Carreira
Diplomática e Carreira Acadêmica:
vidas
paralelas ou linhas que não se tocam?
Paulo Roberto de Almeida
No início de setembro de 2011,
mais exatamente no dia 9, recebi, pela segunda vez (a meu pedido),
correspondência, acompanhada de um questionário, de um acadêmico interessado na
carreira diplomática, que reproduzo abaixo, pois ele (omito seu nome, por
simples resguardo de privacidade) tece considerações extremamente interessantes
sobre essas duas vertentes da atividade profissional que sempre estiveram no
centro de minhas ocupações da idade adulta (ou seja, desde quando deixei de ser
simplesmente um “estudante” e fui ao “mercado” para trabalhar e sobreviver,
embora eu tivesse trabalhado sempre, desde a infância).
O questionário parece ter sido
dirigido exclusivamente a mim, mas acredito que ele poderia se aplicar também a
diversos outros colegas da carreira. Imaginando que minhas respostas possam,
igualmente, interessar tanto colegas de carreira como diversos outros
acadêmicos eventualmente interessados na profissão diplomática, tomo a
liberdade (esperando que isso não vá contrariar meu ”interrogador”) de postar
minhas respostas publicamente. O título deste trabalho é anódino, obviamente, e
apenas reproduz um informação de fato, ou seja, um paralelo entre duas
carreiras. O subtítulo é meu, e remete, no primeiro trecho, à famosa obra de
Plutarco – que traçava vidas paralelas de diversos imperadores romanos (mas
longe de mim insinuar qualquer semelhança conceitual entre um caso e outro) –
e, no segundo, ao conceito matemático de paralelas, que caminham eternamente em
direção ao infinito, sem necessariamente apresentar divergência irremediável, mas
tampouco tendendo a uma hipotética junção futura.
Em que sentido este subtítulo
expressa meu pensamento sobre essas duas carreiras? Provavelmente nada, já que
subtítulos são feitos para informar ou para provocar (embora esta função, nos
livros publicados nos EUA, caiba aos títulos accrocheurs ou appealings).
No meu caso, nem para uma coisa, nem outra, apenas para colocar uma pergunta,
uma dúvida, mas não ainda uma resposta. As respostas virão abaixo,
sistematicamente, embora essa questão envolva tantas outras interações, e
variáveis analíticas, que respostas tópicas provavelmente não bastarão para
esgotar um debate que reputo importante e cativante, numa perspectiva puramente
pessoal, dado meu interesse e envolvimento nessas duas vertentes, mas também
objetivamente, como fonte possível de reflexões em torno de dois polos da vida
profissional – a acadêmica e a diplomática, ou seja de servidor de Estado – que
conformam, junto com o polo propriamente empresarial, ou seja, na vida privada
(como empregador ou assalariado), as
três grandes interfaces de atuação de qualquer indivíduo, em qualquer tempo e
lugar (tirante a carreira de eremita, que imagino não existir como carreira, e
sim como opção puramente pessoal e bem mais teórica do que prática).
Dito isto, vejamos as
perguntas do correspondente, e minhas respostas:
1. Sua área de especialização
acadêmica afetou sua escolha ou opções de trabalho no Itamaraty? Você acredita
que tenha sido um fator essencial para algum posto específico?
PRA: Sim, tremendamente. O fato de eu vir
das humanidades, mais especificamente das ciências sociais, fez-me dirigir,
naturalmente, para aquelas áreas que tinham a ver com meus objetos de estudo,
contrariamente a possíveis orientações, no Itamaraty, para Administração,
Cerimonial, ou Comunicações, por exemplo, se por acaso meus estudos e
preferências pessoais tivessem me feito inclinar por essas áreas, para as quais
confesso não manter sequer curiosidade ou gosto. Minhas opções sempre penderam
para questões econômicas e políticas de desenvolvimento nacional, de cooperação
internacional, que estão no âmago, podemos dizer, do trabalho substantivo em
diplomacia, ou seja, a negociação de acordos e esquemas internacionais, no mais
das vezes multilaterais, mas também bilaterais, que tem a ver com organização
econômica e social dos países, seu desenvolvimento econômico e suas relações
pacíficas. Venho das ciências sociais, e mais especificamente da sociologia
histórica, mas com interesse pelo desenvolvimento econômico e político.
