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quinta-feira, 14 de julho de 2016

Rui Barbosa e o direito internacional - Sergio E. M. Lima, Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

Mais recente artigo publicado, pequeno, mas simbólico, pois hoje se comemora, justamente, além da queda da Bastilha -- que é um episódio menor da vida internacional --, os cem anos do famoso discurso de Rui Barbosa na Faculdade de Direito de Buenos Aires, em 14 de julho de 1916, quando ele condena a violação da neutralidade da Bélgica pelo Império alemão.
Paulo Roberto de Almeida


Rui Barbosa e o direito internacional

Sérgio Eduardo Moreira Lima
Paulo Roberto de Almeida
Correio Braziliense, 14/07/2016
  
            Há cem anos, quando a Argentina comemorou o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa como seu representante nos festejos. Além de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a palestrar na Faculdade de Direito de Buenos Aires, ali pronunciando uma das mais importantes alocuções da história do direito internacional no Brasil. Dada a contribuição de suas reflexões para a construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação de valores e princípios da diplomacia defendida pelo Itamaraty, vale relembrar alguns conceitos fundamentais dessa conferência, ainda válidos em nossos dias.
            Em 1983 a Casa de Rui Barbosa publicou o texto definitivo, traduzido do espanhol, dessa palestra, “Os Conceitos Modernos do Direito Internacional”, durante muito tempo denominada como “O Dever dos Neutros”. Rui já era conhecido na Argentina, onde vivera entre 1893 e 1894, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano por sua posição em defesa dos revoltosos da Armada. Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário independentista argentino – iniciado em 1806, avançando em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclamou a autonomia do país em face da Espanha –, Rui Barbosa cita Juan Bautista Alberdi, que condenava, no panfleto “A Onipotência do Estado”, o culto ao Estado como “a negação da liberdade individual”.
Ele chega então ao cerne de sua exposição: a condenação formal do uso da força, representada pela violação da neutralidade da Bélgica por tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui fora o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe... com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos. (...) Não há duas morais, a doutrinária e a prática. A moral é uma só: a da consciência humana, que não vacila em discernir entre o direito e a força.”
            Essa conferência de Rui Barbosa foi relembrada pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, no exato momento em que o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o país a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e em consonância com os deveres da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou em sua volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinária iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela. 
            Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas, um dos grandes tribunos do pensamento jurídico da diplomacia brasileira, defende o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava então em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos responsáveis pela contribuição das grandes diretrizes políticas e jurídicas que hoje integram plenamente o patrimônio da diplomacia brasileira.

Sérgio Eduardo Moreira Lima, embaixador, é presidente da Fundação Alexandre de Gusmão; Paulo Roberto de Almeida é ministro da carreira diplomática e professor nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

O que aconteceu no Brasil e no mundo desde 1916 a cada dez anos terminando em 6 - Paulo Roberto de Almeida

Um século de mudanças na vida do Brasil e do mundo nos anos 6, por Paulo Roberto de Almeida

