Pessoalmente, considero este artigo bem mais político do que acadêmico, bem mais concessivo aos emergentes do que a realidade recomendaria, um exercício de contorsionismo verbal a serviço de alguma causa politicamente correta. Parece que o autor abandonou sua independência acadêmica em troca de algum posto na OMC...
Caminhando com gigantes
Patrick A. Messerlin
Valor Econômico, 5.04.2010
Na esteira da Cúpula do G-20, em Pittsburgh, no ano passado, autoridades americanas e europeias insistiram em que os membros do G-20 estavam impondo novas responsabilidades. Elas convidaram as autoridades econômicas dos gigantes emergentes a se envolverem mais na concepção de um novo balizamento econômico mundial - sugerindo, implicitamente, que isso não aconteceu até agora.
No entanto, as evidências não sustentam essa visão. Brasil, China, Índia, Coreia e México já vinham desempenhando um papel decisivo em duas grandes áreas: o regime de comércio mundial e a gestão da crise econômica mundial; ainda não há definição no que diz respeito a uma terceira: as mudanças climáticas.
Poucas pessoas parecem perceber a contribuição fundamental das economias emergentes para o sucesso do regime de comércio mundial atual. Durante as últimas três décadas, o surpreendente sucesso da liberalização comercial da China fez muito mais para convencer outros países em desenvolvimento sobre os ganhos com o comércio do que todas as exortações dos países na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De forma similar, entre os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), a China declarou seu mais profundo engajamento na liberalização de serviços, a Índia tem levantado a questão de maior liberalização dos serviços e o Brasil tem sido decisivo em romper com o protecionismo agrícola americano e europeu. Durante as negociações ministeriais cruciais na OMC em julho de 2008, o Brasil foi o negociador mais proativo. O fracasso nessas negociações falhas são geralmente atribuídos à Índia e aos EUA, mas a maioria dos observadores parece concordar que a responsabilidade dos EUA é maior.
Na administração de crises na esteira do colapso financeiro em 2008, as economias emergentes têm sido tão diligentes e ativas quanto os Estados Unidos e a União Europeia (UE). A deterioração do saldo orçamentário geral da Coreia do Sul, China e Índia foi tão grave quanto nos maiores países membros da UE. Medidas macroeconômicas discriminatórias relacionadas com a crise e adotadas em 2009 por todas as principais economias emergentes, exclusive a Índia e o Brasil, são comparáveis às implementadas nos EUA e em toda a UE.
Por último, porém não menos importante, o núcleo de economias emergentes absteve-se de elevar tarifas, e seus pacotes de estímulo concederam subsídios muito mais limitados aos setores bancário e automobilístico do que pacotes semelhantes nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Exceção foram as dramáticas medidas de estímulo na China, que, expressas em políticas industriais, serão uma fonte de problemas no futuro.
Quanto às mudanças climáticas, as posições das economias emergentes eram, até meados de 2009, negativas ou defensivas. Mas a Índia fez muito para mudar o ânimo quando tornou-se proativa no debate sobre mudanças climáticas na reta de chegada à mais recente cúpula de dezembro em Copenhague. Pouco antes da reunião, a China anunciou um corte substancial no crescimento, embora não no nível, de suas emissões.
As credenciais de liderança dos países do G-20, tais como Argentina, Indonésia, África do Sul, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia, têm sido menos convincentes. Esses países têm sido mais hesitantes em questões de comércio, mais ambíguos quanto aos instrumentos que escolheram para administrar a crise e continuam relutantes em lidar com as questões ambientais. Essas atitudes também são paralelas, em larga medida, a seu desempenho econômico menos convincente.
O fato de que o núcleo das economias emergentes têm contribuído substancialmente para a formação do novo quadro econômico mundial não significa que elas não continuem a enfrentar sérios problemas. Em particular, as discrepâncias de renda entre elas e os países ricos põem em perigo seu crescimento e estabilidade política de longo prazo, e ainda poderão prejudicar seu futuro envolvimento no processo do G-20.
Está na moda, hoje, buscar a implementação de normas internacionais mais rigorosas como solução para a maioria dos problemas mundiais, mas essa estratégia não é bem adequada a uma mudança, ora em curso, nas relações econômicas internacionais. A emergência de novas potências mundiais, combinada à diminuição da influência das atuais potências, não é propícia a disciplina mais rigorosa. As potências emergentes do mundo tendem a mostrar-se cada vez mais não inclinadas a aceitar limitações que veem como tutela norte-americana ou europeia. Ao mesmo tempo, ainda estão longe de exercer liderança, poder ou de introduzir, eles mesmos, maior disciplina.
Isso significa que os países da OCDE terão que liderar mediante exemplo. O que, em termos concretos, significa essa abordagem? Primeiro, ao reformar suas próprias estruturas regulamentadoras nacionais deveriam evitar guinadas muito fortes que os distanciem substancialmente de mercados supostamente racionais e os aproximem de governos supostamente racionais. Ao contrário, devem melhorar a qualidade da regulamentação, juntamente com execução e fiscalização. Como a regulamentação é uma forma de concorrência entre governos, um foco em melhor regulamentação parece, cada vez mais, o melhor canal de influência à disposição dos países da OCDE.
Segundo, os países da OCDE devem manter seus mercados abertos, e abrir os que estão fechados - na agricultura (crucial para o crescimento sustentado de economias emergentes, como Argentina, Brasil e Indonésia) ou de serviços (crucial para países como a Índia ou Coreia). Acima de tudo, essas regiões detêm a chave da geração de mais crescimento baseado em mercados internos em todas as economias emergentes. Tudo isso implica apoio muito mais vigoroso dos países da OCDE, especialmente dos EUA, a uma conclusão bem sucedida da rodada Doha da OMC.
Neste ano, a Coreia do Sul - um dos países de melhor desempenho durante a crise mundial - ocupará a presidência do G-20. Apoiar as iniciativas da Coreia do Sul cria excelente oportunidade para os países da OCDE mostrarem que, embora continuem orgulhosos do mundo pós-Segunda Guerra Mundial, agora em desaparecimento, não temem o novo mundo que está emergindo.
Patrick A. Messerlin é professor de Economia da Sciences-Po (Institut d Etudes Politiques), em Paris, e foi conselheiro especial do diretor geral da Organização Mundial do Comércio 1999-2002.
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