e despertou grande interesse da imprensa, dois sinais comuns na formação de bolhas.

O governo não demorou demais a deixar de financiar "campeões nacionais" como o Império X de Eike Batista?

Só posso atribuir tamanha insistência a uma questão ideológica. Felizmente, os dogmas do atraso vão aos poucos caindo. Houve um tempo em que até investir em educação era visto como coisa neoliberal. Não é mais. O triste é que abandonar determinadas premissas demora, e a lentidão tem seu preço. Nos trinta anos que levamos para entender a importância dos investimentos na escola, outros países deram grandes saltos. É uma competição dura, global, que não perdoa a inação. Se tivéssemos sido mais rápidos, estaríamos em outro patamar. Fenômenos como a bolha Eike vão e vêm e os mercados não aprendem. Mas nem todas as bolhas são completamente destrutivas. Elas podem deixar algum substrato positivo. No caso do Brasil, ficou um legado.

Que legado é esse?

O país precisa de portos, de ferrovias, e o fato de uma quantia razoável de dinheiro barato ter sido alocada em projetos nesses setores ainda virá a ter efeitos positivos. É uma pena que, por falta de um ambiente regulatório mais adequado, tenhamos perdido uma ótima chance de aproveitar melhor a onda de expectativas positivas sobre o Brasil. Mas, reforço aqui, considero exagerada a atual onda de pessimismo.

Onde está o exagero do pessimismo com o Brasil?

Não devemos subestimar a existência no Brasil de um empresariado eficiente, que compra e transforma companhias no exterior. O Brasil tem marcas já fortes e reconhecidas, como InBev, Natura e Havaianas, e é capaz de promover inovação em larga escala. Precisamos disseminar essa cultura e ganhar eficiência, produzindo cada vez mais com o mesmo número de braços. Produtividade é o nome do jogo, a força propulsora das economias que mais cresceram no mundo. Desde 1989, os Estados Unidos aumentaram a produtividade em 12%, a China, em mais de 50%, a Coreia do Sul, em 65%. E o Brasil praticamente não saiu do lugar, o que é imperdoável.

O que funciona mesmo quando o objetivo é aumentar a produtividade?

Antes de tudo, reproduzir em larga escala iniciativas já testadas com sucesso, dentro e fora do país. No Brasil, o melhor exemplo vem da agricultura, que experimentou ganhos notáveis de eficiência nas últimas décadas. Isso se deve, em grande parte, à criação da Embrapa, um centro de inovação com pessoal e estrutura capazes de obter soluções sob medida para nossas necessidades e desenvolver técnicas revolucionárias para o agronegócio. O Brasil multiplicou por quatro a produção de milho, enquanto a área cultivada caiu à metade. Conseguiu também transformar a cultura da cana em uma indústria moderna. Enfim, o campo está repleto de exemplos inovadores que devem ser copiados.

Por que é tão difícil replicar esse bom DNA em outros setores?

Precisa haver uma mudança de mentalidade. A agricultura brasileira evoluiu justamente por ser um setor menos protegido e mais competitivo. Já a indústria funciona na mão inversa. A reserva de mercado na informática fez o Brasil perder tempo precioso; a exigência de conteúdo nacional mínimo em tantos segmentos também não ajuda. São todas iniciativas protecionistas que fecham a economia ao mundo e refreiam os ganhos de produtividade. As montadoras de automóveis recebem subsídios desde que se instalaram no Brasil, nos anos 1950, e até hoje fabricam alguns dos carros mais caros do planeta. O pior é que esse protecionismo acabou fazendo com que os investimentos se concentrassem nas rodovias, também as mais caras e menos eficazes. Resultado: produzimos milho e soja mais baratos que os americanos, só que, quando o carregamento chega ao porto, a vantagem já se perdeu. O objetivo de um país não deve ser o de enriquecer alguns poucos empresários, mas a sociedade como um todo.

