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domingo, 22 de julho de 2012

Dez anos depois: uma entrevista censuravel - PRA nas Paginas Amarelas de Veja

De vez em quando eu mesmo acabo "caindo" em material antigo, como por exemplo esta entrevista concedida por mim às Páginas Amarelas da Revista Veja.
Teve gente que não gostou, na Santa Casa, e até hoje me pergunto o que eu disse que pudesse contrariar de modo tão direto a política externa oficial para justificar uma censura escrita, a primeira de três.
Paulo Roberto de Almeida 

Ricos e arrogantes

Especialista em relações internacionais
diz que os países desenvolvidos agem de
forma desleal com seus parceiros pobres


Cristiana Baptista
Revista Veja, Edição 1 723 - 24 de outubro de 2001
Ron Sachs/CNP
"O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia. A abertura tem de ser recíproca"
O sociólogo Paulo Roberto de Almeida, 50 anos, é autor de sete livros sobre comércio internacional. Outros três serão lançados nos próximos meses. São Os Primeiros Anos do Século XXI: Relações Internacionais Contemporâneas, com as atualizações que se mostraram necessárias depois dos atentados terroristas nos Estados Unidos, e Formação da Diplomacia Econômica no Brasil, os dois em português. Além desses, ele é autor de um livro de história brasileira destinado a leitores estrangeiros, que está sendo editado na França. Ultimamente, ele tem se interessado pela hipocrisia que norteia as relações de troca entre os países ricos e as nações pobres.
Em artigo publicado recentemente no jornal O Estado de S. Paulo, Paulo Roberto de Almeida demoliu com argumentos avassaladores as idéias fora do lugar de Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência da República, que defendeu a política agrícola européia, viciada em proteção excessiva e subsídios e altamente nociva aos interesses brasileiros. Paulo Roberto de Almeida vive atualmente em Washington, nos Estados Unidos.
Veja – Os países ricos são hipócritas por pregar o livre comércio para os outros ao mesmo tempo que erguem barreiras protecionistas em torno de suas economias. Há alguma chance de eles mudarem de atitude? 
Almeida – Não. É desalentador constatar que os países mais avançados, amparados nas melhores teorias econômicas, preconizam as virtudes do livre comércio, mas estão longe de praticá-lo. Os Estados Unidos têm um déficit comercial de 400 bilhões de dólares ao ano e são de longe a economia mais aberta do planeta, mas em relação a uma gama de produtos, que por acaso coincidem com nossos principais bens de exportação – especialmente na área agrícola –, os americanos praticam um protecionismo renitente, com a utilização de barreiras não-tarifárias de diversos tipos. Isso sem falar dos subsídios maciços com que adubam sua agricultura. Para outros produtos, como o aço, existem medidas anti-dumping que também são abusivas. Não é preciso lembrar os efeitos nefastos que o protecionismo agrícola da União Européia provoca não só em nossas exportações, mas no comércio internacional como um todo. Os europeus praticam não apenas um protecionismo para dentro, ou seja, restringem o ingresso de produtos de outros países em seus mercados. Eles também praticam uma concorrência desleal para fora, na medida em que subvencionam pesadamente as exportações de determinados bens que poderiam ser vendidos por países produtores agrícolas não-subvencionistas. O protecionismo agrícola é certamente um obstáculo importante porque penaliza uma parte substancial do comércio exterior brasileiro. Os subsídios internos também são um fator relevante à medida que eles distorcem os preços. Se alguém dá subsídios aos produtores de soja, por exemplo, faz com que os preços caiam nos mercados internacionais, e isso penaliza produtores não-subsidiados.

Veja – No caso do aço, eles têm alguma razão econômica indiscutível para sobretaxar o produto brasileiro?
Almeida – 
O aço é uma das indústrias tradicionais americanas. Ela emprega centenas de milhares de pessoas e patrocina um dos mais ativos e bem-sucedidos lobbies dos Estados Unidos. As siderúrgicas americanas por força do lobby vêm mantendo como verdadeira a idéia falsa de que o aço estrangeiro é vendido a preço baixo em seu mercado apenas porque os países exportadores praticam o dumping – o rebaixamento irreal e, no caso do comércio internacional, ilegal de preços. Isso é uma falsidade. O Brasil consegue vender produtos siderúrgicos a preços mais baixos que os Estados Unidos pela simples razão de que nossa indústria, nesse setor, é mais eficiente. A siderurgia brasileira é mais competitiva que a americana. Obviamente existem fatores naturais que nos favorecem, como a proximidade das jazidas e a qualidade do minério. Mas, em modernização tecnológica, a siderurgia brasileira dá um banho na americana. Por isso ela recorre aos lobbies e abusivamente acusa o Brasil de fazer dumping. Como vimos, são alegações sem fundamento.