Vejamos, apenas como exercício intelectual de recapitulação improvisada, o que de importante ocorreu no Brasil e no mundo a cada década nos últimos cem anos:
1916: O Brasil de Venceslau Brás tenta superar as dificuldades criadas pelos fechamentos dos mercados para nossos produtos de exportação, em consequência da Grande Guerra que tinha tido início na Europa dois anos antes; Rui Barbosa pronuncia um importante discurso em Buenos Aires, sobre os modernos conceitos do direito internacional, no qual se refere à guerra que continuava na Europa, e que tinha se caracterizado pela violação da neutralidade belga pelo Império Alemão.
1926: Washington Luís é eleito para o governo federal, e tem como seu primeiro ministro da Fazenda Getúlio Vargas, que dá início a um novo processo de estabilização monetária baseada no padrão ouro, que vai durar até 1929. O mesmo tinha sido feito por Winston Churchill na Grã-Bretanha, no ano anterior, mas a uma taxa irrealista (a mesma de 1913, sem levar em conta a inflação do período), o que resulta numa grave recessão econômica, e numa greve geral em 1926. Keynes aproveitou o seu título de sucesso de 1919, contra as loucuras econômicas do tratado de Versalhes contra a Alemanha, para escrever, em 1925, The Economic Consequences of Mister Churchill, alertando contra a medida, que foi tomada.
1936: No Brasil começava a funcionar a Lei de Segurança Nacional, após a Intentona Comunista de novembro de 1935, e os comunistas que não foram presos, fugiram do país; vários participaram da Guerra Civil Espanhola, um ensaio geral para a grande guerra que começaria logo depois do seu término, três anos depois. Foram três anos de carnificina nos campos de batalha e de assassinatos políticos nas cidades, inclusive com a ativa de participação dos fascistas europeus (italianos e alemães) do lado de Franco, e dos comunistas pró-soviéticos do lado republicano.
1946: O mundo começa a se recuperar do mais devastador conflito militar em qualquer tempo, responsável pela morte de dezenas de milhões de pessoas, a maior parte civis inocentes e indefesos, na Europa e na Ásia; o Brasil, também ensaio uma política econômica mais liberal, mas que é seguida rapidamente por um novo estrangulamento cambial, com introdução de novas restrições às importações desde o ano seguinte. O FMI e o Banco Mundial começam a funcionar, precariamente.
1956: Início do governo otimista de Juscelino Kubitschek no Brasil, com a pretensão de obter um rápido crescimento (“cinquenta anos em cinco”) a partir de um Plano de Metas que previa tudo, menos a construção de Brasília (que deu início à aceleração do processo inflacionário no Brasil); no mundo, ocorre a crise do Canal de Suez, a partir da nacionalização do canal pelo presidente Nasser, e uma tentativa por parte das duas principais potências europeias, França e Grã-Bretanha, de retornar ao status quo ante; EUA e URSS, surpreendentemente, apoiam o Egito, o que representa o começo do fim do mundo europeu, e de sua hegemonia mundial, que durava desde alguns séculos.
1966: Brasil se encaminha para o segundo ano do regime militar, que deveria ter encaminhado, depois do golpe contra Goulart em 1964, para as eleições presidenciais de 1965, canceladas, ao mesmo tempo em que todos os partidos foram dissolvidos, e tem início um novo período de reconstrução constitucional (a partir de 1967), com eleições indiretas para os principais cargos executivos; o mundo se aproxima do fim do regime de Bretton Woods, com a acumulação de centenas de milhões de dólares em parceiros dos EUA, que não mais estariam habilitados, a partir de 1971 (mas vários antes desse prazo), a trocar a moeda papel pelo seu equivalente em ouro, como prometido pelos EUA em 1944.
1976: O Brasil luta para estabilizar sua economia, depois do primeiro choque do petróleo, que representou não apenas uma triplicação da fatura petrolífera (o país importava perto de 80% do petróleo consumido), mas também uma nova aceleração inflacionária, inclusive porque o governo militar não interrompeu custosos programas de infraestrutura e o também custoso programa do álcool combustível. O mundo keynesiano veio abaixo, com a estagflação, o que não estava previsto na teoria, e todos os países enfrentam crises fiscais e monetárias, antecipando sobre as políticas econômicas de corte liberal que começariam a partir de 1979, com Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, e com Ronald Reagan nos EUA, durante os anos 1980. A esquerda começa a abusar do termo neoliberal, um fantasma que na verdade não aconteceu em nenhum lugar do mundo.
