terça-feira, 28 de novembro de 2023

Venezuela-Guiana: GRAVE CRISE REGIONAL - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Venezuela-Guiana


GRAVE CRISE REGIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/11/2023

No próximo domingo, será realizado referendum, convocado pelo governo da Venezuela sobre a incorporação de 74% do território da Guiana. Com previsível resultado favorável para criar a província do Esequibo, a decisão estimulou uma crise externa para mostrar a força do governo, abalada com o apoio maciço da população `a previa de oposição para a escolha do candidato contra Maduro nas eleições presidenciais de 2024. Maduro, que está sob pressão internacional para participar de eleições livres, reiterou seu interesse no diálogo e no respeito do direito histórico do povo venezuelano, enquanto o governo de Georgtown reafirmou que a área contestada pertence a Guiana por herança e séculos de luta e que Caracas quer rejeitar a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e antecipar um julgamento futuro, minando a autoridade da CIJ.
Ao contrário das fronteiras entre as possessões espanholas e portuguesas, definidas nos Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), os limites entre espanhóis e holandeses no Norte da América do Sul permaneceram indefinidos, situação que herdaram Venezuela e Grã-Bretanha. Durante o século XIX e XX continuou a disputa com gestões junto a Londres e Washington, negociações e juízos arbitrais. Mais recentemente, a partir de 2015, a ONU passou a tratar dessa questão e em 2018 a Guiana pediu para a CIJ declarar a validade do Acordo Arbitral de 1899, cujo laudo favoreceu a Guiana, definindo uma linha que incluiu território brasileiro, objeto de decisão do Rei da Itália, contestado pelo Brasil. Por isso, a Venezuela decidiu rejeitar a competência da CIJ. Em 2020, a CIJ declarou-se competente para tratar da questão. A decisão da Corte ainda pendente, ganha importância pela convocação do referido referendum.
A antiga controvérsia entre a Venezuela e a Guiana é hoje, a maior ameaça a estabilidade regional. A ameaça `a integridade territorial da Guiana introduz um elemento de incerteza nos países anglófonos do Caribe, na Colômbia, em razão da controvérsia entre os dois países para a definição de limites na região do Golfo da Venezuela, e com os EUA, em atrito com Caracas nos últimos 40 anos e com quem Maduro acaba de negociar um acordo para a suspensão das sanções econômicas, com a promessa de transparência das eleições presidências de 2024. A questão pode desestabilizar região sensível para a segurança brasileira em termos de atividades ilegais, como narcotráfico, tráfico de armas e imigração. Para a Guiana é uma questão existencial, pois significaria a perda de cerca de 2/3 de seu território e de área importante de zona marítima adjacente, onde vivem cerca de 300 mil habitantes, do total de um país que tem 800 mil habitantes. É a região mais rica em minérios, inclusive ouro, recursos florestais, agricultura, pesca e potencialmente muito promissora quanto a petróleo e gás. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, em encontro como o presidente Lula, em Brasília, no início do mês, solicitou ao Brasil que faça gestões junto a Maduro para impedir a invasão.
É do interesse de todos os países da região, sobretudo do Brasil, que a controvérsia continue a ser discutida no âmbito político e jurídico. O Brasil tem fronteira com os dois países, que historicamente são consideradas legitimamente definidas e demarcadas. O governo Lula normalizou as relações com a Venezuela, com a designação de embaixadora para Caracas, e mantém igualmente relação próxima com a Guiana. Com ambos os países será importante continuar a tratar de temas de interesse comuns, como imigração, repressão a delitos transnacionais, meio ambiente, integração física e energética. Ao Brasil não interessa, por razões históricas e diplomáticas, que se abra uma nova etapa de revisionismo fronteiriço na América do Sul. A segurança jurídica derivada pela aplicação dos tratados e decisões arbitrais é parte da consolidação de um ambiente de paz e entendimento na região, `as voltas com problemas econômicos e social.
No governo Lula, a América do Sul é uma das prioridades da política externa. Por diferentes razões, o Brasil pode e deve exercer uma influência moderadora e construtiva junto aos dois países para que encaminhem soluções que não perturbem a ordem regional. Por meio de sua diplomacia, o Brasil está atuando para uma solução pacífica na disputa pela área de Esequibo. Defendendo uma solução negociada para a controvérsia, o Itamaraty está reiterando o compromisso de todos com a consolidação de uma Zona de Paz e Cooperação entre os Estados americanos. O assunto, neste mês, foi tratado na reunião de Ministros do Exterior e da Defesa da América do Sul, em gestões da Chancelaria junto aos dois governos, e aos demais países da região, em especial a Colômbia, e na visita do Assessor Internacional de Lula a Caracas.
Na prática, dificilmente a Venezuela poderá incorporar pela força parte do território vizinho da Guiana. Os EUA enviaram missão a Georgetown na semana passada. Uma improvável invasão da Guiana teria implicações geopolíticas graves. Os EUA se envolveriam e poderiam instalar uma base militar na Amazônia, em apoio `as empresas americanas que exploram petróleo offshore na Guiana.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Homenagem do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) a Alberto da Costa e Silva, diplomata, poeta, ensaísta, memorialista e historiador brasileiro.