Veja – Os países ricos estão sendo sinceros quando criam dificuldades ao comércio das nações em desenvolvimento em nome da preservação ambiental ou da coibição do trabalho infantil?
Almeida – A intenção declarada é a mais meritória possível: defender o meio ambiente e melhorar as condições de trabalho dos operários. Na prática, sabemos que tais cláusulas acabam atuando em detrimento dos países em desenvolvimento e justificando medidas protecionistas abusivas, a pretexto de defender regras "leais de comércio". O Brasil não tem nada a temer nesse tipo de questão. Não apenas porque possuímos uma legislação ambiental adequada, mas também porque nossas empresas exportadoras apresentam alto grau de conformidade com os princípios mais modernos do ciclo de vida dos produtos. No plano trabalhista, igualmente, o Brasil aderiu à maior parte das convenções internacionais que defendem direitos dos trabalhadores e liberdade sindical. Em muitos pontos estamos à frente dos Estados Unidos, que exibem um registro pouco lisonjeiro nessa área.

Veja – Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência da República, afirmou que a Europa tem lá suas razões para defender a agricultura com subsídios e barreiras. A política agrícola européia é defensável?
Almeida – Não. A política européia está em total contradição com o que os europeus pregam sobre abertura econômica, competição leal e livre concorrência. A questão central, a meu ver, não é dar dinheiro aos agricultores. Se os europeus acharem que devem subsidiar a agricultura, é uma questão interna deles. O condenável é barrar a competição de fora tanto na Europa quanto nos países onde eles vendem seus produtos. Se achar certo, o governo francês tem todo o direito de levar os agricultores a Paris, hospedá-los nos melhores hotéis da Avenida Champs-Élysées e ainda pagar um bônus para eles se divertirem. Esse não é o ponto. Essas mordomias até sairiam mais baratas que a política agrícola européia atual. Os europeus gastam 60 bilhões de dólares por ano em subvenções agrícolas. Eles que gastem como quiserem o dinheiro público. O problema começa quando eles, além disso, usam mecanismos francamente condenáveis para barrar a competição externa. Obviamente, está-se diante de um grave problema de eficiência. A competição externa permitiria baixar à metade o preço da cesta de comidas típicas dos europeus. Não há legitimidade na defesa da política agrícola européia.

Veja – Lula a defendeu...
Almeida – Não posso acreditar que líderes políticos defendam uma guerra de subsídios. Isso claramente não é do interesse nacional. Não tenho nada contra o fato de que os europeus façam o que quiserem com seu dinheiro. Mas interessa a todos os brasileiros e deveria interessar também aos partidos de oposição que o mercado mundial funcione com regras leais de competição. Por lealdade, entendo uma situação em que os produtos brasileiros recebam na Europa o mesmo tratamento que os europeus recebem no Brasil.

Veja – Como avançar diplomaticamente nesse campo, em que os países ricos mostram tanta intransigência?
Almeida – Com negociação. Há muito tempo o Brasil vem insistindo na abertura dos mercados agrícolas, assim como os Estados Unidos e os europeus insistem em regras para a proteção da propriedade intelectual. Cada grupo de países tem seus interesses. O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia e propriedade intelectual. Queremos que essas áreas sejam negociadas da mesma forma. A abertura precisa ser recíproca. O papel dos países ricos no comércio mundial tem de sofrer uma mudança radical. Internamente, eles precisam aceitar mais competição. Mas o dano maior que causam é pela maneira ilegal como massacram os produtos originários de países pobres nos mercados não-europeus. Ao subsidiar seus produtores rurais, os europeus estão arruinando os produtores agrícolas dos países pobres. Essa situação não pode continuar.

