domingo, 29 de janeiro de 2012

Niilismo Academico - resenha Paulo R. de Almeida

Já que o Ipea reformulou completamente seus links (e tornando meus antigos links inoperantes), nada melhor do que recuperar aqui as próprias resenhas que andei publicando numa revista que já foi boa, muitos anos atrás, mas que atualmente só serve para transmitir a pobreza do pensamento único que reina naquela instituição que no passado já serviu para coisas úteis...
Paulo Roberto de Almeida

Resenha 3:
3. “Niilismo filosófico-político?”, Brasília, 22 agosto 2004, 3 p. Resenha de Paulo Eduardo Arantes, Zero à Esquerda (São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004, 306 p.), publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 2, setembro 2004, p. 76, link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1749:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1318. Relação de Publicados nº 514. 

Niilismo filosófico-político?ImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

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O livro de Paulo Arantes, professor universitário dotado de sólida cultura filosófica, apresenta as conhecidas virtudes e defeitos da produção acadêmica na área de ciências humanas: um aparato conceitual rico e diversificado, um instrumental analítico sofisticado, uma preocupação legítima, socialmente engajada, com velhas questões que preocupam toda e qualquer sociedade - emprego, distribuição, igualdade, inclusão cultural e outras -, ou seja, uma boa qualidade no diagnóstico, tudo isso acompanhado, entretanto, por um deslocamento do eixo "terapêutico" em direção a um hipercriticismo teórico que não leva em conta as limitações do real na implementação de políticas públicas, nacionais ou setoriais.

Com efeito, os dezessete ensaios reunidos neste volume tocam nos mais diversos problemas culturais, políticos e filosóficos que "agitam" (este é o termo) qualquer departamento de filosofia que se pretenda "socialmente responsável". Mas eles também revelam algumas das "obsessões" do seu autor com dois problemas que parecem ter ficado parados na garganta da esquerda universitária: o partido da reforma, atualmente no poder (e decepcionando seus velhos aliados acadêmicos), e o processo de globalização (invariavelmente classificado de capitalista, injusto, assimétrico ou destruidor). Assim, a despeito da salada filosófica muito variada servida em fartas doses em quase todos os seus capítulos, o que o livro comporta, de verdade, é uma crítica implacável ao processo de globalização, o que me parece não apenas inócuo mas desfocado, e uma condenação sem apelo da política econômica do atual governo (que não atende aos padrões de "ruptura" pregados quixotescamente pela comunidade acadêmica).

Em relação ao governo liderado pelo PT, por exemplo, o autor considera, num epílogo datado de abril de 2003 e intitulado "Beijando a Cruz", que o partido "já vinha entregando os pontos há um bom tempo". Para ele, o partido já está inapelavelmente "a serviço do Capital" e teria ocorrido uma "conversão suicida do Governo Lula à ortodoxia econômica" (p. 303 e 306). Nisso o livro não difere da meia dúzia de "manifestos econômicos de oposição" que circularam na academia e nas redações de jornais no último ano e meio. Ele é igualmente cáustico em relação à globalização. Vê seu sangue ferver com a "desfaçatez" do "show diário de cinismo das elites econômicas globalizadas que afinal chegaram ao cúmulo de impingir a falência social do seu sistema como uma lei natural a ser aceita por todos". Acredita, sinceramente, que "o capitalismo não tem alternativa para a humanidade" (p. 127).

Este é o universo mental no qual se move a maior parte das crônicas, entrevistas e reflexões "filosóficas" desse autor, um mundo no qual existe um "Partido Intelectual", um "Partido da Ordem", outro do "Progresso", a "saudosa Dialética" e outras variações impressionistas sobre a ditadura do Capital, a "riqueza financeirizada", a "estetização do poder" ou o "pensamento único", conceito este tomado de empréstimo a um dos papas da antiglobalização (da tribo dos irredutíveis gauleses, mas que preferem se ver como "altermundialistas", sem jamais ter explicado do que, exatamente, seria feito esse "outro mundo possível"). O autor exibe sua certeza de que vivemos uma nova "lógica dual", na qual o 'ajuste' latino-americano ao padrão geomonetário deflagrado pelo diktat político do novo dinheiro mundial (o parâmetro imperial do dólar-flexível), em que a integração global subalterna (se faz) acompanhar de uma igual desintegração nacional" (p. 42); ou a certeza de que a "barbárie hoje nada mais é do que o capitalismo triunfante levado ao seu paroxismo" (p. 234).

A crer em autores como Paulo Arantes (e outros catastrofistas de plantão), o Brasil caminha rápido para um processo de "africanização", cuja culpa, é óbvio, cabe inteiramente às nossas elites estrangeirizadas, hoje incorporando também o partido no poder. O que resta, finalmente, é uma confusa sensação de déjà vu, all over again. Em lugar de "espalhar a arte da subversão para as novas gerações", como pretende o livro, ele corre seriamente o risco de espalhar tédio e apatia no que resta de pensamento crítico no interior da torre de marfim. É realmente surpreendente que acadêmicos pagos com o dinheiro da sociedade para atuar como consciência crítica dessa mesma sociedade consigam viver em circuito fechado, fazendo e desfazendo continuamente o fio da meada de sua própria irrelevância prática.

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