1986: o Brasil saiu do regime militar, mas não de um regime político disfuncional e perdulário, pois o governo Sarney dá início a uma sucessão de planos fracassados de “estabilização”, que todos elevam a inflação a patamares cada vez mais elevados (enquanto o processo constitucional promete maravilhas a todos, sem se perguntar quem iria pagar pela grande ilusão das bondades distribuídas pelo Estado). O socialismo real começa a ruir na sua pátria de origem e os satélites soviéticos passam das agitações aos tremores finais: seria o fim da História, se esta não se recusasse teimosamente em ser Hegeliana.
1996: O Plano Real entra no seu segundo ano de estabilização bem sucedida no Brasil, com a inflação convergindo, pela primeira vez em séculos, para patamares mais civilizados do que os conhecidos anteriormente; mas a valorização cambial e a perda de competitividade, ademais de uma insuficiente redução dos gastos públicos (ao contrário, eles continuaram aumentando continuamente, e novos impostos são criados), prenunciam novas crises pela frente, assim que os mercados financeiros entram em pânico com insolvências no México, na Ásia e na Rússia. O mundo se prepara para a “primeira crise financeira do século XXI”, como a designou o diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus.
2006: O governo do “Nunca Antes”, iniciado três anos antes, já tinha se enrolado no esquema altamente corruptor do Parlamento, o do Mensalão, do qual se salva pela incompetência da “oposição”, que nunca existiu na verdade, e pela popularidade trazida pela bonança econômica chinesa e a esperteza do “Guia Genial dos Povos”. Com isso, ele obtém sua reeleição – graças à mudança constitucional efetuada dez anos antes pelo mais vaidoso presidente que jamais existiu na história política do Brasil – e continua com seus planos megalomaníacos. A política econômica já tinha começado a desandar com o “empoderamento” de uma chefe da Casa Civil protegida pelo chefão, mas absolutamente inepta em matéria econômica e totalmente submissa ao esquema corruptor do PT. O mundo retomou, por alguns anos, taxas de crescimento que ele nunca tinha visto desde o primeiro choque do petróleo, criando super-bolhas nos mercados imobiliário e bancário dos EUA, a partir de 2007, que redundaram na crise internacional a partir de 2008, com efeitos mundiais nos anos seguintes. Países emergentes, a começar pela China e pela Índia, conhecem taxas dinâmicas de crescimento durante esses anos, mas o Brasil começa um processo de Grande Destruição econômica, que se manifestaria plenamente a partir de 2011.
2016: Finalmente, depois de longa agonia, ocorre a derrocada do governo lulopetista, mas não ainda o desaparecimento de seus efeitos nefastos sobre a política e a economia brasileira, e ainda mais sobre as mentalidades: o Brasil aparece como um país dividido, e com pouca capacidade política – e ainda menos estadistas – para superar a sua mais grave crise – econômica, política, moral, institucional – de toda a sua história. O mundo continua numa fase de baixo crescimento, agora agravada pela anunciada saída da Grã-Bretanha da União Europeia (uma grande trapalhada do Partido Conservador). Franceses e italianos continuam incapazes de empreender reformas substanciais, e os chineses começam a comprar seus ativos mais preciosos (como revelado pela aquisição do clube de futebol Milan). Mas a Eurocopa ainda é um sucesso mundial, aliás uma Copa do Mundo sem Brasil e Argentina…
Paulo Roberto de Almeida Paulo possui doutorado em ciências sociais e é diplomata de carreira, com destaque para quando foi ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington (1999-2003). Além disso, é autor de diversos livros de história diplomática do Brasil e sobre as relações econômicas internacionais, com destaque para o comércio internacional e a integração regional. (pralmeida@mac.com)
Como citar este artigo: Editoria Mundorama. "Um século de mudanças na vida do Brasil e do mundo nos anos 6, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais, [acessado em 11/07/2016]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/2016/07/11/um-seculo-de-mudancas-na-vida-do-brasil-e-do-mundo-nos-anos-6-por-paulo-roberto-de-almeida/>.