Vários leilões voltados para a infraestrutura fracassaram. O problema está nos investidores ou no governo brasileiro?

O maior obstáculo reside no marco regulatório. No mundo todo se fazem leilões sob um arcabouço de regras já testadas e satisfatórias, mas o Brasil insiste em inventar normas, gerando incerteza e desconfiança. O investidor tem medo de ser surpreendido por algo que fará aumentar seus custos, como já ocorreu com a energia elétrica. É bom ressaltar que, no recente leilão dos aeroportos, se viu o oposto; o governo formulou regras que estimulavam os investimentos. E eles vieram. Também pesou aí o fato de uma empreiteira ser sócia do grupo vencedor. Empreiteiras sempre selam bons negócios com governos, e isso deve ter dado certa tranquilidade aos demais parceiros.

Está em julgamento no STF a compensação aos poupadores por supostas perdas dos antigos planos econômicos. Será a maldição de que no Brasil até o passado é incerto?

Esse episódio traz lições importantes. A primeira é que medidas voluntaristas, como o Plano Collor, não só não resolvem os problemas como deixam sequelas. Planos mágicos nunca funcionam. Felizmente não vejo hoje no Brasil ninguém ensaiando nada parecido. Mas convivemos, sim, com o segundo aspecto para o qual essa discussão toda chama atenção: a morosidade do Judiciário. Passaram-se mais de duas décadas até que a questão chegasse a um julgamento definitivo. Tal demora para dirimir dúvidas que envolvem tanto dinheiro é, com certeza, um fator de risco. E risco afasta investimento.

O Brasil ocupa os últimos lugares nos rankings mundiais de inovação. Como mudar isso?

O segredo está em criar canais de comunicação entre a academia e o mercado. Temos um bom ponto de partida: 200000 pesquisadores e mais de 10 000 Ph.Ds., publicações de nível internacional e instituições como a Embrapa e o ITA. O difícil é pôr a tecnologia a serviço da sociedade de forma rápida e eficiente. Em 1999, o número de registros de patentes brasileiras nos Estados Unidos era praticamente igual ao da índia e da China: cerca de 100 por ano. Hoje, a índia registra anualmente mais de 4 000 patentes; a China, 6000; e o Brasil quase não andou. Na origem desse atraso está a eterna discussão sobre uma suposta disputa entre pesquisa teórica e pesquisa aplicada, discussão tola e contraproducente.

Como os estudantes brasileiros enviados às melhores universidades do mundo pelo programa Ciência sem Fronteiras podem ajudar a imprimir essa nova mentalidade?

Outros países experimentaram enorme progresso com iniciativas desse tipo. Os empresários bem-sucedidos de Taiwan, uma grande potência em eletrônicos, estudaram nos Estados Unidos e regressaram para fundar suas empresas. Mas não basta enviar os alunos, sentar-se e esperar que promovam uma revolução. É preciso assegurar que as universidades tenham condições de lhes oferecer bons salários, estrutura para a investigação científica e um ambiente profícuo. É necessário promover a concentração de cérebros. Reunir talentos é o maior de todos os incentivos. Durante quinze anos, viajei diariamente de Nova York a Princeton, em Nova Jersey. Fazia o trajeto de duas horas de trem com gosto, porque sabia que encontraria lá uma atmosfera intelectualmente estimulante. Em pesquisa, conta muito quem são seus colegas. Outro fator decisivo para atrair talentos é o grau de urbanização da cidade. Quem pode escolher prefere, em geral, lugares bem organizados, com baixos índices de criminalidade e alta oferta de serviços e cultura. Isso só se alcança com uma eficiente política urbana.

É o caso de Nova York?

Sim, ali estão instalados um centro financeiro, empresas de tecnologia e grandes grupos de mídia. O Google inaugurou um enorme laboratório na cidade, porque, afinal, é lá que os jovens querem morar. Isso não é fruto de uma política.

