segunda-feira, 2 de julho de 2012

Mercosul aos 15 anos: pior do que antes, melhor do que depois... (PRA, 2006)

Um texto para "comemorar" os 15 anos do Mercosul, publicado num jornal do Nordeste do Brasil. Creio que não teve melhor divulgação do que o efêmero de um dia.
Vai postado aqui para demonstrar, mais uma vez, que nada se encontra tão ruim que não possa piorar um pouco mais.
Paulo Roberto de Almeida 



O Mercosul aos quinze anos

Paulo Roberto de Almeida
Professor do Uniceub (Brasília) e diplomata.
Brasília, 24 de março de 2006

            O Mercosul – ou mercado comum do sul – começou sua trajetória a partir de 1985, com os esquemas bilaterais entre a Argentina e o Brasil. Um tratado bilateral de integração, em 1988, prometia o estabelecimento de um mercado comum em dez anos, por meio de protocolos setoriais de integração, numa visão de complementaridade das duas economias. Em 1990, os presidentes Carlos Menem e Fernando Collor decidiram acelerar o processo, com posterior adesão do Paraguai e do Uruguai: o novo esquema de liberalização, consagrado no tratado de Assunção (26 de março de 1991), passou a ser automático, geral e de características fundamentalmente livre-cambistas. Os novos prazos de integração foram reduzidos pela metade e o “mercado comum” deveria ser alcançado até o início de 1995.
            A despeito de graves problemas de estabilização macroeconômica no Brasil e na Argentina, a liberalização comercial pôde caminhar de forma mais ou menos rápida, abrindo espaço para o aumento do comércio intra-regional. Não obstante, não foram corrigidas as chamadas “assimetrias estruturais” que conduziram o Brasil a uma crescente especialização industrial e a Argentina a uma ênfase nas indústrias ligadas ao setor primário de sua economia. Ocorreu uma espécie de “Brasil-dependência” na Argentina, uma vez que esta tinha no seu maior vizinho o destino para mais de um terço de suas exportações totais e um volume praticamente similar nas importações.
            O protocolo de Ouro Preto, assinado no final de 1994 para “completar” o tratado de Assunção, não criou instituições novas, nem estabeleceu mecanismos para facilitar a coordenação de políticas macroeconômicas. Não obstante os avanços, não se chegou ao prometido “mercado comum” ou mesmo à união aduaneira completa, mantendo-se várias exceções à Tarifa Externa Comum. Existem ainda produtos fora da zona de livre-comércio, como açúcar e automóveis.
Em 1996, Chile e Bolívia tornaram-se parceiros da “zona de livre-comércio”, mas a associação ao Mercosul dos demais parceiros do Grupo Andino teve de aguardar até os anos 2003-2005. A “ameaça” da Alca – projeto dos EUA para unificar numa mesma zona de livre-comércio todos os países do hemisfério – fez com que o Mercosul desenvolvesse uma estratégia comercial defensiva.
            A desvalorização da moeda brasileira em 1999 representou um choque para a Argentina e o início de uma fase crítica para o Mercosul, que se prolonga até os nossos dias. A Argentina entrou em crise no final de 2001, o que coincidiu com o decréscimo nos fluxos de comércio: ela começou a recorrer, de modo freqüente, a mecanismos de defesa comercial (salvaguardas unilaterais). A despeito do crescimento do comércio a partir de 2003 permanecem os desequilíbrios, motivando demandas de proteção por parte da União Industrial Argentina.
            Em 2004 a Argentina começou a pressionar pela adoção de um instrumento de salvaguardas automáticas, eufemisticamente caracterizado como sendo um “mecanismo de adaptação competitiva”, que ela pretendia implementar de maneira unilateral. Antes, ela já tinha insistido num “gatilho cambial”, o que foi abandonado, em vista da persistente valorização da moeda brasileira a partir de 2003. No início de 2006, os dois países adotaram o projeto argentino para salvaguardas setoriais, recebido com reclamos por parte da indústria brasileira. No plano político, houve a criação de um fundo corretor de assimetrias estruturais – a ser utilizado sobretudo pelos dois sócios menores, mas com maior volume de financiamento por parte do Brasil – e a instituição de um “parlamento” do Mercosul, considerado um aperfeiçoamento institucional. Permanecem demandas pelo estabelecimento de “cadeias produtivas setoriais conjuntas”, iniciativas inviabilizadas na prática pela incapacidade dos governos de cada um dos países de prestar assistência financeira ou empreender investimentos em base a recursos públicos. Mas voltou-se a dar ênfase, sobretudo sob impulso político do governo brasileiro, aos projetos de integração física continental, intenção consagrada na criação da “Comunidade Sul-Americana de Nações” (dezembro de 2004).
            A Venezuela foi admitida “politicamente” no Mercosul, em dezembro de 2005, mas ainda faltam negociar os termos da adesão comercial. Com a diluição da “ameaça” da Alca – inclusive a partir de sua virtual paralisação na terceira cúpula hemisférica, em Mar del Plata, no final de 2005, por atuação conjunta da Argentina, do Brasil e da Venezuela –, os países sul-americanos tentam construir, com estratégias e objetivos muito diversos, uma nova agenda integracionista para a região, menos voltada para a liberalização comercial e mais orientada para a cooperação política e o estabelecimento de ligações físicas.

Brasília, 24 de março de 2006

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