Mercosul e Venezuela, uma equacao dificil - Ministro de Estado Jose Serra (O Globo)

Um excelente artigo do ministro José Serra -- que certamente foi escrito com a ajuda de diplomatas conhecedores dos meandros, detalhes e filigranas do Mercosul -- que trata basicamente da difícil situação da Venezuela no bloco, mas pouco do sofrimento da população venezuelana, e das prisões de opositores políticos (compreensivelmente).
Quando o Mercosul fez 25 anos, em março passado, eu escrevi um:

2947. “O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada”, Brasília, 24 março 2016, 8 p. Publicado em  Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais (IRel-UnB; n. 103; 27/03/2016; ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/03/27/o-mercosul-aos-25-anos-minibiografia-nao-autorizada-por-paulo-roberto-de-almeida/). Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/03/o-mercosul-faz-25-anos-uma-biografia.html),

que pode ser lido em paralelo.
Paulo Roberto de Almeida

Vinte e cinco anos e muito por fazer 
Ministro José Serra *
O Globo, 10/07/2016

O Mercosul faz 25 anos, em meio a bons resultados agregados, ao lado de algum ceticismos em relação ao período recente e ao futuro próximo. Tem pela frente o grande desafio da renovação e da adaptação a um cenário internacional cada vez mais competitivo e instável. A crise que atingiu a região nos últimos anos não diminui a importância do projeto de integração. Ao contrário, torna urgente recuperar o dinamismo perdido, com vistas ao nosso desenvolvimento e projeção externa. É no contexto desses desafios que abordamos a questão da transmissão da presidência pro tempore do Mercosul para a Venezuela.
A presidência do bloco, atualmente a cargo do Uruguai, é exercida semestralmente, em sequência alfabética. Ocorre que as circunstâncias políticas na Venezuela, bem como o estágio em que se encontra o cumprimento por esse país das obrigações que assumiu ao aderir ao Mercosul, levaram o Brasil a sugerir a postergação da próxima transmissão, que seria em julho, até o próximo mês de agosto. Todos nós acompanhamos com preocupação os desdobramentos da crise política, econômica e humanitária na Venezuela. O debate sobre o funcionamento de sua democracia reflete uma realidade de polarização e acirramento retórico de difícil superação. O conflito entre Executivo e Congresso paralisa o país, e a ação do Judiciário é objeto de sério questionamento.
Evidências de que setores ligados ao governo querem o fechamento da Assembléia Nacional dão a medida da turbulência. Há denúncias de prisões arbitrárias, crescente violência nas ruas e uma gravíssima crise de desabastecimento de alimentos e remédios, que vem castigando duramente a população, sobretudo a mais pobre. O Brasil aposta no diálogo entre as principais forças políticas venezuelanas para o encaminhamento dos impasses. Mas é forçoso reconhecer que, hoje, o cenário é de grande instabilidade e de falta de vontade política para levar adiante a construção de pontes para uma saída democrática da crise.
Ao Mercosul e a seu funcionamento institucional, incluindo o exercício da Presidência, interessa também o efeito das indefinições e pendências no processo de incorporação de normas pela Venezuela. A entrada do país nesse bloco, em julho de 2012, deu-se em circunstâncias exóticas que, agora, quatro anos depois, cobram sua fatura. O ingresso de um novo membro exige consenso, mas o Paraguai se opunha à entrada da Venezuela, alegando, com razão, falta de cumprimento de requisitos prévios. Então, sob pretexto de que a demissão do então chefe de governo paraguaio, Fernando Lugo, embora seguindo normas constitucionais, fôra antidemocrática, os demais membros decidiram suspender o Paraguai, artifício que permitiu a adoção precipitada e com base em critérios político- ideológicos, do protocolo que viria a reger a adesão da Venezuela.
Esse protocolo, ao contrário do que seria correto, autorizou a entrada imediata da Venezuela, deixando para quatro anos depois a obrigação de incorporar o acervo legal do Mercosul. Esse prazo de carência vence no próximo dia 12 de agosto. Estamos falando de um conjunto de mais de 1.100 normas e cerca de 50 tratados negociados no âmbito do bloco. São regras que definem a identidade, a forma e o funcionamento do Mercosul. Não é um tema menor. Antes, é o que confere ao bloco conteúdo e identidade. Até o momento, a Venezuela incorporou pouco mais da metade dessas normas.
Ou seja, falta ainda um expressivo conjunto incluindo aí documentos essenciais, como o “Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos no Mercosul (2005)”, o “Acordo de Residência do Mercosul (2002)” e o “Acordo de Complementação Econômica n. 18, no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi)”.
Esse último, no qual estão refletidas as principais disciplinas comerciais do bloco, constitui a espinha dorsal do Mercosul comercial. A não incorporação dessas normas faz da Venezuela um sócio incompleto, inadimplente em relação a deveres que são fundamentais, como regras de origem, que definem se um produto pode ingressar nos demais parceiros sem pagar imposto de importação, cooperação judicial e regulamentos técnicos sobre meio ambiente, alimentos, direitos do consumidor e requisitos fitossanitários, entre outros. No momento em que os países da região, e o Mercosul com eles, voltam a conferir o devido valor à previsibilidade e à segurança jurídica, a expectativa de que a Venezuela cumpra com as obrigações assumidas é exigência lógica e requisito incontornável.
Ao propor a postergação da transferência da Presidência, o Brasil age com prudência, abrindo espaço e tempo para avaliar com serenidade o melhor caminho a seguir. O Mercosul não se pode deixar paralisar. Ao lado dos demais sócios, estamos determinados a modernizar o bloco, a derrubar os entraves que ainda impedem o total livre fluxo de comércio dentro do próprio bloco, a negociar matérias pendentes como investimentos e compras governamentais, a concluir novos acordos com parceiros extrarregionais e integrar-nos de maneira cada vez mais competitiva e proveitosa com o resto do mundo.
A Venezuela é um parceiro importante nesse processo. As potencialidades do país são imensas. Mas as bases para o nosso desenvolvimento conjunto precisam ser lastreadas em instituições respeitadas, comportamento previsível e regras claras. O futuro do Mercosul depende disso.