O prefeito Michael Bloomberg percebeu que faltavam boas escolas de engenharia e abriu uma concorrência internacional para escolher entre as melhores do mundo qual ganharia o terreno para se instalar na cidade. A disputa foi acirrada. Venceu a Universidade Cornell, em associação com o Instituto de Tecnologia de Israel. Iniciativas assim mostram como o Estado pode incentivar o verdadeiro avanço. (Fonte).

Eleicoes 2014: os candidatos a presidente e a economia

Revista Veja, 4/01/2014

Eleições 2014

O que pensam os presidenciáveis na área econômica 

Vinte anos após o Plano Real, a eleição presidencial no Brasil será marcada por intenso debate econômico; saiba o que pensam Dilma Rousseff, Aécio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva sobre oito diferentes temas

Talita Fernandes e Gabriel Castro
Dilma Rousseff, Eduardo Campos, Marina Silva e Aécio Neves
Dilma Rousseff, Eduardo Campos, Marina Silva e Aécio Neves(Reuters/AFP/Folhapress)
Depois de vinte anos da conquista da estabilidade com o Plano Real, a situação econômica do país deve voltar a balizar uma campanha eleitoral. Se o cenário não é tão caótico como no início da década de 1990 – com inflação galopante, falta de credibilidade e elevada dívida externa –, também não é tão otimista quanto o da época em que a presidente Dilma Rousseff assumiu o poder. Desde janeiro de 2011, a taxa de crescimento minguou de 7,5%, em 2010, para apenas 0,6%, em 2012. A inflação chegou a estourar o teto da meta em junho do ano passado, superando os 6,5% no acumulado em doze meses, e a deterioração das contas públicas preocupa diante da ameaça de um rebaixamento da nota de crédito do país pelas agências de classificação de risco.
A menos de um ano das eleições – a corrida oficial ao Palácio do Planalto começará em julho –, os potenciais candidatos de oposição ao governo Dilma Rousseff, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), o senador Aécio Neves (PSDB) e a ex-senadora Marina Silva (PSB), já afiaram seus discursos contra a chamada “nova matriz econômica”, que trouxe como consequências a perda da credibilidade fiscal e o fraco crescimento do país. Com essa nova política macroeconômica, o governo Dilma trocou rígidas metas de inflação e superávit primário por intervenção no mercado de câmbio e pela adoção de medidas que visam mascarar a inflação e melhorar as contas públicas por meio de manobras fiscais.

Nesta semana, uma reportagem publicada pela revista inglesa The Economist apontou que o cenário econômico terá peso fundamental na disputa pelo Planalto. "A criação de empregos e o crescimento dos salários agora estão esfriando, enquanto os preços ainda estão subindo. As finanças públicas se deterioraram – e não vão ser reparadas em um ano de eleição", diz a reportagem.
O argumento da continuidade da política econômica, usado pelo PT para levar Dilma ao poder em 2010, não deverá ter o mesmo poder de convencimento: a renda já não cresce no ritmo dos últimos anos e a inflação tem diminuído o poder de compra do trabalhador. Se é verdadeiro o adágio de que a economia é quem define o resultado das eleições presidenciais, o resultado de 2014 é incerto. Diante desse cenário, os prováveis candidatos apostam ainda mais em um tom de reformas e de retomada do tripé econômico, usando o discurso que o Brasil não pode colocar em risco a custosa estabilidade econômica, conquistada há duas décadas.  
Saiba o que os potenciais candidatos pensam na área econômica.

O que Aécio Neves pensa sobre a economia

Aécio Neves é um dos tucanos que defendem de forma mais enfática as privatizações da gestão Fernando Henrique Cardoso. E a economia é a aprincipal aposta do senador mineiro para tentar vencer a corrida pelo Palácio do Planalto: o "choque de gestão" implementado por Aécio no governo de Minas Gerais ajudou a equilibrar as finanças do Estado à base do corte em gastos com funcionalismo e no aumento da eficiência estatal. O parlamentar, que conta com os conselhos do ex-ministro da Fazenda Armínio Fraga, acredita ser possível reeditar o modelo no plano federal.