 O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) manifesta profundo pesar pelo falecimento do diplomata, poeta, ensaísta, memorialista e historiador brasileiro, Alberto da Costa e Silva. 

Reconhecido como um dos mais proeminentes intelectuais do país, Alberto era membro da Academia Brasileira de Letras e dedicou-se intensamente ao estudo da cultura e história africanas, tendo atuado como embaixador do Brasil por quatro anos na Nigéria e no Benim. Sua contribuição para o entendimento e apreciação da herança africana é um legado que perdurará através de suas obras e realizações.

Alberto teve uma longa e relevante carreira diplomática, atuando como embaixador em Portugal (1986-1990), na Colômbia (1990-1993) e no Paraguai (1993-1995). Além disso, ocupou o cargo de Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores entre 1995 e 1998.

Alberto deixou um vasto legado literário, composto por quase 40 livros, abrangendo poesia, ensaios, memórias e história e foi um intelectual engajado com as questões contemporâneas. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000 e atuou como seu presidente em 2002 e 2003. Sua notável carreira acadêmica e seus estudos sobre a história africana culminaram em 2014 com o Prêmio Camões, o mais prestigiado reconhecimento literário em língua portuguesa.

Recentemente, um artigo sobre Alberto da Costa e Silva foi publicado na 6ª edição da CEBRI-Revista, com seção especial dedicada ao continente africano. Nele, a autora Marina de Mello e Souza ressalta a importância da obra do Embaixador para o estudo da História da África. Leia o artigo aqui.

O CEBRI transmite suas sinceras condolências à família, especialmente aos seus três filhos, Elza Maria, Antonio Francisco e Pedro Miguel, bem como aos seus sete netos e bisneta.

A partida de Alberto da Costa e Silva representa uma perda tanto para a diplomacia quanto para a cultura brasileira. Sua obra, porém, permanece viva, especialmente para as gerações futuras interessadas no estudo da África, um continente de extrema relevância para o Brasil e sua política externa.

Entrevista Everardo Maciel sobre desoneração da Folha Salarial - Ana Dubeux, Carlos Alexandre Souza (Correio Braziliense)

Everardo Maciel: "O governo erra com o veto à desoneração da folha"

O ex-secretário da Receita Federal no governo FHC critica a decisão do Planalto, defendida pela equipe econômica, de vetar a desoneração da folha de pagamento. E se diz preocupado com a política perdulária do atual governo, somada a interesses eleitoreiros.

"O retorno à forma de tributação anterior, a partir de 1º de janeiro próximo, implica aumento significativo da tributação sobre a folha de pagamentos, justamente em setores intensivos em mão de obra" - 

Ana Dubeux, Carlos Alexandre Souza

Correio Braziliense, 27/11/2023

Secretário da Receita Federal no governo de Fernando Henrique Cardoso, o pernambucano Everardo Maciel prevê tempos atribulados para a economia brasileira. Ele observa com muita reserva os movimentos do governo Lula, empenhado em aumentar a arrecadação a todo custo. Na avaliação de Everardo, hoje consultor tributário, professor e conferencista, as razões econômicas apresentadas para justificar o veto à desoneração escondem o interesse eleitoreiro de financiar projetos de visibilidade. E cita um pensamento de Norberto Bobbio para criticar a postura do governo: "Política não é tudo".

Na avaliação de Maciel, 76 anos, o atual modelo de desoneração pode ter falhas, mas é seguramente melhor do que o modelo anterior, defendida pela equipe do ministro Fernando Haddad. O ex-chefe da Receita entende como melhor solução derrubar o veto e discutir um modelo condizente com a realidade do século 21.