2. A intenção de se fazer um
mestrado / doutorado (MSc-MA / PhD) no exterior é viável no contexto da
carreira diplomática, especialmente num momento inicial da mesma (os primeiros
dez anos de casa, p. ex.)? E na UnB, quando a lotação for BSB?
PRA: Pode-se tentar, ou deve-se tentar,
embora a carreira seja extremamente absorvente quanto a horários, viagens,
obrigações, totalmente fora do expediente e ocupando fins de semana inclusive.
O diplomata não tem, ou não deveria ter, um expediente corriqueiro, como se faz
numa empresa ao “bater o ponto”. Por isso mesmo, estudos acadêmicos, em
paralelo ou concorrentemente com a profissão, são extremamente difíceis no
desempenho normal das funções, embora não seja excluída essa possibilidade.
Teoricamente sempre se pode estudar de noite, ou perseguir seus objetivos em
horários parcialmente coincidentes com o desempenho normal de funções na
carreira, em Brasília ou no exterior, mas isso depende muito das circunstâncias
e possibilidades de cada posto ou função.
3. Há alguma “parceria” entre
alguma escola internacional e o Inst. Rio Branco, no que tange ao
aperfeiçoamento do corpo diplomático?
PRA: Possivelmente existe, e sempre
existe cooperação entre academias diplomáticas por meio de convênios abertos,
mas sua implementação depende muito da vontade das chefias de “liberar”
diplomatas para se dedicar a atividades acadêmicas, e depende muito, também, da
orientação política de cada chefia. O IRBr já fez muito disso e ainda faz, mas
desde 2003, a cooperação e o intercâmbio têm sido basicamente empreendidos no
contexto Sul-Sul, quando não exclusivamente.
4. Há alguma incentivo por
parte do Itamaraty, como flexibilização de horários ou reestruturação da carga
horária?
PRA: Pode haver, mas isso depende muito
de uma negociação caso a caso.
5. Há alguma forma de “lotação
especial ou provisória” em razão de admissão em um programa de pós-graduação no
exterior?
PRA: Não. O diplomata não pode partir da
hipótese de que a Administração vai removê-lo para Boston ou NY, e liberá-lo de
obrigações diplomáticas, apenas pelo fato de ter sido aceito em Harvard ou
Columbia. Isso simplesmente seria uma imposição pessoal sobre o interesse do
serviço. Pode haver alguma acomodação a posteriori, mediante consulta e exame
do caso, mas não existe possibilidade uma carreira acadêmica, exterior ao
serviço, determinar a mobilidade e atribuições do funcionário.
6. Considerando sua
experiência pessoal, você acredita que tenha sido mais recompensador ingressar
no Itamaraty um pouco mais maduro, mas já tendo completado um doutorado (algo
que não seria tão simples se sua opção fosse inversa)?
PRA: Foi certamente mais interessante
ingressar no Itamaraty mais maduro, embora sempre se “perdem” alguns anos na
progressão etária, digamos assim, mas eu ingressei com o mestrado completo, e o
doutoramento em curso (terminado apenas depois de estar em meu segundo posto, e
isto por decisão pessoal).
7. Por último, especulo se no
futuro próximo, cogita-se postergar a aposentadoria compulsória dos servidores
públicos (inclusive diplomatas)?
PRA: Se a Constituição determina
aposentadoria aos 70, essa deveria ser a idade limite de fato para os
diplomatas; de direito é, mas de fato se dá cinco anos antes, com adaptações
caso a caso. No futuro, certamente haverá postergação geral da idade limite.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9/10/2011
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Correspondência original:
From:
Fulano <fulano@yahoo.com.br>
Subject: Reenviando email
com dúvidas sobre carreira diplomática e acadêmica
Date: 9 de setembro de
2011 18:45:40 BRT
To: Paulo Almeida <pralmeida@me.com>
Caro
P.R. de Almeida,
envio
novamente o email com algumas dúvidas sobre carreira diplomática e acadêmica.
Imagino
que você receba muitas dúvidas e afins. Portanto, sublinho que não há urgência
nos meus questionamentos, mas acredito ser um tópico interessante para vários
futuros diplomatas.
Abaixo
segue,
Att.