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Política fiscal

O senador mineiro prega uma redução gradual na carga tributária e defende que o modelo arrecadatório seja menos complexo do que o atual. Aécio costuma enfatizar a eficiência administrativa como prioridade em uma eventual gestão do PSDB à frente do governo federal. Quando governou Minas Gerais, ele implementou uma política de contenção de gastos com servidores públicos e de corte nos cargos comissionados. Por outro lado, pouco fez para reduzir impostos.

O que Dilma Rousseff pensa sobre a economia

Dilma Rousseff é a única dos potenciais candidatos à Presidência que pode ser cobrada não apenas pelo que defende, mas também pelo que já fez enquanto ocupou o Palácio do Planalto. No caso da economia, o governo da petista pode ser definido como intervencionista, pouco afeito ao enxugamento da máquina e preocupado especialmente com a inflação e o emprego. Em 2014, a presidente terá de se esforçar para manter esses dois itens em níveis aceitáveis para não perder seu eleitorado. Entre os conselheiros de Dilma na área econômica, estão o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.

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Política Fiscal

Em 2013, o governo recorreu a manobras de contabilidade e dependeu de receitas extraordinárias para cumprir as metas de superávit. Poucos esforços, entretanto, foram feitos para uma redução efetiva da máquina pública.  Seguindo o modo petista de governar, Dilma não se incomoda com o excesso de ministérios (39) e os gastos excessivos com o funcionalismo.

O que pensa Eduardo Campos sobre economia

Eduardo Campos é economista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em suas viagens pelo Brasil tem adotado um discurso de aproximação com o empresariado e defendido a participação do capital privado em obras de infraestrutura. Como conselheiros econômicos, Campos tem o ex-secretário especial da Fazenda, Nelson Barbosa. Economistas próximos a Marina Silva, como André Lara Resende e Eduado Giannetti, ainda ensaiam um apoio ao pessebista.

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Política fiscal

O governador de Pernambuco reconhece o cenário de deterioração e diz que um aperto fiscal é inevitável em 2015. Ao longo do ano passado, o pré-candidato do PSB criticou a política de desonerações do governo, dizendo que os governos regionais – Estados e municípios – deveriam ser compensados pelas desonerações promovidas pelo governo federal, como do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No viés dos gastos públicos, Campos tem defendido o enxugamento da máquina pública e a redução do número de ministérios. Em Pernambuco, Estado que administrou desde 2006, cortou sete secretarias, medida que, segundo ele, provocou uma economia de 25 milhões de reais por ano.

O que pensa Marina Silva sobre economia

A ex-senadora é a única entre os potenciais candidatos à Presidência que não tem formação em economia. Marina Silva tem adotado uma postura ortodoxa – definição da revista britânia The Economist –, mas não deixa de lado sua posição como ambientalista. Entre seus principais conselheiros econômicos estão André Lara Resende e Eduardo Giannetti.

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Política fiscal

Marina Silva tem criticado a área econômica do governo Dilma, principalmente, devido ao abandono do chamado tripé macroeconômico, que consiste em metas rígidas para inflação e para a política fiscal e em câmbio flutuante. Marina também defende uma reducação da dívida pública, que interrrompeu sua trajetória de queda devido ao afrouxamento fiscal.

Auxilio moradia para diplomatas: um problema financeiro, politico emoral; nao existem limites?