Quanto à reforma tributária, recém-aprovada pelo Senado e de volta à Câmara, Everardo Maciel é pessimista: prevê aumento de carga tributária, contencioso judicial e conflitos federativos. Ele espera estar errado — não se considera o dono da razão —, mas recorre a Roberto Campos para resumir o seu diagnóstico: "Não corre o risco de dar certo". Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida ao Correio.

O governo erra ou acerta quando veta a desoneração da folha a 17 setores produtivos, especialmente quando se considera essa medida afeta 9 milhões de trabalhadores, com possibilidade de gerar desemprego?

O governo erra. Há mais de 10 anos, para determinados setores — hoje, são 17 —, procedeu-se à mudança da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais, substituindo a folha de salário pelo faturamento. Não houve, portanto, desoneração no sentido estrito, mas mudança de base de cálculo. O retorno à forma de tributação anterior, a partir de 1º de janeiro próximo, implica aumento significativo da tributação sobre a folha de pagamentos, justamente em setores intensivos em mão de obra.

Qual a razão disso?

A verdadeira motivação do veto é aumentar a arrecadação para financiar projetos que não necessariamente importam para o desenvolvimento. Seria, além disso, ingenuidade dissociar essa motivação das eleições municipais do próximo ano. Pondero que não entendo como ilegítima a pretensão de buscar repercussão eleitoral por meio de políticas públicas. Quando, todavia, se recorre a aumento de arrecadação e se abdica de cortar gastos perdulários, que desafortunadamente são expressivos no Brasil, essa legitimidade desaparece. O grande pensador italiano Norberto Bobbio, em Elogio da Serenidade, ensinava: "Política não é tudo. A ideia de que tudo seja política é simplesmente monstruosa".

O ministro Fernando Haddad prometeu compensações para o fim da desoneração, mas só depois de concluída a reforma tributária. É possível?

Primeiro, é preciso dizer que o modelo de financiamento da previdência social por meio da tributação de folha de salários é tendente ao fracasso absoluto, pois há aumento da expectativa de vida, redução da natalidade e substituição da mão de obra por robôs, inteligência artificial e tudo o mais que se associa à revolução tecnológica, que assumiu caráter permanente. Não se trata de fenômeno local, mas universal. A mudança de base de cálculo operada há mais de 10 anos é consistente com essa realidade, cada vez mais robusta. Não afirmo que a mudança para o faturamento seja a melhor solução, porém, no caso específico, é melhor que a regra anterior. Ninguém no mundo tem uma solução pronta e acabada para um novo modelo de financiamento da previdência social. Creio, entretanto, que há um razoável consenso que o velho modelo tende à falência.

E quanto às compensações?

Quanto à promessa de compensação para as consequências do veto, entendo que é uma manobra claramente protelatória ou uma tática diversionista para acolher a derrubada do veto e, aí sim, "compensar" esse gesto, aparentemente generoso, com outras medidas visando, outra vez, a aumentar a tributação. O que entendo ser razoável: derruba-se o veto e, então, se discute uma nova regra que afaste a incidência sobre o faturamento.

O deficit das contas públicas para 2023 está bem acima do previsto, na casa dos R$ 177 bilhões. E o governo já fala em dificuldades para zerar o deficit em 2024. O governo Lula abusou dos gastos ou fez a conta errada?

O atual governo tem vocação claramente expansionista em relação ao gasto público, o que resulta na combinação da indisposição para eliminar os gastos, repito, perdulários com a voracidade para aumentar os gastos, perdulários ou não. Não faz tempo, ouvimos de uma autoridade governamental uma pérola da desrazão: "Gasto é vida". Montar uma política fiscal com base em metas é apostar no acaso. Metas são necessárias como parâmetros para avaliar a execução de políticas setoriais de gastos. Se essas políticas inexistem e de fato não existem, só restam duas possibilidades: recorrer-se à tosca ferramenta do contingenciamento ou pedir perdão, com razoável frequência, caso as metas não sejam cumpridas.

A poucas semanas do recesso parlamentar, há uma lista de questões delicadas em pauta. Elas podem atrapalhar os planos da economia em 2024?

Sim, podem atrapalhar a economia, especialmente, lamento dizer, se algumas delas prosperarem. O descontrole fiscal, a corrupção sistêmica, a instabilidade institucional e, a não menos importante, insegurança jurídica são questões que integram a agenda política nacional. A Argentina é hoje um exemplo extremo dessa terrível patologia social. Talvez, tivéssemos na mesma condição do país vizinho não fossem o Plano Real e as medidas a ele associadas, cuja capacidade de resistência às investidas populistas é admirável. O perigo, contudo, nos espreita.