Fulano
Primeiramente
gostaria de lhe cumprimentar pela excelente iniciativa de organizar FAQs sobre
a carreira diplomática. Muitos dos tópicos são esclarecedores e foram uma ótima
orientação sobre diversas dúvidas sobre o Itamaraty.
Escrevo
para indagar sobre a relação entre carreira acadêmica e carreira diplomática.
Pelo que consegui investigar, constatei que embora a carreira diplomática não
impeça que se tenha uma vida paralela na academia, não é simples conciliar
ambas.
Certamente
o Itamaraty valoriza uma preparação acadêmica. A própria atividade diplomática
já exige algum conhecimento teórico e preparação intelectual diferenciada. No
entanto, não parece claro o benefício em termos de longo-prazo de se
aperfeiçoar academicamente. Conforme conversei com outros diplomatas, em boa
medida os indivíduos acabam tendo uma carreira acadêmica quase que apartada da
vida diplomática. Ou seja, me parece que os motivos preponderantes são mais de
ordem intelectual/pessoal do que de benefícios profissionais.
Tomando-se
em consideração que a maioria das universidades e centros de ensino, em
especial nos Estados Unidos, oferece apenas programas full-time , torna-se
extremamente árdua manter qualquer perspectiva de ser possível cursar uma
pós-graduação no exterior, ainda que seja na área de Relações Internacionais ou
Ciência Política, que, em princípio, seria uma boa forma de manter-se
atualizado e academicamente ativo. Por outro lado, vejo que algumas
instituições oferecem programas part-time para profissionais da área,
valorizando os profissionais e destacando o que a experiência pode trazer para
a sala de aula de aula. Dentre os programas que abrem essa possibilidade estão
da London School of Economics and Political Science – LSE e do Center for
Global Affairs – da NYU.
Caso
haja uma possibilidade concreta de estudar em um bom MA/MSc ou PhD, seria mais adequado colocar esse projeto como
prioridade em relação ao Inst. Rio Branco, visto que talvez seja parcial ou
completamente inviável algo do gênero após ingressar no Itamaraty ? Seria a
situação do ex-chanceler Amorim, que, salvo engano meu, estudou na LSE em nível
de pós-graduação e teve que abandonar seu curso antes de o completar ou
defender sua dissertação/tese.
De
certa forma, parece que é um tradeoff clássico : ingressar mais tarde na
carreira(pelo menos 4-6 anos depois) ou ingressar mais cedo e deixar a vida
acadêmica como um “hobby” (sem maiores preocupações com pós-graduação).
Assim
sendo, minhas perguntas seriam as seguintes:
1. Sua área de especialização acadêmica afetou
sua escolha ou opções de trabalho no Itamaraty ? Você acredita que tenha sido
um fator essencial para algum posto específico ?
2. A intenção de se fazer um mestrado / doutorado
(MSc-MA / PhD) no exterior é viável no contexto da carreira diplomática,
especialmente num momento inicial da mesma (os primeiros dez anos de casa, p.
ex.) ? E na UnB, quando a lotação for BSB ?
3. Há alguma “parceria” entre alguma escola
internacional e o Inst. Rio Branco, no que tange ao aperfeiçoamento dos corpo
diplomática ?
4. Há alguma incentivo por parte do Itamaraty,
como flexibilização de horários ou reestruturação da carga horária ?
5. Há alguma forma de “lotação especial ou
provisória” em razão de admissão em um programa de pós-graduação no exterior ?
6. Considerando sua experiência pessoal, você
acredita que tenha sido mais recompensador ingressar no Itamaraty um pouco mais
maduro, mas já tendo completado um doutorado (algo que não seria tão simples se
sua opção fosse inversa) ?
7. Por último, especulo se no futuro próximo,
cogita-se postergar a aposentadoria compulsória dos servidores públicos
(inclusive diplomatas)?
Quero
dizer, em alguns casos parece problemático o fato do Itamaraty perder
indivíduos que teriam condições de contribuir por mais alguns anos (embora
sempre haja o risco de perpetuar uma “gerontocracia”). Assim, seria uma boa
forma de evitar que haja um custo tão grande de se ingressar na carreira mais
tarde.
Desde
já agradeço pela gentileza de usar seu tempo e paciência para os aspirantes à
carreira diplomática.
Atenciosamente,
Fulano
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