* José Serra é ministro das Relações Exteriores.

Dureza cair na vida desgracada dos brasileiros comuns, mas pior esta sendo ser incomum - Carlos Brickmann

Carlos Brickman se engana quanto ao cargo do segundo incomum citado, o aspone da PR para assuntos internacionais do partido da nossa desgraça: nunca foi criado nenhum cargo no Itamaraty, e o apartamento funcional que ele ocupa não deve ser do Itamaraty e sim da PR, salvo engano (que vou procurar esclarecer).
Em todo caso, reconheço: o dentista passou longe daquela boca, que ainda assim é muito apreciada pelos companheiros cubanos, a quem ele serviu fielmente, com fidelidade canina como se diz, nos últimos 40 anos, pelo menos...
Paulo Roberto de Almeida

MAIS ESCURO QUE MIL NOITES
Coluna Carlos Brickmann
Edição dos jornais de Quarta-feira, 13 de julho de 2016

O café vem frio, isso quando vem. Jatinho ou avião da FAB, nem pensar. O comum dos mortais compra uma passagem comum; o incomum sabe que será vaiado durante a viagem, interpelado no aeroporto, insultado; e, máxima humilhação, precisará chamar a Polícia para protegê-lo dos homens comuns a quem desprezava, aqueles bobos que gastavam seu dinheiro para viajar, em vez de viajar de graça e ainda embolsar diárias suficientes para tornar-se não um correntista comum, mas um usufrutuário. Não pode tomar um Chicabon, no bar, sem proteção. Nada nele é comum. E justo agora, Dudu Cunha, como lhe faz falta um pouco de vida comum!

É triste não ser comum, por menos que ser comum pareça desejável. Para outra criatura incomum, criou-se no Itamaraty um cargo que não existia, com um bom salário fartamente calculado, verbas, assessores, passagens, e se lhe destinou um ótimo apartamento funcional, onde mora numa boa há 13 anos. A julgar por certos sinais bem perceptíveis, foi protegido neste tempo contra a aproximação de dentistas; a julgar pelos resultados que obteve, foi protegido contra a maldição bíblica que determina aos humanos comuns que ganhem o pão com o suor de seu rosto.

E agora, Marco Aurélio, que a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, que tal parar de ignorar a decisão oficial e sair do imóvel indevidamente ocupado?

Senhores incomuns, é hora de largar o osso!

Contra a Antiglobalizacao: agora ja sei de onde saiu o "excesso" de downloads - Paulo Roberto de Almeida

Pronto: leitores benévolos de meu texto, e usuários da plataforma Academia.edu, me esclareceram esse mistério já não mais misterioso, de tentar saber porque um texto relativamente obscuro, ignoto, jamais citado, de 2004, teve um súbito ataque de popularidade, sendo downloadado dezenas de vezes no espaço de poucos dias, a partir dos mais diferentes cantos do Brasil, por pessoas aparentemente não relacionadas entre si (e de fato não tinham nada a ver umas com as outras).
Este texto:

1297. “Contra a antiglobalização: Contradições, insuficiências e impasses do movimento antiglobalizador”, Brasília, 5 jul. 2004, 23 p. Diplomatizzando (11/07/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/contra-antiglobalizacao-um-texto-de.html). 