A reforma tributária voltou para a Câmara e ainda terá um longo período de regulamentação. Qual sua expectativa?

Em minhas entrevistas, artigos e conferências, sempre apontei a impropriedade da solução da PEC 45 e suas variantes. Espero estar errado, afinal não tenho a arrogância dos que pretendem deter o monopólio das verdades absolutas, porém antevejo aumento da carga tributária, do contencioso judicial e dos conflitos federativos. Isso, como dizia Roberto Campos: "Não corre o risco de dar certo". Claro que temos problemas tributários, a maior parte deles resolvível por soluções relativamente simples. Para resolvê-los, todavia, não precisávamos montar uma geringonça.

Na COP28, o Cerrado e o Pantanal brasileiros estarão em evidência. Como o senhor enxerga as querelas sobre questão climática no Brasil?

O Brasil dispõe de um potencial não desprezível de recursos para enfrentar as mudanças climáticas, a exemplo do que existe nos biomas da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado. O que precisamos é equilibrar a utilização desses recursos, à margem dos radicalismos conservacionistas e predadores. Estamos longe de produzir um protocolo para a preservação do meio ambiente, inclusive o urbano, que possa assumir protagonismo em termos internacionais.

O Brasil terá sossego nos próximos anos?

Infelizmente, no meu entender, não.


Simples regras para a boa qualidade da escola - Claudio de Moura Castro

 Simples regras para a boa qualidade da escola

 

Claudio de Moura Castro

 

 (,,,)

[Na] educação [o] segredo da qualidade é a religiosa atenção a todos os detalhes. E são muitos. É o feijão com arroz feito com obstinação. Não necessitamos teorias novas, complicadas ou miraculosas. Boa educação pode acontecer sem tecnologias revolucionárias na sala de aula. Mas é óbvio, cumpre corrigir os erros mais egrégios.

 

Para começar, sem gestão competente, nada de bom vai acontecer. O solo do pianista Nelson Freire encanta seu público, do primeiro ao último minuto. Mas se os carregadores do seu piano não se entenderem, brucutu, se vai para o chão! Se são muitos para a missão, é preciso coordenar. Portanto, gestão é essencial. Sem lideres capazes de comandar e boas regras instaladas, não há como produzir um bom ensino.

 

Uma escola precisa definir suas prioridades – poucas. E não pode ficar saltitando de uma para a outra. Todos têm que conhecê-las bem e embarcar nelas de corpo e alma. Essas são as primeiras regras da gestão. Não há boas escolas que não as pratiquem.

 

diretor é um elo crítico. É o comandante do barco, velando para que todos remem na mesma direção. Nas escolas bem dirigidas, as decisões fluem e o astral é bom. Porém, as escolas públicas carecem dos instrumentos para assegurar a boa marcha. Não podem punir e ou recompensar. Não escolhem os professores e nem podem se livrar dos fracos. Suas armas são apenas carisma e capacidade de sedução. É pedir demais deles.

 

Não fosse o bastante, os diretores são escolhidos pelos piores métodos. Ou são indicações políticas, passando longe dos melhores candidatos ou são eleições que politizam a escola e reduzem sua autonomia, tolhidas nas promessas de campanha. Não obstante, há hoje melhores métodos de escolha.

 

Sua Excelência, o professor. Em suas mãos acontece – ou não acontece – a boa educação. Infelizmente, sua preparação é equivocada. Nem aprendem o que vão ensinar e nem aprendem a dar aula. Talvez a maior prioridade hoje seja revolucionar a sua formação. 

 

E. Hanushek estimou que os alunos de um professor muito ruim ficam meio ano para trás. E os de um muito bom ganham um ano e meio. Ou seja, se trocarmos um muito ruim por um muito bom, o aluno ganha dois anos! Nada teria impacto comparável.

 

Porém, selecionamos mal. Tirar boa nota no concurso em nada contribui para sua eficácia. Diplomas de mestrado ou doutorado tampouco. Só se revela sua aptidão quando é testado em uma sala de aula de verdade. Daí que a seleção deveria ser após um estágio. 

 

Pior, a carreira não é atraente e charmosa. Os salários iniciais são baixos, atraindo poucos dentre os mais talentosos. Pior, a estabilidade garante que, por décadas, péssimos professores estarão na sala de aula. Some-se a isso regras lenientes para o absenteísmo. 