JOANA CUNHA
DE NOVA YORK
FLÁVIA FOREQUE
DE BRASÍLIA


O Brasil paga mensalmente US$ 23 mil (R$ 54 mil) de aluguel para o embaixador Guilherme de Aguiar Patriota, número dois da missão do país na ONU, em Nova York.
O contrato do imóvel na região nobre do Upper West Side, celebrado em setembro pela Missão Permanente do Brasil na ONU, foi obtido pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
Itamaraty omite valores pagos para moradia de diplomatas em cidades estrangeiras
Em geral, diplomatas brasileiros lotados em Nova York, maior centro financeiro do mundo, recebem do governo um subsídio para habitação superior à média oferecida por empresas do setor privado na mesma cidade.
Como comparação, os benefícios de auxílio-moradia pagos por companhias privadas que designam empregados brasileiros a postos de chefia em Nova York são de US$ 7.300 por mês (R$ 17.100), se o profissional for solteiro.
O subsídio sobe para US$ 11.500 (R$ 27 mil) se o alto funcionário tiver dois ou três filhos e para US$ 17.000 (R$ 40 mil) se tiver quatro filhos.
Joana Cunha/Folhapress
Fachada do edifício onde a Missão do Brasil junto às Nações Unidas alugou um apartamento para o embaixador Guilherme Patriota
Fachada do edifício onde a Missão do Brasil junto às Nações Unidas alugou um apartamento para o embaixador Guilherme Patriota
A comparação foi feita pela Folha com base em tabela de referência da consultoria EY (antiga Ernst & Young) e utilizada por companhias dos setores de óleo e gás, bens de consumo, construção e automobilístico.
Questionada, a delegação do Brasil na ONU não informou o tamanho da família do embaixador. Mesmo na comparação com o subsídio mais alto das empresas privadas, o Itamaraty ainda paga 35% a mais de aluguel.
Coincidentemente, o diplomata é adjunto do irmão, o ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, que assumiu a chefia da representação na ONU após ser demitido do cargo no episódio da fuga do senador boliviano Roger Pinto para o Brasil.
O ex-chanceler assumiu o posto em outubro e habita a residência oficial do governo brasileiro em Manhattan.
O imóvel alugado para Guilherme Patriota está localizado na mesma rua onde mora seu irmão, mas do outro lado do Central Park.
HIERARQUIA
A diferença entre valores pagos por empresas privadas e poder público não ocorre só nos postos mais altos, mas também nos inferiores.
Enquanto o Itamaraty desembolsa mensalmente até US$ 6.600 (R$ 15.500) para a moradia de secretários, posto mais baixo na carreira, empresas privadas pagam um valor 36% menor para um empregado solteiro em cargos de entrada (US$ 4.200, ou R$ 9.800), segundo a EY.
Ainda de acordo com a consultoria, empregados do setor privado iniciantes com dois ou três filhos têm direito a US$ 5.800 (R$ 13.600) para morar.
Ao receber o benefício, o servidor do Itamaraty deve descontar 10% de seu salário para custear parte da despesa do aluguel, ainda que o valor em contrato seja inferior ao limite permitido.
Exemplo: se um segundo secretário tem salário bruto de US$ 8.791,24, um montante de US$ 879,12 é descontado todo mês para a moradia.
Assim, se o aluguel escolhido por ele for de US$ 6.835, a quantia entregue pelo governo será de US$ 5.955,88, ainda que o limite máximo seja superior.
Editoria de Arte/Folhapress
OUTRO LADO
O Itamaraty diz que os valores pagos como verba para moradia são estipulados por empresa contratada para fazer "avaliações periódicas do mercado imobiliário" das cidades onde há representação do Brasil.
Para o órgão, "os valores são condizentes com preços do mercado imobiliário local". "As diferenças cambiais devem ser levadas em consideração."
Sobre o aluguel de Guilherme Patriota, o Itamaraty diz que, "a exemplo de todos os embaixadores e cônsules que moram em imóveis alugados, a moradia do representante alterno [nº 2] em NY é residência oficial e, portanto, não é custeada por verba indenizatória [auxílio aluguel]". Em outras palavras, o prédio é considerado parte da embaixada e não obedece aos limites para outros diplomatas.