Leitores atentos me deram a dica, e fui atrás. Um curso online do Instituto Legislativo Brasileiro, do Senado Federal, sobre Relações Internacionais, tinha colocado a recomendação como uma das primeiras leituras do curso abaixo, no qual tive de me inscrever, como o mais relapso dos alunos, para ter acesso à citação.
Depois de preencher aqueles formulários chatos, que só não perguntam quanto você pesa e qual cerveja prefere, recebi a seguinte mensagem:

Prezado (a) estudante,
Você foi matriculado (a) no curso a distância “Relações Internacionais: Teoria e História - Turma: 01 A”, com carga horária de 60 horas e duração de até 60 dias, que será realizado pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), órgão do Senado Federal.
Para acessar o curso, siga os seguintes passos:
• acesse a plataforma Saberes (http://saberes.senado.leg.br/);
• faça o login;
• clique em ‘Meus Cursos’; e,
• clique no curso informado.
Atenciosamente,
Serviço de Ensino a Distância - SEED
Instituto Legislativo Brasileiro – ILB


Pronto, fiz isso, e lá veio. Até desconfio quem colocou o meu nome e meu texto logo ao início do curso, sendo que eu mesmo não acho que o problema principal das relações internacionais contemporâneas seja a existência de antiglobalizadores, essa fauna exótico, bizarra, equivocada, que merecia ganhar um Darwin Awards (não sabe o que é? Procure no Google...).
A recomendação vem assim, logo na Unidade 1 do curso:

Uma leitura essencial sobre o tema é o artigo de Paulo Roberto de Almeida, “Contra a Antiglobalização”.

O problema é que o link para esse meu texto remete ao meu site (www.pralmeida.org), temporariamente desativado depois que o meu provedor de hospedagem pegou o meu dinheiro e sumiu. Calma: já providencia outro hospedeiro, mas agora vai demorar um pouco para carregar todos os documentos, e infelizmente os links já não serão os mesmos.
Mas, a própria bibliografia do curso, ao final do Módulo I, recomenda outro livro meu. Este aqui:
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as Relações Internacionais. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

Gosto muito desse livro, com esse título Aroniano, eu que sempre considerei o Raymond Aron o homem mais inteligente da França (depois do General De Gaulle, claro), assim como o Rui Barbosa era considerado o homem mais inteligente do Brasil (pelo menos os baianos pensam assim, e muita gente concorda).

OK, agora que eu já sei de onde veio a recomendação de leitura, agradeceria receber, de todos os leitores (pelo menos os mais ativos) críticas aos argumentos desse meu trabalho decididamente globalizador, e claramente contrário aos antiglobalizadores.
Como sempre, meus textos são para serem avaliados, repudiados, contraditados, contestados, rejeitados, mas sempre com argumentos que respondam claramente às minhas posições neles expostas.
Agradeço, de todo modo, aos que se interessam por essas peças de didática contrarianista no universo do politicamente correto da maior parte das nossas academias.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de julho de 2016

De onde vem meu anarquismo anti-estatal? (desculpem a redundancia) - Paulo Roberto de Almeida

Confesso que, mesmo quando eu era marxista, no século passado, no milênio anterior, eu nunca gostei muito do Estado, pois sempre fui um rebelde com causa, e o Estado é a coisa mais determinada que possa existir, sempre se metendo na nossa vida, dizendo o que podemos, e sobretudo o que não podemos fazer.
Assim, mesmo quando eu  queria expropriar a burguesia, nacionalizar os setores ditos estratégicos, e socializar a riqueza, eu nunca fui muito propenso a entregar tudo isso a burocratas. Talvez tenha sido a influência do Maurício Tragtenberg, meu professor de História no colegial (clássico), na segunda metade dos anos 1960, ele que era um judeu ateu, e um socialista anarquista, da tradição autogestionária (já escrevi sobre ele, e vou recuperar esse texto sobre "A Educação de Maurício Tragtenberg").
Mas, no texto abaixo, que recupero nesta hora da saudade (de 2004), está minha primeira reflexão sistemática (e utópica) sobre o Fim do Estado e a adesão a uma tresloucada coisa que eu chamei de "governança global" (como se pode ser ingênuo, não é mesmo?).
Mas, sem mais delongas, vamos ver o que eu escrevia sobre isso doze anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de julho de 2016