 

A avaliação é o GPS da educação. Se não sabemos se o ensino é bom, se melhorou ou piorou, como pilotar essa nave chamada escola? Hoje temos bons sistemas de avaliação – ainda que insuficientemente usados. Mas como o professor não aprendeu a fazer provas inteligentes, é fraquinha a avaliação pelas notas. Premia-se o decoreba.

 

Formal ou informalmente, qualquer empregado é avaliado ao longo da carreira. E o voto avalia os políticos. Os bons, avançam. Os trôpegos vão ficando para trás. Os professores da rede privada são informalmente avaliados pelos donos das escolas. Por que os sindicatos acham que a única classe que não pode ser avaliada é a dos professores da rede pública? 

 

Há uma ciência e uma arte de dar aulas. Faz um século, concebeu-se uma revolução na sala de aula. E de meio século para cá, tudo isso foi testado, através de pesquisas sérias. Por que a maioria das escolas ignora esse legado e segue usando métodos que vem da Idade Média?

 

Por exemplo, hoje sabemos: mais ênfase nas habilidades básicas (ensinar menos para aprender mais) O aluno aprende mais quando a aula é ativa. Só se aprende quando se aplica. Com bagunça não se aprende. 

 

Por que os erros não são corrigidos? Dentre observadores mais qualificados e serenos, há amplo acordo com relação ao que foi dito acima. Mas quase nada muda. Para obter os módicos avanços que conseguimos, ainda dependemos de líderes heroicos e obstinados. Nos países de boa educação, poucos conhecem o nome do Ministro.

 

Demos grandes saltos no passado recente, quando faltava tudo. Agora, a qualidade depende de medidas que pisam nos calos de muitos: mais esforço, mudanças penosas e, por aí afora. Para vencer tais resistências, é necessário que a sociedade exija impiedosamente uma educação de qualidade. Infelizmente, isso ainda não acontece. Toleramos a mediocridade. Por isso, temos uma educação medíocre.

 

 

Vidas Paralelas na educação brasileira: Cláudio Moura Castro e Simon Schwatzman

 Cláudio Moura Castro: 

A pedido de um periódico internacional de educação, preparei um artigo revendo a minha carreira profissional. Meio embaraçoso se auto-elogiar e, pior ainda, fazer meu culpa. Fiz o melhor que pude. Aí está

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0738059323001918?fr=RR-2&ref=pdf_download&rr=82c6ea28df43628f

The many incarnations of a curious researcher

The author describes his early interests, meandering from areas such as woodworking, electronics, economics, and education. Not surprisingly, his career also takes many kinks and detours. From a researcher in a government think tank he moves to coordinate a joint research in ten Latin American countries. He then becomes the head of the Brazilian agency in charge of masters and doctoral programs (and scholarships). From there, he leads the social policy unit of the Planning Ministry. At the ILO, he directs a group devoted to vocational training policies. Then comes the World Bank and the Interamerican Development Bank (where he became Chief Educational Advisor). Returning to Brazil, he designs a new college and then joins another large proprietary institution. Next project is to rescue a failing medical school. In this zigzagging trek, with successes and failures, there are some constants: curiosity, research and collisions with the bureaucracy.

Section snippets

Youth decisions: tools or books?

Some people find out early what they want to do in their professional life and plan their future. I am not one of them. Sometimes I thought I knew what I wanted to do. But then changed my mind. In most cases, things just happened.

Some dreams were volatile, but curiosity never abandoned me.

My first passion was tools. Recently, I found my picture, less than five years old, sitting on a bed, surrounded by tools. From this addiction I could never recover. I was less than ten years when I got my

A zigzagging educational trajectory

Initially, becoming an engineer was the obvious career choice. However, as the eldest grandson of one of the firm’s proprietors, I was in line to become an executive. Hence, why study engineering and not business? In fact, what I liked was the shop and manual work, not engineering, with its threatening mathematics.

In the event, I enrolled in a Business School in Belo Horizonte (Minas Gerais). I found management studies down to earth and concrete, but not too exciting. In contrast, Economics

A college lifts itself by its bootstraps

My undergraduate program was, in itself, an educational adventure. In Belo Horizonte, a mediocre bookkeeping school was suddenly merged with the Federal University of Minas Gerais. What happened afterwards is a unique case of an old-fashioned and mediocre school transforming itself into the premier program in Economics.