O Estado, pior que traficante - Percival Puggina

Discordo de Percival Puggina: o traficante, sempre, entrega a mercadoria contratada pelo cliente, certo? Mesmo na ilegalidade.
O Estado quase nunca entrega as "mercadorias" a que temos direito em contrapartida de nossos impostos. Mesmo na legalidade plena (o que está lonfe de ser o caso no Brasil atual).
Quem é o pior?
Paulo Roberto de Almeida 

A solução é tungar o cidadão
Percival Puggina, 1/01/2014

Esta manhã do dia 1º de janeiro de 2014 nos traz a notícia de que o Brasil fechou o ano com o impostômetro da Associação Comercial de São Paulo marcando R$ 1,7 trilhões pagos pelos brasileiros, em impostos, ao longo de 2013. Neste momento, transcorridas poucas horas do novo calendário, ele já está contabilizando uma arrecadação de R$ 3,6 bilhões. Só isso já seria uma péssima notícia. No entanto, sabemos todos: por mais que se pague imposto, sempre falta dinheiro às prefeituras, aos estados e à União. E a solução é tungar o cidadão.

            Nos últimos dias, repetiu-se a fórmula desonesta, tramposa, velhaca pela qual a receita do imposto sobre a renda e o salário de quem trabalha pode ser permanentemente aumentada sem necessidade de mexer nas alíquotas. O governo federal anunciou a correção da tabela de incidência do IR em percentual inferior ao da inflação confessada pelos medidores oficiais. Na mesma batida, a autoridade fiscal federal anunciou um aumento de seis pontos percentuais na alíquota do IOF aplicado sobre saques em moeda estrangeira no exterior. A troco de quê? Para equalizar com o valor já vigente para as compras com cartão de crédito, ora essa.  Em vez de pagarmos 0,38% passaremos a pagar 6,38%. Fica-se com a impressão de que o governo "fez justiça" - porque era injusto que uma operação pagasse menos imposto do que a outra. No entanto, como bom punguista, o governo apenas arrumou um outro bolso para enfiar a mão.

            O resultado é que, ano após ano, sob os olhos do Poder Judiciário e do Congresso Nacional, sem ninguém que nos defenda, estamos pagando mais tributo sobre a mesma renda e mais tributo sobre os mesmos bens e serviços. É a infeliz lei da nossa vida: os fatores determinantes da carga tributária nacional - gastança, privilégios, corrupção e incompetência - exigem que o poder público se dedique a tungar os cidadãos.

            Nossos tímpanos calejaram de escutar que o país vive sob um sistema econômico iníquo, que gera aberrantes desníveis de renda e concentração de riqueza. Tão repetida cantilena tem sido música ambiental para a troca de afeto e carícias entre o populismo e o esquerdismo, e não faltam devotos do Estado para apadrinharem esse casamento que promete gerar igualdade, justiça e prosperidade. De nada vale os fatos berrarem pela janela que isso é loucura. Se ouvissem a voz dos fatos compreenderiam que estão pretendendo resolver um problema através da reprodução de suas causas.

            O efeito da repetição é tão eficiente que quem escreve o que acabei de escrever passa a ser malvisto. De nada vale dizer que o problema do Brasil está no sistema político e não no sistema econômico. De nada vale afirmar que não há concentração de renda maior do que aquela promovida por um aparelho estatal que fica com 40% de tudo que a nação produz! De nada vale informar que tão brutal, perversa e inútil captação de recursos para custear a rapina aos cofres do Estado só faz travar o desenvolvimento do país.

            Mais ganancioso e perverso, só traficante. Mas a repetição dos chavões contra o setor privado produz a cegueira política sem a qual ninguém se deixaria conduzir pelo nariz para o abismo, crente de que, graças ao Estado, os pobres estão, mesmo, comendo filé mignon.