Contra a soberania estatal: uma proposta para acabar com Vestfália

Paulo Roberto de Almeida
Simpósio trilateral da Fundação Konrad Adenauer sobre
Política Social Internacional
(Rio de Janeiro, 27 e 28 de Maio de 2004;
Pestana Rio Atlântica Hotel – Av. Atlantica, 2964 - Copacabana – RJ)

(Notas para desenvolvimento oral, e ulteriormente texto escrito)

            Respondo sumariamente à seguinte questão que me foi colocada pelos organizadores:
“Que reformas no sistema internacional são desejáveis e possíveis a fim de se alcançar justiça social internacional?”
            Sendo telegráfico, eu diria apenas o seguinte:
O sistema de relações internacionais precisaria caminhar para a construção de uma arquitetura política e econômica que possa se basear na governança global e na democracia preventiva.
            Dito assim, parece fácil, mas o que estamos propondo resultaria, a termo, na própria extinção, eliminação ou redução substancial do sistema de Vestfália, ou seja, o da soberania absoluta dos estados nacionais.
            Talvez seja totalmente utópico, irrealista e impossível de ser implementada uma tal revolução no sistema de relações internacionais, mas acredito, sinceramente, que o direito internacional se encaminha, ainda que a passos muito lentos, nessa direção.
            Recordemos, antes de mais nada, que também Kant aspirava a uma utopia desse tipo, a paz perpétua, que para ele deveria ser baseada numa espécie de monarquia universal, o que significaria, em nossos tempos, regimes constitucionais e democráticos. Ora, o avanço do sistema multilateral, consubstanciado na ONU e na OMC, representa, de certa forma, um esboço dessa futura arquitetura política na qual os conflitos tendem a ser marginais e decrescentes.
            Se partilharmos da opinião, bastante sensata, de que regimes plenamente democráticos não conduzem guerras ofensivas e que respeitam os direitos básicos de seus cidadãos e os de todos os demais, então podemos afirmar que a democracia é um requisito essencial de todo e qualquer regime aspirando à justiça e à paz internacionais.
            Ora, sendo as ditaduras o resultado de processos políticos internos aos países e que estes são normalmente constituídos e reconhecidos segundo o modelo de Vestfália, então poderemos concluir, pela lógica formal, que a realização da democracia pode requerer, em certos casos, a abrogação gradual do sistema de Vestfália para que o ideal democrático possa ser realizado. Estou simplificando, obviamente, e nem acredito que a democracia possa ser implantada desde fora, mas creio, fundamentalmente, em valores universais que são os representados pelo Iluminismo europeu, multilateralizados na prática desde a Revolução francesa e o moderno sistema onusiano (com suas conhecidas limitações soberanistas, justamente). Desse ponto de vista, recuso o relativismo histórico e a relatividade culturalista: valores universais são valores universais, e o primado do indivíduo deve passar antes dos interesses dos Estados.
            Por isso, acredito que o próximo passo na elaboração conceitual do direito internacional esteja indicado pelo itinerário da afirmação dos direitos individuais contra os direitos do Estado e contra a razão de Estado. Não é fácil admitir este princípio, pois se teme o unilateralismo, a arrogância imperial e os abusos derivados dos interesses dos mais fortes, mas creio que o multilateralismo político já avançou ao ponto de poder limitar o poder da força e tentar afirmar, doravante, a força do direito.
            Contrariamente aos que acreditam que a intervenção americana no Iraque representou uma crise da ONU e de seu CS, creio que ela representa, ao contrário, uma reafirmação de certos princípios básicos que estarão sendo novamente defendidos pela maioria dos países membros.