After the merger, an inspired Director created a first-class library and selected the best freshmen to scholarships, under which they were assigned small offices, to remain all

“Mr. Castro, you read too much and understand too little”

While attending the succession of American universities, my ego suffered a major blow. The first time I was shown a syllabus, my gut and arrogant reaction was: “I have already studied all that”. It took me a long time to discover - the hard way - that "studying" is not "learning". I consider this sobering epiphany as the most powerful impact of graduate schools in my intellectual development.

Nicholas Georgescu-Roegen was the most inspiring and brutal professor in the department, but he was also 

First job: a researcher fearing to become a manager

The recently created IPEA became the prestigious research branch of the Planning Ministry. There, many of the “young turks,” returning with their shiny new masters and Ph.Ds., created a critical mass in the abrupt modernization of the federal government. This happened during the military government, when the “technocrats” had ample political power to do what they thought was right.

It was an ideal setting for policy research. Being so close to the upper echelons of the government, it offered

Managing education research in Latin America during its inchoate stages

ECIEL was a Latin American consortium for comparative economic research, attached to the Brookings Institute. When the decision came to move it to Brazil, I was retained as a consultant to develop a new project in education - in ten countries. Afterwards, I became the coordinator of this project.

It was a bumpy adventure, given the lack of scientific maturity of the region in such matters. Education research in countries such as Argentina, Chile, and Colombia had already matured. Dealing with

Teaching in the first masters’ programs

In the seventies, the first master’s programs were created in Brazil. They lasted two years, plus the thesis period. Soon after, I started teaching at the Vargas Foundation and the Catholic University, both in Rio de Janeiro. From an initial beginning in Economics, I switched to the recently created education programs.

In the ultra-soft environment of educators, a firebrand economist in their milieu was somewhat upsetting. I was accepted and even welcomed, but in ten years, never invited to a

Scholarships, evaluation and crisis in graduate schools

CAPES is an agency of the Ministry of Education in charge of allocating thousands of scholarships and the coordination of all graduate schools in the country. As it happened, it was the best performing branch of this ministry.

With the change of government, I was invited to be its general director. In my previous research, I was impressed by how inane the decisions of the Ministry of Education were. Therefore, I decided on an almost suicidal experiment: to accept the position, do what I thought

Social policies at the Planning Ministry: can success lead to extinction?

When IPEA was created, as an adjunct institution to the Ministry of Planning, another one was also created to deal with social policies - its acronym was CNRH. It attracted a serious and motivated staff – an uncommon case in public service.

My colleagues from Planning had asked me for a name to direct CNRH. I obliged, suggesting a recently graduated Ph.D. Unfortunately, my suggestion was accepted and he became a most inept chief, clashing with all the technical staff. This created a major

Bullying a well-behaved group of bureaucrat-researchers

With my dissertation, I began a long sequence of studies on vocational training. For that reason, some researchers from the ILO, working in this field, knew me. An invitation came, to lead its policy unit, around a dozen officers strong.

This was a serious and hard-working group, inured to the bureaucratic styles of the house. Reflecting its location in Switzerland, the ILO is dead serious in whatever it does. Watching the group, I saw as my role to spice up the atmosphere, promote more

The collision of dogma, expediency and bureaucracy in the World Bank

The more uncomfortable my situation became at the ILO, the more I explored the possibilities of a move. As I found out, job mobility in Europe works at a snail’s pace. But I had frequent contacts with the education and training staff of the World Bank. Hence, it was the obvious choice. But where in the Bank? Latin America was already trodden territory. Africa had proven to be quite frustrating. But I was offered a position to deal with the Arab World and the crumbling Soviet Union. As an extra

The IDB, a more simpático version of the WB

After six years at the World Bank, I was invited to migrate to the Interamerican Development Bank. Historically, the World Bank was created to rescue Europe after the Second World War. The IDB was born during the Cold War and the Alliance for Progress. Of course, the IDB had much to learn from its older brother. Therefore, formally, they are very similar. In fact, strictly speaking, they are not banks, but credit unions, in which the members are governments (represented by their Finance

The design, implementation, collapse, and rebirth of a college

Pitágoras began as a cram school to prepare students for the entrance exams. It was created fifty years ago by four engineers and a biochemist (presently, only three remain). Since it was a great success, the next move was to create a high-end K-12 school. Another success. Not much later, like a few other competitors, it began preparing textbooks, complementary materials, and tutoring for teachers from other private schools. This initiative can be described as a “soft franchise.” By the end of

When a great leader creates a school

Very soon after quitting Pitágoras, I joined Positivo. As it turns out, it had a similar trajectory. Coincidence? No so much, since both were aggressive and open-minded institutions, they fit my profile.