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Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Estrepolias aereas de governantes perdularios - Percival Puggina

Houve um tempo
Percival Puggina, 4/01/2014

 Verdade que era um Brasil ainda muito rural. Metade da população vivia no campo. A elite nacional tinha menos "celebridades", menores quadros e cultura superior. Havia apenas quatro brasileiros para cada dez de hoje. As capitais estaduais compunham razoáveis espaços de convivência. A tevê recém surgia e o processo de formação da cultura e das opiniões passava principalmente pela Educação, pela transmissão oral e pela leitura. O mundo acadêmico era de acesso mais restrito e assim, com menos gente, a qualidade ganhava densidade. O país ainda não fora infestado pelas pragas do relativismo moral e das drogas, e os pais zelavam pela formação do caráter dos filhos. Os religiosos tinham plena consciência de sua função no mundo. Tudo isso é verdade. Era um tempo em que não se metia a mão nos recursos públicos para uso e fins privados com a facilidade proporcionada nestes nossos dias.

            Leio, escandalizado, as notícias que chegam da Corte ao cair a primeira chuva de 2014. O destaque é dado ao uso e abuso na utilização dos jatinhos da FAB pelos ministros da nossa desatenta e estabanada "gerentona". Nos últimos seis meses de 2013, um pequeno grupo de 40 pessoas, com cargo ou hierarquia equivalente à de ministros de Estado, realizaram mais de 1,4 mil voos nessas custosas aeronaves supostamente adquiridas para atender demandas da segurança nacional. Todos os voos, informam os requisitantes, são realizados a serviço de suas pastas. Arre gente com serviço externo, que não esquenta cadeira no ministério! José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, por exemplo, realizou 80 dessas viagens em 180 dias e entra para o Guiness Book. Solicita avião a jato com a mesma sem cerimônia que a gente acena para a lotação ou chama o taxi. Imagino o desagrado com que oficiais da FAB assumem o papel de mordomos das regalias aeronáuticas brasilienses. Por outro lado, a revoada dos ministros de Dilma evidencia um admirável amor ao torrão natal. Seus ministros parecem ter muito a fazer em casa e pouco em Brasília e no resto do país. Voam tais quais pássaros, sem pagar passagem nem combustível, mas reconheça-se, são generosos. Fornecem carona como se fossem caminhoneiros da Força Aérea, transportando amigos e companheiros. Bem sei o quanto são desconfortáveis nossos aeroportos e aeronaves. Mas as coisas andariam melhores também nisso, se os figurões da República enfrentassem como o populacho a dura realidade dos voos domésticos brasileiros.

            Então, como eu dizia, houve um tempo em que as coisas não eram assim. Ministros e secretários de Estado viajavam em estradas de pó e barro, nas "carroças" definidas como tais por Collor de Mello. Hospedavam-se em casas de amigos. A verba era curta para todos e as diárias não cobriam as despesas. O governador Peracchi Barcellos, que usava um velho Aero Willys quando já circulavam nas ruas os veículos mais luxuosos da época, os cobiçados Ford Galaxie, demitiu um membro do governo que lhe pediu autorização para adquirir um deles. Era diferente a mentalidade dos governantes daquele tempo, como demonstra a conhecida recusa do presidente João Figueiredo quando outro João, o Havelange, lhe propôs realizar uma Copa do Mundo no Brasil: "Você conhece uma favela do Rio? Você já viu a seca do Nordeste? Você acha que eu vou gastar dinheiro em estádio de futebol?"

            O país mudou. E em vários sentidos não mudou para melhor. O povo até gosta dessas ostentações (quem muito gasta, supostamente muito pode dar). Mas a revoada de jatinhos da FAB levando ministros para lá e para cá bem que podia, ao menos, se expressar em qualidade de gestão, em rigorosa fiscalização dos demais gastos, em menos corrupção e menor uso de recursos públicos com finalidade estritamente pessoal, política e eleitoral. Ganhar eleição assim, não tem graça. Nem mérito.
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Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

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