Veja – É correta a alegação de que uma maior abertura da Europa aos produtos agrícolas importados arruinaria a economia da região?
Almeida – Não. Está provado por uma série de evidências recentes que abertura comercial não tem relação direta e causal com problemas econômicos internos. Os Estados Unidos ostentam um déficit comercial anual de 400 bilhões de dólares e são a economia mais aberta do planeta. Poucas vozes aqui relacionam os problemas atuais da economia americana com o grau de abertura de seu mercado. Outras duas economias que estão entre as mais abertas do mundo, Cingapura e Holanda, são também altamente desenvolvidas. Os países podem ter problemas internos em quaisquer circunstâncias, com ou sem abertura da economia. A idéia de que praticar o livre comércio de duas vias pode fazer as economias entrar em colapso é retrógrada. Essa visão corresponde a uma concepção mercantilista do comércio e da economia internacional que não tem mais razão de ser em nossa época. A União Européia, uma potência comercial e nosso mais importante parceiro econômico, é protecionista e desleal. Ponto. Agindo assim, a Europa provoca efeitos econômicos danosos a si própria e ao bom funcionamento do comércio mundial.

Veja – Com terrorismo e recessão, podemos estar entrando numa fase de retrocesso da globalização?
Almeida – Não acredito. Uma série de medidas já foram tomadas para inverter essa tendência recessiva. E não acho que haja uma tendência à volta ao protecionismo.

Veja – A crise argentina e as dificuldades enfrentadas por Brasil, Uruguai e Paraguai estão enfraquecendo os laços criados pelo Mercosul. O senhor acredita na eficiência e sobrevivência dos blocos econômicos regionais?
Almeida – A União Européia começou em 1957 e levou praticamente quarenta anos para ser totalmente constituída. Ela alternou momentos de euforia, de crescimento, de recessão, pessimismo e otimismo. O Mercosul tem apenas dez anos. Ele cresceu extraordinariamente nesse período. Hoje enfrenta dificuldades temporárias que serão certamente superadas.

Veja – Depois dos atentados terroristas aos Estados Unidos, o senhor sentiu necessidade de revisar seu livro Os Primeiros Anos do Século XXI: Relações Internacionais Contemporâneas, que está prestes a ser publicado. O que mudou na situação mundial?
Almeida – Talvez não seja totalmente correto afirmar que o mundo mudou radicalmente com essa ação espetacular do terrorismo fundamentalista, mas é absolutamente certo que a agenda internacional já é outra. A prioridade agora são os temas de segurança e a luta contra as redes de terroristas. O Brasil também partilha essas preocupações, ainda que não seja alvo provável de atentados. As prioridades centradas na questão do desenvolvimento passaram para o segundo plano.

Veja – Por que o comércio internacional é sempre uma questão tensa e confusa?
Almeida – Porque ele funciona de uma maneira que não é exatamente a esperada pelo senso comum. O comércio internacional não pode ser uma via de mão única. A visão mercantilista, segundo a qual exportar é bom e importar é ruim, não cabe mais nos tempos de hoje. Isso não corresponde à realidade econômica dos países em geral, nem do Brasil em particular. Quando o país importa ele moderniza sua economia e passa a estar qualificado também para exportar mais e melhor. Precisamos certamente exportar mais, mas isso também não significa dizer que precisamos voltar a ter saldos superavitários estrondosos como nos anos 80, quando eles chegavam a 12 bilhões de dólares ao ano.

Veja – Os produtos brasileiros são competitivos no mercado internacional?
Almeida – O Brasil é bastante competitivo em alguns setores e perde feio em outros. Mas diferenciais de competitividade e de produtividade não podem ser de nenhuma maneira invocados como justificativas para o protecionismo, sobretudo quando levados às raias do absurdo comercial e do irracionalismo econômico, como acontece com a política agrícola européia. Na verdade, a competitividade agrícola brasileira não deixa nada a desejar quando confrontada à da Europa ou dos Estados Unidos, com exceção de poucos setores de notória especialização e de alta intensidade tecnológica. De fato, é justamente por ser competitivo que o Brasil está sendo penalizado no acesso ao mercado europeu de alimentos e insumos processados.

Veja – O Brasil está finalmente descobrindo que uma das funções dos diplomatas é vender a imagem do país no exterior e com isso facilitar os negócios?
Almeida – O Brasil descobriu que precisa criar uma cultura exportadora. Como todo grande país, ele está voltado para dentro. Isso também acontece com os Estados Unidos. O comércio exterior ocupa um pedaço muito pequeno na economia brasileira, algo como 10% do produto nacional bruto. Agora, a condição para que o Brasil se desenvolva, para que a população tenha um progresso social, uma melhoria no padrão de vida, um aumento na renda, é a inserção bem-sucedida do país no comércio internacional. O Mercosul e a abertura econômica foram passos importantes nesse sentido, mas é preciso avançar mais. 

Um comentário:

ALlan disse...

Prezado Paulo,
sua entrevista continua atual.
Muito interessantes as suas análises.
Abraços,
ALlan