Forty years ago, five people created a cram school program in Curitiba. With the success of the initiative, they added a K-12 school and then a university. In due time, they also created a quasi-franchise to sell services to private and public schools – akin to that of Pitágoras. The ensemble of 

FASEH medical school: from near bankruptcy to victory

A highly respected ophthalmologist from Belo Horizonte purchased a proprietary medical school in a town nearby. It was then on the brink of being closed by the Ministry of Education. Considering that such schools are highly profitable, it takes tremendous incompetence to go bankrupt.

It is very difficult to obtain the authorization to open medical schools – this is why they are so profitable. Given that, locating it in an underserved location facilitates the approval. These rules are a mix of

A final balance sheet

Best of all, my career is not over yet. I still have plenty of energy for a wide range of activities. My professional life continues, a bit less strenuous than before. Fortunately, I am working on some interesting projects.

Conceiving a project, developing the details, and planning implementation, in themselves, are very exciting activities. Even if the initiative comes to nothing, the road offers plenty of rewards. Therefore, in tallying failures and successes, from the point of view of my...

=======

Simon Schwatsman: 

A pedido da International Review of Educational Development, escrevi um pequeno ensaio refletindo sobre minha experiência de participação em estudos e elaboração de propostas de políticas públicas nas áreas de ciência, tecnologia e educação. Como é para um público internacional, achei que deveria também descrever o contexto destas experiências, desde meus tempos de faculdade em Minas Gerais na década de 60. O artigo se chama “Lighting a candle” – acendendo uma vela – e o texto, em inglês,  está disponível aqui.

está disponível aqui

Eu concluo dizendo que não tenho certeza de ter tido sempre razão nas políticas que propus e nas ideias que defendi ao longo destes anos. O certo é que minhas proposições quase sempre ficavam em minoria. Minha explicação é que a escolha e implementação de políticas públicas é determinada sobretudo por uma combinação de inércia e preservação de interesses estabelecidos, e não pelo mérito das propostas, força dos argumentos ou qualidade das evidências. Pelas decisões feitas e não feitas, o Brasil tem um sistema educativo caro, inchado, ineficiente e muito resistente a buscar alternativas que poderiam levar a bons resultados se fossem postas em prática. Tomara que as coisas melhorem no futuro, o que compensaria ter passado tantos anos segurando uma vela acesa e algumas vezes queimando meus dedos.


domingo, 26 de novembro de 2023

Alberto da Costa e Silva: um gigante da cultura e da historiografia africanista brasileira: homenagem


Faleceu Alberto da Costa e Silva, um grande intelectual, um grande embaixador, que tive o prazer de ter em minha banca de tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, depois publicada como Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império, cujo prefácio foi assinado por ele. Isso foi antes que ele organizasse o fabuloso livro, para o qual tentei fazer uma segunda edição, como registro nesta ficha: 

3260. “O Itamaraty na Cultura Brasileira: projeto de nova edição, ampliada”, Brasília, 7 abril 2018. Proposta de terceira edição da obra, com adição de novos nomes; nota enviada aos responsáveis pela primeira edição e aos novos colaboradores; redação de carta aos antigos colaboradores; encaminhada ao embaixador Alberto da Costa e Silva. Obra original colocada à disposição neste link da plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46849306/O_Itamaraty_na_Cultura_Brasileira_2001_).


O sumário da obra vai reproduzido abaixo: 


O Itamaraty na Cultura Brasileira - Celso Lafer, p. 15

Diplomacia e Cultura - Alberto da Costa e Silva, p. 26

Varnhagen, História e Diplomacia - Arno Wehling, p. 40

Ritmos de Uma Vida: Brazílio Itiberê da Cunha Músico e Diplomata - Celso de Tarso Pereira, p. 58

Joaquim Nabuco - Evaldo Cabral de Mello, p. 88

Pai e Filho - Sérgio Martagão Gesteira, p. 106

Aluízio Azevedo: A Literatura como Destino-  Massaud Moisés, p. 136

Domício da Gama - Alberto Venancio Filho, p. 158

Oliveira Lima e Nossa Formação - Carlos Guilherme Mota, p. 180

Gilberto Amado Além do Brilho - André Seffrin, p. 198

A Vida Breve de Ronald de Carvalho - Alexei Bueno, p. 214

Ribeiro Couto, o Poeta do Exílio - Afonso Arinos, filho, p.  232

Viagem a Beira de Bopp - Antonio Carlos Secchin, p. 252

Guimarães Rosa, Viajante - Felipe Fortuna, p. 270

Antônio Houaiss, A Cultura Brasileira e a Língua Portuguesa - Leodegário A. de Azevedo Filho, p. 288