            Isto, do ponto de vista da democracia e dos direitos humanos. Do ponto de vista da afirmação das aspirações dos povos a maior bem-estar, a maior justiça, pela garantia de condições mínimas de uma existência digna, creio igualmente que o caminho para essa prosperidade ampliada dos países e pessoas mais pobres ou mesmo miseráveis (que são justamente os suscetíveis de abrigarem regimes despóticos e autoritários) passa pela ampliação irrefreável da globalização, o fator mais poderoso, nos dias que correm, para a ampliação das franquias e a criação de riquezas.
            Uma globalização ampliada constitui o mais poderoso fator de convergência entre os povos, ainda que alguns acreditem que ela produz desemprego, concentração ou até mesmo miséria. Os dados disponíveis até aqui são todos inquestionavelmente em favor da globalização. O nacionalismo econômico costuma ir de par com regimes fechados, cartelizados, protecionistas, enfim, restritivos das escolhas individuais e portanto das liberdades humanas, entre elas a liberdade econômica de trabalhar e de acumular.
            Trabalhei sobre alguns dos estudos de economistas, entre eles Sala-i-Martin e Surjit Bhalla, que confirmam os efeitos inegavelmente positivos da globalização na melhoria da condição dos mais pobres.
            Dois requerimentos se impõem para ampliar a globalização: eliminar o absurdo protecionismo comercial e o subvencionismo pornográfico dos países ricos nas áreas da economia agrícola e da produção industrial labour-intensive, e reduzir o absurdo nacionalismo econômico dos países mais pobres, que só traz prejuízos aos seus povos, em benefício exclusivo de suas elites. Alguns ainda crêem que soberania econômica e capitalismo nacional são sinônimos de dignidade e bem estar, quando estes princípios, na verdade, estão associados a baixos níveis de produtividade e de desempenho econômico.
            Por isso, não hesito em afirmar: abaixo Vestfália, abaixo o soberanismo político e o nacionalismo econômico, ambos restritivos e tendencialmente autoritários. Viva a abertura, a universalização dos direitos individuais, a globalização e o internacionalismo.
            O sentido da história é este: poderá demorar um certo tempo, mas o caminho é este.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de maio de 2004

terça-feira, 12 de julho de 2016

E se eu quiser falar com esse tal de "Sul Global"? Ligo para quem? - Paulo Roberto de Almeida

Estava aqui pensando com os meus botões, o meu zipper, o meu velcro: 
Ouço, leio, vejo tantos acadêmicos falarem num tal de Sul Global, que comecei a me perguntar, aos meus botões, etc., onde é que teria de buscar para falar com esse personagem tão importante nos escritos, nos dizeres, nas perorações, de tantos gramscianos de academia?
Digam-me senhores, por favor: se eu quiser falar com o tal de Sul Global, eu ligo para quem, teclo qual número?
Isso é porque eu estava lendo algumas dessas matérias abundantes em certos meios que falaram de um tal de Sul Global, assim, com maiúsculas.
Você não sabe? Nem eu.
Se eu quiser falar com o G7, sei para onde chamar, para o sherpa de plantão na coordenação do próximo summit.
Se eu quiser falar com o Império, sei para onde ligar (só espero que não tenha de ser para aquele idiota do Trump).
Se eu quiser falar com aqueles confusos europeus, é só entrar no site dos eurocratas de Bruxelas, e mandar uma mensagem.
Até se eu quiser falar com os companheiros (se não estiverem presos), sei para onde ligar (sabendo que a PF também vai estar gravando a minha chamada), e serei (acho, espero) colocado em contato com algum neobolchevique encarregado de Relações Públicas (devidamente subsidiado por alguma doação legal, claro).
Mas, se eu quiser falar com esse tal de Sul Global, eu não tenho a menor ideia de quem chamar, qual número de telefone compor, a quem apelar...
Eu ainda me pergunto porque tantos acadêmicos (gramscianos?) falam nesse tal de Sul Global, já que não conhecemos, se me permitem o espírito policialesco, sua identidade, endereço, qualificações, CEP e site.
Alguém poderia me informar?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12/07/2016

Google Alert: o que aparece quando um robo busca pelo seu nome na internet? - Paulo Roberto de Almeida

O Google me diz que eu não estou suficientemente "alertado" quanto às referências, não ao meu nome, mas ao meu email, obviamente gmail.
Então, eu me decido a colocar o tal alerta, clico "Create Alert", e espero que vem.
Coisas estranhas, supresas bem-vindas, outras bizarras, em todo caso interessantes.
Transcrevo o que apareceu (sendo que algumas eu mesmo vou buscar o que é, exatamente, pois tem coisas decididamente bizarras, como um post sob esta identidade:

Butter Sculptures, Robot Pancakes & Floating Darth Vader).

Vai lá saber o que é.

Paulo Roberto de Almeida


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