Vinícius de Moraes O Poeta da Proximidade - Miguel Sanches Neto, p. 302

Poeta e Diplomata, na Música Popular - Ricardo Cravo Albin, p. 316

João Cabral, Um Mestre sem Herdeiros - Ivan Junqueira, p. 336

O Fenômeno Merquior - José Mario Pereira, p. 360

Os Autores, p. 380


Sua introdução, Diplomacia e cultura, é primorosa, e tomei agora o cuidado de colocá-la à disposição dos interessados neste link abaixo, embora já esteja incluída na obra completa, linkada acima: 


https://www.academia.edu/109893965/Diplomacia_e_Cultura_Alberto_da_Costa_e_Silva_2001_


Minhas homenagens a ele e a toda a sua família. Meu preito de gratidão por todo o trabalho intelectual que ele conduziu paralelamente a uma carreira brilhante.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 de novembro de 2023

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 O mais recente trabalho publicado: 

4511. “Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula”, Brasília, 16 novembro 2023, 3 p. Artigo para a revista Crusoé; publicado em 24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/). Relação de Publicados n. 1533.


Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé (24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/).

  

Países evoluem, geralmente no caminho do desenvolvimento econômico e social, da democracia representativa e das liberdades individuais. Nem todos eles: alguns conhecem ditaduras e mesmo totalitarismo, como a Alemanha de Weimar, nos anos 1930-40, enquanto outros passam por involução econômica e retrocessos sociais, e temos exemplos disso aqui mesmo, bem pertinho. As pessoas geralmente também vão mudando ao longo dos anos, do voluntarismo e do radicalismo juvenil para posturas mais sensatas, talvez conservadoras, com a idade madura, a família, filhos e netos, a percepção da complexidade social, enfim.

Espera-se que essa seja, por exemplo, a típica transição dos políticos profissionais, desde as posições extremadas do começo de carreira para uma convergência com posturas mais conciliadoras com outras forças e movimentos partidários. Nem sempre, todavia, é assim. Alguns acentuam velhos hábitos, outros aprofundam comportamentos sectários e certo radicalismo tardio, muitas vezes anacrônico. Isso parece ter ocorrido com Lula, a despeito de uma notável continuidade nas características básicas: o populismo, a modulação do discurso para cada plateia, as alianças preferenciais dentro do mesmo, velho, espectro partidário. Tais características são especialmente válidas no campo da diplomacia e da política externa. 

Cabe aqui uma constatação inicial, visível desde o início do seu terceiro mandato: a diplomacia basicamente pessoal de Lula vem convertendo-se no principal problema para a diplomacia profissional do Itamaraty, que se esforça para manter um razoável equilíbrio nas relações com os principais parceiros externos. O personalismo do chefe da diplomacia tendeu a se reforçar no período recente, comparativamente aos dois primeiros mandatos. Na verdade, a diplomacia lulopetista foi exacerbadamente pessoal, em todos eles, mas ela acentuou o personalismo desde a campanha presidencial de 2022, levando ao exagero a própria noção de diplomacia presidencial. Vamos às evidências da mudança.

(...)

Lula carece de preparação adequada para manejar a complexidade de uma diplomacia atuando em múltiplas frentes como é a do Brasil. Entre intromissões indevidas e omissões não justificadas, ele está destruindo sua reputação de estadista, assim como a credibilidade conquistada pela diplomacia ao longo de muitas décadas de construção de uma autonomia reconhecida por todos. A bizarra expansão do Brics conduzida por duas grandes autocracias e endossadas pela diplomacia personalíssima de Lula ameaça fissurar o edifício desenhado por Rio Branco e Rui Barbosa, defendido em anos sombrios pela coragem de um Oswaldo Aranha e confirmado no plano dos conceitos jurídicos por um intelectual da estatura de San Tiago Dantas. Lula 3 escolheu uma trajetória política que afasta a diplomacia nacional das concepções centrais dos grandes nomes de sua política externa. Até quando?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4511, 16 novembro 2023, 3 p.

 

Ler a íntegra no site da revista Crusoé (24/11/2023

link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...